Vol. 40 (Nº 17) Ano 2019. Pág. 9
SANTOS, Rodiney M. 1; CAMPOS, Valdigley F. 2 e TRIGUEIRO, Ana N. 3
Recebido: 31/01/2019 • Aprovado: 24/04/2019 • Publicado 27/05/2019
RESUMO: Diante das relações existentes no contrato didático, é necessário que o sujeito professor tenha sensibilidade ao permitir-se, constantemente, a refletir sobre a sua prática pedagógica. O objetivo do artigo consiste em identificar alguns dos efeitos do contrato didático no processo de ensino e aprendizagem da Matemática, com abordagem no contexto da formação inicial do professor. Contudo, sinalizamos a promoção de um ambiente dialógico balizado na discussão sobre algumas variáveis didáticas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem da Matemática. |
ABSTRACT: Faced with the existing relationships in the didactic contract, it is necessary that the subject teacher has sensitivity by allowing himself to constantly reflect on his pedagogical practice. The purpose of this article is to identify some of the effects of the didactic contract in the teaching and learning process of Mathematics, with an approach in the context of initial teacher training. However, we point to the promotion of a dialogic environment that is based on the discussion of some didactic variables involved in the teaching and learning process of Mathematics. |
A Matemática pode ser vista como uma ciência que permite a reconstrução de um contexto real por meio de modelos. No âmbito da organização pedagógica dos espaços formais de ensino, a Didática da Matemática tem por objeto elaborar conceitos e teorias que estejam de acordo com as particularidades do saber matemático escolar (Pais, 2002). Outrossim, busca potencializar a promoção de um ambiente de aprendizagem que permita ao sujeito aluno a possibilidade do estreitamento de um diálogo entre essa ciência e seu cotidiano.
Conforme o referido autor, no contexto brasileiro, a Didática da Matemática é parte de um campo fértil de pesquisa em Educação Matemática, este que compreende a investigação, ordenação, descrição e análise de fenômenos relacionados à díade ensino e aprendizagem. Sua consolidação enquanto área de pesquisa educacional é de certa forma recente em virtude do grande impulso que vem recebendo nas últimas décadas quando comparada à historicidade da ciência Matemática, a qual tem originado inúmeras tendências teóricas e metodológicas (Fiorentini e Lorenzato, 2012).
Nesse sentido, Chevallard (1991) aponta que a Didática da Matemática pode ser entendida enquanto ciência, a qual seu objeto de estudo compreende o sistema didático, caracterizado pela organização que se constitui sempre que os sujeitos encontram uma questão cuja solução não esteja clara e buscam potencializa-la para resolvê-la.
Diante das relações existentes na sala de aula entre professor, aluno e saber, é necessário que o sujeito professor tenha sensibilidade ao permitir-se, constantemente, a refletir sobre a sua prática pedagógica, a qual possa corroborar no percurso da construção do processo de ensino e aprendizagem.
Destarte, as situações didáticas refletem sobre o ambiente escolar surgindo como um espaço onde são estreitadas as conexões entre os elementos humanos (professor e aluno) e o saber, o que pode promover tempos e espaços interativos, possivelmente, sendo significativos no processo de construção da aprendizagem dos alunos (Brousseau, 1986).
A relação entre os elementos humanos existente na situação didática é permeada por regras, que por muitas vezes são implícitas e que podem influenciar direta ou indiretamente na atuação desses elementos diante do saber em questão. Vindo ao encontro dessa perspectiva, tem-se na existência do contrato didático um conjunto de condutas dos pares, bem como a determinação do que cada elemento da relação didática deverá fazer e ser válido para o outro elemento (Brousseau, 1986).
Para Brito (2006, p. 58), o contrato didático envolve “elementos humanos (professor e aluno) e que esses elementos trazem consigo toda sua subjetividade, bem como envolve também experiências vividas em outros contratos, entendemos que há certos efeitos que podem ser produzidos a partir do estabelecimento do contrato didático”.
