Vol. 38 (Nº 41) Año 2017. Pág. 3
André Luis Rabelo CARDOSO 1
Recibido: 31/03/2017 • Aprobado: 13/04/2017
2. A Política Pública e a Burocracia
3. A descoberta da implementação e do valor da discricionariedade
4. Outros modelos de gestão e a permanente desconsideração da natureza Política da Política Pública
RESUMO: Este ensaio objetiva fazer uma reflexão sobre Políticas Públicas e modelos de Administração Estatal, ressaltando a ‘descoberta’ da discricionariedade na ação do implementador e seu papel na dinâmica da política, além do impacto que ela provoca nesses modelos de gestão. A metodologia utilizada foi uma revisão teórica. Como resultado, observou-se que, embora se note diversos movimentos no sentido de reformar os Estados, a lógica que subjaz as propostas de mudança ainda não se alterou. Isto porque as bases principiológicas desses modelos são praticamente as mesmas do modelo Burocrático. |
ABSTRACT: This essay aims at reflecting on Public Policies and State Administration models, highlighting the 'discovery' of the discretion in the action of the implementer and its role in the dynamics of politics, in addition to the impact that it causes in these management models. The methodology used was a theoretical revision. As a result, it was noted that, while there are a number of movements in the direction of reforming States, the logic underlying the proposals for change has not changed. This is because the fundamentals of these models are practically the same as those of the bureaucratic model. |
Este ensaio tem como objetivo contribuir para o debate sobre as Políticas Públicas e o modelo de Administração Pública vigente, ressaltando o papel que a discricionariedade do burocrata de nível de rua possui na dinâmica da implementação da política, e o impacto que essa discricionariedade provoca nesses modelos de gestão estatal.
Fato que suscita a necessidade de repensar o modelo de Administração Pública vigente e suas variações, levando em consideração essa nova perspectiva de enxergar a implementação da política pública: a partir da possibilidade de sua reformulação na fase de implementação.
Para isso, este ensaio traz a baila à lógica de funcionamento do modelo burocrático e dos modelos pós-burocráticos de gestão estatal; como se deu a ‘descoberta’ da fase de implementação de política pública e da valoração da discricionariedade na ação do colaborador de linha de frente; e como os modelos de gestão estatal, até então vigentes, não contemplam essa discricionariedade como forma de ação, buscando sempre mitigá-la.
Acresece-se que, pela própria complexidade do tema em questão, não se pretendeu exaurí-lo por completo, mas apenas percorrer alguns dos pontos de maior pertinencia, porém numa tentativa de oferecer uma perspectiva distinta e complementar a visão corrente.
É inegável o crescimento recente do campo de Políticas Públicas no Brasil, não mais refletindo a tamanha fragmentação organizacional e temática outrora vivenciada (FARIA, 2011; CORTES e LIMA, 2012; SOUZA, 2006a).
Entretanto, foi na década de 1950, principalmente com os estudos de Lasswell (1951), nos Estados Unidos, que esse campo de estudo ganhou contornos próprios, tornando-se unidade de análise de estudo (SOUZA, 2006; HEIDEMANN, 2014). Visto que até então, era encarado como subárea da Ciência Política, ou como output dos sistemas políticos (FARIA, 2003).
De forma sucinta, o conceito de ‘Política Pública’ possui várias definições difundidas, as mais utilizadas consiste em “uma alocação de valores por uma autoridade pública para toda sociedade” (EASTON, 1953, p.123), ou, “tudo que os governos escolhem fazer ou deixar de fazer” (DYE, 1972, p.2). Ou, enquanto campo de conhecimento, defini-se como o que busca “colocar o Governo em ação” e “analisar esta ação” (SOUZA, 2006b, p. 26).
Posteriormente a este momento, gradualmente, os olhares dos pesquisadores se deslocaram do campo de estudo para os aspectos dinâmicos do processo de política pública (FARIA, 2003). Ganhando destaque o ciclo de política pública (policy cycle), que se mostra como um “esquema de visualização e interpretação que organiza a lógica das Políticas Públicas em fases sequenciais e interdependentes” (SECCHI, 2015, p.43), quais sejam: formulação, implementação e avaliação (FREY, 2000; MULLER & SUREL, 2002; SECCHI, 2015; HOWLETT et al., 2013).
