ISSN 0798 1015

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Vol. 40 (Nº 19) Ano 2019. Pág. 22

Tecnologias visuais e a compreensão crítica da imagem: uma reflexão sobre os estudos da cultura visual e a educação

Visual technologies and the critical comprehension of the image: a reflection on the studies of visual culture and education

SILVA, Rossano 1; GÓES, Anderson R. T. 2 e VAZ, Adriana 3

Recebido: 19/03/2019 • Aprovado: 28/05/2019 • Publicado 10/06/2019


Conteúdo

1. Introdução

2. Considerações sobre as imagens e as tecnologias

3. Elementos da cultura visual e sua presença na escola

4. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Neste estudo refletimos sobre a natureza tecnológica da imagem e as mudanças nos regimes de visualidade trazidas pelas transformações das tecnologias visuais e seu impacto na relação entre cultura e imagem, que incide diretamente sobre o contexto escolar. Os resultados mostram que existe relação direta entre as tecnologias e a construção da imagem, tanto no aspecto de conteúdo e quanto no aspecto de sua forma, sendo um dos fatores ao desenvolvimento do regime de visualidade de um dado período.
Palavras chiave: Cultura Visual; Imagem; Educação; Tecnologias.

ABSTRACT:

In this study we reflect on the technological nature of the image and the changes in the visuality regimes brought about by the transformations of visual technologies and its impact on the relation between culture and image, which focuses directly on the school context. The results show that there is a direct relationship between the technologies and the image construction, both in the content aspect and in its aspect of form, being one of the factors to the development of the visuality regime of a given period.
Keywords: Visual Culture; Image; Education; Technologies

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1. Introdução

O presente artigo tem por objetivo principal discutir a natureza tecnológica da imagem especialmente refletindo sobre sua presença na educação, compreendendo a imagem como um aparato visual incluso na cultura visual, presente no regime de visualidade da contemporaneidade e dessa maneira presente na Escola por meio das diversas tecnologias que geram informações e possibilitam a comunicação. Para cumprir o objetivo proposto o artigo será metodologicamente construído através da revisão bibliográfica de variados autores que discutem o regime contemporâneo das imagens. Esses autores foram divididos em três grupos: aquele que analisa as relações entre a imagem e as tecnologias e/ou aparatos visuais; o que trata da relação entre a imagem e os regimes de visualidade; e o que aborda a relação entre os estudos da cultura visual e a educação.

Nesse sentido, esta explanação será realizada em duas partes. Na primeira, serão discutidas as definições das imagens, ressaltando aquelas que trazem a discussão sobre as técnicas e tecnologias empregadas em sua construção e seus aparatos visuais. Na segunda, serão apresentadas o entendimento dessas novas imagens no regime de visualidade contemporâneo, sua relação com as tecnologias de informação e comunicação (TICs) e suas interfaces com a educação e a cultura visual.

Antes de iniciarmos a discussão sobre imagens, faremos uma breve introdução sobre a sua relação nas chamadas tecnologias digitais, com base nas contribuições da autora Vani Moreira Kenski (2015). Ao discorrer sobre a relação entre tecnologia, comunicação, poder e educação, Kenski (2015) refletiu sobre o papel das tecnologias e sua função de informar e comunicar, trazendo uma conceituação das TICs baseada em três suportes de linguagem: oral, escrita e digital.

A necessidade de comunicação entre os seres humanos, para a autora, foi uma constante e para cumprir essa finalidade se desenvolveram as “tecnologias da inteligência”, cuja base é imaterial, ou seja, não está nas máquinas ou aparelhos, mas na linguagem. Embora caracterize esse aspecto imaterial nas tecnologias da inteligência, afirma que para o uso das linguagens foi necessária a criação de produtos e processos (KENSKI, 2015, p. 27).

Assim, apesar de seu caráter imaterial, existe a necessidade de uma materialidade para que essas tecnologias ou as linguagens possam ser acessadas. Nesse sentido, baseamo-nos na tese de que a imagem em seu conteúdo pode ser considerada uma linguagem e que por sua vez precisa de um suporte material, que se transfigura numa técnica ou tecnologia (AUTOR, 2018). Para a autora, o advento da Revolução Industrial trouxe novas mídias, que surgiram para dar suporte às tecnologias da inteligência. Entre essas mídias destacamos os jornais, o rádio, a televisão, o cinema, entre outras. Argumentação que reforça nossa compreensão da necessidade de uma materialidade para a difusão da linguagem.

Nesse sentido, os estudos da cultura visual alinham-se à necessidade de compreensão das tecnologias, em especial das tecnologias visuais, pois a cultura visual possibilita “desvelar mundos intermidiáticos no qual imagens e artefatos competem pelo poder de representação, expondo e provocando múltiplas camadas de significado e de subjetivação para as experiências visuais do cotidiano.” (OLIVEIRA e HERNÁNDEZ, 2015, p. 92). Já que a cultura visual se caracteriza como uma zona de interstícios por onde transitam artefatos, imagens e tecnologias visuais, que por sua vez mobilizam a interação entre educação e cultura visual. Essa interação possibilita aos professores e alunos a se tornarem produtores de cultura visual, que em parte é intermediada pelos aparatos visuais e midiáticos.

