Vol. 41 (Nº 02) Ano 2020. Pág. 15
ALCANTARA, Luiz Alberto de 1; BORGES, Valdir 2; FILIPAK, Sirley Terezinha 3 e GRANDINI, Claudio Oliveira 4
Recebido: 17/09/2019 • Aprovado: 19/01/2020 • Publicado 31/01/2020
RESUMO: O presente artigo busca investigar o conceito de paradoxo na gestão democrática escolar, a partir de Paulo Freire, aspirando uma intervenção social possível no contexto escolar. O itinerário investigativo perseguido foi demonstrar diversos paradoxos que tangem à gestão democrática escolar na localidade de Paulo Freire, à administração e à distância entre o discurso estabelecido na legislação brasileira vigente e a realidade da prática da gestão democrática. Para isso, descortinamos a ideia de democracia freireana, subtraída do sociólogo romeno Zevedei Barbu, que compreende a democracia, primordialmente, como uma forma de vida, antes de ser uma forma política. Assim, perscrutamos e detectamos os ranços autoritários, que paradoxalmente, resistem e se interpõem à gestão democrática escolar, porque ainda não internalizamos em cada um dos atores da gestão escolar a democracia como forma de vida. Dessa forma, ainda que paradoxal, possibilitar-se-á uma intervenção social do gestor com vistas à transformação. |
ABSTRACT: This article seeks to investigate the concept of paradox in school democratic management, starting from Paulo Freire, aiming at a possible social intervention in the school context. The investigative itinerary pursued was the demonstration of several paradoxes concerning the democratic school management in the local place of Paulo Freire, to administration and the distance between the discourse established in the current Brazilian legislation and the reality of the practice of school democratic management. In order to do this, we have discovered the idea of democracy in Paulo Freire, subtracted from the Romanian sociologist Zevedei Barbu, who understands democracy, primarily as a way of life, before being a political form. Thus, we search and detect the authoritarian ranks, which paradoxically, resist and interfere with democratic school management, because we have not yet internalized in each of the actors of school management, the democracy as a way of life. In this way, even if paradoxical, a social intervention of the manager with a view to transformation will be possible. |
Apresentamos nesta investigação o conceito de paradoxo na gestão democrática escolar em Paulo Freire. Recordamos que há poucos escritos do referido autor acerca da temática em voga, mas realizando uma minuciosa visita ao corpus freireano, essencialmente, em educação e atualidade brasileira, educação como prática da liberdade, Pedagogia do Oprimido e Cartas a Cristina é possível emergir a temática da gestão democrática escolar.
Perseguimos o itinerário dos paradoxos na administração e gestão escolar, para em seguida, demonstrar os paradoxos da prática educativa, confrontando-os com a legislação brasileira vigente, naquilo que tange à gestão democrática escolar. Nosso itinerário persegue a ideia de democracia freireana, adaptada e incorporada do sociólogo romeno Zevedei Barbu para chegar àquilo que Paulo Freire coloca como o paradoxo dos conflitos no contexto histórico social escolar possibilitando a intervenção social.
Para a realização da pesquisa optamos por realizar uma pesquisa documental e bibliográfica, que por meio de uma análise de conteúdo de documentos selecionados, estabelecemos um diálogo crítico com as fontes. Os dados foram problematizados com apoio nas obras de Barbu (1962), Borges (2013), Brasil (1988, 1996), Cury (2002), Freire (1965, 1968, 2003), Gadotti (2001), Lima (2007), entre outros, buscando compreender, analisar, refletir e dialogar o conceito de paradoxo na gestão democrática escolar em Paulo Freire: uma intervenção social possível no contexto escolar.
É de capital importância a apresentação e o desenvolvimento sobre o conceito de paradoxo, para compreensão acerca da discussão na gestão democrática escolar em Paulo Freire. Assim, paradoxo é originado do grego (paradoxos), e do latim (paradoxum). Desta forma, paradoxo é a junção de duas palavras: “para” que significa o oposto, ou contrário, e “doxa”, que significa opinião. Então, paradoxo: opinião contrária, opinião oposta (FERREIRA, 2009, p. 1488).
