Vol. 38 (Nº 45) Año 2017. Pág. 17
Alexandre VANZUITA 1; Tânia Regina RAITZ 2; Marynelma Camargo GARANHANI 3
Recibido: 25/05/2017 • Aprobado: 22/06/2017
2. A Escolha Profissional: desafios e possibilidades na construção de identidade(s) profissional(is)
4. Os Processos de Inserção Profissional: dilema(s) em questão
RESUMO: O objetivo deste estudo é analisar como os formandos em Educação Física, de uma universidade no Sul do Brasil, por meio de suas experiências no contexto de formação e inserção profissional, constroem identidade(s) profissional(is). Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa em que se utilizou para a produção de dados o grupo focal. A análise das informações se deu pela técnica de análise de conteúdo. Conclui-se que tal construção é resultado de uma rede complexa que possibilita o movimento de configuração e reconfiguração de identidade(s) profissional(is), não articulada integralmente aos processos de pesquisa e criação de métodos e metodologias. |
ABSTRACT: The aim of this study is to analyze how the physical education graduates, from a university in the South of Brazil, through their experiences in the context of professional training and entry to the job market of build professional identity(ies). It uses a qualitative approach, for the production of data, a focal group were used, with students of the course in Physical Education of Univali. The technique of content analysis was used to analyze the data. It is concluded that this construction is the result of a complex network that enables the movement of formation and reformation of professional identity(ies), not fully articulated with the processes of research and creation of methods and methodologies. |
Nesta pesquisa adota-se o método dialético como pressuposto teórico e metodológico, uma vez que, para analisar a realidade da sociedade, e, portanto, analisar a construção de identidade(s) profissional(is) dos formandos em Educação Física – EF, dispõe-se da perspectiva crítica como fundamento de investigação e do conceito de totalidade. Conforme Gamboa (2012), “[...] A análise da sociedade só pode desenvolver-se na sua totalidade. A tarefa da ciência está orientada para a crítica dos interesses e para a emancipação do homem; não só questiona o que é ou como, senão o para que se tem de fazer ciência”. (p. 39).
O objetivo deste estudo foi analisar como os formandos em Educação Física, da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), por meio de suas experiências no contexto de formação e inserção profissional, constroem identidade(s) profissional(is), no qual pesquisador e formandos participaram como sujeitos da pesquisa. Esse exercício se deu por meio de uma “[...] relação dialógica e simpática, como é o caso do processo da pesquisa, esses sujeitos se encontram juntos ante uma realidade que lhes é comum e que os desafia para ser conhecida e transformada” (Gamboa, 2012, p. 45).
Com base nessa afirmação, também este estudo se filia ao ponto de vista de Peirce (1974) quando pondera acerca de abdução e instinto. Significa dizer que a perspectiva do referido estudo baseia-se na ideia de abdução, ou seja, o processo pelo qual é possível construir hipóteses explicativas. Neste sentido, Peirce (1974) indica que “[...] É a única operação lógica a introduzir ideias novas; [...] Abdução faz uma mera sugestão de que algo pode ser”. (p. 52). Logo, a sugestão que se pode sinalizar é: as experiências no contexto de formação e inserção profissional de formandos em Educação Física constroem identidade(s) profissional(is) que não estão articuladas integralmente aos processos de pesquisa e criação de métodos e metodologias.
As transformações no mundo do trabalho, a formação humana, a experiência na educação formal são resultados de relações históricas, dialéticas, contraditórias e dinâmicas ao mesmo tempo. Assim, este estudo abstém-se de aspectos reducionistas e absolutistas, considera o contexto do mundo do trabalho, da formação inicial e continuada, do processo de inserção profissional como sendo processos articulados, conflituosos, provisórios, dinâmicos e contraditórios no movimento da própria experiência de vida [4]. E, no caso dos formandos em EF, as relações cambiantes do processo de constituição de identidade(s) profissional(is). Diante do exposto, utiliza-se como recurso metodológico a abordagem qualitativa de viés interpretativo. De acordo com Negrine (2010),
[...] o paradigma qualitativo e/ou interpretativo está direcionado a desenvolver conhecimento ideográfico, com finalidade de buscar significados entre os objetos estudados. A base análoga desse tipo de investigação se centra na descrição e análise e na interpretação e discussão das informações recolhidas no decorrer do processo investigatório, procurando entendê-las de forma contextualizada. Nas pesquisas de corte qualitativo, não há preocupação em generalizar os achados (p. 61).
Deste modo, este estudo produziu uma postura interpretativa, pois, na verdade, exige-se sempre a autorreflexão e a autocrítica. As informações e os dados produzidos foram analisados e revisitados de maneira contextualizada e reflexiva. Além disso, é possível dizer que essa ação interpretativa acontece por meio da comunicação entre o pesquisador e a produção de dados.
Participaram da pesquisa cinco (5) sujeitos, sendo dois (2) do curso de Bacharelado, dois (2) do curso de Licenciatura e um recém-formado no curso de Licenciatura em EF. Apresenta-se o perfil de cada sujeito que participou tendo como finalidade internalizar suas subjetividades. Convém esclarecer que a escolha foi utilizar nomes fictícios para preservar o anonimato de cada entrevistado. São eles (as): Ana, Rosa, Maria, José e Mário.
Ana tem 21 anos, estava morando sozinha, é solteira, faz o curso de Bacharelado em EF e estava cursando o sétimo semestre. Rosa também tem 21 anos, estava morando sozinha, é solteira, faz o curso de Licenciatura em EF e estava cursando o sétimo semestre. Maria tem 30 anos, estava morando com a família, é casada, faz o curso de Licenciatura em EF e estava cursando o sétimo semestre. José tem 22 anos, estava morando com a família, é solteiro, fez o curso de Licenciatura em EF e o finalizou em agosto de 2015. Finalmente, Mario tem 24 anos, estava morando com a família, é solteiro, faz o curso de Bacharelado em EF e já é formado em Licenciatura em EF.
Neste estudo apresentam-se os resultados da produção de dados no que diz respeito ao uso da técnica do grupo focal a partir de três categorias de análise no qual apresentaremos nas três subseções a seguir: a) escolha profissional; b) formação inicial; e c) inserção profissional. Por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2011, Franco, 2012) as informações foram tratadas, interpretadas e analisadas para dar conta do objetivo do presente estudo.
