ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 10) Ano 2018. Pág. 38

Trabalho e educação na sociedade brasileira: A transição do Império à República

Work and education in the brazilian society: The transition of: the empire to the republic

Maria Isabel Moura NASCIMENTO a; Eliza Ribas GRACINO b

Recebido: 23/11/2017 • Aprovado: 05/01/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. A relação entre trabalho e educação

3. A relação entre trabalho e educação durante o período imperial brasileiro

4. Relação entre trabalho e educação durante o período da primeira república brasileira

5. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Este artigo tem como objetivo apresentar as contradições existentes na relação do trabalho e educação na formação da sociedade brasileira, durante os Períodos do Império e Primeira República. No desenvolvimento abordamos a relação entre tra-balho e educação, construídas historicamente, para isso, retomando o escravismo e o desenvolvimento do capitalismo na Europa do século XIX. A relação trabalho e educação é apontada no sentido ontológico, sinalizando a importância do homem e de sua totalidade, muitas vezes impedida pela exploração do trabalho, no siste-ma capitalista, e como a educação foi engendrada, neste contexto. Nas considera-ções finais apontamos as contradições existentes entre o discurso instaurado so-bre a educação do trabalhador, intentando descortinar como a acumulação do ca-pital influenciou a implantação de uma educação para a produtividade e sujeição do trabalhador à classe dominante.
Palavras chiave: Trabalho. Educação. Sociedade Brasileira

ABSTRACT:

This article aims to present the contradictions existing in the relationship between work and education in the formation of Brazilian society, during the Periods of the Empire and First Republic. In development we approach the relationship between work and education, built historically, for this, resuming slavery and the develop-ment of capitalism in nineteenth-century Europe. The relation labor and education is pointed in the ontological sense, signaling the importance of man and his totality, often impeded by the exploitation of labor, in the capitalist system, and how educa-tion was engendered in this context. In the final considerations, we point out the contradictions between the discourse on worker education, trying to see how the accumulation of capital influenced the implementation of an education for productiv-ity and subjection of the worker to the ruling class.
Keywords: Job. Education. Brazilian society.

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1. Introdução

A emergência de criar mão de obra especializada para dar conta da demanda, oriunda dos ideais liberais, trouxe a necessidade de se criarem escolas voltadas para a formação do trabalhador, mantidas pelo Estado, pela sociedade civil ou igreja, com a oferta de ensino profissionalizante (MAGALHÃES, 1999).

Neste artigo tecemos algumas considerações sobre a relação existente entre trabalho e educação. Realizaremos uma retrospectiva sobre o cenário mundial, buscando compreender a importância do trabalho como inerente à condição humana, e as deturpações que levaram a seu estranhamento, bem como as contradições impostas às relações estabelecidas entre trabalho e educação. Posteriormente, analisaremos como a sociedade brasileira vivenciou esse processo em sua colonização, e nos Períodos do Império e Primeira República.

Sob aporte teórico metodológico do materialismo histórico dialético, esforçamo-nos por apreender o sentido ontológico do homem e sua relação com o trabalho, buscando encontrar as aproximações e as diferenças do sistema econômico proposto nos períodos referidos, com base na teoria marxista.

A opção pelo pressuposto teórico metodológico se deve à possibilidade que este permite de interconexão de fatos e de análise do contexto, aliadas à totalidade, superando as concepções metafísicas e idealistas da história, por meio da investigação do objeto, a partir das condições concretas, ou seja, materiais de existência, para possibilitar o desvelamento da realidade (MARX & ENGELS, 2007).

2. A relação entre trabalho e educação

Educação e trabalho deveriam ser interdependentes, mas houve uma cisão entre eles ainda na Antiguidade, quando se instaurou o escravismo (1), que fez com que a educação obedecesse a dois processos distintos: um para os homens livres, que deveriam se ocupar da atividade intelectual, e outro para os escravos e servos, responsáveis da execução dos serviços braçais (SAVIANI, 2007).

Na obra “Princípios Básicos do Comunismo”, Marx e Engels demonstram que a divisão da sociedade em classes, embora distinta nos períodos históricos por obedecer ao desenvolvimento da produção, existe desde a Idade Média (2).

A partir do advento da Revolução Industrial há a segmentação de duas classes opostas, a burguesia e o proletariado, estabelecendo a base do capitalismo (3), sobre a qual se sustenta, a partir do antagonismo entre classes dominante e dominada. A burguesia ascende ao poder político e econômico, engendrando-se como classe dominante, auxiliada por uma conjuntura de acontecimentos como: o desenvolvimento do comércio e das navegações, as conquistas das colônias e, portanto, dos novos mercados, o desenvolvimento da indústria (da manufatura, da pequena indústria até a grande indústria), a criação dos mercados mundiais, sendo, portanto, produto histórico de um processo de mudanças históricas e econômicas. (HOBSBAWM, 1979).

Na luta pelo domínio político e pelo poder, a classe burguesa avançou e apropriou-se do capital, que, posteriormente, tornou-se o elemento primordial e diferenciador da divisão de classes. O trabalho transformou-se em mercadoria, com valor econômico determinado e regulado pelas leis de mercado, para sobreviver na cidade, foi imposto ao homem à necessidade de vender sua força produtiva, tornando o trabalho ˜essência subjetiva” (MARX, 2004, p. 99), gerando a mais valia e transformando o homem em objeto, impondo-se constante contradição entre a força de produção, o estado social e a consciência,  (MARX, 1996, MARX, 2007).