Fica evidente a importância da definição de paradoxo para que possamos aprofundar a discussão e reflexão acerca da gestão democrática escolar em Paulo Freire. Sem a devida definição, não conseguiríamos apresentar uma estruturação dialógica no campo da educação. Acreditamos que é necessário apresentar nesta pesquisa algumas reflexões no campo da educação, da gestão democrática escolar em Paulo Freire no contexto escolar.
Buscamos por meio da dialógica frereana apresentar as reflexões necessárias para dialogar acerca do paradoxo da gestão democrática em Paulo Freire no que tange à intervenção social possível no contexto escolar. Pois, é evidente o contraste e as contradições encontradas na gestão democrática escolar em Paulo Freire, o abismo entre a teoria e a prática, dificultando assim a intervenção social possível, no contexto escolar e na formação dos professores. Para conseguirmos proporcionar as reflexões necessárias, nos estruturaremos, nos artigos, teses, dissertações e referenciais bibliográficos. Ampara-se também, em um conjunto de normas e regulamentações pertinentes à área da educação: legislação, decretos, portarias que versam, principalmente, sobre a gestão democrática escolar em Paulo Freire. Iniciaremos por definir a diferença entre gestão e administração, importantíssimo para definir o percurso da dialogicidade, tão cara a Paulo Freire. Para uma melhor compreensão do tema faz-se necessário esclarecer os conceitos de administração e gestão no contexto de paradoxo.
Algumas vezes, administração escolar é associada a administração empresarial. Pois, no início do século passado, alguns autores justificavam o uso destes termos. Desta forma, buscaremos demonstrar o paradoxo das diferentes definições apresentadas em diferentes campos bibliográficos. Os termos utilizados e justificados pelos autores são: gestão escolar e gestor escolar, bem como, administração escolar e administrador escolar. Assim, o termo administração escolar é citado por Lourenço Filho:
o conceito tem com base as teorias de Henry Fayol. Acredita que administrar é exercer a cooperação das relações dentro da escola, ou seja, a participação de todos na tomada de decisão. Os conceitos de eficiência e eficácia, assim como de Método Científico permanecem no decorrer de sua exposição. (MARINHO, 2014, p. 141).
Anísio Teixeira apresenta o paradoxo da definição administração escolar. Para ele a administração escolar é um conceito que está intrínseco à função da escola, e por isso o paradoxo da administração escolar difere da administração de empresas. Para essa diferenciação entende-se a defesa da especificidade da escola, compreendendo esse lócus enquanto espaço de aprendizado, produção sem fins lucrativos e de trabalho exclusivamente pedagógico. De outro lado, Querino Ribeiro, justifica o paradoxo entre a administração escolar e a administração empresarial. Ele compreende que a escola como empresa do Estado é um órgão público, regido por normas externas a ela própria. Dentro deste paradoxo ressalta-se o valor da escola e de sua função social. (MARINHO, 2014, p. 142).
Para o professor da Universidade de São Paulo, Vitor Paro (2016, p. 24), a administração escolar, em seu sentido geral é como: “[...] a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados”, ou seja, a definição dos recursos mais adequados para as atividades que serão desenvolvidas com vistas ao objeto desejado, no caso da escola, transmissão dos conhecimentos historicamente acumulados.
Em Dinair Hora (2002, p. 39), o termo gestão escolar estruturou-se e fortaleceu-se, sobretudo na década de 1970, quando um movimento reagindo à concepção de administração escolar da época, que pressupunha um caráter de saber neutro e objetivo, sendo, no entanto, uma aplicação dos princípios paradoxal da administração empresarial à realidade da escola, sem que levassem em conta os elementos próprios. Dessa forma, a ideia de gestão escolar defenderia uma prática, por parte dos atores da escola: mais política e menos técnica dos seus afazeres; o que exigiria então reflexão específica sobre as suas questões particulares e impediria que o setor educacional importasse práticas mecanicamente de serviços da área empresarial.