Conforme Kenski, as mídias são baseadas nas linguagens oral, escrita e da síntese entre som, imagem e movimento. Nesse sentido, temos a imagem como um aspecto apresentado pela autora para uma síntese entre as linguagens. Sobre as linguagens define a linguagem oral como a mais antiga forma de expressão humana, caracterizada por ser:

[...] uma construção particular de cada agrupamento humano. Por meio de signos comuns de voz, que eram compreendidos pelos membros de um mesmo grupo, as pessoas se comunicavam e aprendiam. A fala possibilitou o estabelecimento de diálogos, a transmissão de informações, avisos e notícias. A estruturação da forma particular de fala, utilizada e entendida por um grupo social, deu origem aos idiomas. (KENSKI, 2015, p. 28).

Por meio dessa forma comum de se comunicar, deu-se também a percepção particular de cada povo, do tempo e espaço, além de definir a cultura e a forma de transmissão do conhecimento, baseada na memorização, repetição e continuidade. Ao apresentar a linguagem escrita, a autora faz um percurso sobre seus diferentes suportes, citando os primeiros registros gráficos, e por que não imagéticos, nas paredes das cavernas, aos papiros egípcios, pergaminhos, à criação da impressa, do papel e do livro. Menciona questões relativas ao poder em sociedades em que o domínio do código escrito criou uma divisão hierárquica entre alfabetizados e não alfabetizados. Cita como principal vantagem do código escrito a autonomia da informação já que, diferente das sociedades orais, não há a necessidade de o autor/narrador estar presente, embora saliente que o texto pode também com o tempo receber leituras múltiplas, pois se afasta do contexto de criação. Assim a tecnologia escrita:

[...] interiorizada como comportamento humano, interage com o pensamento, libertando-o da obrigatoriedade de memorização permanente. Torna-se, assim, ferramenta para ampliação da memória e para a comunicação. Em seu uso social, como tecnologia de informação e comunicação, os fatos da vida cotidiana são contados em biografias, diários, agendas, textos e redações. Como tecnologia auxiliar ao pensamento possibilita ao homem a exposição de suas ideias, deixando-o mais livre para ampliar sua capacidade de reflexão e apreensão da realidade. (KENSKI, 2015, p. 28).

Nas mídias impressas, a imagem esteve presente desde os textos manuscritos, síntese entre imagem e texto e com a impressa, a ilustração começa a se desenvolver como forma auxiliar da escrita. Mesmo em sociedades letradas como a ocidental contemporânea tem-se o desenvolvimento de diversos elementos visuais, como a sinalização, por exemplo, que busca ser ponte entre diferentes códigos linguísticos.

A linguagem digital, baseada no código binário, é a terceira linguagem definida pela autora como a articulação entre linguagem e as tecnologias de comunicação e informação, sendo uma linguagem síntese entre a oralidade, escrita e novos meios, aqui talvez ela compreenda a imagem. Nesse sentido linguagem digital

[...] rompe com as formas narrativas circulares e repetidas da oralidade e com o encaminhamento contínuo e sequencial da escrita e se apresenta como um fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico, aberto e veloz. Deixa de lado a estrutura serial e hierárquica na articulação dos conhecimentos e se abre para o estabelecimento de novas relações entre os conteúdos, espaços e tempos e pessoas diferentes. (KENSKI, 2015, p. 32).

Kenski afirma que o hipertexto é o responsável por essa quebra nas formas narrativas das linguagens anteriores, pois abre o caminho para a interação com novas mídias, como imagens, sons e vídeos, resultando numa multimídia ou hipermídia.

Partindo dessas concepções, no que se refere ao discurso sobre a relação entre imagem e tecnologia, podemos afirmar que a tecnologia digital é um novo suporte para a imagem, permitindo o acesso virtual a imagens realizadas com as técnicas tradicionais (desenho, pintura, gravura, entre outras) e as novas imagens tecnológicas (fotografia, vídeo, modelagens 3D, animações digitais e outras).

Ainda como nas linguagens descritas por Kenski, há uma nova organização cultural e informacional a partir das tecnologias digitais. Podemo-nos apoiar na concepção de Hernández (2005) sobre cultura visual para afirmarmos que cada uma das organizações culturais e informacionais possuem em si uma visualidade característica. A sociedade digital tem na relação entre oralidade, escrita e imagem, uma forma de apreender a realidade e transmitir as informações e a cultura. Mas conforme Botton foi a imagem que em nosso regime contemporâneo sofreu uma grande expansão tanto em sua veiculação como em sua produção.

A expansão vertiginosa da tecnologia abarcou também a produção de imagens, e consequentemente, a reprodução, veiculação e consumo das mesmas. Este fenômeno pode ser verificado ao se examinar o desenvolvimento tecnológico das fontes imagéticas: a invenção da fotografia, do cinema, da televisão, dos métodos industrias de reprodução e, mais recentemente, as tecnologias de informação, multiplicaram de forma incalculável a exposição dos sujeitos aos estímulos visuais. (BOTTON, 2014, p.28).

Nesse sentido, reafirmamos a necessidade de compreender a linguagem imagética como um elemento de linguagem ao lado da oralidade, da escrita e dos meios digitais, a fim de compreendermos de forma ampliada a comunicação e a cultura humana em suas dimensões sociais e históricas, as quais podem ser apreendidas pela cultura visual.

