Vol. 39 (Nº 37) Ano 2018 • Pág. 12
José Maria Cardoso SACRAMENTO 1; Glauco SCHULTZ 2
Recibido: 25/03/2018 • Aprobado: 05/05/2018
2. Apresentação das referências conceituais para analisar pequenas organizações
RESUMO: Este ensaio surgiu de reflexões sobre as aplicações do neoinstitucionalismo para estudos sobre legitimação de pequenas organizações do varejo de alimentos, que se mantem existindo, mesmo diante da formação de oligopólios pelos supermercados. Alguns tipos destas organizações ultimamente têm aumentado de número, ainda que consideradas menos eficiente tecnicamente. A explicação desse fenômeno social conduziu a construção desta abordagem teórico-metodológica, que aproxima o neoinstitucionalismo sociológico de outras teorias. É intuito compartilhar reflexões que ampliem as possibilidades de interpretação dos fenômenos organizacionais. |
ABSTRACT: This essay arose from reflections on the applications of neoinstitutionalism to studies about the legitimacy of small retail food organizations, which still exist, even in the face of the formation of oligopolies by supermarkets. Some types of these organizations have lately been increasing in number, although considered less technically efficient. The explanation of this social phenomenon led to the construction of this theoretical-methodological approach, which approximates the sociological neoinstitutionalism of other theories. It is intended to share reflections that broaden the possibilities of interpretation of organizational phenomena. |
As discussões que motivaram a elaboração deste ensaio são decorrentes de um debate em curso sobre investigação do varejo de alimentos em grandes cidades, promovida por um lado por organizações que se legitimam especialmente pela eficiência econômica, mas que mesmo assim não conseguem eliminar a presença de organizações concorrentes no campo organizacional que, em detrimento da baixa eficiência econômica, se legitimam principalmente pela “eficiência” institucional, em outras palavras, pelos mecanismos de institucionalização no campo organizacional.
Tendo como referência o neoinstitucionalismo sociológico, a proposta teórico-metodológica a ser apresentada para interpretar a busca da legitimidade se fundamenta prioritariamente em dois níveis de análise, sendo o primeiro (1) o contexto organizacional, estabelecidos como consequência de um "projeto de Estado" muito mais amplo, resultado de uma construção social e histórica que pode ser analisada no caso de organizações alimentares, tendo como referência metodológica a análise dos regimes agroalimentares. Partindo de tal abordagem, propõem-se como adequado para a reconstituição do contexto institucional a escolha de uma grande cidade como delimitação do ambiente em que se pretende pesquisar as organizações do varejo, e nela considerar com relevância o histórico das relações entre Estados e o mercado, as transformações no tempo e no espaço do processo de produção, processamento, distribuição e comercialização de alimentos e as indiciocracias institucionais construídas, tais como regras locais e nacionais que funcionam como mitos altamente racionalizados que levam a ascensão oligopólios, especialmente no varejo alimentar brasileiro.
O segundo nível de análise proposto (2) seria algo intermediário entre o contexto e a estrutura organizacional, tendo como objetos de pesquisa a identificação das principais relações interorganizacionais em um determinado campo organizacional, imerso em um contexto institucional mais amplo, visando investigar como tais relações institucionalizam as ações consideradas aceitáveis e reprováveis. O campo organizacional, nesta proposta, é considerado influenciado, em grande medida, pelos consumidores de recursos e produtos, agências regulatórias e outras organizações que produzam serviços e produtos similares, incluindo a dimensão das organizações de classe.
Por tanto, o estudo do campo organizacionais tratar das relações interorganizacionais e suas implicações para a legitimação de ações adotadas pelas organizações do varejo, negligenciando parcialmente a dimensão interna das organizações, ou seja, a dimensão da estrutura da organização e a burocracia, tão enfatizadas por alguns autores clássicos do institucionalismo sociológico, por se tratar de organizações que têm estruturas internas simples, dirigida geralmente pelo seu proprietário, com poucos funcionários, mas principalmente pela dificuldade de se obter para várias organizações dados qualitativos sobre o funcionamento dessas estruturas sem ter que investir em imersões mais densas da vida organizacional, nem sempre exequíveis.
A delimitação do campo organizacional nesta proposta é definida considerando a exequibilidade de uma pesquisa e seu recorte. Neste ensaio teórico metodológico para o estudo do varejo alimentar, optou-se pela coincidência entre campo e os limites legais de grandes cidades. Devido às limitações epistemológicas sobre a definição dos limites de um campo organizacional, sustenta-se a ideia de uma definição arbitraria tendo como referência a particularidade da grande cidade a ser estudada, como por exemplo a importância dos limites legais ou regiões metropolitanas, para o estudo de casos particulares de processos de institucionalização, ponderando sempre sobre o motivo da arbitrariedade justifica-se por se trata de objetos de pesquisa em constante processo de estruturação e reestruturação.
Diferente do estudo do contexto institucional, porém complementar, o estudo do campo organizacional visa investigar questões como princípios éticos e morais, valores, costumes, normas sociais, convenções, procedimentos e modelos cognitivos que orientam as estruturas das organizações em busca de uma legitimidade no contexto onde estão inseridas. Os neoinstitucionalistas, a partir de sistemas simbólicos socialmente constituídos, concebem a estrutura de legitimação como um conjunto de instituições que compreendem elementos regulativos, normativos e cultural-cognitivos que proporcionam estabilidade e sentido à vida social.