Diante do exposto, destacamos os efeitos do contrato didático, apresentados por Brousseau (1986), que estão ligados aos fenômenos existentes na sala de aula e que podem refletir na criação de cenários que tendem a dificultar o processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Para Pais (2002, p. 89), “sua ocorrência não deve ser entendida como um evento determinante, capaz de decidir o resultado final da ação educativa. [...]. Esses efeitos resultam de vários aspectos: metodologia de ensino, obstáculos, formação do professor, nível dos alunos, dos conceitos, entre outros”.
Assim, acreditamos que a análise de alguns dos efeitos do contrato didático é tomada de partida para uma reflexão sobre o processo de ensino e aprendizagem encontrado na sala de aula. Uma das possibilidades disso é investigar alguns dos efeitos do contrato didático que podem culminar em limitações para a aprendizagem dos alunos. Levando isso em consideração, surge o questionamento: quais os efeitos do contrato didático encontrados na sala de aula e suas possíveis implicações?
Para analisar e discutir essa indagação, optamos por nos basear nos estudos realizados na disciplina Pesquisa Aplicada ao Ensino de Matemática II do Curso Superior de Licenciatura em Matemática, de uma instituição de ensino pública, localizada no sertão paraibano, pelo fato de que alguns pressupostos discutidos na disciplina tratavam sobre a Educação Matemática, os problemas que dela fazem parte e como ela é constituída em diferentes correntes epistemológicas e, dessa forma, podem contribuir para discussões sobre algumas variáveis didáticas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem da Matemática.
Nessa perspectiva, o objetivo do artigo é identificar alguns dos efeitos do contrato didático no processo de ensino e aprendizagem da Matemática, com abordagem no contexto da formação inicial do professor. Para tanto, foi utilizado o aporte teórico referente à temática, do uso da observação direta e do diário de bordo enquanto técnicas/instrumentos de registro dos dados, da sua ordenação e análise de seu conteúdo como caminhos para discussão e instituição de resultados.
A seguir, o artigo abordará sobre os efeitos do contrato didático por Brousseau, depois terá uma breve exposição da trilha metodológica adotada na referida pesquisa. Após, apresentaremos nossa análise das observações verificadas de alguns dos efeitos do contrato didático estabelecidos nas aulas analisadas e, por fim, nossas considerações finais sobre o estudo.
A situação didática pode ser percebida enquanto ação educativa dialética (Pais, 2002). Para Brousseau (1986) é constituída por uma condição inerente ao estreitamento de uma relação didática específica com o conhecimento, bem como um instrumento potencial no processo de ensino e aprendizagem. Ademais, o referido autor corrobora quando aponta a existência de uma relação triangular, conhecida por triângulo das situações didáticas , a qual compreende os elementos humanos (professor e aluno) e o saber, onde cada vértice desse triângulo os representa e cada lado irá estabelecer suas relações.
“Uma situação didática é o conjunto de relações estabelecidas explícita ou implicitamente entre um aluno ou grupo de alunos, um determinado meio (que abrange eventualmente instrumentos ou objetos) e um sistema educativo (representado pelo professor), com a finalidade de conseguir que estes alunos se apropriem do saber constituído ou em vias de constituição” (Brousseau, 1986, p. 08).
No âmbito da relação que professor e alunos estabelecem com o saber, Brousseau (1986) sinaliza que esse tipo de situações didáticas podem ser categorizadas, quais sejam: situação de ação – aquela em que é gerada uma interação entre o aluno e o ambiente, na qual o aluno deve potencializar iniciativas para que sua atividade seja gerida; situação de formulação – aquela que tem como objetivo a comunicação de informações entre os alunos; situação de validação – aquela na qual se tenta legitimar a cerca da validade do que foi realizado e situação de institucionalização – aquela que compreende o momento de estreitamento das convenções sociais.
Outrossim, no espaço da sala de aula a relação professor e aluno apresenta relevância no percurso da construção de novos conhecimentos, pois pode refletir em limitações para o processo de aprendizagem. O contrato didático pode surgir como instrumento potencial no processo de ensino e aprendizagem enquanto sistema de regras e condições recíprocas (Pais, 2002). Ademais, Jonnaert (1994) corrobora quando aponta alguns importantes elementos presentes no contrato didático, desde a ideia de divisão de responsabilidades, a tomada de consciência do implícito, a relação assimétrica do professor e do aluno com o saber até a construção da comunicação dialética mediante o contrato didático.
