ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 35) Año 2017. Pág. 26

Transição Agroecológica em meios de vida: Conhecimentos e praxis de educandos das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs)

Agroecological transition on livelihoods: Knowledge and praxis of learners from the Agricultural Family Schools (EFAs)

Jaqueline Rocha OLIVEIRA 1; Maria Izabel Vieira BOTELHO 2

Recibido: 25/04/2017 • Aprobado: 28/05/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados: Possibilidades e desafios da prática agroecológica

4. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

O conhecimento agroecológico é uma proposta da educação do campo. As Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) Puris de Araponga e Serra do Brigadeiro, MG, Brasil, protagonizam esses conhecimentos através da pedagogia da alternância. Nesse trabalho, busca-se uma compreensão das possibilidades para que essa proposta agroecológica torne-se práxis nos meios de vidas dos estudantes. Utilizou-se de observação e entrevistas com os estudantes das EFAs e suas famílias. Compreende-se que são vários os gargalos a serem superados: desde o acesso a terra até a hierarquia familiar.
Palavras chave agroecología , pedagogía da alternancia, meios de vida, gênero

ABSTRACT:

The agroecological knowledge is a proposal of the education of the field. The Agricultural Family Schools (EFAs) Puris of Araponga and Serra do Brigadeiro, MG, Brazil, carry out this knowledge through the pedagogy of alternation. In this work, we seek an understanding of the possibilities for this agro-ecological proposal to become praxis in the means of the students' lives. We used observation and interviews with students from EFAs and their families. It is understood that there are several bottlenecks to be overcome: from access to land to the family hierarchy.
Keywords Agroecology, pedagogy of alternation, livelihoods, gender

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1. Introdução

O conhecimento agroecológico é construído em diversos contextos sociais e envolve, principalmente, agricultores (as) camponeses, organizações e movimentos sociais, que buscam alternativas produtivas ao modelo agrícola dominante baseado no aumento de produtividade voltado, essencialmente, para a exportação, no uso de insumos industrializados propagados pela Revolução Verde. Uma das conquistas dos movimentos sociais do campo foi a criação de algumas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) que propõem  a Educação do Campo que prioriza conhecimentos e práticas agroecológicos, por meio do  uso da Pedagogia da Alternância como metodologia educativa.

Embora a Agroecologia tenha apenas recentemente sido considerada ciência, movimento social e prática, pode-se afirmar que, em diversos países, ela se encontra em diferentes estágios. Segundo Villar et. al, (2012) & Wezel et. al, (2009) no Brasil, enquanto movimento, a Agroecologia concretiza-se a partir do questionamento do padrão industrial da agricultura difundido pela Revolução Verde e dos impactos sociais, econômicos e ambientais decorrentes dessa forma de agricultura, sobretudo após a década de 1970. Considera-se que no Brasil, a Agroecologia é abordada como prática, ciência e movimento social.

Algumas correntes teóricas concebem a Agroecologia como um novo paradigma em que a sustentabilidade ambiental, a relação homem-natureza, e a compreensão sociocultural são princípios fundamentais, conforme afirma Brandenburg (2002). Outras abordagens, como Leff (2002), enfatizam os princípios de igualdade entre o conhecimento científico e os saberes locais, provenientes dos agricultores, o equilíbrio ecológico e, consequentemente, a segurança alimentar. Autores como Altieri (2004) destacam que além de restaurar a saúde ecológica (a vegetação, os animais, os solos, e ainda a biodiversidade agrícola), a Agroecologia busca a sustentabilidade por meio da preservação da diversidade cultural. Ademais, o mesmo autor enfatiza a dimensão multidisciplinar da Agroecologia. Já autores, como Caporal (2004,) enfatizam a Agroecologia a partir das suas dimensões científica, sistêmica e interdisciplinar visando a transição produtiva de um modelo agrícola convencional para uma agricultura mais sustentável, com a utilização de tecnologias de base agroecológica e integração do conhecimento local e conhecimento científico.

Sevilla Guzmán (2002) também trata da epistemologia da Agroecologia, enquanto ciência. Contudo, o autor ressalta que a Agroecologia também possui um caráter sociológico, já que ela se apoia na ação coletiva de setores da sociedade que se relacionam com manejos de recursos naturais. O autor sistematiza o enfoque agroecológico nas perspectivas produtivas, do desenvolvimento e dos movimentos sociais. 

Pode-se afirmar que a Agroecologia é considerada uma construção social que tem envolvido movimentos sociais, pesquisadores de diferentes instituições e áreas de atuações, como universidades, centros de pesquisa governamentais, ONG’s, entidades de representação dos agricultores, como os sindicatos, etc. Ações propostas pelo conjunto destes diferentes atores sociais têm possibilitado a transição agroecológica, em diferentes regiões do Brasil. Desse modo, a transição agroecológica pode ser compreendida como um processo decorrente de ações de intervenção com vistas a promover o desenvolvimento rural e a gerar novos padrões de produção e consumo mais sustentáveis (SCHMITT, 2013).  Ademais, a transição agroecológica  implica em mudanças de atitudes dos atores sociais em relação aos manejos produtivos, mas também volta-se para as dimensões econômicas, ambientais, culturais, políticas, éticas e de sustentabilidade (CAPORAL, 2004).