A aplicação desta abordagem teórica propõe que campo organizacional seja analisado como uma comunidade de organizações varejistas, que operam num mesmo domínio: a grande cidade, identificadas pela similaridade de seus serviços, produtos ou funções (ex.: venda de alimentos), junto com aquelas organizações e indivíduos que influenciam criticamente o desempenho delas.
Considerando que os autores institucionalistas ressaltam que a teoria institucional fornece uma visão útil, mas incompleta, de como as organizações adquirem e protegem a legitimidade, para analisar os mecanismos de institucionalização nos diferentes pilares institucionais (regulativo, normativo e cultural-cognitivo), recorreu-se a teoria da legitimação organizacional e de Gerenciamento de Impressões (GI). Admitindo que que as organizações do varejo, para cada pilar institucional, adotarem critérios externos de aceitação no campo organizacional. A adoção de tipologias de legitimidade elaboradas por teorias de legitimidade organizacional fornece as referências para a elaboração de variáveis associados aos pilares de institucionalização da teoria neoinstitucionalista, principalmente regulativos e normativos. Já a legitimidade cultural-cognitiva, por sua vez, diferencia-se e para sua análise se propõe as variáveis desenvolvidas para analisar as táticas e estratégias de legitimação apontadas pela abordagem de GI.
Depois do que foi apresentado resumidamente nesta introdução, talvez ainda falte dizer que a contribuição mais ambiciosa desta proposta de analise seja de combinar criticamente essas diferentes abordagens institucionalistas com o objetivo de integrá-las e consolidá-las para criar caminho de construção de conhecimento sobre legitimação de pequenas organizações varejistas em grandes cidades, tendo como fonte de dados a própria organização, em vez da manutenção da autonomia teórica. Deixa-se grifado que não é pretensão deste ensaio desconstruir o que existe, nem dizer que uma forma é melhor que outra na produção científica, apenas objetiva-se tornar claro outra possibilidade.
Na tentativa de aprofundar a discussão sobre os elementos teóricos da perspectiva institucional, este ensaio inicialmente recupera os principais conceitos adotados na proposta metodológica para o estudo da legitimidade organizacional de pequenas organizações do varejo de alimentos em grandes cidades, através de uma revisão sobre o pensamento neoinstitucionalista, seguido pela revisão sobre propostas teóricas que tratam do regimes agroalimentares, legitimidade organizacional e de gerenciamento de impressões. Posteriormente, apresenta-se as possibilidades de tornar claro os novos caminhos, para se produzir o saber organizacional, discorrendo sobre o ensaio teórico-metodológico que aproxima as teorias apresentadas a partir dos conceitos de contexto organizacional, campo organizacional e mecanismos de institucionalização regulativo, normativo e cultural-cognitivo. O objetivo desta aproximação é apontar sua pertinência para a investigação da legitimidade organizacional. O ensaio não visa apresentar uma proposta de superação as críticas apresentadas aos institucionalismo relacionada a sua limitada capacidade de explicar as ações das organizações, nem desconstruir o que existe, mas apenas apresentar outras propostas de caminhos metodológicos e fornecer sugestões para que futuros pesquisadores que se aventurem na abordagem teórica neoinstitucionalista.
O neoinstitucionalismo ou novo institucionalismo sociológico surgiu no quadro da teoria das organizações nos anos de 1960 e 1970, de um complexo de ideias que deram origem a "novas" abordagens institucionais. Para “velho” Institucionalismo Sociológico, a definição de instituições não inclui somente as regras, procedimentos ou normas formais, conforme a base da Nova Economia Institucional (NORTH, 1991), mas também esquemas cognitivos, sistemas de símbolos e os modelos morais que fornecem “padrões de significação” que guiam a ação humana. Segundo DiMaggio e Powell (1991), o neoinstitucionalismo tem suas raízes no "velho institucionalismo" de Philip Selznick e seus associados; no entanto, ela se desvia substancialmente desta tradição. Para Scott (2014) eles não representam uma ruptura acentuada com o passado, embora haja novas ênfases e insights.
Para Carvalho e Vieira (2003), no campo sociológico, o novo institucionalismo surgiu com os trabalhos de Meyer (1977), Meyer e Rowan (1992) e de Zucker (1977) apoiados no conceito de instituição desenvolvido por Berger e Luckmann (2004), ao sublinhar o papel das normas culturais e dos elementos do amplo contexto institucional, como as normas profissionais e os organismos do Estado no processo de institucionalização. Berger e Luckmann (2004) afirmam que a institucionalização está associada a formação humana, que é dependente da interação social, ocorrendo quando há uma recíproca ações habituais por tipos de atores.
Para Meyer e Rowan (1992) a grande diferença entre institucionalismo econômico e sociológico é que enquanto a maioria dos economistas e cientistas políticos se concentram exclusivamente em regras econômicas ou políticas do jogo, sociólogos encontram as instituições em todos os lugares, de apertos de mão à criação de departamentos de planejamento estratégico por meio de casamentos. Para eles as estruturas formais de muitas organizações refletem os mitos de seu ambiente institucionalizado em vez das reais necessidades das atividades de trabalho.