Cabe salientar que esta forma de análise do processo, apesar de muito útil, raramente reflete a real dinâmica da vida de uma política pública, é o que sustenta autores, como, por exemplo, Wildavsky (1979), o qual defende que, em determinados contextos, o problema está mais relacionado ao fim do processo do que ao início; ou Mazmanian e Sabatier (1983), que evidencia que muitas vezes o processo de formação de uma política pública se dá a partir da interação das três fases; ou Cohen, March e Olsen (1972), os quais propuseram o modelo de análise da Lata de Lixo, em que descrevem que soluções muitas vezes nascem antes da existência do próprio problema.
Certo é que muitas vezes a lógica das políticas públicas não são tão retilíneas, e que as fronteiras entre as fases não são tão nítidas quanto propõe o esquema de análise (SECCHI, 2015). Ao que Heidemann (2014) redefine como sendo um processo dinâmico e resultante de diversas decisões inter-relacionadas, tomadas por diferentes atores, em diferentes momentos, que, cumulativamente, contribuem para o efeito ou impacto final.
Entretanto, para fins didáticos, e, de forma simplificada, entende-se como ‘formulação’ o processo de levantamento do problema e de soluções a eles, além da criação de planos de ação. A ‘avaliação’, como a fase da “interrogação sobre o impacto da política” (LIMA e D’ASCENZI, 2013, p.101). E a ‘implementação’, a fase que sucede a formulação e antecede a avaliação (SECCHI, 2015). É, ainda, a fase em que as regras, rotinas, e processos sociais são convertidos de intenções em ações (O’TOOLE JR., 2003).
Ressalta-se que para a existência de uma política, ou seja, a fase de transição da intenção de uma política (formulação) para sua real materialização (implementação), há que se “alocar fundos, designar pessoas e desenvolver regras de como proceder” (HOWLETT et al., 2013, p.179). Em outras palavras, a execução da Política Pública perpassa pela Burocracia Estatal, meio mais consagrado e eficiente de produção de bem público (SALM, 2014).
Neste sentido, explora-se a lógica dessa estrutura estatal mais detidamente.
O modelo Burocratico surge no fim do século XIX, no auge do Estado Liberal e durante as mudanças provocadas pela Revolução Industrial, quando Max Weber, analisando as estruturas das igrejas e do exército, introduziu estudos que mudariam toda a Ciência da Administração pelos séculos seguintes (TRAGTENBERG, 1992).
Os seus modelos básicos, denominados “tipos de dominação pura”, foram:
Para Weber, a burocracia seria uma forma superior de dominação, um tipo ideal de dominação racional legal, a qual, ao ser implementada, proporcionaria a máxima eficiência à organização (WEBER, 2000; LANE, 1993). Isto porque ela seria calcada na precisão, continuidade, disciplina, rigor, confiabilidade, de forma que levaria a organização à alcançar o máximo de rendimento técnico. O modelo burocratico significaria, ainda, a dominação em virtude do conhecimento e da racionalidade (MEDEIROS, 2006).
Nele, a racionalidade, além de ponto-chave (TRAGTENBERG, 1992), teria um aspecto ‘calculista’, em razão de prezar pela escolha de uma forma de ação em lugar de outra (GUERREIRO RAMOS, 1989), ou, um sistema em cuja a divisão de trabalho dar-se-ia racionalmente com vista a determinados fins (MEDEIROS, 2006).
Com seus atributos, o modelo se propunha a reger os agrupamentos sociais, controlando o poder dentro dele, utilizando-se de regras de funcionamento, estatutos, hierárquia, formalidades, impessoalidade, divisão do trabalho e a seleção de pessoal com base em qualificações técnicas.
Todo este aparato seriam capazes de garantir a não-influência de interesses políticos e compromissos particulares na estrutura administrativa, protegendo, por fim, a propriedade organizacional dos interesses particulares. A Administração Pública, portanto, deixava de ser pessoal para se tornar estatal (ARAGÂO, 1997).