A classe dominada, ou seja, o proletariado passou a sujeitar-se a uma longa jornada de trabalho. Suas condições de vida nos centros urbanos eram precárias, devido aos baixos salários. Além da transformação da estrutura social, surgiram novas técnicas de divisão do trabalho industrial, a corporação tornou-se obsoleta, sendo substituída pela manufatura, dando origem aos “[…] milionários da industria, aos chefes dos verdadeiros exércitos industriais, aos burgueses modernos" (MARX; ENGELS, 2002, p. 41).

A exclusão da população do sistema educativo, com o avanço capitalista mundial, ocorreu de maneira distinta do período feudal. Tornou-se essencial repensar a educação oferecida às massas (PONCE, 2003). Para que uma classe possa ser oprimida, é necessário garantir-lhe “as condições que lhe permitam, pelo menos, sobreviver em sua existência servil” (MARX; ENGELS, 2005, p. 98). Para garantir essas condições, tornou-se necessário investir na formação de um indivíduo que pudesse ser domesticado para acolher os interesses da minoria, dissimulando a expropriação da força de trabalho.

Dentre os acontecimentos do findar do século XIX que merecem ser observados, está à revolução francesa,   devido a sua relevância para o apoderamento do Estado Europeu devido ao fato de ter sido uma “revolução social de massa”, de caráter "ecumênico". Para Hobsbawm "[…] Seus exércitos partiram para revolucionar o mundo; suas idéias de fato o revolucionaram” (1982, p. 72), uma vez que os eventos que a sucederam modificaram o pensamento do homem.

Mas a que homem nos referimos? A concepção de homem como “ser natural”, que se relaciona com a natureza de maneira distinta dos demais seres. Em seu “processo vital” extrai da “Natureza” o que necessita para sua subsistência. Para isso, “[...] põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhe forma útil à vida humana” (MARX, 1985, p. 202).

A esse movimento de forças naturais conscientes do homem em prol da subsistência, denominamos “trabalho”. Portanto, o trabalho é uma atividade essencial ao homem, e, como parte de sua essência, compõe sua natureza humana. É também o elemento mediador entre homem – natureza. Seja qual for o momento histórico, em que a humanidade esteja este sempre será substancial à vida humana (4). A intenção da burguesa era que todo cidadão pudesse exercer seus direitos e deveres civis e políticos, confirmando assim os princípios igualitários de legitimidade e de justiça social, preconizada pelo liberalismo, berço do capitalismo. Cabe ressaltar que os conceitos anteriormente mencionados não se tratavam do coletivo, mas estavam pautados no individualismo e no consentimento, a fim de que “[…] cada um, sob a direção da vontade geral vive em liberdade e igualdade com a garantia da propriedade de tudo o que possui" (NASCIMENTO, 2001, p. 23).

Mas esse conceito de liberdade e igualdade está condicionado à elite, perpetuando-se por meio da aceitação de sua ideologia. Nesse contexto, o papel do Estado resume-se a abster-se de intervenção, tornando-se simplesmente expectador, intervindo somente se necessário.

O saldo do século XIX, principalmente para a Europa e América, foi um grande número de especialistas, forjados a partir da necessidade da utilização das máquinas a vapor e dos investimentos britânicos, advindos das Revoluções Industrial e Francesa. Marx e Engels, ainda no início do século XIX, se propuseram desvelar os interesses burgueses em conduzir a ideologia da sociedade, mantendo a divisão de classes, para satisfazer seus interesses (HOBSBAWN, 1979).         

Mas como trabalho e educação se relacionam? Em que estes dois importantes integrantes da vida humana distam, ou se aproximam? Para responder a essas questões, recorremos inicialmente aos conceitos sobre ambos os temas de Dermeval Saviani, que apoiado em Marx conceitua “trabalho” e “educação”, como "um fenômeno próprio dos seres humanos", "ao mesmo tempo, uma exigência para o processo de trabalho, bem como ela própria, um processo de trabalho", situando-se na "categoria do trabalho não material" (SAVIANI, 2012, p. 1-2).

Dessa maneira, trabalho e educação se inter-relacionam, por serem ambos, processos que mediam toda a vida humana. Devido a importância da educação como instrumento de luta da classe trabalhadora, pela oportunidade de inserção e ação no processo produtivo e administrativo, seria necessário investimento na formação intelectual, corporal e politécnica desde os 9 anos até os 18 anos. Mas não era a qualquer processo educativo que Marx se referia, e sim a educação omnilateral, entendida por educação intelectual; educação corporal e  educação tecnológica, ou seja, preparatória para "os princípios gerais e científicos de todo o processo de produção" e também para o "manejo de ferramentas elementares dos diversos ramos industriais" (MARX; ENGELS, 1983, p. 60). 

A harmonização entre “[...] trabalho produtivo pago com a educação mental, os exercícios corporais e a aprendizagem politécnica, elevará a classe operária bem acima do nível das classes burguesa e aristocrática”. (MARX; ENGELS, 1983, p. 60).

Porém, a educação para o trabalho não significa exploração do trabalhador (alvo de suas críticas) ou das crianças. Marx tece críticas ao Parlamento inglês, que legitimou a exploração infantil, por meio da lei que tornava  “[...] o ensino primário a condição legal para o uso ‘produtivo’ de crianças com menos de 14 anos”. Em contrapartida, para não perder o lucro, o capitalista contratava professores analfabetos para fazer a instrução infantil (LOMBARDI, 2010, p. 262).