Cabe-nos destacar que essas tecnologias não surgiram na Escola, mas, ao abrangermos a educação como parte do processo cultural de nossa sociedade é necessário discutirmos como essas tecnologias, entre elas a imagem, impacta a educação escolar; pois,

[...] as tecnologias especialmente as digitais, não se apresentam apenas como mais uma tecnologia que pode ser usada na educação, elas estão presentes em quase todos os espaços sociais. [...] as TIC não foram tecnologias desenvolvidas com objetivos educacionais, entretanto fazem parte da contemporaneidade e influenciam as formas de pensar, de agir e de sentir. (BORGES, GIRARDELLO e FISCHER, 2012, p.177).

Com base nessa afirmativa, nas sessões seguintes passaremos a discutir a relação entre imagem e tecnologia em sua diversidade de termos: imagens tecnológicas, imagens digitais, imagens numéricas, imagens técnicas, procurando perceber a relação entre a imagem e seu aparato/suporte tecnológico, bem como compreender como essas novas imagens alteram o regime de visualidade, por consequência, a cultura na qual estão inseridas, e nesse sentido destacaremos quais as contribuições que os estudos de cultura visual podem estabelecer para a educação contemporânea.

2. Considerações sobre as imagens e as tecnologias

Visto o caráter polissêmico dos tratamentos dados pelos diversos autores, definir imagem apresenta uma série de desafios. Mas dentre os autores elencados no presente artigo encontramos definições sobre imagem que refletem sua dupla natureza: a de mensagem e a de aparato, o que no primeiro momento pode nos dar a impressão de uma duplicidade entre conteúdo e forma, mas como veremos adiante estão em uma relação de síntese. O suporte ou aparato desenvolve seu próprio conteúdo.

Ao definir imagem, Joly (2010) traz a perspectiva platônica que trata o conceito de imagem associado ao de sombra e reflexo: “Chamo de imagens em primeiro lugar as sombras, depois os reflexos que vemos nas águas ou nas superfícies de corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as definições do gênero.” (PLATÃO apud JOLY, 2010. p. 13-14). Nesse sentido, imagem é o duplo, a imitação ou o simulacro, ou seja, uma simulação/representação da realidade ou baseada nela.

Atualizando o conceito platônico, a autora traz a ideia de “imagem como imagem mídia”. No sentido contemporâneo do termo que remete “à imagem da mídia. A imagem invasora, a imagem onipresente, aquela que se critica e que, ao mesmo tempo, faz parte da vida cotidiana de todos e é a imagem mídia.” (JOLY, 2010, p. 14). Assim para Joly (2010) a televisão, a mídia impressa e a publicidade são as personificações da imagem mídia. Ressaltamos que o contexto da escrita da autora é a década de 1990, período no qual a internet dava os primeiros passos e seu uso ainda era restrito. Mas mesmo ao definir que contemporaneamente a imagem é a “imagem mídia”, que por excelência seria representada pelos suportes de televisão e vídeo, também se tem a coexistência de outras mídias mais antigas como a fotografia, a pintura, o desenho, a gravura, entre outras. Todas elas dependentes de tecnologias diversas, analógicas ou digitais.

Pela complexidade do termo, Joly (2010) cria algumas categorias de imagem: a “imagem origem” associada à representação visual, seja de aspectos relacionados à arte ou à religião; a “imagem e psiquismo”, referindo-se às imagens mentais; as “imagens científicas”, que nesse contexto se situam com a finalidade de visualizar ou representar diversos fenômenos astrológicos, biológicos, físicos, matemáticos, químicos, entre outros, e podem ser produzidas por aparatos tecnológicos como máquinas de raios X, telescópios, scanner e outros, bem como as imagens de simulação e as “novas imagens” ou “imagens-síntese” ou “imagens virtuais”, produzidas por computador, fruto direto das tecnologias digitais, representadas pelos videogames, imagens interativas, hologramas, entre outros. (JOLY, 2010, p. 23-25).

A autora Lúcia Santaella, da mesma maneira que Joly, busca definir os territórios da imagem, traçando três domínios principais da imagem:

1. O domínio das imagens mentais, imaginadas e oníricas. Estas brotam do poder de nossas mentes para configurar imagens [...] 2. O domínio das imagens diretamente perceptíveis. Essas são as imagens que apreendemos do mundo visível, aquelas que vemos diretamente da realidade em que movemos e vivemos; 3. O domínio das imagens como representações visuais. Elas correspondem a desenhos, pinturas, gravuras, fotografias, imagens cinematográficas, televisivas, holográficas e infográficas (também chamadas de “imagens computacionais”). (SANTAELLA, 2012, p. 16-17).

Ainda conforme a autora esses domínios poderiam ser ampliados por mais duas categorias: as imagens verbais “construídas por meios linguísticos, tais como as metáforas, descrições” e pelas imagens ópticas, “tais como espelhos e projeções” (SANTAELLA, 2012, p. 17). Existindo uma relação intrínseca entre o domínio da representação visual da imagem e o domínio imaterial da imagem de nossa mente. (SANTAELLA; NÖTH, 2009).