A partir daí, as organizações de todo mundo passam a utilizar, sobremaneira, desse modelo, no intuito de conter o patrimonialismo cultural vigente, além de permitir maior eficiência administrativa em suas estruturas (FERREIRA, 1996; ARAGÂO, 1997).
Entretanto, uma das consequências direta do modelo proposto por Weber consistia na separacão total da política da estrutura administrativa organizacional (MINOGUE et al., 1998; WALDO, 1971). O que alinhava seu modelo aos pressupostos defendidos por Woodrow Wilson (1887) e Frank Goodnow (1900) (fundadores da Administração Pública), os quais também defendiam uma separação total entre Administração Pública e Política.
Aragâo (1997, p.109) complementa, ao afirmar que “as caracterísitcas típicas do líder político eram opostas às do Burocrata, o qual deveria privilegiar seu dever de ofício”. Assim, “os burocratas de Weber estavam envolvidos apenas na execução de suas atribuições e na contribuição ao cumprimento das metas do aparelho como um todo” (EVANS, 1993, p.115).
Note-se que este modelo em questão materializava a perspectiva do papel que a Administração Pública possuía naquele momento, a qual derivava da tradicional Teória Geral das Organizações, e propunha que a Administração Pública buscasse, primordialmente, a obtenção de eficiência em suas estruturas administrativas.
E para que isso fosse factível, era necessário que, na Administração Pública, o ‘fazer’ deveria ser guiado pela ciência e coordenado pelo poder Executivo, distinguindo-se de ‘o que fazer’ que deveria ser decidido pela esfera da política (HENRY, 1975). Lotta (2012, p. 23) complementa, ao afirmar que, nesse modelo estatal, “a cadeia de responsabilização é bem clara: o burocrata responde ao político que, por sua vez, responde a sociedade”. Dissociando o executar completamente dos direcionamentos ou processos decisórios próprios da elaboração da política pública (FARAH, 2011; WALDO, 2012).
Mintzberg (1984, p.357), por outro lado, ao conceituar o modelo burocratico Weberiano, tratá-o por “Burocracia Maquinal”, explicitando como este corpo de recursos organizados deveria trabalhar neste modelo – materializando as políticas públicas decididas nas instancias políticas superiores, sem inserir juizos de valor ou direcionamentos quaisquer no processo.
Em razão dessa alta previsibilidade dada ao aparato estatal, vigorava, até então, uma visão, por certo inconsciente, de que as decisões políticas teriam execução imediata, tão logo fossem oficialmente publicadas (HEIDEMANN, 2014; HILL e HAM, 1993; BARRETT, 2004), visto que a máquina burocrática se incumbiria de executá-la, e que os “detalhes práticos de implementação caberiam aos administradores” (GUNN, 1978, p.1).
Porém, na década de 70, buscando entender por que e como aconteciam falhas de implementação, Pressman e Wildavisk (1973) publicaram um livro com o nome: “Implementação: como grandes expectativas em Washington são frustradas em Oakland” (tradução própria), em que ressaltava os diversos elementos políticos que frustravam a execução das políticas públicas, e da necessidade de alto grau de cooperação entre os atores da cadeia implementadora para obtenção do resultado pretendido. Segundo eles, pequenos déficits de implementação se acumularia e levaria a grandes fracassos.
Essa “descoberta” da implementação, foi posteriormente denominada de o “elo perdido” por Hargrove (1975), ou seja, encontraram na implementação uma fase até então pouco explorada e fundamental para que os problemas de ordem coletiva fossem solucionados.
Este pontapé inicial teve como consequência o surgimento de uma corrente de trabalhos com foco nos ‘problemas de implementação’, principalmente, pelo uso do método de estudos de caso. Note-se que o pressuposto de existir problemas na política pública advinha da expectativa que se criavam em torno dos resultados que plano normativo dela iria proporcionar (LIMA e D’ASCENZI, 2013). E como “a própria definição do problema influencia e molda à forma de análise” (LIMA e D’ASCENZI, 2013, p. 102). Naturalmente os trabalhos possuíam essa mesma característica, qual seja, explicavam os problemas a partir de uma perspectiva sequencial de processo.