É importante ressaltar, que “[...] os debates e também algumas controvérsias sobre a relação entre marxismo e educação giram em torno do conceito de trabalho” (SAVIANI, 2012, p. 173), sendo que “[...] o trabalho foi, é e continuará sendo o princípio educativo do sistema de ensino em seu conjunto” (SAVIANI, 1994, p. 161). Desta forma, o trabalho é princípio educativo, sendo benéfico ao homem, e, um poderoso instrumento para a transformação da sociedade, uma vez que "[...] a combinação do trabalho produtivo com o ensino desde uma tenra idade é um dos mais poderosos meios de transformação da sociedade atual” (MARX, 1977, p. 242). Entretanto, a mais-valia, a objetivação do homem e as relações estabelecidas no sistema de produção capitalista são o grande entrave.

Assim como o sistema de produção, a “[...] estrutura educativa consolidada em milênios” acabou por estabelecer a dicotomia entre trabalho manual e trabalho mental e entre ensino e trabalho, tornando-se instrumento de dominação de uma classe em detrimento da outra” (MANACORDA, 2007, p. 124).          

Uma vez que todas as manifestações do homem perpassam o trabalho, por ser este o meio pelo qual as condições materiais necessárias para a sua existência sejam criadas, como toda atividade humana, o trabalho resulta das atividades anteriores, devendo ser observado em conexão com as relações sociais. Das condições materiais de produção e do conjunto das relações sociais e de força produtiva originou-se um determinado tipo de sujeito, que apreende o objeto a partir da realidade material (MARX; ENGELS, 2007).

Esse sujeito histórico, determinado por suas relações com os meios de produção de sua vida material está também condicionado às relações sociais e econômicas, que determinam sua consciência, condicionando-o tanto na “[…] vida social, política e espiritual em geral” (MARX, [18—], p. 301).

Esse condicionamento, que advém da realidade material estabelece as relações,  sendo que os detentores dos meios de produção são os que "[…] como seres pensantes, como produtores de idéias, regulamentam a produção e a distribuição dos pensamentos da sua época; suas idéias são portanto as idéias dominantes da época" (MARX, 1986, p. 48-49).

Sendo a educação campo da atividade humana, esta também erigiu suas ideias em conformidade com as condições materiais e objetivas oferecidas. Considerando a educação enquanto ação pedagógica que está imbricada no contexto das relações do modo de produção, é necessário compreender o papel do Estado na sociedade capitalista: […] da classe mais poderosa, economicamente dominante, que, por meio dele, torna-se igualmente a classe politicamente dominante, adquirindo com isso novos meios de dominar e explorar a classe oprimida (MARX; ENGELS, 1983, p. 137).

Para sanar as necessidades do homem livre, com disponibilidade de tempo, de desenvolver seu intelecto, nasce à escola, principal responsável por perpetuar essa dicotomia (SAVIANI, 2007, p. 155).

À medida que o capitalismo avança, as forças produtivas e também as relações de trabalho e os processos educativos são modificados, trazendo [...] novas demandas para os processos educativos dos trabalhadores, que são atendidas pelo Estado e pelo mercado (NASCIMENTO, 2009, p. 6).

Essas transformações ocorreram em fases distintas, conforme podemos verificar no quadro a seguir:

Quadro 1
Categorização das fases das transformações nas relações
de produção, educação e qualificação para o trabalho

Fase

Período

Transformações nas relações de produção

Educação

1ª fase

Início da colônia a meados do império brasileiro

Principal força de trabalho: Escravidão

Sem preocupações com a educação formal. Ofícios aprendidos no local de trabalho.

2ª fase

Final séc. XIX a Início séc. XX

Transição trabalho escravo para o assalariado

Expansão da industrialização

Racionalização do trabalho: Taylorismo e fordismo

Processos educacionais valorizam o trabalho

3ª fase

1930 a 1970

Acelera-se a industrialização

Leis trabalhistas

Necessidade de qualificação para operar maquinários sofisticados

Expansão do ensino publico

 Fonte dos dados: Nascimento (2009, p. 7-8) (5)

Outro importante fator para a compreensão da relação trabalho e educação está na fragmentação da escola, que acontece paralela à fragmentação do trabalho, fazendo desta, um instrumento de “reprodução do modo de produção capitalista”, ocupada “desde suas origens”, com o interesse de preparar os líderes e dirigentes “[...] por meio do domínio da arte da palavra e do conhecimento dos fenômenos naturais e das regras de convivência social"(SAVIANI, 1994, p. 162).   

Para Engels, a precarização da escolarização da classe trabalhadora ocorria por dois principais fatores: Primeiro pela recusa da burguesia em oportunizar os recursos necessários devido ao medo dos resultados da formação e também da possibilidade que a educação fosse utilizada como disseminadora de ideias subversivas, uma vez que [...] a transformação educativa deveria ocorrer paralelamente à revolução social (GADOTTI, 1997, p.130). E em segundo, pelas dificuldades dos trabalhadores em perceber a importância da instrução e de usufruir desse benefício, devido ao cansaço imposto pela longa jornada de trabalho (NOGUEIRA, 1993).

Em nosso País, o ensino de ofícios surge fragmentado e distante da educação escolar. A colonização demarca os processos educativos, mas neste momento os nativos e os escravos deveriam manusear as ferramentas necessárias a suas ocupações diárias de sua vida rústica (NASCIMENTO, 2005).      