Nesse sentido, a definição de Vilém Flusser entra em consonância as de Santaella. Para ele, as imagens “são superfícies que pretendem representar algo” vêm da capacidade de abstrair a realidade em uma representação “plana” criando uma imagem (FLUSSER, 2002, p. 7). Assim são o:

[...] resultado do esforço de se abstrair duas das quatro dimensões de espaço tempo, para que se conservem apenas as dimensões do plano. Devem sua origem à capacidade de abstração específica que podemos chamar de imaginação. No entanto, a imaginação tem dois aspectos: se de um lado, permite abstrair duas dimensões dos fenômenos, de outro permite reconstituir as duas dimensões abstraídas na imagem. Em outros termos: imaginação é a capacidade de codificar fenômenos de quatro dimensões em símbolos planos e decodificar as mensagens assim codificadas. Imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens. (FLUSSER, 2002, p. 7).

Para o autor, a imagem passa do mental para a sua materialidade através da tradução de imagem mental para uma imagem física bidimensional ou uma superfície, embora possamos considerar que essa imagem pode ser mais que plana, pode ser tridimensional (escultura) ou ainda virtual a partir de uma tela na qual ganha a ilusão da tridimensionalidade e do tempo (imagens em movimento).

Baseada na natureza tecnológica da imagem, Debray (1996) classifica as imagens em três tipos conforme sua materialidade: as imagens-objeto “os fotogramas”; as imagens-efeito “planos de televisão”; e as imagens-projetos “imagens de computador: imagens de logiciais ou imagens virtuais” (DEBRAY, 1996, p. 218). Segundo o autor, são as tecnologias visuais que determinam sua tipologia, passando das imagens fixas e bidimensionais para as imagens em movimento e projetadas, até as imagens computacionais.

Ao analisarmos as definições de imagens, trazidas por Joly (2010), Santaella (2012), Flusser (2002) e Debray (1996), percebemos a relação de algumas de suas categorias com o aspecto material da imagem ou o aparato visual que produz ou suporta a imagem. Aparato que para ser produzido depende de um meio técnico ou recurso tecnológico – seja uma pintura em óleo sobre tela, seja uma fotografia feita em filme negativo, seja uma animação digital – todos esses meios são aparatos visuais ou imagens que ganham materialidade a partir de procedimentos técnicos e de recursos tecnológicos, que interferem em sua materialidade; isto é, influenciam a forma, principalmente, e também o conteúdo, pois a tecnologia traz em si aspectos culturais ligados à visualidade do período.

Como exemplo, podemos citar a pintura impressionista, caracterizada principalmente pela apreensão da luz na paisagem, o assunto paisagem apesar de recorrente na história da arte teve um incremento tecnológico. Com a produção industrial de tintas a óleo em bisnagas, e não mais feitas no ateliê pelo artista, foi possível aos pintores impressionistas saírem dos ateliês e pintar as paisagens in loco. Já que o artista poderia levar suas tintas e seu cavalete para o local que quisesse representar a natureza. Com esse novo procedimento, houve uma mudança na forma de representar a realidade, baseada na percepção atmosférica e luminosa das cenas. Nesse sentido, a mudança da tecnologia de produção de tintas alterou a forma de representar a paisagem. Outro exemplo de como a tecnologia afeta o conteúdo da imagem pode ser dado ao fenômeno contemporâneo das selfies, que se popularizaram através do desenvolvimento da fotografia digital e em especial com o avanço das câmeras dos celulares smartphone. Essa tecnologia permitiu que o usuário pudesse facilmente registrar a sua imagem, além do incremento de aparatos visuais, como as redes sociais, que modificaram a maneira de nos relacionarmos com a imagem e que por sua vez alteram a cultura e a visualidade.

Retomando a relação entre a tecnologia e a imagem, Santaella ao discutir a leitura da imagem fotográfica afirma que a denominação imagem técnica, que se refere à fotografia, ao cinema, à televisão e ao vídeo, se mostra equivocada, e utiliza o termo “imagens tecnológicas”, pelo fato de que:

[...] a feitura manual de qualquer imagem, e grande parte do fazer humano, sempre implica uma técnica. Em palavras simples, a técnica é um saber fazer, de acordo com passos que se integram uns aos outros até a compleição de um todo. Já a tecnologia se dá quando uma máquina integra uma técnica em seu processo, provocando sua automatização. (SANTAELLA, 2012, p. 70).

Ou seja, tecnologia e produção de imagem estão juntas, seja na forma ou conteúdo dela. Se, de um lado, antes as representações imagéticas, feitas pelo desenho, pela pintura, gravura, entre outros, dependiam muito mais da técnica ou da habilidade manual do artista/artesão; de outro, a fotografia, o cinema e a animação necessitam de aparatos tecnológicos que permitam a produção ou o suporte da imagem.

No que diz respeito à imagem, antes da industrialização, os instrumentos técnicos para a sua produção eram prolongamentos do gesto hábil, concentrado nas extremidades das mãos, como é o caso do lápis, do pincel ou cinzel. Já a tecnologia dá corpo a um saber técnico introjetado nos seus próprios dispositivos materiais. No campo da imagem isso começou com a fotografia e foi se sofisticando cada vez mais no decorrer do século XX. (SANTAELLA, 2012, p. 71).

Refletindo sobre a nova natureza da imagem, Fabris (1998) apresenta a partir da reflexão de Alain Rénaud (1990) o conceito de:

“visibilidade cultural”, no qual a imagem “deixa de ser o antigo objeto óptico do olhar para converter-se em imagerie (produção de imagens), práxis operacional que insere o sujeito numa situação de ‘experimentação visual inédita’, acrescida pela possibilidade de integrar outros registros da sensibilidade corporal. (FABRIS, 1998, p. 1).