Conforme Pais (2002, p. 80), a noção de contrato didático retoma “o sentido do contrato social e do contrato pedagógico, com a diferença de considerar um nível bem mais específico da natureza do saber envolvido em uma situação de ensino”. Outrossim, na fala de Chevallard, o contrato didático é a “pedra de toque de toda a organização escolar” (Chevallard, Bosch e Gascón, 2001, p. 206). Destarte, tem-se nas relações didáticas a condição de negociações e expectativas entre os pares em relação ao saber que podem ser produzidas com o cumprimento do contrato didático e na culminância de alguns efeitos didáticos (Pais, 2002).
Com base nos estudos de Brousseau (1986) destacamos os seguintes efeitos de contrato didático, quais sejam: Efeito Topázio – é aquele em que o professor auxilia o aluno na antecipação da solução em virtude da sua dificuldade; Efeito Jourdain – é quando o professor potencializa os conhecimentos imaturos do aluno em detrimento de aprofundar o diálogo entre os pares; Deslize metagonitivo – é quando as explicações de um professor passam a ter origem em suas próprias concepções; Utilização Abusiva de Analogia – é quando o professor faz uma analogia entre um conhecimento adquirido pelo aluno, anteriormente e o que se pretende ensinar e Efeito Dienes – é quando o professor distorce os reais objetivos de um dado conhecimento em virtude de sua vasta experiência com a ciência em que atua.
À guisa de ilustração, destacamos um exemplo bastante presente na literatura citado por Henry (1991). O problema da Idade do Capitão compreende uma experiência de pesquisa que ocorreu em Grenoble, na França, por Stela Baruk, pesquisadora do Instituto de Pesquisa no Ensino de Matemática, que culminou em um livro intitulado “A Idade do Capitão”. O problema “Em um barco existe 26 carneiros e 10 cabras. Qual é a idade do capitão?” foi proposto a 97 alunos dos anos iniciais de ensino, dentre os quais 76 fizeram uso dos números do enunciado para sua resolução. Através dessa experiência, a pesquisadora sinaliza e discute que o ensino da Matemática faz com que o sujeito aluno potencialize a autonomia, ou seja, pode responder de modo absurdo a questões absurdas.
Para Silva (2016), essa abordagem clássica remete possivelmente a um cenário de formação onde o aluno deve responder questões propostas pelo professor, mesmo que as respostas não apresentem compreensão alguma o que pode implicar em dificuldades na aprendizagem acarretadas pela colocação e entendimento dos efeitos do contrato didático.
A tipologia da pesquisa utilizada no estudo compreende a abordagem, predominantemente, de caráter qualitativo do tipo exploratória. Em relação aos procedimentos metodológicos, a pesquisa é do tipo estudo de caso que compreende um estudo empírico, profundo e exaustivo, que permite o amplo detalhamento do conhecimento de um ou poucos objetos (Yin, 2010). A escolha pelo estudo de caso se dá pelo entendimento que é uma técnica investigativa e a importância da sua utilização deve-se ao desejo de capturar e entender a dinâmica dos efeitos do contrato didático no processo de ensino e aprendizagem da Matemática.
Essa pesquisa foi realizada durante a disciplina Pesquisa Aplicada ao Ensino de Matemática II, do Curso Superior de Licenciatura em Matemática, de uma instituição de ensino pública, localizada no sertão paraibano, no segundo semestre do ano de 2018. A turma investigada é constituída por oito alunos matriculados na disciplina. Acreditamos que apesar do campo de investigação que compreende um sistema didático não convencional do que é caracterizado normalmente numa sala de aula de ensino regular seja possível perceber algumas similaridades com as formações que encontramos cotidianamente nas escolas.