Norder e Ventura (2016) analisam a transição agroecológica a partir das diversas iniciativas voltadas para a ecologização da agricultura por meio das ações de atores locais associados a processos agronômicos de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). Assim, em seus estudos de casos, verificam indicadores de transição agroecológica, conforme o enfoque regional/territorial baseados no Indicater, um sistema de avaliação e monitoramento específico para os serviços de Extensão Rural, criado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2014. Os indicadores analisados foram: Atendimento técnico individual; Atendimento técnico coletivo; Criar opções para produção; Fomentar reuniões; Diagnóstico e Planejamento participativo; Dias de campo, visitas técnicas; Distribuição de publicações; Ações para agricultura ecológica; Acesso das mulheres à Ater; Acesso de jovens à ATER. A avaliação de alguns indicadores em assentamentos rurais no Pontal do Paranapanema (SP) e no Norte do Paraná (PR), apontam para a necessidade de formulação de políticas públicas com mais qualidade para os serviços de ATER, na transição agroecológica.

Autores como Ika Darnhofer (2015) analisam estudos de caso regionais que acompanham a transição para sistemas agrícolas  mais sustentáveis, a partir dos nichos envoltos em redes sociais e que tendem a transformar os regimes dominantes por meio  das mudanças técnicas, institucionais e estruturais, mas também a nível cultural e de novos valores. Igualmente, Geels e Schot (2007) contribuem para o debate sobre a transição de tecnologias, criticando a perspectiva de níveis de transição que consideram apenas os fatores estruturais, já que os processos são resultados de eventos e da ação de atores situados, em interações entre nichos, regimes e paisagens. Os mesmos autores acrescentam ainda uma tipologia de quatro caminhos de transição: a transformação, reconfiguração, substituição tecnológica, e de alinhamento de e realinhamento. Em relação à transição agroecológica, Schmitt (2013)também ressalta as abordagens que buscam um enfoque mais “processual”, que se difere do enfoque “estrutural”, o qual distancia processos sociais e processos ecológicos. A autora insere-se em um debate mais ampliado em relação ao campesinato, agricultura familiar e desenvolvimento rural e define a transição agroecológica da seguinte forma:

Entende-se, aqui, que a transição para a agroecologia implica na reapropriação e/ou fortalecimento da capacidade de gestão, individual ou coletiva, dos camponeses e agricultores familiares sobre os recursos naturais que servem de base à sua reprodução econômica e social, envolvendo, muito frequentemente, reestruturações importantes nos vínculos estabelecidos com os diferentes agentes sociais com os quais mantinham relações na fase anterior ao seu engajamento nas chamadas “redes da agroecologia”. A Sustentabilidade dessa nova forma de “fazer agricultura” não depende apenas da preservação dos recursos naturais utilizados no processo produtivo, mas do fortalecimento de novas redes de relações, que desempenham um papel importante na sustentabilidade social e econômica desse novo modo de vida (SCHMITT, 2013, p.12).

Dessa forma, Schmitt (2013) ressalta que a transição agroecológica não deve ser  uma intervenção planejada, mas sim uma construção social. Assim, o processo de transição agroecológica ocorre por meio da intervenção de vários atores que visam promover o desenvolvimento rural sustentável e gerar formas de produção e de consumo que visem à segurança e a soberania alimentar. Nesse sentido, a Agroecologia tem se tornado prática social relacionada à inserção de manejos agrícolas e de criação animal que têm transformado os meios de vida dos agricultores, sobretudo de parte daqueles que têm pouca terra e que utilizam a capacidade de trabalho dos membros familiares.

Nesse sentido, o conhecimento gerado a partir desta construção social, que envolve reflexões e práticas sociais de diferentes atores, pode ser considerado algo novo, pois articula diferentes olhares e saberes dos diversos setores sociais envolvidos. Assim, as técnicas e os conhecimentos coexistem em um dado contexto social. Conforme Milton Santos (2006) “Nenhuma técnica é apenas materialidade técnica: a técnica é também social. E sobretudo nos dias de hoje, neste período técnico-científico da história, nada é puramente social, mas também é igualmente técnico. Enfim, tudo é híbrido, misto”.

A Agroecologia, assim compreendida, se torna prática impressa tanto nos manejos agrícolas e de criação animal, quanto ao nível do pensamento e compreensões de mundo que envolve as escolhas das famílias. Por ser uma novidade, existe um contínuo esforço por parte dos diferentes setores sociais participantes desta construção em promover esta reflexão em diversos espaços sociais, como em certos espaços educacionais, lugares de exercício de um aprendizado permanente que envolve conhecimento e práxis (reflexão - ação) (FREIRE, 2010).

 Um ambiente escolar no qual se pode observar este processo são algumas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs). Em geral, as EFAs buscam incluir nos programas curriculares o conhecimento agroecológico, presente tanto nos ensinamentos, diretamente relacionados com os conteúdos analíticos das disciplinas, como nas práticas de manejo, dentro e fora da escola. Dessa maneira, as EFAs também almejam mudanças na realidade com vistas ao desenvolvimento local, sendo este um de seus pilares.