Rénaud (1990) denomina esse novo modo de criar imagens de Novas Tecnologias da Imagem que: “[...] constroem novas relações com o visível, com a imagem: esta permite antecipar ativamente o Real físico, reproduzi-lo e manipulá-lo através de simulação interativa.” (RÉNAUD, 1990, p. 11, nossa tradução).

Para o autor especialmente as imagens geradas por computador criam um novo regime de visualidade, inclusive propõe pensar numa “antropologia cultural das superfícies” para refletir sobre a imagem. Dessa forma, passa-se da “imagem espetáculo” referindo-se aqui ao regime visual do Renascimento, ligado à ideia de perspectiva e de um ponto de vista universal, para a “imagem especulativa”, ou como se refere Fabris “simulacro interativo”, que se refere a imagens numéricas ou computacionais como as simulações. Na qual:

As produções de imagens (imagerie) numéricas (análises e sínteses de imagens) desenvolvem uma situação iconográfica completamente nova: a Imagem informática já não é o termo visual de um corte, ou de um enquadramento ótico que se manifesta, por projeção – na ordem da Representação – uma essência objetiva atribuída antecipadamente ao mundo e revelada pelo Olhar de um Sujeito universal e soberano. (RÉNAUD, 1990, p. 22, nossa tradução).

Conforme Fabris (1998, p. 2), não existe para Rénaud a substituição de um regime pelo outro, mas um alerta sobre a dimensão cultural e histórica da imagem e de sua produção. Apesar da coexistência dos regimes, a autora os diferencia baseada em sua lógica de criação.

Não se pode esquecer, por outro lado, que o momento da perspectiva é o momento da imprensa, o momento do armazenamento e da distribuição de um conhecimento cumulativo, interessado na preservação do passado e na difusão do presente, que busca na forma fiel e rigorosa um novo estilo cognitivo, baseado na "demonstração visual". Mesmo imagens de derivação tecnológica como a fotográfica e a videoeletrônica ainda são elaboradas a partir de uma realidade visível pré-existente, integrando, portanto, o universo da especularidade. (FABRIS, 1998, p. 3).

Nesse sentido, a visualidade ou o regime de visualidade se alinha à cultura, que no caso da representação da perspectiva de projeção central renascentista demonstra a relação com a busca de uma representação baseada na cientificidade e na posição única e imutável do espectador. Contudo, em relação ao regime de visualidade contemporâneo, indaga-se: Quais seriam as mudanças trazidas pelas novas tecnologias visuais? As imagens numéricas deixam a ideia de representação do mundo real para a elaboração de modelo pré-concebido, no qual,

a ideia clássica da janela é substituída pela interação permanente entre imagem e modelo, pela possibilidade de penetrar no interior da imagem, que se transforma em lugar, ao ver abandonada a bidimensionalidade à qual estava condenada. Experiência em si, em potência, que possui outras possibilidades para além daquelas imediatamente visíveis. (FABRIS, 1998, p. 3).

Fabris realiza tal afirmativa baseada em Quéau (1996), ao afirmar que as imagens numéricas ou virtuais trazem em si uma nova relação que vai além da técnica, mas exigem uma nova forma de alfabetização; pois para o autor a alfabetização é a maneira necessária para a compreensão da cultura e nesse sentido a imagem se relaciona à ideia de modelo, detentor de uma existência, mesmo que virtual.

Uma consequência mais recente é que a imagem se torna ela mesma, um espaço, um lugar [...] A Imagem estava condenada, se posso falar assim, a fazer a figuração: ela era plana, eventualmente em trompe l’oil, mas essencialmente bidimensional. Com a imagem virtual, pode-se finalmente entrar na imagem, e esta se torna lugar que se pode explorar [...] A imagem numérica não é simplesmente uma técnica a mais na história das representações, é literalmente o surgimento de uma nova escrita, que eu compararia à invenção da imprensa ou ao surgimento do alfabeto. (QUÉAU, 1996, p. 118).

No sentido de explorar os novos regimes de visualidade Edmond Couchot (2011) discute a evolução das técnicas de figuração. Para o autor, desde o Quattrocento, os artistas através da perspectiva de projeção central buscaram formas de automatização da representação. Essa evolução encontraria em outros suportes tecnológicos formas de buscar o “elemento mínimo constituinte da imagem”. Para traçar a evolução das técnicas de figuração, o autor analisa os métodos perspectivos, baseados na matemática e na geometria; os meios técnicos da câmera obscura, da fotografia, do cinema e da televisão, baseados em suportes óticos, mecânicos e eletrônicos, responsáveis pela automatização analógica das imagens; até por fim, chegar a automatização numérica da imagem através das tecnologias digitais.

Para o autor, antes da imagem numérica o objetivo das técnicas de figuração era a representação, compreendendo que representar é:

[...] poder passar de um ponto qualquer de um espaço em três dimensões a seu análogo (seu “transformador”) num espaço de duas dimensões [...] A Representação alinha, no espaço e no tempo o Objeto, a Imagem, e o Sujeito [...] A relação entre os três termos não muda quando se trata de um objeto – personagem, cena, paisagem – totalmente imaginada pelo pintor: ele pinta esse objeto como se estivesse realmente diante dele; é a esse preço que dará ao espectador a ilusão do real, objetivo permanente da Representação. (COUCHOT, 2011, p. 40).