A dimensão da escolha profissional foi analisada neste estudo no sentido de caracterizar o perfil profissional dos formandos em EF com a finalidade de indicar que o processo de escolha profissional pode orientar a trajetória profissional. A escolha profissional ocorre cada vez mais cedo para os jovens que resolvem ingressar na universidade. Em meio ao contexto sócio-histórico e cultural atual, vivenciado pelos jovens, muitas possibilidades são oferecidas. Pesquisadores como Oliveira e Melo-Silva (2010), Santos (2010) e Almeida e Pinho (2008), no campo da Orientação Profissional – OP, discutem essa passagem da vida, da transição entre a saída do Ensino Médio e a entrada na universidade sob diversos pontos de vista. Eles ressaltam a influência familiar e as dimensões socioeconômicas e culturais, dimensões que, segundo os estudos citados, afetam diretamente o contexto da escolha profissional.
Na presente pesquisa, os referidos elementos também se fizeram presentes, sobretudo no tocante ao contexto familiar como influência na escolha profissional desses estudantes. A família, sem sombra de dúvidas, contribui no processo de construção de identidade(s) profissional(is). Isso se torna muito expressivo quando, no relato de Ana, fica claro como o contexto familiar acabou influenciando de maneira decisiva a sua escolha pela profissão:
Na verdade, o que mais influenciou, eu diria, foi que meu pai e minha mãe são os dois formados em educação física. O meu pai hoje não atua, mas é formado e a minha mãe foi atleta de vôlei por muito tempo. Então, desde criança eu acompanhei as aulas dela, eu ia com ela, ela trabalhava em uma escolinha de vôlei na minha cidade. Na verdade, eu sempre digo que eu cresci em uma quadra de esportes tanto com o meu pai quanto com a minha mãe. A academia também, eles estiveram juntos quando eram casados e tudo mais. Eu sempre gostei dessa área, sempre gostei de esportes, fui atleta de handebol por um bom tempo, dos meus 11 aos 17, 18. Então, desde que eu me conheço por gente, eu diria assim, eu gosto de esportes e eu fui criada e influenciada nessa área. Surgiu daí o meu interesse pelo curso e também desde criança eu sempre dizia que ia sair do ensino médio e iria para o curso de Educação Física. Foi, na verdade, o que aconteceu, eu realmente saí do ensino médio e já me inseri na universidade cursando Educação Física (Ana).
Outro caso semelhante é o de Mario, que cita como referência sua madrinha, mesmo indicando vários outros motivos, destaca o contexto familiar:
Eu, desde pequeno, jogo bola, então, desde pequeno, fui influenciado a seguir essa modalidade e tive a oportunidade de treinar em vários clubes. Tive essa influência de entrar no curso de Educação Física e, por ter uma madrinha formada no curso, ela meio que me influenciou. Eu tive essa escolha por gostar mesmo da área, por querer mesmo ter essa vivência e ter a oportunidade de fazer outro curso, por isso que eu escolhi Educação Física (Mario).
José, outro formando, também aponta a influência familiar no processo de escolha profissional, dizendo que a família pode ter colaborado neste processo, de acordo com seu depoimento:
O meu teste vocacional sempre caia na área saúde, era medicina, ciências biológicas, fisioterapia. Nunca entrava na Educação Física, não sei por que. Todas as três vezes caiu na área da saúde. Que teve alguém que me indicou, não teve. Eu saí do ensino médio, eu fiquei dois anos fora da faculdade, sem estudar. Então, quando surgiu a ideia, na verdade, no ano seguinte, eu tentei entrar em ciências biológicas e não consegui, fiquei só trabalhando naquele período.Depois a minha madrinha falou que o outro afilhado dela também estava fazendo Educação Física e era coisa a se pensar. Era na faculdade de Porto Belo. E aquela estrelinha bateu, é Educação Física, tudo bem, vou tentar. E então entrei na UNIVALI, mas não teve alguém que sempre falou alguma coisa, talvez tenha sido um pouco a minha irmã, porque ela já era pedagoga, então sempre teve aquela coisa da escola também. Ela sempre quis ser professora e acabou sendo professora. E eu entrei como professor também, então pode ser que tenha uma relação (José).
Já a formanda Maria relata que a influência foi da professora de EF no Ensino Médio e dos esportes na sua escolha pelo curso. Ela conta detalhadamente como isso ocorreu e das oportunidades que teve na área para poder optar, essa professora foi fundamental pelas diversas experiências que trouxe.
[...] Eu sempre fui atleta do futsal e de basquete e estar na Educação Física, além dos esportes que eu prático, dos jogos que eu participei, dos eventos técnicos e das oportunidades que eu tive. A minha professora de Educação Física, no meu ensino médio, foi muito importante para minha escolha por- que ela trazia desde as experiências com atletismo, com a dança e com as lutas, ela trazia um leque. Até a construção da nossa própria sala em uma escola estadual, o incentivo que ela dava pra nós participarmos dos jogos e estarmos inseridos no esporte. [...] E a minha vida escolar que me trouxe para esses caminhos, minhas experiências, minhas brincadeiras, porque eu tive a oportunidade mesmo, dentro da escola, de viver essa diversidade da dança, dos jogos e das brincadeiras. [...] o meu intuito de ir para a área da Educação Física foi do exemplo da minha professora, das práticas corporais que ela nos proporcionava, dos momentos que era tão feliz a aula de Educação Física, da união da turma nas atividades. E também pelo esporte em si porque quem é atleta, geralmente, está envolvido com esta questão da saúde, vai pra Educação Física, para fisioterapia ou para área da nutrição. Então, eu acredito que o esporte em si ele já te traz essa influencia forte pra gente. Eu lembro que as minhas colegas do vôlei terminavam o terceiro ano e iam para a área da Educação Física. A gente percebia porque, por a minha cidade ser pequena e muitos jovens participavam dos esportes coletivos que eram o futebol, basquete, vôlei e terminavam o terceiro ano e ganhavam por incentivo até do município, ganhavam bolsas naquela época para estudar na FACEPAL, que é a faculdade de Palmas. Hoje, já mudou, é Instituto Federal do Paraná, se não me engano, mas essa influência de estar mesmo inserida nos jogos e participando de campeonatos e atividades relacionadas a isso.
Convém destacar a investigação realizada por Bardagi, Lassance e Paradiso (2003). Os estudantes entrevistados nessa pesquisa indicam que escolheram o curso pela identificação pessoal e pelos motivos de vocação, interesse pela área e realização pessoal. No caso do estudo, teve um aluno que mencionou “Sempre sonhei em trabalhar com saúde física das pessoas, me identifico totalmente com a Educação Física” (p. 158), conforme Bardagi, Lassance e Paradiso (2003).
Alguns outros elementos são pertinentes para a discussão sobre a escolha profissional no caso do estudo presente. Por exemplo, os estudantes do grupo focal são de diversas partes do sul do país, contudo, o contexto em que eles estão inseridos no processo de escolha profissional é bastante diversificado para todos esses sujeitos. Cada estudante, em cada contexto, escolheu o curso de EF baseado nas suas experiências anteriores ao ingresso, bem como pela influência familiar.