Entretanto, à medida que o foco foi voltando para a efetividade das políticas públicas, gradativamente, novas abordagens foram surgindo, e passaram a desafiar a visão tradicional, centrada em processos hierárquicos. Sugerindo, assim, que a implementação fosse mais dinâmica e resultado da interação entre os diversos atores e fases do policy cycle (LOTTA, 2014).
Essas novas interpretações passaram a levar em consideração os fatores que ocorriam na base, tal quais, os contextos que influenciavam o processo, pressões ambientais, fatores pessoais do implementador, enfim, fatores que antes não eram considerados pela visão tradicional.
Com base nesses dois modos distintos de interpretar o processo, a academia instituiu dois modelos de análise de implementação: Top-Down e Bottom-Up (BARRETT, 2004; SABATIER, 1986).
No modelo Top-Down a política pública deveria ser executada de acordo com o planejado pelos políticos, nas instancias superiores, sem que coubessem aos implementadores qualquer tipo de modificação. Este modelo reflete-se nas estruturas tradicionais de governança, focando no controle e na hierarquia. Nele a política é feita no topo e executada por agentes, de acordo com os objetivos nela definidos (LOTTA, 2014). A implementação é, portanto, visto como consequência do processo que lhe originou (LIMA e D’ASCENZI, 2013).
Subjaz nesse modelo uma interpretação da política pública feita de forma sequencial, em que cada etapa é guiada por lógicas diferentes (LIMA e D’ASCENZI, 2013) e com características definidas, além de uma visão, inconsciente por certo, de que “os formuladores controlam todos os processos organizacionais, políticos e tecnológicos que condicionam a implementação” (ELMORE, 1996, p.254).
Por outro lado, no modelo Bottom-Up, destacam-se o papel dos implementadores, visto que são eles que põem a política pública efetivamente em prática. Responsabilizando-se pela sua operacionalização e materialização. Assim, são estes burocratas de nível de rua quem determinam o acesso, os direitos e quais benefícios esta população poderá usufruir. São eles, em outras palavras, os mediadores da relação entre o Estado e seus cidadãos (LOTTA, 2014).
Nessa perspectiva de análise, destacam-se os trabalhos de Lipsky (1980), o qual explorou, de forma pioneira, como os burocratas de nível de rua são forçados a tomarem decisões em situações em que a normativa das políticas públicas são vagas, conflituosas, sem diretrizes claras ou guias práticos. Nesse sentido, na medida em que as decisões são vagas, os implementadores acabam tendo espaço para decidir o caso concreto, pois são pressionados pela população a responderem às demandas.
Percebe-se, neste contexto, que, pelo fato de o resultado final da política ser o resultado de uma cadeia de decisões inter-relacionadas. Uma decisão em sentido diferente do planejado na estrutura normativa da política, possivelmente alterará o resultado final obtido, alterando, deste modo, o conteúdo da própria política em si. Em razão disso, o resultado da implementação, pode não possuir vínculos significativos com a política pública inicialmente formulada.
Assim, a partir da autonomia de ação do burocrata de nível de rua, ou, em outras palavras, da discricionariedade de sua ação, descobre-se que a política pública não é elaborada apenas na fase de Formulação, mas continua sendo reformulada e alterada por todos os envolvidos, também na fase de implementação, adaptando-se.
Nessa perspectiva, a implementação torna-se um processo autônomo, nem sempre possuindo relação direta com o conteúdo das decisões políticas que configuraram determinada política pública, e os resultados alcançados, após a implementação, podem ser completamente diferentes do objetivado inicialmente (MENICUCCI, 2014). O que não necessariamente pode significar algo negativo.
Note-se que é a discricionariedade do implementador quem determina “a natureza, a quantidade, a qualidade dos benefícios e as sanções fornecidas por sua agência” (LOTTA, 2014, p.191). Visto de outra forma, é seu exercício, na ação do burocrata de nível de rua, que vai moldar a ação do Estado (LOTTA, 2012).
É oportuno explicitar que, neste processo, não há como impor juízo de valor, de antemão, sobre a discricionariedade dos implementadores, pois, em certa medida, ela pode ser encarada como um mecanismo adaptativo. Desta forma, em determinadas situações, ela pode até ser desejável, pois esta discricionariedade pode adaptar a política as reais necessidades locais (O’BRIEN e LI, 1999). Posto estarem os implementadores inseridos na realidade, e, muitas vezes, possuírem mais conhecimento dos problemas locais, habilidades práticas e proximidade das tarefas e das pessoas que demanda a ação estatal.