A ação pedagógica expressa na atividade educativa está intimamente relacionada às relações do modo de produção, isto é, ao papel do Estado na sociedade capitalista, sendo, portanto, necessário compreender o papel do Estado nesta sociedade, uma vez que: [...] da classe mais poderosa, economicamente dominante, que, por meio dele, torna-se igualmente a classe politicamente dominante, adquirindo com isso novos meios de dominar e explorar a classe oprimida (MARX; ENGELS, 1983, p. 137).

O conceito de Estado (sociedade política) e o debate sobre sua relação com a Sociedade Civil (conjunto das relações econômicas e interesses privados) têm grande destaque na concepção marxista. De acordo com Marx, o Estado fora gerado pela Sociedade Civil, para ser uma instituição acima das outras, com o intuito de ser o instrumento de garantia e preservação da dominação e exploração de classe, apoiando as bases dessa sociedade. A partir da compreensão sobre essa relação torna-se possível a apreensão da dinâmica produtivista do capital e a liberalização do indivíduo e o domínio capitalista (MARX, 2004).

Entretanto, por vezes, para manter a hegemonia, o próprio Estado assume o papel de mediador na luta de classes. Segundo Marx e Engels, “[...] ocorrem períodos nos quais as classes em luta se equilibram tão bem que o poder do Estado, como mediador ostensivo, adquire, por momentos, certa margem de independência em relação a ambas” (MARX; ENGELS, 1983, p. 137).

Nosso intento ao discutir a inter-relação entre trabalho e educação, é buscar a compreensão do papel do Estado e de sua influência na divisão da sociedade em classes e na objetivação, do homem e da natureza, que ocasionou o estranhamento adquirido pelo homem ao trabalho.

3. A relação entre trabalho e educação durante o período imperial brasileiro

A modernização de algumas regiões em expansão, na segunda metade do século XIX e a somatória de alguns eventos, como a ”[...] abolição da escravatura, desenvolvimento das redes de transportes, imigração e Industrialização” estimuladas pela “concentração de capitais” trouxeram modificações significativas no que diz respeito à permanência do homem no campo (COSTA, 1999, p. 206).

A necessidade de se pensar uma legislação para o ensino agrícola brasileiro surge em 1808, e embora o ato legislativo para a educação agrícola brasileira tenha sido assinado pelo príncipe regente, D. João VI em 23 de junho de 1812, a primeira instituição de ensino, o Colégio das fábricas foi instalado no Rio de Janeiro em 1909, com a intenção de atender aos órfãos vindos de Lisboa, ensinando-os ofícios, e, posteriormente o ensino primário (CUNHA, 2000d).

O ato legislativo era uma resposta à necessidade de atender aos interesses da classe dominante, que depois da extração exacerbada de alguns produtos da terra que eram sua principal fonte de renda: o pau-brasil e a cana de açúcar; preocupava-se com sua extinção e pensava em novas possibilidades de exploração.

Sendo o principal objeto dos meus vigilantes cuidados elevar ao maior grau de opulência e prosperidade de que forem susceptíveis pela sua extensão, fertilidade e vantajosa produção os meus vastos estados do Brasil, atendendo que a agricultura quando bem entendida e praticada é, sem dúvida, a primeira e a mais inexaurível fonte de abundância e de riqueza nacional. Portanto a por em prática essas minhas paternais, há por bem que, debaixo de nossa inspeção e segundo as disposições provisórias, que com estas baixam assinadas pelo Conde dos Arcos, se estabeleça imediatamente um Curso de Agricultura na cidade da Bahia para instalação da habitação desta Capitania e que servirá de norma ao que me proponho estabelecer em todas as outras capitanias dos meus estados (BRASIL. Carta-Régia, dirigida ao Conde D´Arcos, em 23 de junho de 1812).

A intenção desse ato era de que todas as províncias implantassem os Institutos Imperiais de Agricultura, atendendo aos órfãos e viúvas, sendo estes custeados pela coroa portuguesa. Apesar de a intenção da Carta Régia não lograr êxito de imediato, ela é um “documento estratégico para entendermos as relações entre Estado, ciência e agricultura” (ARAÚJO, 2007, p. 3). 

A independência do Brasil Colônia, transformando-o em Império, em 1822, foi controversa e pouco modificou a condição brasileira, ao ser inserido na divisão internacional, o trabalho agrário foi gradativamente substituído pelo latifúndio e pelo trabalho escravo, desenvolvendo-se e modernizando-se os principais centros, devido a exportação, enquanto o interior preservava suas tradições (COSTA, 1999).

Embora a elite divergisse sobre como se afirmar, emergia a necessidade da instrução pública das crianças, para assegurar o progresso do País, “[...] a autonomia política, ou seja, o surgimento da nação brasileira, impunha exigências a organização educacional” (RIBEIRO, 2007, p. 47). 

A instituição escolar surge inspirada nos princípios impostos pelo século XIX (já expostos anteriormente), como instrumento de ascensão e manutenção da burguesia, organizando-se a partir do princípio do "direito de todos e dever do Estado”, para a consolidação da sociedade democrática, por meio do contrato social para o qual já não cabia mais a ignorância. Diante desses interesses [...] a escola é erigida, pois, no grande instrumento para converter os súditos em cidadãos [...] (SAVIANI, 1997, p. 17-18).