Um assunto que a formanda Rosa comentou como processo de escolha e de orientação profissional foi uma atividade pontual oferecida pela universidade que possibilita que os estudantes do Ensino Médio, da região das cidades vizinhas a Itajaí, possam conhecer os cursos oferecidos pela Univali, chamado de OPA (Opção Profissional por Área). Tal atividade tem por objetivo esclarecer aos jovens acerca das possibilidades de escolha, bem como informações sobre o curso e o mercado de trabalho da área de interesse. A formanda também sinalizou que não participou dessa atividade, apesar de ter se inscrito.
A aluna alegou que a atividade é muito importante para quem está indeciso e que esse processo ajuda na escolha profissional. Um dos problemas agravantes neste processo é que muitos jovens ficam indecisos, angustiados e vivem ansiosos na hora de escolher qual o melhor curso. Neste sentido, segundo Bardagi e Hutz (2009), as escolas de Ensino Médio deveriam oferecer serviços de orientação profissional para propiciar uma escolha mais assertiva e reflexiva para tais jovens, pois também essa problemática acaba provocando o abandono universitário.
A realização do grupo focal possibilitou apresentar eixos de análise em relação à qualidade da formação inicial em EF. Os sujeitos da pesquisa trouxeram elementos como os estágios, a busca pelo saber, a pesquisa, a produção do conhecimento e a aprendizagem contínua como subsídios da possível qualidade da formação. Chama a atenção, nos depoimentos, a ênfase dada à aprendizagem autônoma e à busca pelo saber de maneira individual na formação inicial, principalmente naquilo que se pode vincular com os processos de autoria da pesquisa como princípio educativo, na perspectiva de Demo (2005).
Em pesquisa realizada por Vanzuita (2007), os professores do curso superior em EF de uma universidade comunitária em Santa Catarina consideraram o princípio da pesquisa e da produção do conhecimento como ferramentas necessárias para a possível qualidade da formação superior em EF, apesar de todos os professores daquele contexto não conseguirem desenvolver esse tipo de prática. A comparação é feita por se tratar de um elemento importante da construção de identidade(s) profissional(is), pois a prática da pesquisa como princípio educativo no ambiente de formação inicial propicia uma formação altamente qualificada, o discente participa ativamente dos processos de produção de conhecimento. Desta maneira, o comentário do formando José a respeito do que mais contribuiu no processo de formação inicial para a inserção profissional é muito significativo:
Nós na escola, professores escolares, temos que aprender a ensinar os alunos uma diversidade de conhecimentos da cultura popular. Eu acho que, na nossa formação, a gente teve essa pluralidade de conhecimento que foram repassados pra gente. É claro que a gente vai se aprofundar, porque aqui acaba sendo superficial. No momento que a gente está cursando, a gente acha que não, mas depois a gente vê que é. Agora o que mais me marcou foi, realmente, começou a marcar no terceiro período da minha graduação, porque na disciplina de produção de conhecimento abriu aquela cabecinha para a pesquisa, que estou tentando entrar aos pouquinhos agora, os estágios supervisionados, que são quatro, e os meus quatro tiveram temas diferentes e eu fiz com pessoas experientes. Um deles eu até fiz sozinho pra saber como iria ser, e foi onde eu realmente achei interessante. Quando eu fiz sozinho, foi no sexto período, não foi o trabalho de conclusão, que me mostrou realmente como é a área, como é trabalhar sozinho. Apesar disso, eu ainda tenho receio de como vai ser depois de formado, mas eu só vou saber depois [...] (José). (Grifos dos autores)
Sabe-se que a pesquisa, como princípio educativo, requer do estudante uma postura não submissa, não passiva, mas sim de autoria, ativa e criativa. Quando José afirma que a pesquisa marcou sua formação, parece entender que sua experiência, como futuro profissional, vai exigir dele que busque e produza conhecimento na sua profissão. Mesmo sabendo que a formação inicial, por si só, não dá conta de toda a complexidade de conhecimentos dos saberes e fazeres pedagógicos do professor, ele suspeita que tenha que se aprofundar na sua profissão, pois a insuficiência de conhecimentos na formação inicial exige sempre a atualização constante e o exercício da pesquisa.
Já o formando Mario desenvolve seu argumento em termos de valorizar a busca por novos conhecimentos. Indica que os docentes do curso orientam os caminhos que podem ser seguidos por eles, mas quem decidirá isso será o próprio estudante,
[...] O que eu vejo e o que os professores tentam passar pra gente é que eles mostram o caminho, mostram a porta que você deve entrar e deve seguir, falando que nesse sentido você vai ser um bom profissional. E quem tem que buscar isso são os acadêmicos, é a gente que procura esse envolvimento na área. Eu, por exemplo, entrei no curso achando que ia ser um bom professor de Educação Física e depois eu já optei por ser um bom personal trainer. Hoje, eu já estou atuando totalmente em outra área, eu atuo no esporte coletivo, principalmente na modalidade do Tchoukball que eu conheci através dos professores e através dessa busca de conhecimento. Hoje, poucas pessoas conhecem e eu procuro ensinar isso, já dou palestras sobre isso. É uma área que estou querendo seguir e é uma oportunidade que eu tive pelo conhecimento que os professores me passaram no curso (Mario). (Grifos dos autores).
Demo (2008), quando se refere ao processo de aprendizagem “adequada”, vai ao encontro do que os sujeitos de pesquisa têm discutido sobre a busca pelo conhecimento, a pesquisa e a produção do conhecimento,
Aprendizagem requer dedicação sistemática transformada em hábito permanente, aprendizagem adequada compatibiliza-se bem com formação permanente, indicando que é o caso de estudar sempre; em parte isto é imposto pela perecibilidade do conhecimento, em parte por novos horizontes que sempre se descortinam; não adianta estudar de vez em quando, por acaso, aos solavancos, há que estudar todos os dias. (p. 22).
Essa dimensão da busca pelo conhecimento, da pesquisa e da aprendizagem “adequada” poderá trazer para o estudante em formação uma qualificação maior na sua área de atuação. Tais aspectos estão diretamente relacionados à construção de identidade(s) profissional(is) e permitem a autorreflexão dos sujeitos em questão, pois eles apontam nos seus relatos que, para serem profissionais qualificados, devem ir além dos bancos da universidade, buscando reconstruir a profissão e aprendendo constantemente.