Para Zucker (1983), na tradição sociológica, a institucionalização é um "processo fenomenológico pelo qual algumas relações e ações sociais venham a ser dado como certo e um estado de coisas em que o conhecimento compartilhado defini "o que tem significado e ações que são possíveis". Zucker (1977) considera que conhecimentos sociais institucionalizados existem como fatos e como parte da realidade objetiva, podendo ser transmitidos diretamente nessas bases. Desta forma, os indivíduos percebem atos institucionalizados como objetivos e exteriores, e, embora tais atos sejam socialmente criados, funcionam como regras objetivas, porque sua origem social é ignorada.
Um ponto a merecer destaque para este ensaio, abordado por Zucker (1977) tem relação com os múltiplos níveis de análise da teoria neoinstitucional, para a autora, a partir da elaboração de Meyer (1977), a construção de indicadores para pesquisar instituições depende da qualidade do "fato social”. Para Zucker (1987), o significado de instituição nas abordagens teóricas das organizações diz respeito a (1) uma qualidade de fato social, do tipo de regra, de um padrão organizado de ação (exterior), e (2) uma incorporação em estruturas, como aspectos formais de organizações que não estão ligadas a específicos atores ou situações.
A partir desta compreensão de instituição, a autora considera que na pesquisa proposta pela escola neoinstitucional prevalecem três níveis de análise, sendo eles o ambiente institucional mais amplo, outro nível de análise composto por diferentes organizações chamadas por DiMaggio e Powell (1991) de campo organizacional e a estrutura organizacional interna das próprias organizações.
Com base na contribuição para pesquisa sobre institucionalização de organizações desenvolvido por Zucker (1987) se incorporou à esta proposta de análise de organizações o conceito de contexto institucional. O contexto institucional é tido pela autora como um nível em que se estabelece o poder definidor da "racionalização" e da elaboração do Estado. Esses contextos são construídos como uma consequência de um "projeto" muito mais amplo, relacionado à expansão da jurisdição estatal. Essa concepção concebe a ordem normativa coletiva, incluindo as profissões e os acordos generalizados compartilhados pelos membros dos campos organizacionais, como vinculados a uma ampla concepção do Estado.
Para Zucker (1987), a conformidade das organizações com a ordem normativa coletiva aumenta o fluxo de recursos da sociedade e aumenta as perspectivas de sobrevivência a longo prazo. Sendo assim, entendendo as instituições como fatos sociais, para a autora no contexto institucional os processos coercitivos são localizados no Estado ou na sociedade como um todo. A importância do contexto também é ressaltada por Pettigrew (1985), que considera fundamental compreender o contexto em que se situam as organizações para poder entender suas estruturas e processos. Para o autor, o contexto modela as decisões que são tomadas e, desse modo, facilita a previsibilidade da ação organizacional.
Nesta proposta teórica-metodológica, considera-se que as pequenas organizações do varejo estão sob restrições do contexto institucional, ou seja, regras globais e nacionais que funcionam como mitos altamente racionalizados e que foram estabelecidas previamente por um conjunto de atores relacionados ao Estado sob influência daqueles que compõem o sistema agroalimentar da cidade e do país. Por isso, define-se como um dos objetivos da pesquisa que pretender adotar a proposta apresentada neste ensaio o compreender a estruturação do contexto através de uma análise histórica da alimentação na cidade em que se estabelece várias as organizações, visando interpretar como “o projeto de Estado” conduz a evolução que levou a concentração do abastecimento de alimentos hoje nos supermercados, os elementos simbólicos presentes nessa evolução, identificar os participantes, além dos processos históricos e culturais constitutivos da alimentação que remetem ao contexto de inserção espacial e a forma de ingresso da cidade do Regime Agroalimentar Internacional (RAI).
Aqui ressalta-se a importância da escolha da abordagem dos regimes agroalimentares para explicar as transformações do sistema agroalimentar e analisar especificamente a trajetória da diversificação do mercado varejista de alimentos e entender a mudanças no varejo em grandes cidades, que legitima as pequenas organizações.
Nas últimas décadas tem se destacado entre as perspectivas teóricas para a análise da agricultura a abordagem dos Regimes Alimentares, que é influenciada por uma das clássicas análises da economia política marxista e que dialoga com a teorias dos sistemas mundiais e a teoria da regulação, sem, todavia, aderir univocamente a qualquer uma delas (MCMICHAEL, 2013).
Para tal abordagem, de forma geral, o desenvolvimento capitalista da agricultura a tornou a mais importantes fontes primárias de obtenção de alimentos, sendo que em uma perceptiva internacional isso se deu de forma contraditória, tendo alguns países incorporado prematuramente um importante avanço tecnológico visando a produtividade, resultando em posições geopolíticas de maior influência econômica, enquanto outros países, as relações capitalistas demoraram a se desenvolver ou se desenvolveram lentamente, como em territórios “coloniais” e “semicoloniais”. Por conta da desigualdade de ritmo do desenvolvimento do capitalismo no plano internacional, os países, as diferentes regiões, departamentos e cidades por consequência reduziram sua “autonomia” e constituíram uma historicidade própria de acesso aos alimentos, no entanto atrelada as relações de poder que constitui o sistema capitalista, em especial a partir de sua fase imperialista, como é caso, por exemplo, da inserção brasileira nos Regime Alimentar internacional (RAI).