O interesse na modernização difundiu o ideal de tornar acessível a educação. Dentre as primeiras providencias tomadas a esse respeito está a Constituição de 1824, que assegura a educação pública como direito e impulsiona o desenvolvimento científico, e de ensino e pesquisa. Em 1825, o interesse em unir as “forças produtoras, políticas e intelectuais do país” (NASCIMENTO, 2005, p. 81), empregando os conhecimentos científicos na agricultura, faz nascer a Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional - SAIN. Em 1827, foi criada a primeira escola nominada Escola das Primeiras Letras, através da Lei de 15 de outubro de 1827. De acordo com o artigo 1º. Da referida lei: “[...] Em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessárias”. (BRASIL, 1827)

A independência de Portugal não trouxe emancipação ou liberdade idealizada pelo povo brasileiro, mostrando claramente que a emancipação política não significava a vivência prática desta, uma vez que “o Estado pode ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre” (MARX, 2009, p. 48). Seja qual for a condição do Estado, o homem permanece aprisionado as amarras da alienação e estranhamento.

Após a independência, houve a necessidade de estender os arsenais de guerra, para isso, o ensino de ofícios contou com os [...] menores órfãos, pobres ou desvalidos, como matéria-prima humana para a formação sistemática da força de trabalho para seus arsenais [...] (CUNHA, 2005, p. 112). Esses meninos ingressavam entre 8 a 12 anos, para aprender ofícios artesanais e manufatureiros, também aprendiam desenho e eram alfabetizados. Ao completar 21 anos, se tivessem concluído a aprendizagem do oficio, recebiam certificado e eram contratados, com direito a soldo (CUNHA, 2000a).

Ao compor seu quadro de aprendizes com crianças pobres, órfãs ou desvalidas enviadas pelas autoridades competentes, os estabelecimentos militares demonstravam a ideologia dominante, de tornar a aprendizagem de ofícios um ato benevolente amparando os desvalidos (CUNHA, 2000a).

A partir de 1850, são criados, sob a supervisão do Juizado de Órfãos, os “Asilos da Infância dos Meninos Desvalidos”, particulares e públicas (HOLANDA, 2003, p. 154). A intenção era suprir a demanda de conhecimentos agrários, promovendo o aperfeiçoamento dos “processos da lavoura”, assegurando a alfabetização inicial desses meninos, para subsequente ingresso nas oficinas, permitindo assim “Euzebio de Queiroz, que proibia o tráfico de escravos para as terras brasileiras. O texto da Lei 581, de 04 de setembro de 1850, que estabelece as medidas para a repressão do tráfico de africanos no Brasil apregoa:

Dom Pedro, por Graça de Deos, e Unanime Acclamacão dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que a Assemblea Geral Decretou, e Nós Queremos a Lei seguinte.

Art. 1º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriaes do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de sete de Novembro de mil oitocentos trinta e hum, ou havendo-os desembarcado, serão apprehendidas pelas Autoridades, ou pelos Navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos.

Aquellas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porêm que se encontrarem com os signaes de se empregarem no trafico de escravos, serão igualmente apprehendidas, e consideradas em tentativa de importação de escravos (BRASIL, 1850).

A referida lei trouxe a elevação nos preços da propriedade privada e o aumento dos custos com o escravismo. Paulatinamente a escravidão foi suprimida (6), levando os escravos sobre si, a responsabilidade por impedir o desenvolvimento da agricultura, devido a sua “ignorância”. A exemplo dos países mais desenvolvidos, mudanças tecnológicas foram implantadas e as ciências estabelecidas na agricultura (NASCIMENTO, 2005, p. 83).

A Carta-Régia, escrita por D. João VI ao Conde D`Arcos, com a intenção de instituir a educação agrícola brasileira só logra êxito em 1864, quando é criada, em Minas Gerais a primeira escola de agricultura do País. Mais tarde, outra escola, nos mesmos moldes, foi criada na Bahia, no Mosteiro de São Bento. Devido à importância das escolas agrícolas para o desenvolvimento do ensino profissional, o então ministro da Agricultura, calcava pela criação de mais escolas e associações provençais (NASCIMENTO, 2005).

Posteriormente, a sociedade civil passa a preocupar-se em “amparar crianças órfãs e abandonadas”, inserindo no ensino industrial tanto a instrução teórica, quanto a prática. Surgem então os “Liceus de Artes e Ofícios”, mantidos por beneméritos através de doações (7).

Os novos desafios e o combate a pragas trouxeram a necessidade de ampliar os conhecimentos sobre o solo, tornando emergente a implantação da prática da química agrícola no currículo dos cursos de formação para a agricultura, sendo esta implantada como disciplina, no currículo do curso de agricultura do Museu Nacional, no ano de 1870 (NASCIMENTO, 2005).

Com o propósito de que a indústria agrícola progredisse, e também para empregar os escravos libertos, em 1873 são criadas as fazendas-modelo, a primeira delas no Piauí. Eram fazendas de propriedade do Estado e geridas por ele: Covaribas, Serrinhas, Algodoes e Olho d´Água (NASCIMENTO, 2005).

Em 13 de maio de 1888, a escravidão torna-se extinta no País, e com ela se modificam os modos de produção, as relações de trabalho e a concentração das riquezas e do poder político, desestruturando “os fundamentos sociais do sistema monárquico no Brasil” (COSTA, 1999, p. 340).

A abolição da escravatura trouxe à tona a questão da desigualdade no Brasil, pois uma vez liberto, o ex-escravo deveria gozar dos direitos de cidadão. Entretanto, a estes não foi legado “escolas, nem terras, nem empregos” (CARVALHO 2012, p. 264). Os fatores impostos pela discriminação, o analfabetismo e a falta de renda não permitiram que esses tivessem acesso aos seus direitos, não sendo estes assegurados. exclusão social dos escravos recém libertos em nosso Pais, aos quais não foi legado “escolas, nem terras, nem empregos” (CARVALHO 2012, p. 264).