A metodologia das EFAs é a Pedagogia da Alternância. Por meio da alternância dos estudantes entre o tempo escolar, no qual acontece a formação integral (humana, técnica, filosófica, cultural, de conteúdos escolares e etc.), e o tempo sociofamiliar quando os estudantes retornam às comunidades e às famílias para refletirem, pesquisarem e atuarem de forma prática.

Apesar de a Agroecologia ser parte inerente da vida de alguns agricultores da região onde se localizam estas EFAs e os estudantes, apenas parte destes são provenientes destas famílias. Assim, as novidades e saberes adquiridos no espaço escolar e que têm por objetivo serem inseridos na vida cotidiana das famílias, no tempo sociofamiliar e no meio socioprofissional, podem encontrar dificuldades de aceitação e de utilização, por diferentes motivos. Assim, brevemente colocado, surge a indagação sobre as possibilidades e os limites da Agroecologia, enquanto novidade construída socialmente, que envolve estudante-escola-família, mas também outros setores sociais.

Nessa perspectiva, aponta-se os seguintes questionamentos: o conhecimento agroecológico construído na escola torna-se práxis (reflexão e ação) nas unidades produtivas familiares? Quais são os fatores que possibilitam e/ ou limitam a adoção das práticas agroecológicas fora dos espaços escolares? A partir destas questões busca-se compreender como a adoção ou não destas práticas alteram os meios de vida das famílias e o redesenho das paisagens das unidades produtivas, decorrente dos manejos agroecológicos que são diferenciados. Além disto, a apreensão dos princípios agroecológicos, propostos pela escola, podem moldar a compreensão do mundo dos estudantes para além das práticas e manejos com relação às unidades produtivas de forma a possibilitar, assim, a constituição de novos sujeitos  inseridos também em outros espaços sociais.

Em suma, esse propósito investigativo visou estabelecer um paralelo entre estudantes da EFA Puris e EFA Serra do Brigadeiro e as práticas construídas no tempo comunidade, as quais podem ser reveladas nos conhecimentos e nas paisagens rurais das unidades de produção. Vale ressaltar que esta abordagem reflexiva parece ser original em relação às EFAs da região em questão e também em relação aos estudos relacionados a essa metodologia educativa, já que são poucos os estudos que tratam do conhecimento agroecológico no tempo sociofamiliar.

1.1. A agroecologia e os meios de vida

Partiu-se do pressuposto de que os conhecimentos e valores adquiridos  pelos estudantes no espaço escolar pode ser transformado em prática impressa nos manejos tanto nas escolas quanto e, principalmente, nas unidades produtivas das famílias ou mesmo provocar desejos de transformação da realidade mais ampla. Assim, a observação das práticas sociais concretamente reveladas nas paisagens rurais elucidam elementos que decodificam técnicas, cultivos, desenhos e,  também, podem dar indícios de pistas  reveladoras de desejos e conflitos que podem interferir  na totalidade dos  meios de vida.

Desta maneira, a abordagem de meios de vida, “livelihoods”, possibilita diferentes análises e reflexões sobre a realidade social e, especialmente, a rural. Desse modo, as áreas onde vivem estes estudantes e estas famílias e a paisagem local podem apresentar marcas das práticas agrícolas e neste estudo de caso, nas práticas agroecológicas. La Blache (2005) utiliza o conceito de “gêneros de vida” e os relaciona às diferentes ações do homem sobre o próprio meio e/ou sobre os ambientes social e natural, portanto, na paisagem imediata.  Mais recentemente, alguns autores vêm utilizando a abordagem dos meios de vida ou “livelihoods” numa perspectiva mais ampliada. Hebink (2007) explora as estratégias de meios de vida em contínua interação com a paisagem. Conforme este autor, por meio de um olhar holístico, os meios de vida trazem elementos para entender a configuração dos recursos naturais e sociais, a análise do ator social, as estratégias de vida nos diferentes contextos históricos e as formas como as instituições sociais e as regras moldam a interação humana e influenciam as formas de acesso aos diferentes recursos.

Para Hebink (2007, p.11), na tentativa de fazer a vida, as pessoas usam uma variedade de recursos, tais como redes sociais, força de trabalho, terra, capital, conhecimento, emprego, tecnologias e mercados, para produzir alimentos, para a extração de recursos naturais e para gerar rendas. Portanto, as estratégias de meios de vida podem ser bastante amplas. Nesta pesquisa, o elemento educação foi inserido, como parte das estratégias de meios de vida dos agricultores, e considerado um recurso social de extrema importância. A educação também é ressaltada por Eliis( 1998), como componente fundamental dos meios de vida das famílias.

Segundo Perondi (2007), em várias pesquisas recentes, a abordagem de meios de vida tem sido utilizada nos estudos sobre a pobreza, com vistas a entender as estratégias de sobrevivência das pessoas em situações de vulnerabilidade, e ainda, a capacidade de resistência e transformações dos atores. O autor utiliza o diagrama de Scoones (1998) [3], para comprovar a hipótese de que a diversificação dos meios de vida rural gera maior sustentabilidade social. 