A elaboração do conceito de “regimes agroalimentar” constitui um marco analítico de grande valia como proposta conceitual-teórica por situar a formação e atuação das corporações transnacionais na produção, transporte, distribuição e abastecimento dos alimentos nas grandes cidades do mundo na atualidade, desta maneira fornecendo uma proposta metodológica para analisar o contexto institucional compostas por organizações alimentares. O conceito compõe uma abordagem teórica que ajuda explicar como algumas organizações que compõe oligopólios passaram exercer grande influência sobre os Estados nacionais em favor de uma “política alimentar” que Morgan e Sonnino, (2010) caracterizam como pobre, e voltado para alimentos processados ricos em sal, açúcar e gordura. O conceito de “regime alimentar” foi elaborado por Harriet Friedmann e Philip McMichael com a pretensão de analisar o papel da agricultura no desenvolvimento da economia mundial capitalista e os rumos do sistema estatal” (FRIEDMANN; MCMICHAEL, 1989).
Apesar de terem elaborado conjuntamente o artigo seminal sobre regimes alimentares, Friedmann (1993) e McMichael (2009) apresentam hoje diferenças em relação ao conceito. Para Friedmann (1993), os regimes alimentares servem como um arcabouço analítico e institucional das regras e dos períodos históricos para entender a interação entre os atores sociais, os agricultores, as empresas e os trabalhadores envolvidos em todos os aspectos da produção de alimentos, fabricação, distribuição e vendas, assim como as agências governamentais, os cidadãos e os consumidores.
McMichael (2009) seguiu uma definição diferente de regime alimentar considerando-o um conceito que compõe um método de análise que serve para identificar ciclos agroalimentares durante o capitalismo. Eles expressam, simultaneamente, formas de ordenamento geopolítico e suas formas de acumulação correspondentes, sendo ambos vetores de poder (MCMICHAEL, 2009). McMichael (2013) afirma ainda que a abordagem que inclui o conceito de regimes alimentares é de perspectivas analíticas identificadas com a economia política marxista, que dialoga com a teorias dos sistemas mundiais e a teoria da regulação (McMICHAEL, 2013).
Para McMichael (2013) uma mudança no regime alimentar estaria vigente no momento atual e teria iniciado na década de 2000, sendo caracterizado como o “regime alimentar corporativo”. Já Friedmann (2005) sugere que um regime alimentar corporativo-ambiental surge como parte de uma reestruturação maior do capitalismo. Para ela os regimes alimentares do passado refletem compromissos sociais e políticos específicos, que a autora interpreta através do conceito de movimento social. O regime alimentar migratório-colonial de 1870-1914 que cresceu em resposta aos movimentos da classe trabalhadora na Europa, criou uma classe historicamente sem precedentes dos agricultores familiares comerciais. Quando os mercados mundiais entraram em colapso, os agricultores estabeleceram novas alianças, incluindo a que levou ao regime alimentar mercantil industrial de 1947-1973. Linearmente, a autora ver um novo regime alimentar baseado em cadeias de abastecimento de qualidade e auditados que parece estar emergindo no espaço aberto por impasse nas negociações internacionais sobre normas alimentares.
Esse novo regime tem a liderança de varejistas de alimentos (supermercados), no qual as empresas agroalimentares estão se apropriando seletivamente das demandas de meio ambiente, segurança alimentar, bem-estar animal, comércio justo, e outros movimentos sociais que surgiram nos interstícios do segundo regime alimentar. Para Friedmann (2005) se consolida um novo regime alimentar que promete mudar o equilíbrio histórico entre a regulação pública e privada, e alargar o fosso entre os consumidores privilegiados e os pobres, uma vez que se aprofunda a mercantilização e marginaliza camponeses.
A importância da uma abordagem de regimes agroalimentares está em pensar alimentação e agricultura como algo muito além da agropecuária, levando também em consideração os vários processos e atividades envolvidas na produção, processamento, armazenamento, transporte, comércio, transformação e venda no varejo de alimentos, incluindo as demandas dos consumidores em cada etapa da cadeia que envolve o alimento incluindo aspectos ligados à qualidade em dimensões sociais, ambientais e econômicas.
Essa proposta metodológica apresenta a sugestão para analisar os mecanismos de institucionalização em dois níveis de análise complementares, sendo um dele mais amplo, seguindo como referência o que Zucker, (1987) chamou-se de contexto institucional como já tratado, o qual é constituído por instituições construídas ao longo do tempo e que estruturam, entre outras coisas, o sistema alimentar de um determinado ambientes, sendo um deles, como por exemplo de uma cidade. Da mesma forma o conceito de RAI visa facilitar a análise das transformações de sistemas alimentares contemplando interação entre os agentes sociais responsáveis por suprir alimentos, apontados por Friedmann (1993) como sendo os agricultores, as empresas e os trabalhadores envolvidos em todos os aspectos da produção de alimentos, fabricação, distribuição e vendas, assim como as agências governamentais, os cidadãos e os consumidores.