4 . Relação entre trabalho e educação durante o período da primeira república brasileira

Apesar de não haver convergência entre os historiadores sobre os verdadeiros motivos que levaram o Brasil da monarquia à República (8), acreditamos que não foi por mera casualidade a República ter sido proclamada no ano subsequente a abolição da escravatura. A Proclamação da República precipitou transformações, principalmente no tocante a mudança no sistema produtivo, mudando o dinheiro de mãos, concentrando o poder econômico no Oeste Paulista, devido a grande produção de café, que levou a construção de ferrovias que trouxeram o progresso e inaugurou o trabalho livre, formando “[…] um novo grupo social, uma nova oligarquia que irá controlar o poder político durante a Primeira República" (COSTA, 1999, p. 340).    

As articulações das forças produtivas modificaram-se, mas o modo de produção expandiu-se e intensificou-se. A economia brasileira, durante este período, era movida pela exportação em grandes quantidades dos produtos da terra. Dentre os principais produtos exportados estavam o café, a borracha, o cacau, o mate e o fumo. Contribuíram para essa ampliação o desenvolvimento e ascensão econômica europeia e norte-americana, e os fatores internos, como o desenvolvimento dos sistemas de transporte e a sistematização do mercado financeiro e do tráfico mercantil, que oportunizou condições de desenvolvimento para a inserção de imigrantes no País. O período da Primeira República foi marcado por contradições, pois ao mesmo tempo em que o trabalho livre oportunizou progressos no sistema produtivo, também trouxe conflitos entre os trabalhadores e os proprietários, gerando a gradativa desintegração da propriedade agrária (PRADO JUNIOR, 1981).

Não obstante a questão da exclusão social dos escravos recém libertos em nosso Pais, havia a questão dos recém-chegados imigrantes, de diversos países que ingressaram no País para substituir o trabalho escravo, mas possuíam dentre as outras dificuldades, as impostas pela falta de domínio da língua, atrapalhando o objetivo de instalar a república. Diante da dificuldade eminente, a educação surge como uma esperança, “[…] capaz de promover segura e positivamente essa transformação” (CARVALHO 2012, p. 264).

Estes imigrantes, especialmente os anarquistas, também trouxeram ideias contrárias as vigentes e tiveram grande influência na luta por uma educação “autônoma e autogerida”, que libertasse os trabalhadores, subjugados pela classe dominante, acreditando ser as escolas profissionalizantes um instrumento de luta. (SAVIANI, 2007).

Por se sentir ameaçada pela luta dos estrangeiros, pelo direito a educação para o trabalho, e de sua organização, a classe dominante expulsou do País os líderes de movimentos anarquistas e socialistas (estrangeiros), passando a investir na “[…] mão-de-obra de trabalhadores nacionais” (CUNHA, 2005, p. 24). Profissionalizar a educação, nesse contexto, nada mais foi do que prevenção e punição àqueles que reclamavam. 

A relação dos Estados Unidos com o Brasil, neste período histórico foi o de “boa vizinhança”, algumas dívidas e tarifas alfandegárias foram revistas. Esse posicionamento trouxe crescimento econômico e prestigio ao Brasil, diante dos demais países da América do Sul (ABREU, 1990, p. 86).

Para “estreitar relações com os Estados Unidos”, o governo brasileiro deliberou um tratado de reciprocidade comercial entre os dois países, que só foi propalado em nosso País no ano de 1891 (COSTA, 1999, p. 396).

O tratado, denominado Blaine-Salvador (10),  permitia a livre entrada de café e de açúcar nos Estados Unidos, alvo de algumas críticas, dentre elas de que não dispunha de vantagens para o Brasil, que era um dos maiores produtores de café, abastecendo os norte-americanos. O referido tratado trouxe benefícios, para os norte-americanos, que teriam o produto por preços menores e também o direito de comercializar em nosso País às farinhas de trigo, com significativa redução de tarifas, trazendo prejuízos a nossos cofres. Como o Brasil possuía moinhos de trigo, a importação do produto trouxe decadência aos produtores nacionais e desemprego aos trabalhadores brasileiros (PRADO, 2003).

O açúcar tinha entrado em declínio, devido à quebra da promessa norte-americana de dar exclusividade de produção ao Brasil, permitindo a livre entrada para a produção de açúcar de Porto Rico, Cuba e Espanha, consolidando a exportação do café. (PRADO, 2003).

Os interesses pela modernização proporcionada pela profissionalização e o fortalecimento da agricultura permeiam a Primeira República (1889-1930), pois da substituição do trabalho escravo pelo assalariado, emerge a necessidade de mão-de–obra para cultivar a lavoura.

A institucionalização do ensino profissionalizante iniciou nos países da Europa, e em alguns países da América Latina, o que pode-se perceber pelos anais do Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de 1903 (GONÇALVES; MACHADO, 2009, p. 1).    

Para sanar a demanda capitalista, de mão de obra qualificada e preparar o proletariado para as novas exigências do trabalho, uma vez que o País se encontrava “em franco crescimento”, no ano de 1909, o decreto no 7.566 (23 de setembro) preconiza a criação das escolas de aprendizagem de artífices, em todas as capitais dos estados brasileiros. O texto inicial do Decreto Nº 7.566, de 23 de setembro de 1909 considera: "que o argumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência: que para isso se tolica formar cidadões uteis à Nação [...]"A admissão dar-se-ia a pedido e os requisitos definidos no art. 6º dizia serem “preferidos os desfavorecidos da fortuna: a) idade de 10 annos no minimo e de 13 anos no máximo” (BRASIL, 1909).