Enquanto Heloisa Lück (2006, p. 58) acredita que o paradoxo da gestão escolar fortaleceu-se no final da década de 1980 para o início da década de 1990. Nesta época ocorreu a redemocratização no Brasil e a promulgação da nova Constituição Federativa de 1988, que proporcionou a adoção, nas escolas, de um cotidiano administrativo mais próximo a seus usuários. Diante deste paradoxo de definição, a autora, supracitada, também, define a administração escolar, quando afirma que o conceito de administração escolar como um afazer linear e mecanicista, em que as ordens eram emitidas, em nível hierárquico, do alto para o baixo, de forma unidirecional e sem grandes discussões. Dentre as definições de Heloísa Lück, ela aponta, uma reflexão sobre a gestão democrática, da seguinte maneira:
gestão educacional corresponde ao processo de gerir a dinâmica do sistema de ensino como um todo e de coordenação das escolas em específico, afinado com as diretrizes e políticas educacionais públicas, para a implementação das políticas educacionais e projetos pedagógicos das escolas, compromissados com os princípios de democracia e com métodos que organizem e criem condições para um ambiente educativo autônomo (soluções próprias, no âmbito de suas competências) de participação e compartilhamento (tomada conjunta de decisões e efetivação de resultados), autocontrole (acompanhamento e avaliação com retorno de informações) e transparência (demonstração pública de seus processos e resultados). (LÜCK, 2006, p.35-36)
Diante do paradoxo de conceitos até aqui apresentados sobre administração escolar e gestão escolar adotaremos o conceito de Gestão Escolar, por entender que este termo coloca em prática o espírito da lei, por destacar a forma democrática com que a gestão dos sistemas de ensino das escolas, onde possam e devam ser desenvolvidas, pois, as leis citadas anteriormente descrevem gestão democrática. Desta forma, faz-se necessário a apresentação do paradoxo da legislação brasileira vigente no que tange à gestão democrática escolar.
O paradoxo da gestão democrática escolar está ampara pela Constituição Federal de 1988. O professor da Universidade Federal de Minas Gerais Carlos Roberto Jamil Cury o cita, da seguinte maneira:
as bases para a gestão democrática da escola pública encontra-se firmadas no artigo 206, inciso VI da Constituição Federal de 1988 – posteriormente afirmadas pelas constituições estaduais e leis orgânicas dos municípios. Encontra-se neste preceito a indicação da escolha por um regime normativo e político que é plural e descentralizado, que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisão, requer a participação e supõe a abertura na escola de novas arenas públicas de deliberação e de decisão. (CURY, 2002, p. 170).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de n° 9.394/96, em seu título II, artigo 3°, inciso VIII estabelece que: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) VIII – gestão democrática do ensino público, na forma de Lei e da legislação dos sistemas de ensino; (...)”. As escolas públicas têm como base de ensino a gestão democrática. A partir desta descentralização oportunizada pela Lei n° 9.394/96, se consolidou a democratização no interior das escolas com a eleição direta para diretores e a criação do conselho escolar. (BRASIL, 1996).
A gestão democrática escolar, também ganhou atenção na Lei n.° 13.005, no Plano Nacional da Educação que acentua a necessidade da ação coletiva compartilhada. Assim, apresentamos a gestão democrática escolar amparada na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Plano Nacional da Educação, mas, o que não se verifica no cotidiano da escola. Evidenciamos que a base jurídica está regulamentada na proposta de uma gestão democrática escolar, mas a prática, nem sempre caminha nesta mesma direção. Percebe-se que a gestão democrática escolar apresenta-se fundamentada na legislação brasileira vigente, mas o que ainda se verifica na prática cotidiana, evidenciamos que é uma distância abismal entre o discurso e a prática, ou seja, a centralização do poder está vinculada ao gestor escolar. Os demais atores deste processo, família, professores e toda comunidade escolar são alijados de uma efetiva participação democrática, devido à centralização imposta pelo gestor, que muitas vezes, ocupa este cargo para atender os interesses do Estado. Os pais, professores e toda comunidade, fazem parte de um processo que por meio da dialogicidade, autonomia, reflexão e participação podem desempenhar e contribuir na democratização da escola pública, intervindo no contexto histórico-social escolar, porém há uma carência e pouca internalização de que a democracia é, sobretudo, uma forma de vida.