As técnicas para a obtenção de dados utilizadas compreendem a observação direta e a apropriação do diário de bordo. A análise qualitativa está relacionada ao uso de categorias como fonte de dados de pesquisa objetivando a análise de conteúdo (Bardin, 2009). Desse modo, foram utilizadas para se estabelecer classificações desde o agrupamento de elementos, ideias até a formulação de um conceito abrangente. Ademais, com base na fundamentação teórica apresentada por Brousseau (1986) e nos dados coletados da pesquisa foram analisados os seguintes aspectos: as relações estabelecidas pelo contrato didático na sala de aula e a investigação de alguns efeitos do contrato didático sobre suas consequências. Destarte, acreditamos que o conjunto desses instrumentais metodológicos são suficientes para dar cabo da questão já supracitada.
Quanto ao tratamento metodológico, compreende três etapas, quais sejam: ambientação da pesquisa, aplicação do protocolo de coleta de dados e ordenação e análise do conteúdo.
Inicialmente, os sujeitos participantes da referida pesquisa foram organizados em duplas para o estudo e aplicação de uma situação didática a partir dos materiais produzidos e utilizados no Programa Gestão da Aprendizagem Escolar (GESTAR) em virtude de apresentar as fases propostas pela literatura na Teoria das Situações Didáticas de Brousseau (1986): situações de ação, formulação, validação e institucionalização. O GESTAR apresenta um conjunto de ações pedagógicas que incluem discussões sobre questões prático-teóricas. Oferece formação continuada em Língua Portuguesa e Matemática aos professores dos anos finais (do sexto ao nono ano) do Ensino Fundamental em exercício nas escolas públicas.
Em seguida, durante a realização das atividades didáticas foram observados, a partir de um protocolo de coleta de dados, e, registrados no diário de bordo, aspectos que compreendem a gestão do processo de ensino e aprendizagem no espoco dos efeitos do contrato didático do campo de investigação. Outrossim, balizado nos estudos de Brousseau (1986) foi realizado o que o pesquisador chama de institucionalização, tanto do ponto de vista do conteúdo que estava sendo trabalhado, bem como as questões referentes às regras e efeitos do contrato didático que foram identificadas durante o processo, foco principal de nossa intervenção. A gestão do tempo para cada atividade didática contemplou a carga horária de três horas aulas para cada dupla, o que equivale a 1/3 da referida disciplina.
Por fim, foi realizada a ordenação dos dados coletados na etapa de observação e a análise do conteúdo a partir da identificação de alguns dos efeitos do contrato didático, pois acreditamos que se trata de um campo fértil de investigação, bem como o objeto de estudo contemplado nesta pesquisa não se esgota. Vale ressaltarmos que os dados primários foram obtidos a partir da fonte direta do ambiente natural com a preocupação predominante no processo e não no produto.
Nesta seção, será descrita a análise dos dados referentes a nossa pesquisa. Por meio deste processo buscamos atingir o objetivo de identificar alguns dos efeitos do contrato didático em sala de aula a partir da minuciosa observação de cada um dos participantes envolvidos. Foi levada em consideração a ideia de que cada sala de aula tem seu contrato didático próprio, ou seja, no momento em que um novo participante se apresentava na qualidade de professor era notável uma diferença na forma de falar, agir e pensar em relação ao participante anterior. Assim, vindo ao encontro do que afirma Jonnaert (1994), todo contrato didático tanto é único quanto instável.
Para identificar alguns dos efeitos do contrato didático procuramos observar a forma como os professores conduziam suas aulas. De maneira mais específica, analisamos alguns comportamentos pré-estabelecidos pelo participante em atividade, que por sua vez desencadeavam certos padrões comportamentais por parte dos alunos em sala de aula. Vale ressaltarmos que esses padrões surgem a partir de regras verbalmente estabelecidas e de procedimentos oriundos de experiências anteriores.
Alguns desses procedimentos (experiências) herdados poderiam gerar conflitos entre o professor atuante e os alunos, ou ainda entre o professor e o saber a ser transmitido. Em relação a esses conflitos, Brousseau (1996) afirma que os mesmos podem originar os efeitos didáticos que constitui o principal objetivo da nossa pesquisa.