Em outubro de 1910, regulamenta-se o ensino agrícola, por meio do Decreto nº 8.319. (CAPDEVILLE, 1991, p. 19). Segundo o artigo 2º do decreto, o ensino agrícola se dividiria em:

1ª. Ensino superior; 2ª. Ensino médio ou theorico-pratico; 3ª. Ensino pratico; 4ª. Aprendizados agrícolas; 5ª. Ensino primario agrícola; 6ª. Escolas especiaes de agricultura; 7ª. Escolas domesticas agrícolas; 8ª. Cursos ambulantes; 9ª. Cursos connexos com o ensino agrícola; 10. Consultas agrícolas; 11. Conferencias agricolas (BRASIL, 1910).

Para efetivar as mudanças necessárias e promover a “modernização social e cultural” (OLIVEIRA, 2003, p.24) desejadas, fazia-se necessário educar os pobres, os excluídos, para isso o Estado investiu na formação dos trabalhadores, e nos “conhecimentos científicos objetivando uma agricultura industrializada” (OLIVEIRA, 2003, p.24).

Concomitante a necessidade de profissionalizar o trabalhador, havia ainda a necessidade de cuidar da “infância desvalida”. Para dar conta de retirar a população infantil das ruas, livrando-os da vagabundagem, são fundados os Patronatos Agrícolas, sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (OLIVEIRA, 2003).

Após a I Guerra Mundial (1914-1918), sob o discurso de necessidade em proteger os direitos do homem para que este não fosse aniquilado pelo capital, gradativamente, o modelo liberal foi substituído por uma nova forma de intervenção estatal, distinto do que vigorava no mercantilismo. Essa nova forma, agora voltada ao social e à prestação de serviços, adquiriu dimensões teórica e prática diferentes, desempenhando um novo papel nos processos de acumulação capitalista em escala mundial.

O Estado, anteriormente interessado em parecer neutro (11), passa a ter atribuições de poder, tendo proeminência para combater a pretensa liberdade individual, em busca do bem-estar da sociedade, e ainda, agora tornando nulos os direitos dos cidadãos desprovidos de poder econômico. Nessa nova atribuição, o Estado “[...] não é a negação de todo e qualquer reducionismo, mas sim de um reducionismo individualista que se recusa a admitir que o homem não existe senão no social” (SILVA, 1998, p. 38).

Com esse propósito, em 1918, por meio do Decreto nº 12. 893, os Patronatos Agrícolas passam a ser submetidos ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, sua principal função era a educação dos pobres, tendo fins diferenciados das instituições educacionais (OLIVEIRA, 2003).       

Podemos observar que a principal preocupação da elite com relação à infância era a de impedir a delinquência, eliminando os maus hábitos e introduzindo a Ideologia do “novo” molde republicano, eliminando o descompasso presente na educação (NASCIMENTO, 2009).

Do entendimento da elite de que as classes pobres eram insuficientes para deixar os menores longe da criminalidade, e para assegurar seu cuidado, emerge em 1919, o Decreto nº 13.076 (25 de julho), que cria um "instituto de assistência, proteção e tutela moral aos menores", utilizando o trabalho e a educação agrícola com a intenção de regenerar os desvalidos, ministrando o curso primário e o ensino profissional. Parte da renda dos trabalhos realizados na instituição eram destinadas a manutenção desta, [...]; introduz-se aqui o princípio de “industrialização das escolas”, semelhante ao das escolas industriais (NAGLE, 1976, p. 183-184).       

A necessidade emergente da crise do capitalismo, na década de 1920, trouxe o interesse pela quebra do estigma de que as escolas profissionalizantes seriam somente para os “menores abandonados” e para os “desvalidos da sorte”. Com esse intuito, em 1928, Fernando de Azevedo reformula o ensino público no Distrito Federal, modificando as finalidades do ensino técnico profissional, articulando a educação ao mundo do trabalho, desde o ensino primário, tendo como principal finalidade o ensino de ofícios para o “progresso técnico nas oficinas e nas indústrias nacionais" (CUNHA, 2005, p. 162-163).

Em 1929, a quebra da Bolsa de Nova Iorque rompeu o ciclo da exportação do café, trazendo uma grande crise para a economia agrário-exportadora, apesar da política protecionista do Estado, comprando os excedentes do produto, para elevar os preços, e destruindo um terço da produção (FURTADO, 1959, p. 209).

Para o Brasil, a principal consequência da crise norte-americana foi a queda na venda do café, uma vez que o produto era exportado principalmente para os Estados Unidos.

O café foi o responsável pelas modificações do sistema econômico e político na segunda metade do século XIX. A crise do café trouxe novas possibilidades, pois ao mudar os modos de produção, proporcionou que o capital destinado à exportação fosse utilizado para o mercado interno brasileiro, permitindo o crescimento e o vislumbrar de um sistema econômico autônomo (FURTADO, 1959, p. 34). (12)

5. Considerações finais

O desenvolvimento do Estado brasileiro e as diferentes fases experimentadas desde o Império, a partir da vinda da família real  e a instalação da República ocasionaram transformações sócio-político-econômicas que modificaram o sistema produtivo e as relações de trabalho, fazendo emergir a necessidade de se pensar o Ensino Agrícola para adequar o País ao desenvolvimento capitalista.