Em suma, todo esse dilema, sugere um paradoxo existente entre o modelo de gestão pública burocrático e a atuação da própria burocracia, pois mesmo estando o trabalho dos burocratas de nível de rua extremamente saturado de regras, estas não são suficientes pra limitar a discricionariedade (MAYNARD-MOODY e MUSHENO, 2003). Quanto a elas, Lotta (2012) explana que, muitas vezes, as regras podem facilitar o trabalho do implementador, como também pode atrapalhar. Meyers e Vorsanger (2010) complementa que à medida que a complexidade do processo aumenta, também aumenta a necessidade de decisões discricionárias por parte do implementador. E que “a criação de regras e procedimentos muitas vezes gera efeitos contrários e força os burocratas a selecionarem a melhor regra a ser aplicada” (MEYERS e VORSANGER, 2010, p.254).
Com isso, passa-se a não mais discutir a existência ou não da discricionariedade na ação da burocracia de nível de rua, mas como isso ocorre e quais os impactos para as políticas públicas (LIMA et al.,2014).
Ao longo dos anos, a prática das políticas públicas revelou que a dicotomização entre burocracia e política não era tão clara e nítida como supunha Weber. Posto que o comportamento da burocracia se aproxima ao que Aberbach, Rockman e Putnam (1981) conceituaram como “politização da Burocracia”, ou seja, a burocracia tomando decisões não apenas de caráter técnico, como o modelo Weberiano clássico propunha, mas também decisões imbuídas de margens de negociação, busca de consensos e articulação de interesses difusos, ou seja, decisões de natureza política.
Esta aparente inadequação do modelo burocrático típico para atender a realidade recente, somado-se a outros fatores conjunturais (principalmente a crise econômica mundial, crise fiscal dos Estados, crise de governabilidade, emergência da globalização e inovações tecnológicas), forçou diversos Estados a repensarem seu papel na sociedade e seus modelos de gestão Estatal.
Assim, surge, nas últimas três décadas, uma tendência, de nível mundial, de inserir nos Estados o modelo de Administração Pública do tipo Gerencial (KETTL, 2005), ou seja, o gerencialismo. Este novo modelo, inspirados na iniciativa privada, propunha conceitos até então novos de gestão pública, tais quais, administração por objetivo, downsizing, serviços orientados ao cliente, empowerment, pagamento por desempenho, qualidade total, descentralização. Além de ferramentas como a terceirização, privatização, delegação de atividades, concessão de serviços públicos ao setor privado, contratos com características especiais, agencias reguladoras, parceria público privada (MATIAS-PEREIRA, 2014).
A nomenclatura utilizada para designar esta nova forma de gerir a coisa pública variou de país para país, a maioria chamaram-na de New Public Management, outros de Governo Empreendedor, cada qual enfatizando o uso de ferramentas distintas, mas sempre ressaltando os valores de eficiência, eficácia e competitividade.
Um segundo movimento, mais recente, denominado de Governança Pública, pretendeu alterar a forma como o Estado se relaciona com atores públicos e privados no processo de elaboração de Políticas Públicas (RICHARDS e SMITH, 2002). Reforçando conceitos de colaboração horizontal, accountability, democracia e responsividade (SECCHI, 2009).
Entretanto, após analisar estes modelos pós-burocráticos, três conclusões podem ser realizadas. Primeiro, nota-se que, embora sejam bastante distintas do modelo burocrático, nenhum desses novos modelos propostos nega a base racional legal como fundamento de agir do Estado. Assim, a forma processual legal continua a amparar a implementação de política pública em praticamente todos os casos (WU et al., 2014). Permanecendo a concepção de conhecimento pleno, por parte do político, quando da formulação da política.