Destarte, durante a análise das aulas descritas abaixo, é possível perceber diversas características que identificam o contrato didático presente na sala, tanto explícita quanto implicitamente. Assim, cada passagem a seguir sinaliza como o sujeito participante da referida pesquisa e sua turma buscam manter os múltiplos acordos não só disciplinares, mas também sociais existentes no ambiente de ensino.
A primeira situação didática compreende o tema da previdência social e a mensuração de riscos. O participante na condição de professor mostrou um bom domínio do assunto. Em sua postura havia uma certa preocupação em manter o contrato didático estabelecido entre o mesmo e os demais em sala, que exerciam apenas a condição de alunos.
O professor atuante iniciou sua apresentação com o seguinte questionamento: “Será que vai chover hoje?”, que tinha como finalidade ambientar os alunos no que se refere ao assunto abordado. Outrossim, constituía uma estratégia para despertar curiosidade e criticidade entre os alunos, que seriam designados a encontrar uma resposta em um intervalo de tempo disponibilizado. Em contribuição Pozo et al. (1998, p. 14), comenta que:
“Orientar o currículo para a solução de problemas significa procurar e planejar situações suficientemente abertas para induzir nos alunos uma busca e apropriação de estratégias adequadas não somente para darem resposta a perguntas escolares como também às da realidade cotidiana”.
Entretanto, questões como a mencionada acima podem originar a partir do contrato estabelecido um efeito didático, denominado “analogia”, pois nesse momento a resposta esperada pelo professor pode não ocorrer, ainda que para efeito de ambientação. Nesse sentido, Brousseau (1996) nos mostra que não devemos esperar uma resposta pronta dos sujeitos alunos, pois se isso acontecesse não haveria finalidade em transmitir um saber que eles já detêm. Pais (2002) contribui quando comenta que o ponto positivo de se utilizar uma analogia depende em parte da forma como é proposta essa utilização e, desse modo, se faz necessária uma vigilância criteriosa por parte do professor.
Comumente abria-se espaço para os questionamentos feitos em sala, o que ocasionou uma agitação por parte dos alunos participantes com o tema abordado e o professor atuante, mesmo que de maneira implícita procurava se manter e explicitar o contrato: “Atenção aqui... Oh, não quero conversas paralelas... Psiiiiiiiu... sem conversa... Pessoal, olhem para cá estamos em aula”. O fato de mencionar que estão em aula, indica a tentativa de retomar sua posição no contrato para manter a busca pelo saber que se encontrava desestruturado naquele momento. Além das expressões mencionadas acima o professor buscava reestruturar o contrato firmado a partir de imagens e vídeos encontrados em sua apresentação que por sua vez auxiliavam no sentido de captar de uma maneira mais simples a atenção dos alunos em sala.
A segunda aula observada, cujo tema consistia em imposto de renda e porcentagem, caracteriza-se pelo constante uso de expressões, tais como: “Por definição... O conceito... As propriedades são...”, que tinha como objetivo tornar explicito o contrato vigente. Assim, o professor atuante conseguia transmitir os conceitos matemáticos através de frases usuais que se mostram de fácil compreensão e sem perder a essência da linguagem matemática.
Constantemente o professor observado utilizava questionamentos que ele mesmo respondia. À guisa de exemplificação: “Porcentagem é uma fração, galera? Nem sempre, pois... Porcentagem tem sempre denominador 100, galera? Não, pois...”, com este comportamento foi possível constatar interjeições como “Ah!” e “Hum!”, ou até mesmo um simples gesto de balançar a cabeça, que sugerem a procura por atender uma postura positiva em relação ao professor, mas que nos faz refletir se de fato havia uma compreensão, pelo menos em parte do que estava sendo abordado. Destarte, questões como a mencionada acima podem originar a partir do contrato estabelecido um efeito didático, denominado “topázio”, pois o professor antecipa a resposta para evitar possíveis erros por parte dos alunos. Para Brousseau (1996, p. 59):
“Ao mesmo tempo que ensina um saber o professor recomenda como usá-lo. Manifesta-se assim uma posição epistemológica que o aluno adota muito mais rapidamente porque a mensagem permanece implícita ou ainda inconsciente. Infelizmente, essa posição epistemológica é difícil de ser identificada, assumida e controlada e, por outro lado, parece desempenhar um papel importante na qualidade dos conhecimentos adquiridos”.