Ana ressalta também que os processos de melhor qualificação profissional precisam da pesquisa, elemento fundamental para ultrapassar perspectivas reducionistas e fragmentadas. A pesquisa leva os estudantes a saber, pensar bem, a fazer autocrítica, a movimentarem-se para a ampliação do autoconhecimento e do conhecimento científico. Abordou Ana sobre esse assunto:
Eu acho que, como acadêmico, você tem que ir além, tanto em pesquisa, em tudo, em todos os sentidos. Se você não for além, se você não puxar e não bater no peito e acreditar que pode ir além e posso ir atrás de outras coisas. Eu acredito que não foi minha formação que fez ou fará ser um profissional melhor, vão ser essas situações em que eu fui à busca. O professor, como ele falou, mostra o caminho, mas eu fui à busca. Como eu citei antes, meu professor de handebol era excelente, mas se eu não tivesse ido à busca de eu procurar um estágio, de eu procurar trabalhar e aprender mais sobre isso, eu acho que hoje eu não teria vinte por centro do conhecimento que eu tenho, até porque a minha professora de estágio voluntário que seria em contra turno é uma excelente professora que me ensinou muito mais do que eu aprendi dentro da universidade (Ana – Grifos dos autores).
Quando a formação restringe-se a ouvir aulas e anotar o conteúdo de uma determinada área, o sujeito torna-se apenas um bom espectador daquilo que se ocupa. A construção da(s) identidade(s) profissional(is) passa pelo protagonismo acadêmico e pessoal, aquele que busca “ir além” pode desenvolver-se um profissional mais qualificado na sua área de atuação, portanto essa construção requer movimento, busca e reconstrução do conhecimento.
Todos os formandos, de maneira geral, sentiram a necessidade de participar de momentos que oportunizassem a discussão coletiva neste sentido, ou seja, discutir acerca dos processos formativos nos quais estavam inseridos. Além disso, foi um importante espaço para a manifestação livre dos interesses que levaram os formandos a participarem deste processo de pesquisa. A formanda Maria, por exemplo, falou, no momento de agradecimento do grupo focal, da vontade de buscar a especialização stricto sensu (mestrado), tomando-me como referência:
Eu só tenho a agradecer pela oportunidade, por me abrir novos olhares que eu acredito que a construção do conhecimento é isso mesmo, é junto, não é sozinho. Eu tenho lido livros do Rubens Alves e do Paulo Freire que eles têm falando muito isso, da construção do conhecimento que se constrói junto e ao longo dos anos de vida. Como mãe, eu também tenho observado isso, que a gente se dedica, a gente se dedica um ao outro o tempo inteiro. Então, a gente está aprendendo com o outro na escola ou em qualquer profissão, é isso porque a gente não trabalha com outra espécie, não existe outra espécie no mundo como o ser humano. Eu estou trabalhando com os seres, e é esse olhar que eu tenho que ter. Eu fico feliz por estar aqui porque eu não quero parar aqui. Eu também quero abrir portas novas na minha vida, que eu possa fazer um mestrado e que eu possa sim, dentro da escola pública, e todos os meus desafios e todas as minhas angústias que eu tenho vivido e olhar e ver como eu tenho capacidade também de ir para frente, então esse teu exemplo contribui para que a gente olhe pra gente que é capaz também de ir em frente. Então você está de parabéns e eu fico feliz de estar aqui com meus companheiros que o JOSÉ, a ROSA, a ANA, que a gente já estudou, e o MARIO que contribui também porque a gente para ouvi um, ouvi outro e pensa e repensa. É assim que a gente vai seguindo em frente e melhorando. Muito obrigada, Alexandre, pela oportunidade (Grifos dos autores).
É importante frisar que, nessa perspectiva de formação, os sujeitos mobilizam-se para aprender e para reconstruir o conhecimento. No caso dos sujeitos entrevistados, parece que isso ocorreu de forma intuitiva pelos estudantes, sem que houvesse a orientação rigorosa e científica pelos(as) professores(as) formadores(as). É notável que essa mobilização sempre ocorra de dentro para fora, na condição de autores da sua construção identitária profissional e, portanto, nesse processo eles vão tornam-se outros, como um terceiro instruído (Serres, 1993).
Melucci (2004) contribui dizendo que, para se ter uma formação qualificada, melhor que trazer a solução de problemas (em que a resposta já está posta dentro do próprio problema), é repensar que “[...] a atualidade exige que apliquemos nossas capacidades criativas na formulação de novas perguntas” (p. 174). Portanto, como diz Demo (2015), o novo professor deverá sempre criar novas perguntas, aprender e recomeçar.
Para dar conta da contextualização do processo de formação inicial dos formandos em EF na presente pesquisa, busca-se também apresentar os conceitos de inserção profissional nesta relação. A inserção profissional foi discutida por Vernières (1997, apud, Rocha-de-oliveira, 2012) como um “[...] processo pelo qual os indivíduos que jamais participaram da população ativa ingressam em uma posição estável no sistema de emprego” (p. 126). Entretanto, reconhece-se nessa visão a limitação por não considerar os espaços de formação inicial como os estágios obrigatórios, os estágios não remunerados, o estágios remunerados, os trabalhos sazonais, como contextos de inserção profissional e, ainda, podemos inferir que essa reflexão atribui ao indivíduo a única responsabilidade por sua inserção no mercado de trabalho.
Outro conceito recorrente de inserção profissional mais amplo desenvolve-se a partir de uma concepção complexa (Dubar, 2005). Trata-se de analisar a inserção profissional por meio dos aspectos locais e globais da economia e dos fatores sociais, históricos, culturais, e não simplesmente centrados na demarcação econômica como a definição desenvolvida por Vernières (1997 apud, Rocha-de-Oliveira, 2012).
No caso desta investigação, os formandos em EF conferem ao estágio uma possibilidade de inserção profissional, embora alguns deles já estejam inseridos no mundo do trabalho na área de conhecimento. O que os formandos relatam, muitas vezes, é que o processo de inserção profissional na área específica que o estudante busca por vezes se torna dificultoso. A formanda Ana problematiza tal condição,
[...] o meu estágio de handebol eu fui e consegui no sétimo período, o estágio específico em handebol. Então a inserção do estudante de educação física é fácil, mas nem sempre é na área que tu gosta. Por exemplo, o formando MARIO, se ele fosse querer fazer na área dele de tchoukball, ele não iria ter oportunidade.
O tema inserção profissional tem sido discutido desde a década de 1970 e, assim, tem sido recorrente o interesse dos pesquisadores por este assunto na atualidade. É possível afirmar isso com mais segurança apoiando-se nos estudos de Raitz (2012), Rocha-de-Oliveira (2012) e Figuera-Gazo (1994, 1996, 2013), o primeiro realizado na Universidade de Barcelona – UB-Espanha, no grupo TRALS (Grupo de Investigação de Transições Acadêmicas e Laborais), em que se analisaram a produção teórica e os aspectos metodológicos relacionados à transição universidade-trabalho, no contexto das produções desenvolvidas entre 2001 e 2011, no interior deste grupo.