Assim como Quéau (1996), para Couchot a imagem numérica modifica a relação da imagem como representação, pois a imagem numérica não mais representa o real, ela simula a realidade em uma mudança da lógica da figuração para a lógica da simulação, baseada em outros modelos, isto é,

[...] os modelos de simulação numérica pertencem a uma outra ordem, diferentes dos modelos de representação ótica. Não são mais nem materiais, concretos, maquínicos (como a câmera obscura), nem consubstancias à imagem (como os traçados reguladores da perspectiva). São abstratos e provêm do domínio científico (COUCHOT, 2011, p. 42-43).

O novo modelo imposto pela simulação “não pretende mais representar o real com uma imagem, mas sintetizá-lo em toda sua complexidade.” (COUCHOT, 2011, p. 43), criando-se assim uma realidade virtual autônoma. Para Quéau, as imagens numéricas ou imagens de síntese possuem uma onipresença nas ciências, indústria, lazer e artes e modificam os métodos de representação e nossos hábitos visuais (QUÉAU, 2011).

Nesse sentido, aproximando as ideias de Couchot (2011), Quéau (1996) e Rénaud (1990), podemos falar da necessidade apontada por esses autores de se versar ao espectador contemporâneo sobre a natureza da imagem, seja ela analógica ou virtual. Conhecer o processo de sua produção é mais que um dado curioso, mas uma necessidade para que se possa permitir ao espectador ou mesmo ao produtor de imagens interpretar esses regimes de visualidade. Pois devemos lembrar do alerta de Flusser (2002) sobre a relação de dominação entre o usuário e o aparelho.

Para o autor, temos na fotografia, como em outras imagens técnicas, a mediação por aparelhos que são parcialmente dominados por aqueles que o operam, pois, seu operador conhece apenas o mecanismo de uso, mas não domina o processo interior da máquina. O autor utiliza a metáfora da caixa-preta para explicar esse processo de dominação.

Pelo domínio do input e do output, o fotógrafo domina o aparelho, mas pela ignorância dos processos no interior da caixa, é por ele dominado. Tal amálgama de dominações – funcionário dominando aparelho que o domina – caracteriza todo funcionamento de aparelhos. Em outras palavras: funcionários dominam jogos para os quais não podem ser totalmente competentes. (FLUSSER, 2002, p. 24-25).

Conhecer as tecnologias e os aparatos visuais significa compreender sua natureza técnica/tecnológica, pois como afirma Debray (1996), baseado em Lévi-Strauss, a técnica é “ao mesmo tempo, parte, produto e condição da cultura”, por isso “penetrar no domínio da técnica permite saber do que se fala. E, antes de refletir sobre o que as coisas querem dizer, tentemos compreender como elas são feitas.” (DEBRAY, 1996, p. 218).

Assim, ao pensarmos sobre a dimensão tecnológica da imagem, as diferentes abordagens que auxiliam a refletir sobre sua forma e conteúdo, na leitura de imagens ou na cultura visual, permitem uma compreensão dessa nova visualidade que se impõe na contemporaneidade. Pelo exposto, nesta seção vale observarmos as considerações de Rogério Luz que, ao discutir sobre a inserção dos novos modelos de virtualização da imagem, nos alerta que inserir “as imagens digitais em circuitos mais amplos de sentido – para além das características técnicas necessárias a sua obtenção – é entender seu uso como instrumento de novas maneiras de pensar o mundo e o sujeito.” (LUZ, 2011, p. 53). Nesse sentido, o tópico seguinte busca refletir sobre o novo regime de visualidade colocado pelas imagens digitais, e como pode ser abordado numa perspectiva de uma educação baseada nos estudos da cultura visual.

3. Elementos da cultura visual e sua presença na escola

O novo regime de visualidade presente na contemporaneidade trouxe novos desafios para a compreensão da imagem e suas inserções na cultura visual. Nesse sentido, concordamos com as colocações de Raimundo Martins sobre as culturas das imagens que:

[...] estão vinculadas ao mundo contemporâneo através de relações entre conhecimento e poder que configuram a economia Cultural pós-moderna e sua realidade política. Disjunção e diferença definem a economia Cultural pós-moderna em que vivemos. Essa economia Cultural pode ser caracterizada pelas tecnologias digitais que fascinam, surpreendem e até mesmo intimidam; pelos sistemas financeiros e fluxos de capitais que vêm e vão repentinamente, alterando as condições Culturais e a vida de milhares de pessoas. Também caracteriza a economia Cultural, as imagens e mídias que cruzam as antigas fronteiras nacionais e as narrativas Culturais emaranhadas numa visão iluminista que circulam entre o primeiro e o terceiro mundo. (MARTINS, 2015, p. 32).

Como um dos agentes institucionais responsáveis pela compreensão crítica da sociedade, a educação escolar necessita atentar sobre os regimes de visualidade e nesse aspecto Hernández propõe que os estudos da cultura visual podem fornecer subsídios para a interpretação e produção da cultura visual. Ao se referir sobre a necessidade de repensar um ensino de Artes Visuais para um ensino pautado na Cultura Visual, defende que estamos em um novo regime de visualidade com o qual é necessário um reposicionamento das práticas educativas. Reposicionamento que:

[...] nos leva a propor a necessidade de ajudar crianças e jovens e também aos educadores, a irem mais além da tradicional obsessão por ensinar a ver e a promover experiências artísticas. Em um mundo dominado por dispositivos visuais e tecnologias da representação (as Artes visuais atuam como tais), nossa finalidade educativa deveria ser a de facilitar experiências reflexivas críticas. (HERNÁNDEZ, 2007, p. 25).