Pereira & Souza & Schneider (2010) analisam as concepções de “meios de vida” e “livelihoods”  e afirmam que ambas as perspectivas abordam a relação homem e natureza. Os autores discutem a correlação do termo “meios de vida” na perspectiva “livelihoods” da vertente europeia. Além disto, esses autores enfatizam a contribuição do estudo de Antônio Cândido, em “Parceiros do Rio Bonito”, no qual o autor analisa as condições de vida do caipira paulista e a sua extrema fragilidade social. Para os autores, a análise dos meios de vida, proposta por Antônio Cândido, concebe a vida social a partir da satisfação das necessidades tanto naturais quanto sociais, relacionadas à garantia da subsistência e dos mínimos vitais. Já os autores ingleses, de acordo com Pereira & Souza & Schneider (2010), consideram a conjugação das capacidades, dos ativos e da sustentabilidade como primordiais nas análises dos meios de vida, principalmente, direcionadas aos processos de desenvolvimento rural. Outro autor bastante importante na reflexão sobre os meios de vida é F. Ellis (1998). Para este autor, a análise dos meios de vida não se restringe aos espaços rurais e nem apenas aos países em desenvolvimento. Ellis (1998) amplia, portanto, a compreensão de meios de vida. Para ele os meios de vida compreendem renda, em dinheiro ou tipo, bem como as instituições sociais (como o parentesco, a família, a vila e assim, por diante), as relações de gênero e os direitos de propriedade requisitados para apoiar e sustentar um dado padrão de vida (ELLIS, 1998, p.4). Nesse sentido, para este autor, dentre as estratégias de obtenção de meios de vida, a educação torna-se um dos principais meios de ampliar a capacidade para diversificação de trabalho e de renda, bem como para acessar políticas públicas e instituições sociais. Portanto, o modo como as famílias lidam com seus meios de vida influencia nas possibilidades dos jovens estudantes

2. Metodologia

Para compreender a relação entre a Pedagogia da Alternância e a transição agroecológica realizou-se o estudo de caso circunscrito a duas escolas: a EFA Puris de Araponga e a EFA Serra do Brigadeiro (EFASB),  nos municípios de Araponga e Ervália, ambas localizadas na Zona da Mata mineira, Brasil. A EFASB é uma unidade de ensino fundamental;  alguns dos estudantes que se formam nessa EFA dão continuidade aos estudos na EFA Puris de Araponga, a qual possui o curso técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia. Tanto a EFASB quanto a EFA Puris incorporaram em seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) o enfoque agroecológico. Contudo, a EFA Puris possui uma disciplina específica denominada Agroecologia.

2.1. Procedimentos

Para compreender as formas como os estudantes das duas EFAs incorporam em suas realidades as práticas agroecológicas, foram realizadas 15 entrevistas semiestruturadas com os estudantes no tempo escola e observação participante no cotidiano das duas escolas, durante 4 semanas. Além das entrevistas e observação participante, foram realizadas conversas livres com outros estudantes e monitores das duas escolas e foram feitas visitas às famílias dos 15 estudantes entrevistados.

3. Resultados: Possibilidades e desafios da prática agroecológica

As técnicas de pesquisa utilizadas para o levantamento de dados permitiram compreender que à medida  que os estudantes das EFAs são motivados a incorporarem, ou não, a proposta agroecológica das EFAs, ocorre uma específica configuração dos meios de vida, decodificados na paisagem das unidades agrícolas familiares.

Nessa perspectiva, para uma maior compreensão em relação ao conhecimento agroecológico construído a partir da Pedagogia da Alternância, e que pode ou não se tornar práxis (ação e reflexão) nas unidades produtivas, foram feitas duas perguntas aos estudantes: “Houve alguma alteração na propriedade da sua família após as aulas (Práticas Agrícolas, Práticas Zootécnicas, Educação Ambiental, Turismo, Extensão Rural, Agroecologia e etc.) nas EFAs Puris ou EFASB?” Em seguida, também foi perguntado aos estudantes, “o que eles ainda gostariam de colocar em prática na propriedade da família, e quais as dificuldades encontradas para esta realização?”.

3.1. A hierarquia familiar: “Na horta há mais liberdade....café, é lugar do pai”

A partir da análise das entrevistas, nota-se que os estudantes nas séries mais avançadas e que, portanto, passaram por mais alternâncias entre meio escolar e meio sociofamiliar, possuem maior contato com as práticas sugeridas pelas escolas. Contudo, a maior parte das práticas e manejos fica circunscrita à horta e ao pomar. Esses espaços normalmente são utilizados por todos os membros da família, mas, sobretudo, pelas mulheres e pelos filhos, onde há mais liberdade para os estudantes aplicarem os conhecimentos escolares, conforme relatado na fala, a seguir:

“Entrevistado: Eu, ah, já sim, já fiz um sistema de irrigação na horta com que eu aprendi na EFA, e tô com ideia assim, tô montado um projeto de apicultura que isso ai tô aprendendo na EFA. Na horta meu irmão que ele aprendeu na EFA já fez uma captura assim de insetos que tá atacando o pomar lá; ele fez uma armadilha, isso ai ele aprendeu na EFA (estudante, M [4], 1º ano, 15 anos, São Caetano - Araponga).

Entrevistadora: E nas lavouras do café, foi inserido algo que você  aprendeu na EFA?