É muito importante destacar o que Paulo Freire entende por educação. A educação nada mais é que a prática da liberdade como descreve em sua obra escrita no exílio do Chile em 1965, antes ainda de Pedagogia do Oprimido. “Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de libertação”. (FREIRE, 2007, p. 44). Pois, Paulo Freire propõe uma pedagogia crítica, uma revolução pedagógica libertadora”. (BORGES; ALCÂNTARA; CAMPOS, 2019, p. 61). Para que se consiga uma gestão democrática na escola é necessário uma pedagogia da dialogicidade comprometida com a busca da liberdade, da justiça, da ética e da autonomia do homem, sujeito de sua própria história e construtor do seu destino.
Uma pedagogia assim entende em que a dialogicidade é a essência da educação como prática da liberdade (FREIRE, 2005, p. 89-99) que é capaz de impulsionar uma gestão que prime pelo diálogo, participação e emancipação, que conduza à cidadania e à democracia. A experiência democrática somente é possibilitada pela educação, pois afirma Freire: “A democracia e a educação democrática se fundam ambas, precisamente, na crença no homem”. (FREIRE, 2007, p. 104).
No contexto hodierno vivemos novamente o perigo da despolitização da escola, a tal “Escola sem Partido”, que, por ainda não compreendemos o que realmente é a vivência em uma sociedade democrática ou, talvez, porque neste pais, nunca fomos tão amantes da democracia. Nesta esteira Paulo Freire se refere aos conceitos de democracia explicitados pelo sociólogo romeno Zevedei Barbu, que trabalhou nos finais da década de 1970 a 1986 no departamento de sociologia da Universidade Federal de Brasília.
Zevedei Barbu entende a democracia e a ditadura pelo viés sociológico e principalmente psicológico, utilizando daquilo que entendemos como padrão, ou tipo de vida intercalando a análise da estrutura política-social com uma análise do comportamento social e da personalidade. A distinção fundamental entre democracia e ditadura está no fato destes dois sistemas compreenderem os fenômenos impulsionados pelas mudanças sociais. Sendo que nas democracias, facilmente, verifica-se a existência de estruturas sociopolíticas elásticas, flexíveis, onde as mudanças são bem assimiladas, apesar de sabermos que a democracia é o governo da soberania do povo, tentar defini-la é uma tarefa difícil. Nas palavras do sociólogo romeno Barbu:
la razón está en que la validez de todos los conceptos fundamentales normalmente incluidos en tal definición se ha visto seriamente cuestionada por las diversas condiciones históricas en que se realizó la democracia. (BARBU, 1962, p. 19).
Para Zevedei Barbu, a democracia é mais que um conceito político é uma forma de vida, um esquema mental, ou melhor ainda, a essência daquilo que compreendemos por democracia, está no fato dela representar um modo ético de vida. A democracia traz em si uma base nacional da modalidade, sem isso não há soberania do povo, mas apenas discurso democrático. Paulo Freire em Educação como prática da liberdade demonstra conhecimento sobre a concepção de democracia que supra citamos e expusemos de Zevedei Barbu e sustenta que:
a democracia que, antes de ser forma política, é forma de vida, se caracteriza sobretudo por forte dose de transitividade de consciência no comportamento do homem. Transitividade que não nasce e nem se desenvolve a não ser dentro de certas condições em que o homem seja lançado ao debate, ao exame de seus problemas e dos problemas comuns. Em que o homem participe. (FREIRE, 2007, p. 88).
