Vol. 38 (Nº 30) Año 2017. Pág. 32
BÜRON, Roberto Montagner 1; SAUSEN, Jorge Oneide 2
Recibido: 27/03/2017 • Aprobado: 22/04/2017
2. O papel da universidade na formação profissional
3. O perfil profissional necessário ao mercado de trabalho
4. As novas diretrizes do SUS e a formação profissional
5. Os projetos pedagógicos dos cursos da área da saúde
RESUMO: Neste artigo apresenta-se o papel da universidade na formação do perfil profissional necessário na área da saúde, analisando as diretrizes do Sistema Único de Saúde em relação às competências comportamentais e técnicas formadas e entregues ao mercado de trabalho. As Diretrizes do SUS norteiam tanto o processo de padronização de serviços de saúde no Brasil, bem como os quesitos de formação necessários para o bom desempenho deste agente de saúde que se constituiu como o mais volumoso do país. O estabelecimento do perfil profissional ideal é necessário para compreendermos a efetividade da formação universitária e como ocorre o planejamento destas ações. |
ABSTRACT: This paper presents the role of the University in the formation of the necessary professional profile in the health area, analyzing the guidelines of the Unified Health System in relation to behavioral competencies and techniques formed and delivered to the labor market. The SUS Guidelines guide both the process of standardization of health services in Brazil as well as the training requirements necessary for the good performance of this health agent who has constituted the most voluminous in the country. The establishment of the ideal professional profile is necessary to understand the effectiveness of university education, and how the planning of these actions occurs. |
A área da saúde tem grande ênfase nos dias atuais e, historicamente, progride de forma ascendente devido a significativa importância para a qualidade de vida da população e a complexidade de uma sociedade mais informada e exigente. A escassez de recursos e de profissionais na saúde pública estão presentes no dia-a-dia da população, gerando descontentamento dos que demandam serviços nesta área, bem como discussões no meio político frente ao alto custo de um sistema de saúde público.
As universidades têm tido um papel fundamental na formação dos profissionais da área da saúde, buscando através de pesquisas novas tecnologias e avanços no setor. A formação profissional tem evoluído significativamente buscando qualificar cada vez mais as competências técnicas e comportamentais destes profissionais, em atenção aos anseios da sociedade e em atenção à saúde pública que enfrenta dificuldades em manter um sistema de alto custo e complexidade ao acesso à população de baixa renda. Mas qual é o real papel da universidade ante esta demanda por profissionais cada vez mais capacitados e atualizados tecnologicamente, garantindo assim melhor qualidade de vida a população?
Para estabelecermos uma discussão, primeiramente temos que compreender o papel da universidade no desenvolvimento local e regional, a formação de competências e as novas diretrizes do Sistema Único de Saúde.
O papel das universidades no mundo extrapola a simples tarefa de formar jovens para o mercado de trabalho, incluindo em seus planos de ensino e suas metodologias a tarefa de atribuir a eles o senso crítico, e prepará-los para uma sociedade em transformação, uma sociedade competitiva e capitalista. Mas, além disso, ainda surge outra necessidade, a de inovar através da pesquisa e da inovação, surge então, o empreendedorismo como forma de tornar úteis estas inovações.
A universidade em si contempla uma proposta de formar jovens para o mercado de trabalho, através do conhecimento adquirido e lapidado dentro dela mesma. Utiliza a pesquisa para gerar novos conhecimentos e qualificar os processos de ensino e aprendizagem. Tartaruga (2010) afirma que o papel da universidade não termina no primeiro ciclo de aprendizagem que é a formação acadêmica, este ciclo nunca encerra, pois, o mercado de trabalho exige cada vez mais, a sociedade muda e se adapta aos novos cenários locais, regionais, nacionais e até mesmo globais, e a própria ciência é um organismo vivo que se supera a cada momento.
As universidades têm atribuições específicas para o desenvolvimento dos territórios. Tanto do lado do ensino, formando mão-de-obra qualificada nas mais diferentes áreas e, também, requalificando a força de trabalho já inserida no mercado; quanto do lado das pesquisas desenvolvidas em seus laboratórios, centros e grupos de pesquisa, gerando novos conhecimentos em ciências básicas que não raro auxiliam no melhoramento de atividades produtivas. (TARTARUGA, 2010).
A responsabilidade da universidade aumenta a partir do momento que cria e concentra um grande número de conhecimentos essenciais para o desenvolvimento local e regional. A pesquisa passa a trazer benefícios à sociedade e o conhecimento passa a ser epistemológico gerando novas perspectivas sobre os mesmos fatos sociais, criando assim novos fatos e questionamentos a partir de uma sociedade em transformação, desenvolvendo desta forma o capital humano necessário ao desenvolvimento socioeconômico, do local para o regional, seguindo a lógica de que a transformação deva ocorrer de dentro para fora.
Os benefícios sociais surgem indiretamente através das melhorias ocorridas nas empresas, nos seus processos produtivos por meio da pesquisa e no seu aumento de competitividade pela inovação. A geração de empego e renda ainda é a base que sustenta a sociedade, e essa geração de renda provém do lucro, do superávit econômico local e regional, portanto o papel da universidade vai muito além da complexa tarefa de educar os jovens para o mercado de trabalho, para a sociedade e para a vida, exercendo influências diretas na qualificação das instituições em seu entorno.