Entrevistado: Na lavoura não teve muita coisa não, que fica assim, mais na lavoura responsabilidade de pai né? ai a única coisa que nós colocou na lavoura assim que foi tirado da EFA foi a lavoura assim mais alta, um quebra vento que é feito com plantio de bananeira na época, só que aí elas tavam afetando meio demais o café, não tava dando conta de fazer o manejo dela, aí nós foi e acabou com um cado delas (estudante, M, 1º ano, 15 anos, Comunidade São Caetano - Araponga)”.

Dessa forma, é o pai quem define qual local pode ser alterado na unidade familiar. Assim, conforme os estudantes, as poucas práticas (manejos e técnicas) advindas das EFAs e que apareceram nas lavouras, são a utilização do consórcio, principalmente de café, milho e feijão, técnicas que na maioria das vezes já eram utilizadas pelos pais dos estudantes, mas que também é aprimorada pelos estudantes das EFAs. Esta evidência sugere pensar a lavoura do café como um espaço de domínio da figura do pai, de onde sai grande parte da renda da unidade familiar, como observado respectivamente, no diálogo com o estudante do 2º ano, (17 anos de idade, M, Comunidade São Caetano - Araponga):

“Entrevistadora: O que você ainda tem vontade de fazer na propriedade de sua família?

Entrevistado: De experiência que eu aprendi na EFA? Vontade eu tenho né? Mas a propriedade é de pai; ele não gosta muito que eu fico metendo o dedão não. Quer fazer do jeito dele, se a gente for dar uma opinião se não gostar da opinião ele não aceita.

3.2. O ritmo do trabalho: “O trabalho absorve demais…o tempo é curto”

Outros estudantes argumentaram que faltava tempo para planejar e aplicar outras técnicas e manejos aprendidos na EFA, pois o cultivo do café absorve a maior parte do tempo dos mesmos. O relato do estudante a seguir confirma a ausência de tempo livre para dedicar a outras atividades que não sejam a lavoura do café:

“Tem apicultura, só que não tive tempo de mexer; em casa até tem as caixas lá, mas como está na época da colheita de café, o tempo é curto (1º ano, M, 16 anos de idade, comunidade São Caetano - Araponga)”.

E, conforme a hierarquia familiar, os estudantes (do sexo masculino) são responsáveis por trabalhar na lavoura de café, o que também possibilita que eles adquiram uma renda própria com o manejo e a venda deste cultivo, já que a maioria possui um montante de pés de café, pelos quais são responsáveis. Isto possibilita a continuidade da constituição de novos núcleos familiares enquanto agricultores e pais de família.

3.3.  O uso de agrotóxicos e da Agroecologia: “remédio pode tomar… veneno também?”

Outro tema bastante presente nas entrevistas diz respeito à utilização de agrotóxicos.  O trecho abaixo revela a distinção de concepção em relação ao uso dos venenos e remédios.

“Entrevistado (pai): Nós somos difícil jogar remédio aqui. Veneno é coisa diferente, tem um litro que é veneno, mas o outro que tá ali é remédio pra folha de café, pra outras coisas (pai do estudante)

Entrevistado ( filho): Você é bobo pai, todos têm uma composição química (estudante)

Entrevistado(pai): Veneno é coisa diferente, você pega um VISTA CAFÉ, você não pode comparar uma coisa com a outra.

Entrevistado(filho): Bebe ele então? Agora te pergunto, o que ocê come pode jogar na lavoura que é bom pra ela? Do mesmo jeito que ocê pode tirar dela, você pode devolver. (...) Você joga pra dar a vida pra ela. E pai quero saber desse negócio de remédio mais não, esse negócio vai longe”. ( M, 16 anos, Comunidade de São Domingos, Araponga)

O diálogo acima evidencia a compreensão diferenciada, entre pai e filho, em relação ao uso dos agrotóxicos até mesmo na terminologia; o que é veneno para o estudante é remédio para o pai e isso implica em diferentes concepções. Por outro lado, muitas práticas desenvolvidas por outros estudantes, utilizadas na Agroecologia, acontecem com mais frequência em famílias que já possuem uma percepção diferenciada sobre o ambiente e a agricultura. Nestas famílias existe a preocupação, principalmente, com a saúde, com a qualidade dos alimentos e com a preservação dos solos e das águas. Essas famílias, eventualmente oferecem menos resistência aos estudantes que buscam aplicar manejos ou técnicas agroecológicas nas propriedades, o que pode ser observado na fala do estudante do 2º ano, cuja família se considera agroecológica:

“Entrevistado: Que é coisa boa, que assim que pai trabalha na medicina então, desde que eu era novo, sempre tratando nós com chá, ou coisa alternativa na medicina né? Dentro da agroecologia.

Entrevistadora: Você conversa com seu pai sobre esses aprendizados?

Entrevistado: Converso, sempre que eles tentam ensinar na escola a gente tenta implantar na casa né? às vezes dá certo, às vezes não.

Entrevistadora: Geralmente eles aceitam o que você traz da escola pra ser implantado em casa?

Entrevistado: Tem vez que aceita, quando eles não aceitam, ai falo com eles que vou fazer, eles perguntam: Você tem dinheiro? Você faz. Às vezes tem dinheiro faz, se num tem dinheiro fica de lado, aí arrumar um jeito até fazer eles aceitarem a ideia (19 anos de idade, M, comunidade Tiririca, Canaã)”.