Conforme Hernández (2009), foi o avanço das tecnologias audiovisuais, especialmente da televisão e das câmeras compactas, que levaram à preocupação com a alfabetização visual nas décadas de 1960 e 1970. A ideia inicial foi a de preparar as crianças para compreender as imagens transmitidas pelas novas mídias analisando-as como linguagem visual, tratando-as como texto, proposição que apesar de limitada abriu caminho a novas discussões sobre os estudos de visualidade. Nesse sentido, a relação entre tecnologia e imagem modificou o acesso e a forma de criar imagens, o que por sua vez exigiria uma educação visual.

No sentido de superar a alfabetização visual, entendida como análise da imagem através de seus aspectos formais, Hernández (2005) propõe pensar a visualidade por meio dos estudos da cultura visual. A cultura visual amplia as discussões sobre a imagem para além do entendimento da gramática visual, procura compreendê-la como artefato cultural e nesse entendimento aponta a necessidade de compreender os artefatos, as tecnologias visuais e as formas de subjetivação, propondo o estudo das tecnologias do olhar pois: “a identificação de códigos e elementos de linguagem visual resulta não apenas inadequada a partir de um ponto de vista teórico, mas insuficiente para relacionar com a complexidade das atuais representações e tecnologias da visão.” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 58).

Assim, a educação pautada pelos estudos da cultura visual propõe deslocamentos teóricos, conceituais e pedagógicos, propondo pedagogias da cultura visual, que “não tratam imagens e artefatos visuais como códigos a serem decifrados [...], mas como modos de pensar construídos a partir de diferentes posições, contradições e afetos que envolvem os agentes na busca de significados.” (OLIVEIRA e HERNÁNDEZ, 2015, p. 99). Dessa maneira, compreender a cultura visual trata-se de envolver os artefatos dessa cultura em sua multiplicidade de fatores. Assim,

abordar a Cultura Visual também tem a ver com o estudo de diferentes exemplos em seu contexto social e histórico. O que nos possibilita conhecer como as sociedades do passado se organizam e trabalhavam. Cada Artefato é o resultado de múltiplos e determinados fatores (econômico, político, Cultural, institucional, tecnológico, criativo, de desejo, etc.), o que faz com que a informação que possa derivar desses objetos seja enorme e que nos deparemos com uma proposta de marcante caráter transdisciplinar. (HERNÁNDEZ, 2000, p. 135).

Hernández ao discorrer sobre a necessidade da ampliação da educação das artes visuais para uma educação pautada nos estudos de cultura visual, elenca algumas questões que devem guiar as investigações sobre a visualidade:

Qual é a fronteira entre a cultura visual e a natureza visual? O que é uma imagem? (São todas as imagens visuais?) Qual é a função das imagens em relação ao inconsciente, à memória, à fantasia e à percepção? Como as imagens comunicam e significam algo? O que é uma obra de arte visual? Qual é, em geral, a relação entre arte e cultura visual? Como as mudanças nas tecnologias da reprodução visual afetam a cultura visual? (HERNÁNDEZ, 2007, p. 54, grifo nosso).

Das proposições do autor, a última versa especialmente sobre as reflexões levantadas até o momento, pois demonstra a preocupação no entendimento de como as tecnologias afetam a cultura visual. Nesse sentido, compreendermos as tecnologias visuais, seria fundamental, pois,

em um mundo dominado pelos dispositivos da visão e pelas tecnologias do olhar, a finalidade pedagógica que proponho trataria de explorar nossa vinculação com as práticas do olhar, as relações de poder em que somos colocados e questionar as representações que construímos em nossas relações com os outros, porque, no final, se não podemos compreender e intervir no mundo é porque não temos a capacidade de repensá-lo e oferecer alternativas. (HERNÁNDEZ, 2011, p. 46).

Sobre esse aspecto cabe-nos observar as considerações de Nicholas Mirzoeff >(1999) sobre as tecnologias visuais que, para o autor, podem ser entendidas por qualquer aparato ou suporte projetado para ser olhado ou para facilitar a visão, abarcando desde uma pintura a óleo ou uma tela de televisão ou computador, e esses aparatos constituem parte da cultura visual ou da visualidade de seu contexto. Apesar de poderem ser consideradas tecnologias visuais, para Mirzoeff existem diferentes lógicas nas imagens e cita inicialmente o regime da perspectiva renascentista, que representava o mundo dentro de uma lógica própria, independente das imagens exteriores, passando depois para a fotografia e o cinema que trouxeram a realidade da imagem correspondente ao mundo real, embora posteriormente o autor alerte que a fotografia e o cinema deixam de se ocupar da realidade, podendo manipulá-la; e por fim, as imagens pixeladas ou virtuais remetem ao seu próprio vazio, que estão e não estão ao mesmo tempo. Sobre as considerações de Mirzoeff temos os seguintes apontamentos de Hernández:

[...] a imagem tradicional obedecia às suas próprias regras de maneira independente da realidade externa. Por sua vez, a imagem fotográfica aparece como dotada de dialética, na medida em que evidencia uma relação entre a pessoa que vê no presente e no passado do espaço e o tempo que representa a imagem. Enquanto a imagem pixelada nos coloca diante de uma realidade imaterial que convida uma experiência não dialética, mas paradoxal, na medida em que nos relacionamos com uma imagem inexistente. (HERNÁNDEZ, 2005, p. 16, nossa tradução).