Após esse preâmbulo nos arriscamos a dizer que em muitas instituições a gestão democrática escolar ainda tem poucos de assistencialismo e de militarismo pois compreendemos a democracia somente como um conceito político, mas ainda não conseguimos internaliza-la como um esquema mental, uma forma de vida, um modelo ético de vida. Sem essa hermenêutica democrática, teremos certas dificuldades em implantar uma gestão escolar que seja, realmente, democrática.
Estamos vivenciando em nossa sociedade brasileira, índices insuportáveis de corrupção e desassossego nos marcos legislativo, político e judiciário, um verdadeiro desencanto com as instituições, ditas democráticas, ou até mesmo paradoxo democrático:
No Brasil, país conhecido internacionalmente pelas abismais desigualdades nos diversos âmbitos da vida, ecoa sempre mais o clamor e a sede de justiça e equidade social onde se trevam duros embates pela justa medida na distribuição de oportunidades e recursos, ainda concentrados nas mãos de uma casta privilegiada. Esse processo de injustiça e indiferença social é o resultado desastroso da selvageria do atual capitalismo globalizante, pautado no lucro e na economia de mercado. Neste, há um processo de separação entre os que detêm as condições e oportunidades e aqueles que são excluídos, parcial ou totalmente, de qualquer participação social, política, cultural ou econômica. (BORGES & ALCÂNTARA, 2018, p. 1).
Se a sociedade está em conflito, também a gestão democrática escolar está em conflito, por isso, a gestão escolar não pode camuflar, falsear, inverter a realidade escondendo o conflito, mas desvenda-la e afronta-la. Neste cume, a gestão deverá responder aos conflitos na ordem pessoal, pedagógica e administrativa com uma “Pedagogia do conflito”, assim como pretende o freireano Moacir Gadotti, que a entende como a sua prática da educação, ou da educação ao da gestão como prática dos conflitos.
O paradoxo da gestão democrática em uma pedagogia do conflito deve enfrentar toda forma de autoritarismo e submissão e subserviência ao poder estabelecido, daí apresentada como paradoxo, onde o educador ou gestor assuma a educação com um papel predominantemente crítico do contexto histórico-social onde está inserido na busca sua autonomia e na construção de uma sociedade mais democrática, livre, justa e solidária. Quando o gestor repensar a educação, a pedagogia, estão repensando a própria sociedade. Desta forma, Moacir Gadotti apresenta-nos o que é o paradoxo do conflito:
Uma pedagogia do conflito é essencialmente crítica e revolucionária. Isso significa que ela não esconde as relações existentes entre educação e sociedade, entre educação e poder, ou seja, ela não esconde o papel ideológico, político da educação. (GADOTTI, 2001, p. 59-60).
Quando se aduz à pedagogia do conflito como uma pedagogia revolucionária, quer se ressaltar aquela ação pedagógica, o gestor é capaz de interferir no contexto histórico-social como uma prática social transformadora, que impulsione as mudanças substanciais e significativas na sociedade. E, nos dias hodiernos, mais que outrora, vivemos em uma sociedade conflituosa com tantas contradições que são expostas diariamente nos telejornais e na mídia com um todo. Moacir Gadotti destaca quando o conflito se instaurou nas esferas da sociedade ou do poder:
Uma sociedade entra em fase de conflito quando as contradições existentes no seu interior rompem os laços orgânicos que as mantinham em equilíbrio. Toda sociedade graças a esse equilíbrio de forças opostas (contradições). [...] por sociedade em conflito entendo aquela sociedade que conquistou o direito de falar, de dar voz ao seu grito sufocado. É assim que vejo nossa sociedade hoje. Uma sociedade, que ainda não conquistou sua liberdade, mas apenas a possibilidade de dizer que não é livre. (GADOTTI, 2001, p. 74).