Por isso, quando se adota o conceito de contexto organizacional para se analisar qualquer organizações que compõe os sistema alimentar em centros urbanos, estabelece-se uma coincidências entre os conceitos de contexto organizacional e RAI, já que ambas tem como preocupação pôr em evidência inicialmente o processo de construção histórica do mercado de alimentos em uma grande cidade, visando analisar as mudanças institucionais na trajetória da diversificação do mercado varejista de alimentos, assim como os agentes sociais que os integram, como atuam na construção social das instituições externas as organizações que comercializam alimentos, suas posições políticas, os programas e políticas criados a nível global, nacional e local, que funcionariam como “mitos altamente racionalizado” (ZUCKER, 1987). A vantagem de adoção da abordagem dos RAI é que ela já tem estabelecida uma proposta conceitual e metodológica focada nas organizações agroalimentares.
Outro nível de análise sugerido por esta proposta teórico metodológica também tem como referência Tolbert e Zucker (1983), que afirma que as instituições são tratadas como processos que envolve o conceito de legitimação. Apesar de bastante usado o termo legitimidade, e sua relação com instituições, geralmente não são definidos. Segundo Tolbert e Zucker (1983), a legitimidade é um estágio em que a aceitação de algo, por exemplo uma organização ou um procedimento, como uma diretriz, se torna indiscutível. Conclui-se, desta forma que nenhuma discussão sobre legitimidade está desatenta à própria discussão sobre instituições.
Desde o início do institucionalismo organizacional a conceituação de legitimidade apresentou elasticidade substancial que gerou evolução conceitual produtiva e alongamento conceitual improdutivo. Como resultado, a literatura existente contém muitas definições parcialmente sobrepostas que geraram medidas alternativas e uma variedade de proposições teóricas.
Existem vários tipos de critérios, que podem ser úteis para identificar diferentes dimensões de legitimidade, no entanto, a apreciação de que as avaliações de legitimidade vêm de fontes múltiplas destaca a possibilidade de que os critérios de legitimidade possam surgir de forma interativa, na interação entre as várias fontes, para analisa uma determinada organização.
Em 1983, Meyer e Scott discutiram a legitimidade de organizações em maior profundidade e proporcionaram essa definição: “Consideramos que a legitimidade organizacional se refere ao grau de apoio cultural a uma organização” (Meyer e Scott, 1983 p. 201). O ano de 1995 pode ser visto como um ponto crucial no desenvolvimento da teoria da legitimidade. O livro de Scott “Instituições e Organizações” incluiu a seguinte definição sobre o conceito: “a legitimidade não é uma mercadoria a ser possuída ou trocada, mas uma condição que reflete alinhamento cultural, suporte normativo ou consonância com regras ou leis relevantes” (SCOTT, 1995 p. 45). Esses três fatores presentes na definição conceitual de legitimidade geraram suas bases ou pilares institucionais, sendo eles cognitivas, normativas e regulatórias.
Também em 1995, Suchman publicou seu documento abrangente intitulado “Gerenciando Legitimidade: Abordagens Estratégica e Institucional”, que observou ser a legitimidade "um ponto de âncora de um aparelho teórico amplamente expandido que abordava as forças normativas e cognitivas que restringiam, construíam e capacitavam atores organizacionais", mas também advertiu que a literatura existente forneceu "amarras conceituais surpreendentemente frágeis”.
De um modo geral, a maioria das pesquisas nas últimas duas décadas seguiu, de certa forma, a definição de legitimidade de Suchman (1995) a concebeu como “is a generalized perception or assumption that the actions of an entity are desirable, proper, or appropriate within some socially constructed system of norms, values, beliefs, and definitions” (Suchman, 1995 p. 574).
Suchman (1995), distinguiu os três estados de legitimidade que permite informar a medida da legitimidade organizacional ao nível de um sistema social. Scott (1995) propôs três bases de legitimidade ligadas aos seus três pilares das instituições: regulatória, normativa e cognitiva. Posteriormente (2014), ele refinou a legitimidade cognitiva para se tornar legitimidade cultural-cognitiva, refletindo tanto a aceitação quanto a compreensão compartilhada.
Nesta proposta de ensaio buscou-se uma maior profundidade na análise destas três bases de legitimidade, à medida que serão investigadas as muitas fontes influentes de legitimidade, sendo elas próprias as organizações. Cada uma com seus próprios tomadores de decisão individuais, processos internos e ambientes externos. Esse trabalho baseia-se na combinação de orientações de fontes de dados apontados por Scott (1995, 2014), assim como de Suchman (1995), no que diz respeito aos pilares regulativo e normativo. Já a teoria de Gerenciamento de Impressões (apresentada a seguir) demonstra ser uma abordagem mais adequada para analisar legitimidade, no que diz respeito ao pilar cultural cognitivo.
O pilar cognitivo (ampliado por Scott para cultural-cognitivo), segundo Suchman (1995), decorre principalmente da disponibilidade de modelos culturais que fornecem explicações plausíveis para a organização e seus esforços. No paradigma cognitivo, o que uma organização faz é, em grande parte, uma função da representação interna da organização no contexto institucional.
Quando se usa o rótulo cognitivo-cultural se enfatiza que os processos interpretativos internos são moldados por estruturas culturais externas, sendo que os elementos cognitivo-culturais das instituições chamam a atenção para essas formas culturais mais incorporadas pelas organizações e adotadas em suas estratégias e táticas de gerenciamento de impressões, sendo elas (as organizações) as próprias fontes de dados para a análise de legitimação. Vale ressaltar que tal legitimidade acontece em um campo composto por um conjunto de atores (individuais e coletivos) inserido em um contexto institucional, aqui definido como campo organizacional.