Já o estudo de Rocha-de-Oliveira (2012) preocupa-se em discutir o conceito inserção profissional propondo um modelo analítico e uma agenda de pesquisa sobre o tema no Brasil. Segundo o autor, constitui-se temática recente no âmbito da pesquisa, mas que já vem sendo discutido e problematizado na França há pelo menos quatro (4) décadas. Figuera-Gazo (1994), desde sua tese de doutorado e hoje coordenadora do grupo de pesquisa TRALS, na UB-Espanha, tem sido uma autora incansável em suas pesquisas desenvolvendo novas perspectivas para se definir o conceito com maior profundidade.
A problemática da inserção profissional, para Dubar (2005), também é assunto recente de investigação empírica e traz elementos para se discutir a dimensão da identidade social e profissional no escopo das trajetórias profissionais. O autor preocupa-se em desenvolver não uma racionalização da inserção profissional condicionada apenas ao olhar da economia, porém ocupa-se em trazer os elementos da socialização profissional (formação geral, formação profissional e experiência de trabalho) e os processos de inserção profissional articulados a uma perspectiva histórica cultural que assume uma lógica interacional e de construção sociocultural. A inserção e identidade profissional ficam reforçadas pelo autor como processos de “[...] construções sociais que implicam a interação entre as trajetórias individuais e sistemas de emprego, de trabalho e de formação” (Dubar, 2005, p. 330).
Portanto, no presente estudo, apropria-se deste conceito para analisar a formação e inserção profissional dos formandos em EF da Univali. Os estágios e a prática profissional no mundo do trabalho se constituíram em momentos e espaços de aprendizagem para tais formandos, já que a busca necessária de construção de métodos e metodologias no contexto da prática foi relevante na formação inicial dos formandos. O formando Mario comenta detalhadamente essa relação e expõe os motivos explicativos do porquê não teve dificuldades em ingressar no mundo do trabalho na sua área de conhecimento,
[...] eu trabalhei na conclusão de estágio da licenciatura em cima do tchoukball e quero fazer a mesma coisa no bacharelado. Só que a professora do bacharelado acha uma coisa totalmente diferente e eu não tenho artigos suficientes para isso. Eu consegui oito artigos relacionados e para ela não é o suficiente, mas eu vejo que, se a pessoa realmente quer, ela consegue. Eu vejo a questão da variabilidade que a gente tem na sociedade, por exemplo, eu trabalho aqui na área dos esportes, atuo com as crianças do Colégio de Aplicação e atuo com as crianças do bairro Nossa Senhora das Graças. É sensacional a diferença que tem entre sociedades que convivem no mesmo ambiente. Por exemplo, se tu pedir para os alunos do CAU subirem em uma árvore, eles não vão conseguir, eles vão ter medo de subir em uma árvore. Se você pedir para o pessoal do bairro Nossa Senhora das Graças para subir na árvore, em quinze segundos ele vai estar lá no topo. É impressionante a diferença que tem entre as sociedades [...]. A educação é uma coisa que tu vê aqui na UNIVALI, no Colégio de Aplicação, que é fundamental e tu vê essa questão. É essa dificuldade que a gente enfrenta quando está se inserindo no mercado de trabalho. Tu ter essa anamnese dos teus alunos. Entrar no mercado de trabalho não tem muita dificuldade, porque você se vê que tu realmente queres fazer isso, vai acontecer. Por exemplo, eu queria fazer sobre o tchoukball e ia abrir o projeto de extensão com o tchoukball para pode atuar na UNIVALI. Eu batalhei tanto que hoje eu consegui, hoje eu tenho e é o único no estado, então eu tenho doze alunos que, se eu for trabalhar futebol na comunidade, eles brigam, se eu for fazer basquete, eles brigam, se eu for fazer handebol, eles brigam, e eu faço tchoukball, e é de boa porque é o esporte da paz. Então, é a dificuldade que eu vejo e que tem fundamento, por exemplo, se tu for ver uma aula da professora [...] no Colégio de Aplicação ela atua na parte mais externa do DCE no gramado, eles têm medo, receio de pisar porque é tanto carro, tanto prédio e, quando vê uma árvore, é dificultoso isso. Eu, quando vi a diferença de sociedades, eu achei sensacional a diferença que tem de sociedades no mesmo ambiente. É impressionante o que eu vejo, e foi essa a dificuldade que eu tive mais. Por uma questão que eles não respeitam os professores, e uma dificuldade que tu tem que ir se adaptando, mas em relação a entrar no mercado de trabalho, eu acho que não é não dificultoso. Se for o que tu realmente quer. Se tu acha que quer atuar na área de voleibol, eu acho que eu quero e vou lá para tentar conseguir a vaga. Eu realmente quero levar o tchoukball para o estado. Eu estou já há cinco anos fazendo isso e vou até o final, pode vir o reitor falar que eu não vou conseguir, que eu vou à busca para mostrar que sou capaz e que o esporte faz diferença na sociedade (Grifos dos autores).
As pesquisas empíricas no campo da educação que procuraram desvelar as relações entre educação e trabalho, na passagem da universidade para o campo profissional, também problematizaram a satisfação/insatisfação da escolha e inserção profissional. A pesquisa de Bardagi e outros (2006) é um bom exemplo disso. As pesquisadoras investigaram a satisfação e expectativa de entrada no mundo do trabalho de trezentos e quarenta trezentos e quarenta (340) jovens formandos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, de dezesseis (16) cursos, sendo estes das áreas de Humanas, Biológicas, Exatas, Letras e Artes. A finalidade do estudo foi conhecer as trajetórias acadêmicas dos estudantes e sua percepção de satisfação com a escolha profissional.
Utilizaram um questionário semiestruturado com vinte e dois (22) itens, objetivos e quatro (4) questões abertas. A pesquisa não foi, em nenhum momento, anunciada como qualitativa ou quantitativa, todavia faz dois tipos de análise, uma de caráter estatístico utilizando o teste de associações Qui-quadrado e outra a partir da análise de conteúdo. Os resultados da pesquisa corroboram com a literatura especializada segundo as considerações das autoras da pesquisa. Este estudo é um avanço na produção do conhecimento, pois traz uma perspectiva de associações. Tal investigação nos interessou porque ajuda a pensar nos resultados apresentados em que os jovens são formandos e mostram dificuldades, tanto em relação à escolha do curso como às incertezas na entrada do mundo do trabalho.