Se por um lado, existe certa abertura destas famílias para que os estudantes desenvolvam os respectivos projetos, por outro lado, esses estudantes que são de famílias, que se autodenominam agroecológicas, nem sempre aplicam os novos conhecimentos pelo fato de o pai já utilizar outros manejos que são, em geral, agroecológicos. Assim, mesmo nestas famílias, prevalecem as práticas já utilizadas pelo pai por estes serem dotados de um “saber fazer”, como observado na fala a seguir,

“Na escola sempre ensina, mas tem coisa que eles ensinam lá que não acontecem em casa; igual teve uma que nos fez no pomar com caldas; aprendemos, mas em casa não precisamos daquilo, porque vai lá pulveriza com urina de vaca, ou outras coisas, homeopatia que pai já faz. (...) Pai fazia, eu não, ele é homeopata desde 1994, sempre trabalhando com isso. Quando tem que fazer alguma homeopatia eu falo to precisando desta homeopatia, ele vai e faz (19 anos de idade, M, comunidade Tiririca, Canaã).”

3.4. O acesso à terra: “o acesso pra ela também é um pouco complicado

Em alguns casos, observamos que os pais se dispõem a passar parte das terras aos filhos; terras estas que foram recebidas por herança e, ou, foram adquiridas por meio da compra. Esse fato permite a continuidade dos filhos no campo e, logo, asseguram a possibilidade dos filhos, futuros pais, garantirem a sobrevivência de uma nova família. Assim, os estudantes são motivados a utilizarem os conhecimentos técnicos que aprenderam na escola, quando conseguem a própria terra.

Por outro lado, a questão da terra é um desafio para muitos estudantes, para que tenham autonomia base para as diferentes aplicabilidades seja na agricultura e, ou, na criação animal, por vários motivos tais como: a família nem sempre concorda com o estudante; algumas vezes o tamanho da terra não daria para implantar as atividades que os estudantes almejam, a exemplo do estudante, filho de monitores da EFASB, que tem o sonho de implantar o turismo rural. Nas palavras desse estudante,

Ah tem, tipo assim, eu tenho vontade de realizar um projeto relacionado à parte de turismo, mas só que a nossa propriedade é muito pequena e não tem como a gente fazer isso né? o acesso pra ela também é um pouco complicado. Tamanho da área e localidade dela também né? (1º ano, M, 15 anos de idade, comunidade Dom Viçoso, Ervália).”

Outras vezes, o estudante não possui autonomia de modificar ou alterar algo na unidade familiar já que a família é meeira; portanto, não proprietária (OLIVEIRA, 2014). Mesmo com as limitações em relação às condições de uso da unidade familiar, tanto no que diz respeito à terra quanto à falta de apoio do pai, quando este que não concorda com a produção orgânica ou agroecológica. Por isso, a importância do controle das condições materiais, uma vez que se o homem é desprovido destas condições de produção, o processo criativo pode estar comprometido (MARX,2001).

3.5. A dimensão do gênero: “não quero ficar na roça”

Em relação à dimensão do gênero, observamos que as filhas possuem um menor interesse em aplicar manejos e técnicas nas propriedades familiares, já que muitas delas não pretendem continuar com o trabalho na roça, embora elas tenham interiorizado e legitimado a importância da Agroecologia da mesma forma que os estudantes do sexo masculino, o que pode ser observado nas falas a seguir:

Sei lá, acho que quem continua na roça tem que pegar no batente né?, essas coisas, e eu né?, tipo assim por isso que eu to até estudando porque não quero continuar na roça. Tipo assim, talvez morar, mas trabalhando né, tendo uma profissão, mas acho que eu mudo. (...) Tipo eu mexo pouco, muito pouco. Daqui a gente tira bastante informação; igual aqui na aula de Agroecologia principalmente, a gente tira bastante informação que é importante levar pra casa né? Tipo assim, eles passam bastante coisa diferente né, só que a gente também num coloca em prática. (1º ano, F, 16 anos de idade, comunidade São Caetano, Araponga).

É interessante ressaltar que a estudante, embora não tenha a vontade de colocar em prática os conhecimentos aprendidos na EFA, considera importante levar esses conhecimentos até a unidade familiar. Em geral, as estudantes não participam do trabalho “da roça”, já que este é considerado trabalho masculino e que acontece na lavoura que assegura a principal renda familiar, no caso, o café. Assim, a maioria das estudantes almeja outras formas de renda fora da unidade familiar, já que, diferentemente dos estudantes, dificilmente conseguem participar, no bojo do núcleo familiar, de atividades que geram renda.