Assim, este paradoxo dos conflitos no contexto escolar e na formação continuada dos professores, evidenciamos o gestor, como responsável direto pelo fio condutor, capaz de solucionar os conflitos, e ao mesmo tempo proporcionar aos educadores condições de em meio ao conflituoso dinamismo de educar, viver e conviver, possamos por meio da experiência adquirida neste contexto escolar o paradoxo da educação como intervenção social possível.
Já temos afirmado a importância da noção de democracia que Paulo Freire herdou do sociólogo romeno Zevedei Barbu, não como conceito político, mas como uma forma de vida. Temos dito também que vivemos em uma sociedade paradoxal, fragmentada em conflitos, por isso, o trabalho do diretor escolar deverá ser pautado numa pedagogia que não esconda e camufle o conflito do clima escolar, mas, que seja capaz de proporcionar por meio da educação uma intervenção social possível, que procure educar para a participação dos pais e da comunidade, com a dialogicidade e para o comprometimento com a construção de uma nova história, uma nova sociedade pautada no equilíbrio entre diálogo e conflito. Eis o trabalho do diretor de escola como afirma Márcia Lima:
o trabalho do diretor de escola é pleno de encontros e desencontros, conflitos, desafios e realizações. É muito comum que a realidade do cotidiano e exigências diversas afastem-no daquilo que tinha em princípio, como propósito. Por isso, é possível perceber como as equipes escolares anseiam por presença, atenção, sugestões decisões e encaminhamentos por parte do diretor. Os muitos problemas existentes no dia-a-dia das unidades escolares, entre os quais se destacam a falta de diálogo entre os colegas, os conflitos pessoais e as relações de poder que se estabelecem, todos prejudicam e provocam sentimentos de desencanto em relação à escola. O grande desafio hoje é (...) conseguir recriar um novo sentido para a condição humana. (LIMA, 2007, p. 37-38).
O papel do diretor além de uma visão ampla do conjunto da escola com sua prática educativa, equilibrando o diálogo com a gestão do conflito na organização escolar. Ele também estrutura o clima escolar, conduzindo à participação de todos com a delegação e compartilhamento das responsabilidades de todos os envolvidos no processo educacional. Pois, diante do paradoxo da participação dos pais, professores e
O diretor de escola é o promotor de uma gestão capaz de conduzir a emancipação por meio da educação, sem deixar-se contaminar pelo pragmatismo de tantas ideologias vigentes, nem sempre pautadas na intervenção social, mas que buscam somente o ajustamento ou a adaptação ao modo de produção vigente. Os gestores, diretores de escola, muito além de todo ajuste ou adaptação são os primeiros que temem resistirem à despolitização da escola pública no país, pois não há projeto pedagógico que não seja antes um projeto político, onde se possa emancipar, conscientizar para a cidadania e, consequentemente, aprofundar a democracia, para uma sociedade mais justa e igualitária.
Diante deste paradoxo os gestores recaíram em uma educação bancária (FREIRE, 2005, p. 65-77) que é uma crítica contundente e profunda que Paulo Freire faz à burocratização da escola e da gestão escolar, onde a racionalidade é instrumentalizada, sendo assim, está excluída a participação dos atores educativos das grandes decisões da gestão escolar, o que é no mínimo alienante e repressivo. Evidenciamos que:
O tema da administração, gestão escolar não é a temática específica de Paulo Freire, não foi a preocupação fundamental de sua investigação, mas está permeado no conjunto de sua obra, na sua visão de ser humano, de sociedade, de educação, onde podemos, perfeitamente, trazer para o terreno da gestão democrática escolar. Uma gestão não alienada e nem alienante, que não camufla o conflito existente em nossa sociedade, refletido nas diferentes unidades escolares, que nem inverte e nem falseia a realidade. Diante de toda ideologia que distorce o processo educativo, enfrente e afronta como uma contra-ideologia, mostrando que a educação não é e nem pode ser neutra, mas é compromisso social, político e, sobretudo, o ato educativo sempre implicará uma atitude ética. Este é o modelo de gestão escolar democrático pautado na concepção freireana. Este é o desafio ainda a ser alcançado na sua plenitude. (ALCÂNTARA; BORGES; FILIPAK, 2018, p. 20).