Por ser tema recente de pesquisa na área da EF, a problemática da inserção profissional de formandos pode ser aprofundada valendo-se de metodologias e estratégias de produção de dados de perspectiva qualitativa para a sua compreensão, como é o caso da presente tese. Em nosso estudo, a formação inicial contribui decisivamente no processo de inserção profissional, bem como na construção de identidade(s) profissional(is). Por esse motivo, muitos estudantes conseguem seu primeiro trabalho antes mesmo de terminar os estudos na sua área de conhecimento, como foi no caso deste trabalho, na área da EF. Ademais, as facilidades de conseguir um trabalho por meio de estágios se torna uma tarefa de menor dificuldade.
Os relatos sobre a questão da inserção profissional foram variados, mas foi possível constatar que os formandos em Educação Física discorreram que, na grande maioria das situações, acessar o mercado de trabalho, na área de EF, não se torna uma empreitada de difícil resolução. Segundo os sujeitos da pesquisa, na maior parte dos casos, a inserção profissional ocorre através de editais de seleção de professores, editais de estágio remunerado, ou por vontade própria de trabalhar em uma área mais específica daquilo que se propõe.
As considerações dos sujeitos de pesquisa permitem problematizar o processo de inserção profissional relacionado à construção de identidade(s) profissional(is) sob novos olhares para se discutir a construção identitária. Maria indica, na sua fala, que existem, na relação entre trabalho e educação, oportunidades, conhecimentos e aprendizagens no processo de inserção e formação inicial. A construção identitária, neste caso, estará sempre em movimento e será configurada e reconfigurada na medida em que essas experiências passam também pelo processo de formação profissional. Para a mencionada estudante, a formação inicial contribuiu para que a inserção profissional acontecesse. Logo, na articulação entre estudo e trabalho, tais formandos constroem sua(s) identidade(s) profissional (is):
Estar na graduação contribui muito porque hoje em dia você vê as ofertas de trabalho e estágios, e tem muitos estágios. Então se abrem portas pra você. Eu tive oportunidades dentro da área da Educação Física, eu tive muita oportunidade através de estágios e conhecendo pessoas, me inseri na educação especial e tenho um pouco de conhecimento, mas através de estágios. A escola em si você entra com o processo seletivo, hoje em dia, pra você trabalhar dentro das unidades escolares básicas, é processo seletivo. Então eu não senti dificuldade em relação a isso porque, se você está na Educação Física, sempre está sabendo do que está acontecendo de oportunidades. Tem lá no SESI, abriu... Na Unimed, eles estão procurando, ali na escola tem programas, a universidade também tem programas, como tem o PIBID, que abre portas e é um programa de inserção à docência, que é um estágio e não deixa de ser um trabalho. Então eu acredito que hoje está mais fácil de você se inserir no mercado de trabalho pelas oportunidades, e pra isso você não precisa estar formado pra conquistar. Você já inicia na tua graduação essas conquistas, você já se insere no mercado de trabalho na tua graduação quem quer, porque tem uns que não buscam isso, mas eu não tive escolha, desde o meu primeiro semestre eu já fiz concurso público em Navegantes, então eu já me inseri no mercado de trabalho e aí vão se abrindo leques, você vai conhecendo, vai trabalhar com educação especial, vai fazer um projeto para o PIBID, projeto de música para participar e aí vão se abrindo portas (Maria).
Desta forma, essas trajetórias profissionais articuladas às trajetórias acadêmicas foram sendo reconstruídas a partir de vivências e experiências dentro do contexto da universidade. Isso possibilitou que os conhecimentos aprendidos no contexto da universidade possam ser revisitados e ressignificados no contexto da prática profissional. É importante destacar que os conhecimentos acadêmicos e experiências práticas permitem reconstruir continuamente a(s) identidade(s) profissional(is).
A questão da inserção profissional leva os jovens a vivenciarem diversas mudanças sociais e econômicas. Neste sentido, não podemos esquecer que o trabalho, nesse processo, segue sendo um elemento necessário para ocupar um lugar no mundo. A incorporação do trabalho é uma evidente e significativa transição para os jovens, consiste em outra modalidade de vínculo com o entorno, tal passo estará marcado por novas cotas de autonomia pessoal. A transição desde a universidade ao mundo do trabalho constitui um objeto de estudo que implica dimensões diversas que, na perspectiva de contrapropostas. remetem à complexidade e à variedade dos mercados laborais. Conforme Ordoñez (2015), “Este estado de cosas ha favorecido la mayor conciencia de la complejidad de la transición de la educación superior al empleo y del proceso que este fenómeno provoca en el paso de la adolescencia tardía hacia la emancipación plena, a la vida adulta”.
No processo de inserção profissional durante a experiência de ser estudante universitário na relação que se estabelece entre estudar e trabalhar, os sujeitos da pesquisa conseguiram, ao mesmo tempo, conciliar as suas atividades de trabalho e as suas atividades acadêmicas, sem prejuízo no que diz respeito ao desempenho acadêmico. Um sinal perceptível nas informações trazidas pelos estudantes é quando o trabalho ou a inserção profissional permite aos sujeitos da pesquisa vincular ou articular tudo que se aprende na universidade com o trabalho desenvolvido por eles, sendo, simultaneamente, ressignificado, possibilitando a reconstrução do conhecimento e a qualificação da prática profissional. Na passagem da narrativa de Maria, a seguir, aparece essa abordagem e, além disso, salienta que a inserção profissional dá oportunidades de outras aprendizagens:
Você está no mercado de trabalho, você chega na tua graduação, são discussões, você já está mais apto ao assunto e você já tem mais clareza sobre as coisas. E você observa o quanto contribui e aquilo que o professor está explicando e contribuindo pra tua formação, e você tem um olhar de pensar que isso é real. Então o mercado de trabalho traz um leque. E o contado, eu tive a oportunidade através de estar na área, tive a oportunidade de fazer um curso com a técnica árbitra do golbol. [...] Então são três árbitros brasileiros e ela é arbitra, é Carla da Mata. Ela é árbitra das olimpíadas, paraolimpíadas, e quando que a gente vai ter oportunidade de fazer essas modalidades se a gente não está dentro do mercado de trabalho? (Maria).