Segundo, o quesito ‘distinção entre política e administração’ parece sofrer uma pequena evolução, visto que o modelo gerencial tenta unir a ação dos dois atores, ate então polarizada (SECCHI, 2009); já a Governança Pública avança um pouco mais, chamando a comunidade à participação, numa tentativa de conferir legitimidade popular na ação do implementador. Todavia, a Governança Pública mesmo intentando fazer um resgate da política dentro da Administração Pública, o faz diminuindo a importância de critérios técnicos (SECCHI, 2009).
O terceiro ponto que merece destaque refere-se à relação do modelo com a discricionariedade administrativa. Neste ponto o modelo gerencial proporciona ao gestor maior autonomia operacional, deixando-o gerir. Entretanto, todos os modelos possuem uma tentativa de redução da discricionariedade da ação do burocrata de linha de frente. Encarando-a como um resíduo não desejável. Para tanto, utilizam-se de mecanismos mais elaborados de enforcement do que o modelo burocrático tradicional propunha. Além de tentar responsabilizar os políticos também pelos resultados da implementação.
De forma sucinta, nota-se que as alterações não foram grandes e proporcionais ao tamanho das contradições existentes. Ao que Leonardo Secchi (2009) considera apenas como uma suavização das contradições.
Ademais, estes novos modelos não são modelos de ruptura, mas se mostram apenas como pequenos aspectos incrementais de mudanças nas organizações, e que não se trata de substituição total dos modelos anteriores, mas de uma evolução cumulativa de mudanças nas práticas e valores (SECCHI, 2009). Heidemann (2014) complementa ao afirmar que a dimensão política da administração pública foi a mais desatendida em todo esse processo de reforma do Estado.
Percebe-se que embora o modelo burocrático tenha sofrido alterações, estas não foram significativas o suficiente para englobar a lógica de que “a implementação também é política” (WU et al., 2014, p.98).
Assim, permanece a necessidade de que para compreender a ação efetiva do Estado há que se entender a ação do implementador (LOTTA, 2012). E mais, convergi-la. Evidenciando a necessidade de um novo paradigma administrativo para controlar ou potencializar essa nova lógica e que seja capaz de transmitir o significado das políticas aos colaboradores, além de construir links de sinergia e legitimidade com a população.
Tentou-se até aqui demonstrar como a lógica dos modelos de gestão pública tradicionais tem se mostrado incapazes de abarcar uma gama de ações na implementação das políticas pública.
Nessa perspectiva, embora se note diversos movimentos no sentido de reformar os Estados, a lógica que subjaz as propostas de mudança ainda não se alterou. Isto porque as bases dos novos modelos administrativos propostos são praticamente as mesmas do modelo Burocrático: (1) base racional-legal; e, como consequência, (2) separação total da ‘política’ da ‘execução da política’, quesito em que teve uma pequena evolução com as reformas; (3) tentativa de minimizar e controlar ao máximo a discricionariedade dos implementadores.
Deste modo, a diversificação e complexificação na natureza dos processos de política pública, marcados por interações não sequenciais, não hierárquicas, não formalizadas e permeadas por participação de novos atores, acabam fugindo do modus operandi dos modelos de gestão pública, resultando em menor eficiência da ação pública e impactando até na legitimidade democrática do próprio Estado, pois muitas vezes a política implementada pode não condizer com o plano de política definido pelos políticos eleitos pelos cidadãos.
Fato que põe em cheque os modelos de gestão pública atual e suas variações, e incita a reflexão sobre alternativas capazes de solucionar este problema.
Lembrando que essa nova lógica de ação estatal deve conseguir convergir a ação dos atores implementadores em torno dos objetivos da mesma política e, principalmente, conseguir o suporte político pelos cidadãos afetados por ela. Talvez ai esteja o segredo para conseguir uma política pública de sucesso em tempos de fronteiras organizacionais e institucionais incertas. Acresce-se que, nessa nova forma de análise, o padrão de sucesso pode até tornar-se condicional, desde que o resultado tenha legitimidade popular e reflita o interesse público.
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1. Doutorando em Política Pública pela UFRGS, Mestre em Gestão Pública pela UnB, Especialista em Contabilidade pela FiJ, graduado em Administração pela Unimontes. Atualmente é administrador do IFNMG, onde ocupa o cargo de Reitor Substituto. Email: Andreluis.mg@hotmail.com