Cremos que ainda estamos andando passos lentos no que tange à nossa inexperiência e entendimento do que seja realmente a construção de uma gestão escolar democrática. Neste ponto ainda faz eco e se atualiza o que afirmou Paulo Freire há algumas décadas: “A superação da inexperiência democrática por uma nova experiencia: a da participação, está à espera” (...). (FREIRE, 2007, p. 91).
Estamos ainda à espera, de uma intervenção “radical, de uma democracia radical e de uma pedagogia democrática, para organização e participação como práticas da liberdade” (LIMA, 2009, p. 310). Pois, há grandes percalços, desencantos e tropeços na recente redemocratização do nosso país, o Brasil. Estes desassossegos e desencantos se fazem presentes na gestão escolar, que a nosso modo de ver, também está à espera.
Estamos à espera de ser realmente uma organização democrática promotora de uma prática da participação, que seja capaz de refletir e indagar os anseios dos atores educativos. Dessa forma, impulsionará e se pautará pelos caminhos da liberdade emancipatória que se demonstra na capacidade dos seres envolvidos no processo educativo de deliberarem sobre as suas condições de existência. Esse seria o ideal de uma “Educação como prática da liberdade”, no entendimento freireano a gestão, ou a escola capaz de propiciar-nos uma organização educativa e pedagógica democrática, autodeterminante e autônoma, proporcionando assim uma radical intervenção social possível.
Nesta investigação acerca dos paradoxos na gestão democrática escolar em Paulo Freire: uma intervenção social possível no contexto escolar. Expusemos, a partir de Paulo Freire e outros comentadores alguns paradoxos relacionados à gestão democrática. Através da dialógica, da dialogicidade freireana nos adentramos à reflexão sobre a gestão democrática escolar e seus paradoxos mais expressivos no que tangem à intervenção social. Fomos impulsionados pela noção de democracia freireana, incorporada do sociólogo romeno, Zevedei Barbu, cuja hermenêutica nos conduz ao entendimento de democracia como uma forma de vida, antes de ser uma forma política.
Cremos que os paradoxos na gestão democrática escolar se devam a uma má compreensão do que seja, realmente, a democracia. Os ranços autoritários, tratados aqui como paradoxos, ainda perceptíveis na gestão escolar, devem-se, sobretudo, a uma concepção de democracia, que não se integra como forma de vida em cada um dos atores e agentes de dita gestão.
O gestor democrático no estilo freireano é aquele que integra e se sobrepõe aos conflitos, interferindo e intervindo no contexto histórico-social dos educandos e educadores, bem como, em todos os diferentes atores envolvidos no processo de gestão democrática escolar com vistas a uma significativa transformação social. Este gestor é a base de sustentação, do equilíbrio diante das forças antagônicas, diante dos paradoxos e conflitos, promovendo a liberdade e a corresponsabilidade do pensar e do agir. É o que reata os laços, desfaz as rupturas, recriando e ressignificando a condição humana pela intervenção social.
ALCÂNTARA, Luiz Alberto de; BORGES, Valdir; FILIPAK, S.T. Fundamentos da gestão democrática escolar em Paulo Freire. Revista ESPACIOS. Vol. 39 (Nº 43) Ano 2018. p. 20. Disponível em: http://www.revistaespacios.com/a18v39n43/18394320.html
BARBU, Zevedei. Psicologia de La democracia y de La dictadura. Buenos Aires: Paidós, 1962. (Traduzido do original em inglês por Noemi Rosemblat).
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
BORGES, Valdir. A reconstrução de uma ética pedagógica libertadora à luz de Paulo Freire. 1. ed. Curitiba, PR: CRV, 2013.