A teoria neoinstitucionalista ressalta como o campo organizacional pode modelar as organizações e indivíduos em um processo que envolve um quadro complexo de interações em permanente dinâmica. Segundo Mendonça e Amantino-de-Andrade (2003), essa interação entre organização e ambiente tende a refletir uma conformação defensiva ou de aproximação na qual a organização procura uma imagem de legitimidade. Para Elsbach e Sutton (1992), a teoria institucional fornece uma visão útil, mas incompleta, de como as organizações lidam com demandas conflitantes e inconsistentes. Desta forma, uma maior compreensão de como as organizações adquirem e protegem a legitimidade pode ser obtida pela combinação de perspectivas institucionais e de gerenciamento de impressões.
Trabalhos existentes sugerem que tal integração entre as abordagens pode ser utilizada para construção d e novas abordagens teóricas metodológicas para estudo do campo organizacional. Mendonça (2003), explorou as conexões entre o processo de gerenciamento de impressões (GI), o poder e a influência, como fenômeno cotidiano das organizações e as utilizou para o estudo da sede do SESC Pernambuco. Outro trabalho que adota a abordagem, é o de Elsbach e Sutton (1992), para desenvolver um modelo de estudo de duas organizações radicais do movimento social e revelam a possibilidade de complementariedade entre o GI e o institucionalismo. A literatura sobre GI é rica em aplicações para estudos organizacionais, no entanto um ensaio teórico metodológico em especial mereceu destaque para adoção da abordagem por este ensaio. Trata-se do artigo publicado por Mendonça e Amantino-de-Andrade (2003) que demonstra a estratégias e táticas de legitimação das organizações em um campo organizacional e como podem ser interpretadas.
De acordo com Mendonça (2003b) o gerenciamento de impressões tem suas origens na sociologia, com os trabalhos de Erving Goffman, e na psicologia social com os trabalhos de Edward Jones. Segundo Mendonça (2003b), a obra seminal e que serve como primeira referência para a investigação científica é o livro Goffman The Presentation of Self in Everyday Life, de 1959. O pronto central do trabalho de Goffmam, segundo Mendonça (2003b) (apud Leary, 1996), é o de que muitos dos insights mais reveladores sobre o comportamento social são encontrados no estudo da aparência externa (comportamentos públicos) a qual os indivíduos criam e transmitem uns para os outros e não na análise dos motivos e personalidade destes indivíduos.
De acordo com, Giacalone e Rosenfeld (1982), as estruturas de GI empregam uma metáfora teatral ou dramatúrgica para descrever a vida social. As pessoas, para os autores, seriam uma espécie de atores, assumindo muitos papéis, tentando agradar as audiências para ganhar seu apoio moral, social e financeiro. Assim, um ator social, que pode ser considerado uma organização, emprega muitas táticas de gestão de impressão visando sua legitimação em determinado ambiente. Segundo Mendonça (2003), a perspectiva (ou metáfora) de dramaturgia é originária da escola de sociologia conhecida como interacionismo simbólico, que segundo Carvalho et al. (2010) constitui uma perspectiva teórica que possibilita a compreensão do modo como os indivíduos interpretam os objetos e as outras pessoas com as quais interagem e como tal processo de interpretação conduz o comportamento individual em situações específicas.
Mendonça e Amantino-de-Andrade (2003), partem do pressuposto de que a teoria de GI, associada aos aportes oriundos do campo da comunicação corporativa e dos estudos organizacionais, pode auxiliar e enriquecer o entendimento do processo através do qual as organizações obtêm a legitimidade em seus ambientes. No geral, há vários tipos diferentes de GI que foram identificados por diferentes pesquisadores. Neste ensaio adotou-se as estratégias diretas e assertivas de GI organizacional e as táticas diretas e defensivas de GI organizacional elaboradas por Mendonça e Amantino-de-Andrade (2003), que teve como inspiração Mohamed et al. (2009), por ser direcionada especificamente a análise de GI de organizações, detalhadas nas tabelas 01 e 02.
Tabela 01
Estratégias Diretas e Assertivas de Gerenciamento de Impressões Organizacional.
Estratégia |
Definição/Descrição |
Insinuação |
Comportamentos que o ator usa para fazer a organização parecer mais atrativa para outros. |
Promoção Organizacional |
Comportamentos que apresentam a organização como sendo altamente competente, efetiva e bem-sucedida. |
Exemplificação |
Comportamentos usados pela organização projetar imagens de integridade, responsabilidade social e confiabilidade moral; está estratégia pode também ter como objetivo buscar a imitação de outras entidades. |
Intimidação |
Comportamentos que apresentam a organização como uma entidade poderosa e perigosa a qual é capaz e disposta a infligir sofrimento sobre aqueles que frustram seus esforços e objetivos. |
Suplicação |
Comportamentos desenvolvidos pela organização que projetam uma imagem de dependência e vulnerabilidade com o propósito de solicitar a assistência de outros. |
Fonte: Mendonça e Amantino-de-Andrade (2003)
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Tabela 02
Estratégias Diretas e Assertivas de Gerenciamento de Impressões Organizacional.