Em sua origem, o ensino agrícola foi pensado para os “desprovidos da sorte”, e embora marcado por antagonismos, por rupturas e continuidades teve cunho dual, sendo o principal objetivo qualificar mão de obra especializada para atender a demanda do Capital, reproduzindo as desigualdades e mantendo a hegemonia da classe dominante.

Sendo o trabalho manual historicamente visto como castigo e/ou correção, a educação para o trabalho foi destinada aos menos favorecidos por se acreditar que os manteria longe da vadiagem. Por este motivo a escola agrícola tem em sua gênese o assistencialismo de instituições privadas, tornando-se gradativamente responsabilidade do Estado.  

A crescente necessidade de acumulação do capital tornou necessário que se pensasse uma educação que obedecesse a lógica de produtividade do sistema capitalista, investindo em instrumentalizar os filhos da classe trabalhadora para o mercado tornando-o apto a obedecer às ordens de seus superiores.

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a. Possui Pós-Doutorado em História e Filosofia da Educação - UNICAMP. Docente do Programa de Pós Graduação em Educação - Mestrado e Doutorado -UEPG - E-mail: misabel@lexxa.com.br

b. Possui Mestrado em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação- UEPG. Doutoranda em Educação pela mesma instituição de ensino - E-mail: ergracino@hotmail.com

1. Sobre a escravidão é importante ressaltar que esta sempre existiu, entretanto, é um fenômeno de múltiplas mediações, pois em cada contexto social e momento histórico esta foi praticada de  maneiras e com objetivos distintos, sendo legitimada pela classe dominante, em prol de seus interesses. Cf. COSTA. (2008).
 2.  Idade média (cultivo da terra) – relações barão e servo; cidades da baixa Idade Média - relação mestre da corporação, o oficial e o jornaleiro; Século XVII – relação proprietário da manufatura e o operário manufatureiro; Século XIX (forças produtivas pouco desenvolvidas) – relação grande fabricante e proletário; 1847 - relação burgueses e proletários.
 3.  Não há como definir a data de surgimento do modo de produção capitalista, mas pautados na concepção de que as relações de produção são “produzidas no seio da velha sociedade” (MARX, 2003, p. 6), acreditamos que o capitalismo como conhecemos consolidou-se na acumulação primitiva do capital, no período feudal, sendo alimentado pelos recursos das grandes navegações, pelas explorações e pelas manufaturas oriundas dos burgos (MARX, 2008). Cf. Contribuição a Critica da Economia Política (MARX, 2003) e O Capital (MARX, 2008).
 4.  Cf. Manuscritos Econômicos de 1844 (MARX, 2004, p. 14), Ideologia Alemã (MARX; ENGELS, 2007, p. 50), O Capital (MARX, 1985, p. 20)
 5.  O autor estuda a agroindústria canavieira, e elabora o percurso das transformações, distinguindo-as em quatro fases, porém foram elencadas apenas as três que correspondem ao período deste estudo.
 6.  A abolição da escravatura no Brasil foi um processo. Sobre isso, Nascimento (2005) pondera que devido ao interesse do capitalista em manter o capital, a abolição precisava esperar até que fosse possível a “redução da dependência da mão-de-obra escrava, enquanto se preparava a reposição da força de trabalho pela imigração de trabalhadores europeus” (trataremos desse assunto posteriormente). Embora o escravo fosse o principal “instrumento de produção”, a insuficiência de conhecimento sobre os métodos mais avançados de cultivo da terra, eram consideradas causas do atraso na produção agrícola brasileira.
 7.  Rio de Janeiro – 1858 (Sociedade Propagadora das Belas Artes), Salvador – 1872 (Sociedade de Artes e Ofícios), Recife -1880 (Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais), São Paulo -1882 (Sociedade Promotora da Instrução Popular), Maceió - 1884 e Ouro Preto – 1886 (Sociedade Artística Ouro Pretana). (CUNHA, 2000b, p. 122)
 8.  Para alguns historiadores a Proclamação da República foi um Golpe forjado por alguns militares e civis que “converteram uma passeata militar num golpe contra o governo”. Outros acreditam que a República foi “a conseqüência natural dos vícios do antigo regime”, que perdeu o prestígio dentro da própria Monarquia (COSTA, 1999, p. 447-448).
 9.  De acordo com Hobsbawm, os movimentos nacionalistas passam por três fases: A primeira fase, denominada por ele de “fase A”, de caráter cultural, literário e folclórico, deu-se no século XIX, na Europa, esta não sem consequências políticas particulares, ou nacionais. A “fase B”, marca o início das campanhas políticas de pioneiros e militantes, em prol da “idéia nacional”. A “fase C”, é a fase de “sustentação de massa”, ou seja, quando os programas nacionalistas adquirem apoio daqueles a quem se propõe representar (HOBSBAWM, 1998).
 10. O acordo levou esse nome por ter sido assinado por Jaimes Blaine, secretário de Estado Norte-Americano e pelo ministro brasileiro em Washington, Salvador de Mendonça.
 11. Conforme Silva (1998, p. 37): “O Estado intervencionista não se constitui um fenômeno histórico recente, eis que desde sempre houve formas de intervenção por parte do Estado, inclusive na órbita da economia e na órbita social, muito embora quantitativa e qualitativamente diferentes.”
12. Cf. Prado Junior (1981. p. 217).


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 39 (Nº 10) Ano 2018

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