Conforme o referido autor, o efeito topázio manifesta uma posição epistemológica, ou seja, concepções referentes a disciplina com a qual o professor trabalha. Ademais, quando falamos em posição epistemológica, pode surgir um efeito conhecido como “dienes”, que pode se originar a partir da distorção entre a compreensão pessoal e os valores objetivos, causando uma aproximação do currículo mais ao senso comum que a uma ciência propriamente dita (Brousseau, 1996).
No que tange a organização do assunto, o professor procurava seguir a rigor seu material de ensino. Em alguns momentos, assim como na aula ministrada pelo participante anterior, procurava abrir espaço em pequenos intervalos entre um tópico e outro para as interrogações que surgiam conforme a aula se estendia, assim, demonstrando sua preocupação em relação ao contrato estabelecido, ao saber transmitido e a captação dele por parte dos alunos envolvidos no processo.
A terceira aula observada, abordou em um primeiro momento o tema Matemática e o mundo real. A professora atuante fez uma relação entre a Matemática da sala de aula com o cotidiano. Outrossim, mostrou propriedade quanto à gestão de sala e domínio do conteúdo. Em seu contrato didático preocupou-se em deixar o aluno a vontade para questionar, mencionar e construir o seu conhecimento. Ademais, ressaltou a importância de se estudar a História da Matemática, para, assim, chegar na descoberta do conhecimento, além de trabalhar a Matemática pensando seus conceitos e fazendo conexões com dia a dia.
Em um segundo momento, apresentou o conhecimento matemático em ação, em que foram definidos e explicitados vários conceitos matemáticos, desde igualdade, congruência, sobreposição até translação, sempre, instigando o aluno a pensar através das situações problemas, associando-a à realidade do aluno, bem como valorizando seus conhecimentos prévios.
Na sequência didática desenvolvida, as atividades foram sequenciadas e cronológicas, ou seja, os alunos foram agentes ativos no seu processo de ensino e aprendizagem. À guisa de exemplificação, a transposição didática, a contextualização e as tecnologias da informação deram-se por meio da apropriação do software Geogebra, sendo utilizado para dar dinamismo ao contrato didático e tornar a aprendizagem mais significativa. Um efeito que podemos identificar no contrato didático foi o denominado efeito “topázio”, pois em algum momento a aluna na condição de professora precisou responder algum questionamento feito por si própria antes que a turma respondesse, para simplificar sua tarefa e ter domínio de tempo.
Destarte, podemos observar que dentro do contrato didático regido pela professora atuante foi estabelecido o estreitamento da interação entre professor e aluno, e, que a aula desenvolvida veio despertar um ambiente comprometido em instigar a curiosidade dos sujeitos envolvidos, a partir do momento que foi dado ao aluno, através do seu cotidiano, motivação e o significado de o por quê estudar o conteúdo em questão.
A última aula observada abordou o tema velocidade de crescimento. O professor atuante, como os demais, apresentou um bom domínio do assunto abordado quando relacionou a velocidade de crescimento às funções matemáticas.
Preocupado em manter as relações explícitas pelo contrato vigente, e, diferente dos sujeitos observados anteriormente, não utilizou questionamentos que ele mesmo apresentasse alguma resposta. Em vez disso, sua aula caracterizou-se, basicamente, pelo constante uso de situações cotidianas. Uma situação interessante foi apresentada a partir de uma função que relacionava o salário de uma atividade profissional qualquer e o estudo. Essa função potencializou um espaço para a seguinte indagação: “Será que quanto mais você estuda mais você ganha?”, assim, sendo utilizada como tomada de partida para o estudo das funções matemáticas, posteriormente.