A dimensão da escolha pelo estágio na área específica de conhecimento, como, por exemplo, os esportes, foi identificada no relato da formanda Ana. Para se inserir neste contexto, ela buscou alternativas nas quais o estudante precisa utilizar um repertório informacional elevado no que se refere ao conhecimento da área. Por conseguinte, a perspectiva da pesquisa e criação de métodos e metodologias está presente neste momento também, pois, para se criar oportunidade na vida, ou no campo da formação inicial, como foi o caso, é necessário recrutar o conhecimento disponível, elaborar, reconstruir e articular a autoridade do argumento, ao mesmo tempo na sua conquista e prática profissional. Ficou evidente que esta formanda utilizou todas essas dimensões concomitantemente quando buscou a sua inserção na área escolhida:
Na minha situação, eu vi a vaga de estágio no site da UNIVALI, na verdade, quando eu fui atrás da vaga, só podia até o sétimo período, e como eu estava regular no oitavo quando eu transferi minha faculdade, eu não consegui me candidatar à vaga. Então eu tive que ir à fundação de esportes e achar quem era presidente da associação de handebol. Fui atrás da mulher e expliquei que eu queria trabalhar com o handebol de novo porque era a minha área. Só estava acontecendo esse problema e ela conseguiu mudar no sistema, colocar que podia até o oitavo período para eu conseguir entrar. Então foi muito corrido, mas como eu queria muito aprender um pouco mais sobre isso, eu fui atrás. [...] É, eu fui atrás. Se eu tivesse ficado no primeiro passo no site, não ia dá certo e eu não ia conseguir, mas como eu tinha muita vontade, eu fui à fundação, que me indicou a casa dessa mulher (Grifos dos autores).
A motivação para a iniciativa, a autoria, a disposição em buscar mais aprendizados no campo profissional da prática ajudam a qualificação dos formandos desta pesquisa. Como afirma Demo (2008), “[...] Motivação diz respeito a envolvimento, o processo pelo qual nos sentimos apanhados, tocados, a ponto de parecer mote próprio. Pode tratar-se de processo doloroso, como é dar à luz, tentar vestibular, passar no concurso, mas enfrenta-se com bom ânimo, porque nos envolvemos profundamente” (p. 34). Examinar os processos de transição desde o sistema educativo ao mercado de trabalho ou da inserção profissional é uma operação complexa, assim como é complexo o fenômeno de indiscutível relevância econômica e social para os países.
Como argumenta Ordoñez (2015), a relação entre a educação dos jovens e seu processo de inserção laboral incide na utilização e no aproveitamento dos conhecimentos, habilidades e competências adquiridas, fator considerado chave no crescimento econômico e na competitividade entre as nações. Em função desta realidade, o autor diz que, nos últimos anos, a inserção dos jovens no mercado de trabalho é um tema que tem atraído fortemente a atenção dos investidores de diferentes disciplinas sociais (economia, sociologia, psicologia, orientação profissional, entre outras). Portanto, “dadas las dificultades de empleo a las que se enfrenta este colectivo y a la creciente complejidad de su incorporación al mundo del trabajo” (Ordoñez, 2015, p. 64). Conforme o referido autor, é fundamental focar para analisar o aumento ocorrido deste fenômeno – Transição e Inserção – para conseguirmos respostas adequadas a cada realidade.
Encerramos a análise de como se constituiu a construção de identidade(s) profissional(is) de formandos(as) em EF. Primeiro, a escolha profissional proporcionou identificar o perfil dos sujeitos da pesquisa e permitiu verificar as principais motivações que levaram os(as) formandos(as) a fazer tal escolha. Segundo, os aspectos que assumiram destaque e que contribuíram para a construção de identidade(s) profissional(is) foram a busca pelo saber e por experiências práticas de formação, pesquisa, criação de métodos e metodologias, como também aprendizagem autônoma. Ainda foi possível perceber que alguns formandos mostraram interesse após a formação em buscar a pós-graduação como possibilidade de formação continuada. Terceiro, a inserção profissional contribuiu para que os formandos tivessem a experiência da ação prática, além de proporcionar aprendizagens dinâmicas e de reconstrução de suas práticas e identidade(s) profissional(is).
No processo de articulação dos conceitos desenvolvidos neste estudo e da produção de dados do grupo focal, foi possível observar que a pesquisa, a reconstrução de conhecimentos e a criação de métodos e metodologias estão presentes. Não fazem parte do processo formativo na sua integralidade, porque tais indícios são buscados pelos formandos, cuja universidade e os professores formadores ainda não possibilitam essa prática no cotidiano da universidade como princípio educativo, mas, por vezes, as referidas dimensões são desenvolvidas no decorrer da formação inicial, confirmado em vários momentos deste texto.
A escolha profissional foi discutida com o objetivo de caracterizar as motivações que levaram os estudantes a escolherem o curso. Essas razões proporcionaram aos jovens direcionarem suas trajetórias profissionais pelas decisões que tomam antes e durante a formação inicial, seja ela de cunho objetivo ou subjetivo. Por tal motivo, as principais razões especificadas pelos formandos foram a influência familiar, a vivência e o êxito em práticas esportivas antes do ingresso na universidade e as oportunidades do contexto em ingressar no curso. Os programas de orientação vocacional no Ensino Médio podem ser um grande auxílio no processo de escolha profissional.
Na formação inicial em EF, os formandos demonstraram que os processos de pesquisa e criação de métodos e metodologias são desenvolvidos neste percurso formativo. Ficou evidente nas respostas dos formandos a imprescindível necessidade pela busca e pela aprendizagem de forma autoral e com iniciativa criativa. Foi possível perceber que a pesquisa foi tem importância significativa no processo formativo, embora não fique evidente que os professores(as) formadores(as) desenvolvam essa perspectiva no cotidiano da universidade.
A inserção profissional nos campos de estágios e em outros espaços profissionais viabilizou aos estudantes desenvolverem a articulação entre os conhecimentos desenvolvidos na universidade e no mundo do trabalho. A iniciativa desses estudantes, de buscarem outros espaços de aprendizagem, contribuiu para que eles ressignificassem a sua postura profissional, passando de estudantes para professores e qualificando o nível de formação. Criar métodos e metodologias e aprender por meio das experiências práticas no contexto da inserção profissional oportunizaram a reconstrução do conhecimento e de identidade(s) profissional(is) em EF. Portanto, a iniciativa reconstrutiva dos estudantes foi verificada neste contexto, embora a universidade, por vezes, se mostre desarticulada com o contexto da prática pedagógica.
A possibilidade de aprender outros conhecimentos que, muitas vezes, não são tratados na universidade, mas podem ser aprendidos na experiência prática, contribuem com os aprendizados e ressignificam a(s) identidade(s) profissional(is). A complexidade da construção dessa(s) identidade(s) profissional(is), nas relações entre formação inicial e inserção profissional, soma-se e complementa-se durante as experiências de tais sujeitos, produzindo aprendizagens dinâmicas, as quais possibilitam, a todo o momento, configurar e reconfigurar, num movimento dialético, a construção identitária dos formandos em EF.
Almeida, M. E. G. G. de., Pinho, L. V. de. (2008). Adolescência, família e escolhas: implicações na orientação profissional. Psicologia Clínica, 20(2), 173-184.
Bardagi, M. P., Lassance, M. C. P., Paradiso, A. C. (2003) Trajetória acadêmica e satisfação com a escolha profissional de universitários em meio de curso. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 4(1/2), 153-166.