BORGES, Valdir; ALCÂNTARA, Luiz Alberto de. Direitos Humanos, educação e ética na era da globalização a partir de Paulo Freire. Revista ESPACIOS. Vol. 39 (Nº 10) Ano 2018, p.12. disponível em: https://www.revistaespacios.com/a18v39n10/18391012.html
BORGES, Valdir; ALCÂNTARA, Luiz Alberto de; CAMPOS, Gabriela Ribeiro. A indiferença da humanida para com os refugiados da terra: uma problemática ético-política da atualidade. Revista Debates Insubmissos, Caruaru, PE. Brasil, Ano 2, v. 2, nº 4 . Edição Especial. 2019. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/debatesinsubmissos/article/view/239697/31392
BRASIL, Presidência da República. Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Publicada no Diário Oficial de 23 de dezembro de 1996. Disponível em http://www.mec.gov.br/legis/defaut/shtm. Acesso em 24/04/2016
BRASIL. Constituição Federal. Brasília, 1988.
COSTA, Marco Antônio F. da & COSTA, Maria de Fátima Barrozo da. Projeto de Pesquisa: entenda e faça. 5. ed. – Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2014.
CURY, Carlos R. Jamil. Gestão democrática da educação: exigências e desafios. In: Revista Brasileira de Política e Administração da Educação. v.18, n.2, jul/dez. 2002.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da língua Portuguesa. 4.ed. Curitiba: Positivo, 2009.
FERREIRA, Naura S. Carapeto et al (Org.). Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. São Paulo: Cortêz, 2001.
FONSECA, João Pedro da. Planejamento Educacional Participativo. In: Revista da Faculdade de Educação. São Paulo, v. 21, n° 1, p. 79-112, jan/jun. 1995.
FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. 3. ed. São Paulo: Cortêz e IPF, 2003b.
______. Educação como prática da liberdade. 30. ed. Rio de janeiro: Paz e terra, 2007b. (Publicado no exílio do Chile, 1965).
______. Pedagogia do oprimido. 42. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2005a. (Publicado no exílio do Chile em 1968).
______. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. 2 ed. rev. São Paulo: VIVESP, 2003.
GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. São Paulo: Cortez, 2001.
______. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
HORA, Dinair Leal. Gestão democrática na escola. Edição nº 10, 2002, Ed. Papirus.
LIMA, Licínio C. Organização escolar e democracia radical: Paulo Freire e a governação democrática da escola pública. 4. ed. São Paulo: Cortez: Intituto Paulo Freire, 2009. –(guia da escola cidadã; v.4).
LIMA, Márcia Regina Canhoto de. Paulo Freire e a Administração Escolar: A busca de um sentido. Brasília: Liber Livro Editora, 2007. 148 p.
LOURENÇO FILHO, M.B. Organização e Administração Escolar: curso básico. 8ª edição. Brasília: INEP/MEC, 2007. In: MARINHO, Iasmin da Costa. Administração Escolar no Brasil (1935-1968): um campo em construção. Dissertação de Mestrado. USP. 2014. 197 p.
1. Doutorando em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, membro do grupo de pesquisa de formação dos gestores escolares do Paraná. Correio Eletrônico: luizalbertodealcantara@gmail.com
2. Doutor em Educação, Mestre em Filosofia e Professor da Escola de Educação e Humanidades, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, atuando como professor de Filosofia, Ética, Lógica e Filosofia da Educação. Membro do grupo de pesquisa de formação dos gestores escolares do Paraná. Correio Eletrônico: valdirb@hotmail.com
3. Doutora em Educação, Mestre em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Stricto Sensu da PUCPR, coordena o projeto de pesquisa a Formação dos Gestores das Instituições de Educação no Paraná. PUCPR. Doutora em Educação pela PUCPR. Contato: sirley.filipak@pucpr.br
[Índice]
revistaespacios.com
Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons
Atribuição-Uso Não-Comercial 4.0 Internacional