Ainda segundo Mirzoeff, o desenvolvimento tecnológico da sociedade industrial vem se tornando cada vez mais importante na era da informação, pela tendência de visualizar as tecnologias, disposição que “não é um atributo natural do ser humano, mas, uma habilidade aprendida relativamente nova.” (MIRZOEFF, 1999, p. 5). O autor cita como exemplo da tendência visual das tecnologias a interface dos computadores que se tornaram primordialmente visuais em oposição à interface textual com a qual surgiram.

Para Deborah Smith-Shank, o desenvolvimento desses novos gêneros visuais e de inovações tecnológicas ampliaram as possibilidades que as crianças e jovens acessam essa multiplicidade de informações textuais e visuais, e avalia que atualmente as mensagens visuais, inevitavelmente ideológicas, atravessam as fronteiras antes determinadas pela geografia, riqueza e linguagem. Dada essa emergência contemporânea, avalia a necessidade de uma pedagogia visual que contemple o estudo dos sistemas de signos visuais de diferentes grupos culturais, a fim de levar os estudantes a compreenderem as múltiplas formas que assemelham e diferem as culturas entre si, cabendo à educação, pautada pelos estudos da cultura visual, auxiliar os alunos a “observarem e a compreenderem como grupos culturais grandes e pequenos codificam seus mundos e como os sistemas e práticas de crenças são claramente revelados por meio de artefatos culturais.” (SMITH-SHANK, 2009, p. 260).

Como já foi afirmado por Rénaud, tem-se na contemporaneidade acesso a todos esses regimes de visualidade. Se hoje a imagem pixelada ou virtual é mais presente, até se pode dizer quase onipresente, compreender essa imagem como um artefato cultural, visual e tecnológico dotado de uma historicidade é uma necessidade se quisermos interpretar de maneira crítica as imagens ou a visualidade apresentada no contexto diário. Portanto, ao se pensar em abordar a imagem na escola, utilizando-a como recurso ou como conteúdo, seu aspecto tecnológico precisa ser levado em consideração, para promover o entendimento dos aspectos culturais e históricos das imagens.

4. Considerações finais

Muitas vezes, ouvimos expressões que indicam que nossa civilização é pautada por uma era das imagens, embora possamos problematizar tal afirmação tendo em vista que distintos períodos possuem diferentes regimes de visualidade. É certo que a contemporaneidade nos trouxe, no tocante às imagens, novas formulações que alteram os paradigmas da representação do real para a simulação e realidade virtual, aspectos que nos introduzem a uma nova visualidade que necessita ser compreendida por meio de uma perspectiva crítica pela educação. Pois a imagem presente na sociedade está presente em nossas escolas e faz parte da cultura.

Para ensaiar algumas reflexões sobre a relação entre o novo regime de visualidade contemporâneo e a educação, propusemos inicialmente o entendimento de que a definição de tecnologias da inteligência, deve – além do estudo das linguagens oral, escrita e digital – abarcar a dimensão imagética da linguagem. Dimensão que possui ela própria características específicas, de modo que se amplia a concepção de tecnologia educacional para que se baseie também no estudo da visualidade, propiciando uma ampliação dos estudos da tecnologia educacional que tenham na imagem um suporte, como conteúdo ou como recurso educacional.

Em um segundo momento, colocamos em evidências as definições da imagem e sua relação com seus aparatos visuais ou tecnologias visuais. Com essas reflexões procuramos evidenciar a natureza tecnológica da imagem, demonstrando como sua conceituação permite traçar paralelos entre as formas de representação e simulação com seus aspectos culturais e materiais, numa intricada relação entre forma e conteúdo.

E por fim destacamos a mudança de perspectiva no ensino pautado em uma educação que traga os elementos dos estudos de cultura visual para a compreensão crítica das imagens, pois a compreensão da cultura visual de um período está relacionada ao entendimento dos aparatos visuais ou tecnologias visuais, que fazem parte de um regime de visualidade associada à dimensão social e histórica da cultura. Compreensão que busca refletir sobre as relações entre as tecnologias visuais e a educação, analisando as imagens que estão presentes na escola e fora dela, buscando a interpretação e a produção de significados para uma educação alinhada com a percepção do mundo social que a rodeia.

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1. Programa de Pós-graduação em Educação: Teoria e Prática de Ensino. Universidade Federal do Paraná. Doutor em Educação. rossano.degraf@yahoo.com.br

2. Programa de Pós-graduação em Educação: Teoria e Prática de Ensino. Universidade Federal do Paraná. Doutor em Métodos Numéricos em Engenharia. artgoes@ufpr.br

3. Programa de Pós-graduação em Educação: Teoria e Prática de Ensino. Universidade Federal do Paraná. Doutora em Sociologia. vazufpr@gmail.com


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 40 (Nº 19) Ano 2019

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