Bardagi, M. P., Lassance, M. C. P., Paradiso, A. C; Menezes I. de. (2006). Escolha Profissional e Inserção no Mercado de Trabalho. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), 10(1), 69-82.
Bardagi, M. P., Hutz, C. S. (2009). “Não há outra saída”: percepção de alunos evadidos sobre o abandono do curso superior. Psico-UFS, 14(1), 95-105.
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. 2 reimp. 1. ed. São Paulo: Edições 70.
Demo, P. (2005). Educar pela pesquisa. 7. ed. Campinas, São Paulo: Autores Associados.
________. (2008). Metodologia para quem quer aprender. São Paulo: Atlas.
________. (2015). Aprender como autor. São Paulo: Atlas.
Dewey, John. Vida e educação. 10. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1978.
Dubar, C. (2005). A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes.
Figuera-Gazo, M. P. (1994). Lá inserción socio-profesional del universitário/a. 1994. 599 f. Tese (Doutorado em Avaliação em Educação) – Programa de Doctorat em Investigacó Avaluativa en Educació, Universitat de Barcelona, Barcelona.
________. (1996). La inserción del universitario en el mercado de trabajo. Barcelona: Ediciones Universidad de Barcelona.
________. (2013). Orientación profesional y transiciones en el mundo global: innovaciones en orientación sistémica y en gestión personal de la carrera. Barcelona: Laertes.
Franco, M. L. P. B. (2012). Análise de conteúdo. 4. ed. Brasília: Líber Livro.
Gamboa, S. S. (2012). Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó: Argos.
Melucci, A. (2004). O jogo do eu: a mudança de si em uma sociedade global. São Leopoldo: Editora da Unisinos.
Negrini, A. (2010). Instrumentos de coleta de informações na pesquisa qualitativa. In: Molina Neto, V., Triviños, A. N. S. A pesquisa qualitativa na educação física: alternativas metodológicas. 3. ed. Porto Alegre: Sulina.
Oliveira, M. D. A. de.; Melo-Silva, L. L. (2010). Estudantes universitários: a influência das variáveis socioeconômicas e culturais na carreira. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. 14(1), 23-34.
Ordóñez, J. L. (2015). Inserción profesional y gestión de la carrera de titulados en Pedagogía (Tesi doctoral). Facultad de Educación. Departamento de Métodos de Investigación y Diagnóstico en Educación (MIDE) de la Universidad de Barcelona. Universidade de Barcelona.
Peirce, C. S. (1974). Escritos Coligidos. In: Os Pensadores. 1. ed. São Paulo: Editora Abril Cultural.
Raitz, T. R. (2012). Entre o hoje e o amanhã: estudo sobre os fatores e os novos rumos da transição universitária ao mundo do trabalho. Relatório Pós-Doutorado - Trals Transiciones Acadèmicas e Laborales. Barcelona: Universidade de Barcelona.
Rocha-de-Oliveira, S. (2012). Inserção profissional: perspectivas teóricas e agenda de pesquisa. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração. Rio de Janeiro, 6(1), 124-135.
Santos, P. J. (2010). Família e indecisão vocacional: revisão da literatura numa perspectiva de análise sistêmica. Revista Brasileira de Orientação Profissional. 11(1), 83-94.
Serres, M. (1993). O terceiro instruído. Portugal: Instituto Piaget.
Vanzuita, A. (2007). Tensões identitárias do profissional de educação física: a pesquisa enquanto elemento articulador entre a formação e a cultura da Uniplac. 2007. 92 f. Dissertação. (Mestrado em Educação). Lages, UNIPLAC-SC.
1. Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali (2016). É pós-doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná - UFPR (2017). Foi Tesoureiro Estadual do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte em Santa Catarina (gestão 2009-2011 e 2013-2015). Foi Coordenador de Gestão de Área do PIBID/IFC (2014-2016). Atualmente é Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal Catarinense (IFC) - Campus Camboriú. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação profissional, identidade profissional, inserção profissional, produção da pesquisa, mestiçagem. E-mail: alexandre.vanzuita@ifc.edu.br
2. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (1986), mestrado em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (1994) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003). É técnico de atividades especiais - Sistema Nacional de Emprego - SINE/SC e professora nos cursos de graduação e do Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. É líder do grupo de pesquisa Educação e Trabalho no Mestrado em Educação da Univali. Desenvolveu estudos pós-doutorais na Universidade de Barcelona, na cidade de Barcelona-Espanha. Tem experiência na área de Sociologia e Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação e trabalho; identidade e trabalho; trajetórias profissionais e sentidos do trabalho e da educação; juventude, educação e trabalho; jovens e educação profissional; jovens e escolha profissional; orientação profissional ou vocacional; identidade e memória; identidades profissionais e trabalho; experiências com o desemprego juvenil; práticas educativas e trabalho docente; Trabalho e saúde do trabalhador docente; formação profissional e organizações educativas; transições acadêmicas e laboriais. E-mail: raitztania@gmail.com
3. Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná - UFPR (1987), Mestre em Educação (Currículo e Conhecimento) pela UFPR (1998), Doutora em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP (2004) e Pós-doutora em Educação (Contextos Educativos da Criança e Prática Docente) pela Universidade do Vale do Itajaí de Santa Catarina - UNIVALI (2016). Atualmente é professora associada do Departamento de Educação Física e do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da UFPR (linha de pesquisa: Cultura, Escola e Ensino). Coordena o Grupo de Estudos EDUCAMOVIMENTO que integra o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil (NEPIE) da UFPR, o qual é vice-coordenadora. Foi Chefe do Departamento de Educação Física, Coordenadora do Curso Licenciatura em Educação Física e da Especialização (lato-sensu) em Educação Física Escolar da UFPR. Atuou como Coordenadora do Programa LICENCIAR da Pró-Reitoria de Graduação da UFPR. E tem experiência nas áreas da EDUCAÇÃO DA CRIANÇA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Atua nos seguintes temas: saberes e práticas do trabalho docente; desenvolvimento e educação infantil; culturas da infância e pedagogia do movimento; educação física escolar. E-mail: marynelmagaranhani@gmail.com
4. Neste caso, respaldamo-nos no conceito de experiência e de vida na perspectiva de Dewey (1978, p. 16): “[…] se a vida não é mais que um tecido de experiências de toda sorte, se não podemos viver sem estar constantemente sofrendo e fazendo experiências, é que a vida é toda ela uma longa aprendizagem. Vida, experiência, aprendizagem – não se podem separar. Simultaneamente vivemos, experimentamos e aprendemos”. Portanto, a reconstrução de conhecimento passa pelo processo da experiência de vida dialeticamente interconectado com os processos do fazer científico.