Tática |
Definição/Descrição |
Explicações |
Explicações de um evento, na qual se busca minimizar a severidade aparente de uma situação difícil |
Retratação |
Explicações dadas antes de uma ação potencialmente embaraçosa para repelir qualquer repercussão negativa a imagem do ator |
Handicapping Organizacional |
Esforços realizados por uma organização para fazer o sucesso das tarefas parecer improvável, no sentido de obter uma desculpa a priori para o fracasso |
Desculpas |
Admissões do mérito de culpa de um evento negativo, que incluem expressões de remorso e pedidos de perdão |
Restituição |
Ofertas de compensação as quais são estendidas pela organização ao ofendido, ferido ou, por outro lado, uma audiência prejudicada |
Comportamento pró-social |
Engajar-se em ações pró-sociais para reconciliar uma transgressão aparente e convencer uma audiência de que o ator merece uma identidade positiva |
Fonte: Mendonça e Amantino-de-Andrade (2003)
Diferente do estudo do contexto institucional, porém complementar, o estudo do campo organizacional visa investigar questões como princípios éticos e morais, valores, costumes, normas sociais, convenções, procedimentos e modelos cognitivos que orientam as estruturas das organizações em busca de uma legitimidade no contexto onde estão inseridas. Neste sentido, seguindo definição de Scott (1991), o campo organizacional estudado é composto por uma comunidade de organizações, que operam num mesmo domínio (por exemplo uma grande cidade), identificadas pela similaridade de seus serviços, produtos ou funções (por exemplo venda de alimentos), junto com aquelas organizações que influenciam criticamente o desempenho delas (essas organizações segundo DiMaggio; Powell (2005) envolvem consumidores de recursos e produtos, agências regulatórias e outras organizações que produzam serviços e produtos similares).
Para os neoinstitucionalistas, a partir de sistemas simbólicos socialmente constituídos, tal estrutura de legitimação nada mais é do que um conjunto de instituições que compreendem elementos regulativos, normativos e cultural-cognitivos que proporcionam estabilidade e sentido à vida social (SCOTT, 2014).
Na busca da legitimidade e da aceitação social, as organizações procuram tornar suas ações, estruturas e práticas mais próximas dos padrões tidos por corretos socialmente (SCOTT, 2004). Suchman (1995), a partir da literatura existente estabeleceu uma tipologia de legitimidade com três categorias: pragmática, moral e cognitiva. Neste ensaio, propõem-se que essa tipologia seja utilizada como referência para elaboração de variáveis que ajudem analisar a institucionalização das pequenas organizações do varejo em grandes cidades, principalmente no que diz respeito aos pilares institucionais regulativo e normativos, atribuindo a validade a elementos objetivados nestas organizações, podendo inclusive serem adotados como fontes de dados para a pesquisa. Segundo Scott (2014) a legitimação justifica a ordem institucional ao dar uma dignidade aos seus imperativos práticos.
Esse ensaio baseia-se na combinação de orientações apontadas por Scott (1995, 2014), assim como de Suchman (1995), no que diz respeito aos pilares regulativo e normativo para a elaboração de variáveis que compõem cada pilar identificado na literatura. Já a teoria de GI demonstra ser uma abordagem mais adequada para analisar legitimidade, no que diz respeito ao pilar cultural cognitivo e por isso orientou a concepção das variáveis que visam analisar este pilar.
As bases da legitimidade associadas aos três pilares institucionais são distintas, portanto, os tipos de variáveis empregados são decididamente diferentes, conforme demostra o quadro 01 de indicadores. Para identificar os mecanismos de institucionalização ligados ao pilar regulativo foram adotados aquilo que Scott (2014) chama de ingredientes centrais do pilar regulatório, sendo eles a existência de regras que justificam o uso da força, as sanções e respostas aos estímulos provenientes de políticas públicas. Já para as variáveis de legitimação nos pilares normativos tiveram como referência os indicadores desenvolvidos por Suchman (1995) para tratar o processo de legitimidade moral. Para o autor a legitimidade moral reflete uma avaliação normativa positiva da organização e de suas atividades.
Quadro 01
Variáveis de legitimidade associados aos mecanismos de institucionalização organizacional
Categoria |
Estratégias adotados pelos tipos de organizações visando a legitimidade. |
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Pilar Regulativo |
Ganho |
Manutenção |
Reparação |
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Adaptar-se as leis |
Monitorar cumprimento de leis |
Ajustar as condutas as normas. |
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Acomodar-se as leis e todas normas exigidas para o funcionamento de organizações de alimentos. |
Monitorar as exigências de leis e normas de funcionamento evitando desadequados |
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Obter de licenças, inscrições, atestados, certificados e alvarás diversos
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Ter transparência com licenças, inscrições, atestados, certificados e alvarás diversos |
Compensar prejuízos a terceiros. |
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Aproveita-se de Instrumentos de políticas |
Manter-se apito a beneficiar-se de Instrumentos de políticas |
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Atender requisitos de instrumentos políticas públicas. |
Demonstra cumpri os requisitos de acesso a políticas públicas. |
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Pilar Normativo |
Ganho |
Manutenção |
Reparação |
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Adaptar-se aos ideais |
Monitorar ética |
Desculpar/ justificar
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Produzir resultados adequados |
Consultar as categorias profissionais |
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Incorporar-se a instituições |
Monitorar a responsabilidade |
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Oferecer demonstrações simbólicas |
Comunicar-se oficialmente |
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Selecionar o domínio |
Favorecer a boa conduta |
Desassociar |
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Definir metas |
Monitorar a responsabilidade |
Reconfigurar |
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Comunicar-se oficialmente |
Substituir pessoal |
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Estocar opiniões favoráveis |
Rever as práticas |
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Persuadir |
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Demonstrar sucesso |
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Fazer proselitismo (indivíduo convertido a uma doutrina ou ideia) |
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Pilar Cognitivo |
Ganho |
Manutenção |
Reparação |
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Estratégia |
Estratégia |
Estratégia |
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Exemplificação |
Suplicação |
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Promoção organizacional |
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Intimidação |
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Insinuação |
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Táticas |
Táticas |
Táticas |
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Handicapping organizacional |
Explicações |
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Retratação |
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Comportamento pró-social |
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Desculpas |
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Restituição |
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Comportamento pró-social |
Já para identificar os mecanismos de institucionalização ligados ao pilar cultura-cognitivo foram adotadas variáveis desenvolvidos para analisar as táticas e estratégias de legitimação apontadas pela abordagem de GI, sendo elas descritas nas tabelas 1 e 2.