Todavia, em um dos momentos da nossa observação uma situação parecia transgredir o contrato didático daquela turma. À título de ilustração, foi abordado o crescimento das plantas a partir do estudo das funções matemáticas, o que potencializou uma situação interessante. Assim sendo, um dos alunos não compreendeu como acontecia a relação entre o crescimento das árvores em um determinado intervalo de tempo. O professor atuante ao tentar solucionar a dúvida do aluno fez uso de suas próprias concepções, que mais tarde identificaríamos como um pequeno deslize. Esse deslize, enquanto efeito do contrato didático, é denominado “metacognitivo”, o que pode causar no aluno uma ideia apenas superficial do conteúdo, e, consequentemente, poderia desencadear um processo de não apropriação do conhecimento transmitido pelo referido professor.
A transgressão, bem como o cumprimento, apenas em parte, das regras do contrato didático pode ocasionar conforme Jonnaert (1994) a desestruturação e até a ruptura do contrato estabelecido, que por sua vez pode ocasionar a falta de confiança entre o professor e os alunos. Assim, desse modo, seria criado um ambiente onde não existe nem harmonia e nem estímulo para a construção do saber matemático. Daves e Grosbaum (2002) explicam que a dinâmica em sala acontece a partir da visão por parte do professor e dos processos de ensino e aprendizagem e que sua percepção adquirida sobre o aluno é a única forma de oferecer um auxílio potencial para a construção do seu saber.
Outrossim, à título de exemplificação, encontramos o caso do efeito denominado “jourdain”, ou seja, a partir de uma atividade do tipo lista de exercícios, a professora realizava quase todo o procedimento para a resolução sozinha. Destarte, apenas na parte final ela consegue uma aproximação com o aluno. Com isso, um dos alunos da turma acaba assimilando essa informação. Contudo, faltando apenas parte da resolução, a professora enaltece a participação do aluno: “Isso!” e propõe a resolução final para que todos então cheguem ao resultado: “Vamos colocar aqui no cantinho.”.
Ao finalizarmos a organização e a análise dos dados somos levados a afirmar que as situações didáticas selecionadas e desenvolvidas pelos sujeitos investigados nesta pesquisa, para a análise de alguns dos efeitos do contrato didático, promoveram um ambiente dialógico de forma que potencializou a discussão sobre algumas variáveis didáticas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem da Matemática.
Nossa intervenção tinha como objetivo verificar que toda vez que em uma sala de aula alunos se envolverem em um processo de ensino e aprendizagem irão surgir regras implícitas e/ou explícitas e que passarão a estreitar competências que cada um tem diante o outro, o que pode ou não potencializar práticas pedagógicas que possibilitem a apropriação do conhecimento. Outrossim, sabíamos das limitações que poderiam surgir por conta dos alunos investigados serem alunos de um curso de Graduação em Licenciatura em Matemática, e, em virtude de todos os sujeitos envolvidos na referida pesquisa terem tido contato com o conteúdo que estava sendo abordado. Todavia, mas que seria fundamental para que pudéssemos identificar algumas das variáveis da Didática da Matemática.
Durante as aulas analisadas, quatro casos, e, nas interações entre o professor atuante e os alunos participantes, no tocante ao saber que estava em jogo, ficou evidente a ocorrência de expectativas e acordos que ocorreram em grande parte de forma implícita. Destarte, acreditamos ter sido fundamental para nossa reflexão procurar identificar alguns dos efeitos do contrato didático estabelecido. Assim, alguns dos efeitos do contrato didático analisados em nosso trabalho foram os seguintes: Efeito Topázio, Efeito Jourdain, Deslizamento Metacognitivo e Uso Abusivo de Analogia.
Ademais, vale ressaltarmos que a pesquisa não se esgota, bem como sinalizamos alguns dos efeitos identificados, ou seja, nesta pesquisa, todas as aulas analisadas existiram mais de um desses efeitos de contrato didático, Contudo, acreditamos ser relevante a ampliação do estudo para verificar se os efeitos observados nas aulas de Matemática realmente se confirmam com os alunos no ambiente do cotidiano escolar.
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2. Licenciando do Curso de Licenciatura em Matemática. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba. valdigleywork@gmail.com
3. Licencianda do Curso de Licenciatura em Matemática. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba. aninha2014n@hotmail.com