3.6. A transição para a uma produção agroecológica: “antes jogava muito veneno, esses negócios, agora 90% já não joga mais

Outros desafios para a práxis do conhecimento na unidade produtiva é o processo de transição para a uma produção agroecológica, haja vista que, na maioria das vezes, a família utiliza a forma convencional há muito tempo. Nesse sentido, é necessário considerar que as propriedades, em geral, são pequenas [5] e,  como dito, anteriormente, assumir uma transição agroecológica é um risco considerável para esses agricultores. Portanto, esse seria um processo que levaria um tempo maior tanto para a mudança das técnicas e manejos quanto das mentalidades, o que é contemplado na fala do estudante do 2º ano,  a seguir:

Entrevistado: Dificuldade! Que nem aqui eles incentivam a Agroecologia e a, tipo assim, também a produção orgânica. Um dos métodos mais difícil é o quê? Na agricultura pra nós visando mesmo pro campo, os agricultores pensam assim lavoura com três anos tem que dar a produção desse jeito e desse, e na Agroecologia tá certo que o processo é diferente, mas nem todas as vezes você tem o benefício de que, de ser beneficiado com aquele recurso bom. Porque alguns agricultores por perto aqui mesmo, vende a sua saca de café num preço bom, mas agora quem mexe com insumos esses negócios como é que  vai começar a parar de mexer com aquilo se já pegou aquilo na mente? Meio complicado né?

Entrevistadora: Pra mudar a técnica?

Entrevistado: Eh, pra mudar a técnica, a gente vai mudando pouco a pouco, que nem eu te falei antes jogava muito veneno esses negócios, agora em vista de 100%, 90% já não joga mais. (...) 10% eu avalio que não é tão bom, porque bom 100% é quando você pratica aquilo, a gente só tá tendo o ensinamento e tá tentando repassar na propriedade, agora quando a gente conseguir fazer, construir aquilo ali ai a gente tem noção de 100%. (17 anos de idade, Comunidade São Domingos, Araponga)

Em geral, de acordo com os estudantes e suas famílias, o uso do veneno tem diminuído, principalmente pela preocupação com a saúde daqueles diretamente envolvidos no processo produtivo e com a proteção dos solos. Para esse estudante, a unidade familiar ainda precisa melhorar para alcançar um resultado totalmente agroecológico, o que aconteceria por meio da aplicação dos conhecimentos adquiridos na EFA. Assim, percebemos o desejo de mudança da realidade. Contudo, existem outros fatores que agem no sentido de conservação da realidade imediata, sobretudo, em relação ao apoio da família, que frequentemente se preocupam mais com o bom desempenho escolar e o comportamento dos filhos na escola, do que com a questão da práxis (FREIRE, 2013), que provém da reflexão e da ação, como visto no outro trabalho de dissertação da autora que aborda a pedagogia da alternância e os instrumentos pedagógicos utilizados na EFA Puris. 

Outra reflexão presente nas entrevistas diz respeito ao fato de que muitas práticas realizadas na escola não são inseridas nas unidades familiares, principalmente porque na EFA Puris os estudantes conseguem exercer a práxis através dos projetos de turma, aulas práticas ou estágios na própria escola e que acontecem também na quinzena que não possuem aulas.  Dessa forma, a escola funciona como um grande laboratório de prática (OLIVEIRA, 2014).

Entrevistado: Na EFA, o monitor de Agroecologia deu uma apostila que ensina a fazer tudo natural pra não precisar usar produto químico. Cinza, esses negócio; tudo vai aprendendo na escola. EM [6] aprende lá em Viçosa, na oficina que teve de plantas medicinais aquela vez. Agora nós faz homeopatia

Entrevistadora: Você fez aqui (na unidade familiar)?

Entrevistado: Eu não fiz aqui não, mas na escola de São Joaquim eu fiz, mas se for preciso fazer eu faço, bobo (estudante, 2º ano, M,  16 anos, Comunidade São Domingos - Araponga).

Mesmo com todas as limitações para a prática agroecológica, conforme os relatos dos estudantes entrevistados, algumas práticas são realizadas no meio sociofamiliar de forma ainda inicial a partir do estudo na EFA, como por exemplo, a caprinocultura, apicultura, horta, entre outros.

4. Considerações finais

As estreitas relações estabelecidas entre os meios familiar e escolar possibilitam aos estudantes e às famílias a transformação de motivações, ideias, pensamentos e a busca pela superação de desafios para realização da prática agroecológica e, portanto, de alguma forma interferem, de alguma forma, nas paisagens das unidades familiares.

Os estudantes mais motivados pela proposta agroecológica são aqueles que identificam a Agroecologia no próprio meio familiar, e, portanto, têm mais possibilidades de aplicação dos conhecimentos. Da mesma forma, os estudantes que têm mais contato com experiências agroecológicas nas comunidades e os que já estão mais avançados na escolaridade, e, portanto possuem mais vivências na Pedagogia da Alternância também apresentam maior identificação com a proposta agroecológica. À medida que os estudantes avançam nos tempos de alternância entre a EFA e a comunidade, todos eles se tornam mais reflexivos e conseguem se apropriar mais da abordagem.

Quando se trata da saúde a do cuidado com a natureza nota-se uma grande preocupação, dos estudantes, com a Agroecologia. Contudo, quando se trata da produção e do tempo de trabalho e da renda, as dificuldades de aplicação da Agroecologia se tornam maiores, sobretudo, quando ainda são poucas as experiências agroecológicas existentes. Ademais, a dimensão do gênero, associada à hierarquia no bojo familiar, cria dificuldades para a permanência das filhas nos espaços rurais, ao mesmo tempo em que possibilita a reprodução de novos núcleos familiares a partir da renda que é gerada pelos filhos do sexo masculino. Assim, observa-se que os filhos possuem maiores expectativas para a continuidade no meio rural e, talvez, seguir com alguma experiência agroecológica. Já as filhas, em geral, pretendem sair do campo, já que não participam de forma direta do retorno financeiro do café, no espaço familiar. Nesse sentido, a EFA possibilita o acesso ao conhecimento para a reprodução dos  atuais meios de vida das famílias e a construção de novos núcleos familiares que se estabelecem por meio do casamento.