Uma proposta de simplificação deste ensaio teórico-metodológico pode ser visualizada na figura 1 que apresenta um desenho esquemático a proposta para se analisar pequenas organizações, possível de ser adotado para se pesquisar em áreas urbanas brasileiras. Pode-se, por exemplo aplicar para analisar como os diferentes tipos de organizações influenciam o campo institucional em seus pilares regulativo, normativo e cognitivo na busca de legitimação e consequentemente se mantem no mercado mesmo sem apresentar eficiência técnica na combinação dos seus recursos.
Figura 01
Desenho de pesquisa para analisar pequenas organizações.
Tendo como referência a proposta de interpretação apresentada pela abordagem dos regimes alimentares, a consumação da investigação do contexto organizacional e consequente mudanças institucionais na trajetória da diversificação do mercado varejista de alimentos, pode ser realizado adotando a combinação de dados quantitativos com qualitativos.
Como a pesquisa se propões estudar o contexto institucional, que conforme já detalhado é resultante de uma trajetória que tem como componentes mais relevantes os agricultores, as empresas e os trabalhadores envolvidos em todos os aspectos da produção de alimentos, a fabricação, distribuição e vendas; agências governamentais; os cidadãos; e os consumidores; o investigador pode lançar mão dados predominantemente de natureza qualitativa na realização de seu estudo, assim como a técnica da triangulação.
Tendo como referência a definição de regime alimentar estabelecido por Friedmann (1993), sugere-se adotar a técnica da triangulação para coleta de dados de diferentes períodos históricos, classificados pela autora em fases, para entender a interação entre os atores sociais na constituição de normas, instituições e regras em torno das quais as expectativas de todos os atores relevantes relacionados ao abastecimento alimentar convergem. A literatura é farta sobre pesquisa qualitativa e possibilidades de adoção de metodologias de pesquisa, por falta de espaço neste ensaio, não pretende-se minudenciar etapas de pesquisa neste ensaio.
Por sua vez, quanto ao nível do campo organizacional a obtenção de dados neste ensaio pode primar por aqueles que ajudem a explicar os componentes relacionais das organizações em grandes cidades, se interessando por materiais que evidencie como cada tipo de organização age no intuito de influenciar seus consumidores e outras organizações.
Desta forma, considerando-se a prioridade pela adoção de abordagem qualitativa e a intenção de aproximar a metodologia de legitimação organizacional, GI e a teoria neoinstitucionalista para estudo do campo organizacional, como sugestão, esse nível de investigação pode abraçar como técnicas para coleta de materiais (dados) as entrevistas, análise de documentos e artefatos culturais e em estudo de campo a observação direta (observação participante).
Pesquisadores de correntes teóricas institucionalistas têm se dedicado a avaliar a influência das instituições na manutenção de organizações, mesmo quando estas não apresentam eficiência técnica. Ao longo deste ensaio foram levantadas algumas considerações gerais sobre o fazer científico voltado a análise dos mecanismos de institucionalização no campo organizacional a partir da abordagem do neoinstitucionalismo sociológico combinado com outras abordagens teóricas que também põe em evidência a importância da legitimação institucional, assim como apresentam uma referência metodológica para o estudo de duas dimensões importantes em que organizações estão inseridas: O contexto institucional e o campo organizacional. Espera-se que a incompletude teórico-metodológica desta teórica para analisar as maneiras em que as organizações adquirem e protegem a legitimidade tenham sido satisfatoriamente comtempladas com a proposta de adoção dos conceitos de outras abordagens da legitimação organizacional e do GI.
Com isso, deseja-se que este trabalho represente uma contribuição complementar as lacunas da abordagem neoinstitucionalista ao sugerir um conjunto de variáveis que expressassem diferentes elementos que compõem cada um dos três pilares que levam a legitimação no ambiente institucional, especialmente para pequenas organizações que geralmente possuem uma estrutura organizacional mais simples.
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1. Doutorando do Programa em Desenvolvimento Rural da UFRGS. E-mail: jose.sacramento@ifpa.edu.br
2. Docente nos Programas em Desenvolvimento Rural e em Agronegócios da UFRGS. E-mail: glauco.schultz@ufrgs.br