A escola exerce um papel importante na vida das famílias envolvidas. Entretanto,  existem inúmeros desafios para que a Agroecologia possa ser entendida de forma mais clara e para que haja uma transição para uma agricultura mais sustentável de base agroecológica, uma vez que a maioria dos sistemas agrícolas são orientados pelo modelo convencional de agricultura e a maioria dos grupos familiares legitima essa forma de fazer agricultura. Além disto,  as famílias ainda consideram altos os riscos de transformação dos sistemas agrícolas, já que as propriedades são pequenas e o uso da terra assegura meios de vida fundamentais.

Nesse sentido, é importante considerar que a prática agroecológica está diretamente relacionada ao fator de produção “terra” e esta se torna um grande desafio nas pequenas propriedades e onde o uso da terra ocorre via parceria rural. Ademais, o acesso a mercados diferenciados ainda é praticamente inexistente na região para estes produtos. Portanto, as politicas públicas de acesso à terra e  aos mercados são fundamentais para que esses jovens sejam motivados a aderirem à Agroecologia.

Assim, o acesso à terra com autonomia e aos mercados podem comprometer a ampliação das novas ideias relacionadas à Agroecologia. Contudo, considera-se esse processo dinâmico, em que o pensamento está em constante transformação e, assim, alguns estudantes interiorizaram a Agroecologia como possibilidade de ampliação das estratégias de meios de vida nos processos de transição. Outros, entretanto, parecem considerar apenas a utilização de algumas técnicas ou manejos como importantes para a manutenção dos meio de vida, o que faz com que coexistam as modalidades de produção convencional e a agroecológica.

Os estudantes revelam a presença e os desdobramentos da forma convencional de cultivo, o que já pode ser considerado elemento de possível mudança. Em geral, todos os estudantes consideram a Agroecologia uma prática legítima e que propicia mais saúde. Contudo, as instituições familiares são fortemente hierarquizadas e centradas na figura do pai que exerce autoridade sobre os filhos. Assim, a prática agroecológica ocorre principalmente nos pomares, nas hortas e nos cuidados com os animais.

À luz dessas questões, o confronto e conflito entre os estudantes e as próprias famílias permitem ampliar o debate em torno da Agroecologia no meio sociofamiliar, o que possibilita uma, ainda, tímida inserção do tema no bojo das famílias, nas quais os filhos começam a levar conhecimentos para os pais e a redesenhar a tradicional posição paterna dentro do grupo familiar. Porém, estas mudanças são ainda bastante embrionárias. Em alguns casos, a partir do envolvimento com a EFA, há uma ressignificação do trabalho na unidade familiar, que reinventa novas práticas e reconsidera algumas já existentes como agroecológicas.

Muitos estudantes que se formam nas EFAs, mesmo que não estejam envolvidos com a prática agroecológica de forma direta nos ambientes familiares (sobretudo do gênero feminino), buscam as outras dimensões da Agroecologia seja nos movimentos sociais, no acesso a outros níveis de formação educacional. Pôde-se perceber pelos relatos, que estudantes egressos da EFA Puris e que acessam a universidade se inserem em grupos ou projetos de pesquisas com o enfoque nas EFAs e, ou,  Agroecologia.

 Nessa perspectiva, para além dessa compreensão da questão colocada anteriormente sobre “o conhecimento agroecológico construído na escola como práxis (reflexão e ação) nas unidades produtivas familiares”, torna-se fundamental compreender: “Para onde vão e em quais dimensões (movimento, prática e ciência) da agroecologia os jovens que se formam na EFA se inserem?” “Quais as reais possibilidades de uma transição agroecológica para esses jovens egressos de EFAs?”. Essas e outras questões são fundamentais para que a compreensão dos processos em torno da agroecologia e a educação do campo na Zona da Mata de MG, assim como em outras experiências existentes.

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1. Geógrafa pela Universidade Federal de Viçosa. Mestre em Extensão Rural pelo Departamento de Economia Rural da UFV. Email: jaquelinegeoufv@yahoo.com.br

2. Docente da UFV. Dra. em Sociologia. Atuação: campesinato e práticas agroecológicas, identidades sociais, análises de meios de vida, geração de trabalho e renda. Email: mbotelho@ufv.br

3. SCOONES, I. Sustainable rural livelihoods: a framework for analysis. IDS working paper, Brighton, n.72, p. 1-22, 1998.

4. Utilizamos M para gênero masculino e F para gênero feminino.

5. Na análise do tamanho da propriedade, identificamos 7 famílias dos estudantes com menos de10 hectares, e 4 famílias de estudantes com propriedades que variavam entre 10 e 20 hectares. Nesta região 90% das unidades de produção agrícola estão abaixo de 10ha.

6. ME - Microrganismo Eficiente é uma técnica utilizada de forma orgânica para recuperação dos solos degradados e melhorar a fertilidade.


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 35) Año 2017

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