A universidade, portanto, concentra um estoque de conhecimento técnico e científico à disposição da sociedade e este estoque está dividido entre material escrito, capital humano e registros de pesquisas, mas a identidade da universidade está inserida em sua representatividade na sociedade e sua participação nas transformações sociais. Tartaruga (2010) destaca ainda como papel das universidades o ensino, a pesquisa e os serviços à comunidade, este último como externalização do conhecimento gerado e como forma de contribuição à sociedade em que está inserida.
De acordo com o Ministério da Educação, existem três tipos de universidades: As instituições públicas, geridas pelo Estado e constituídas como uma das necessidades básicas da sociedade que é a educação, estando presente nos maiores centros do país. São responsáveis pela formação superior nas áreas de interesse socioeconômico da Nação, tendo um formato de gestão puramente estatal e restrita ao orçamento da União, o que as torna insuficiente para a demanda existente, e que geram a oportunidade do surgimento dos próximos dois tipos de Instituições.
As instituições privadas, geridas pelo mercado, com base nos interesses do capital e exclusivamente com fins lucrativos. São caracterizadas pela rapidez na gestão e pela capacidade de investimento, porém, para elas, a pesquisa e extensão ocorrem quase que exclusivamente por interesses econômicos, apenas em atendimento às demandas que sejam lucrativas.
E, por fim, as instituições comunitárias, geridas pela sociedade. Estas nascem a partir da necessidade da própria comunidade que não é atendida pelo Estado, e esta necessidade também é precursora em outras áreas como a saúde e assistência social. São constituídas como instituições sem fins lucrativos em benefício exclusivo para a própria sociedade.
Estes formatos de instituições fortalecem o ensino superior e a pesquisa no país, pois as áreas, as regiões e os volumes não alcançados pelo poder público são empreendidos pelas iniciativas associativas e as iniciativas privadas. A área da saúde é um expoente no desenvolvimento local e tida como prioridade no país, mais especificamente a medicina, porém todas as atividades ao seu entorno recebem a devida atenção, e o comportamento humano passa a ser considerado um divisor de águas entre o sucesso e o fracasso na formação profissional destes jovens e a lapidação do perfil necessário ao mercado de trabalho.
Conceitua-se perfil profissional como uma soma de habilidades cognitivas, técnicas e atitudinais e comportamentais de um sujeito, sendo de relevante importância para atender as necessidades de mercado. Passou-se o tempo em que o apenas saber fazer era suficiente para contemplar as exigências do mercado de trabalho, agregando-se a isso, surgiram o saber (ter o conhecimento de como fazer) e o saber ser (comportamento). A soma destes três fatores, ter conhecimento, ter habilidades e ter comportamento adequado ao que é exigido, completam as capacidades necessárias à formação de um bom profissional.
O estudo das competências surgiu na década de 80 na Europa a partir da evolução dos estudos das ciências organizacionais, agregando os aspectos comportamentais aos aspectos puramente técnicos privilegiados até então, pois o homem-máquina herdou estas características da Revolução Industrial, considerado como um modelo de tempos e movimentos das concepções tayloristas e fordistas. A partir daí surgindo o tripé formador de competências: os conhecimentos, as habilidades e as atitudes. Podendo ser definido também pelos três saberes: o saber fazer que é a dimensão prática; o saber ser, que é a dimensão do caráter e da personalidade; e o saber agir, que é a dimensão da capacidade de trabalhar em equipe e de resolver problemas. São diversas as definições sobre competências, Souza et all (2011) faz uma revisão bibliográfica sobre a definição de competências para contribuir com as discussões.
Quadro 01: Definições de competências
Fonte: Souza et all (2011, p. 8)
O perfil profissional ideal ainda é um tema que merece muita atenção no mercado de trabalho, nem só culpa dos jovens que saem de uma formação superior pouco preparados para as dificuldades do mercado, como nem só é culpa do mercado, que só aponta defeitos no comportamento e nas habilidades destes jovens, mas não esclarece o que os tornaria ideal para cumprir com as demandas, tanto na área pública quanto na área privada.
O estabelecimento de competências e qualificações é identificado como o principal conjunto de qualidades que integram o potencial de um profissional, porém o comportamento assumido por este acaba comprometendo um importante conceito, a “entrega”. Carvalho (2012) destaca a importância da capacidade do profissional em desenvolver o conceito de “entrega”, mas este só é possível a partir do momento que a organização esclarece o que deseja deste profissional e que tenha claro o que é sustentabilidade organizacional.
O conceito da “entrega” está totalmente relacionado a formação de competências e qualificações de um profissional e como podemos verificar no exemplo levantado por Carvalho (2012), não tão natural assim realizarmos esta ligação entre a qualificação profissional recebida em suas formações, a competência técnica desenvolvida e, por fim, saber como aplicar e obter resultados satisfatórios à organização, se esta ainda nem sabe o que é primordial a sua sustentabilidade como uma organização competitiva.
Quadro 02: Quadro de gaps entre as competências gerenciais esperadas e as entregues
Fonte: Fernandes (2006, p. 86)
Fernandes (2006) aponta a distância entre o que a organização espera de um profissional e o que ele efetivamente consegue entregar à organização, chamando isso de desalinhamento estratégico em relação às competências gerenciais. Este desalinhamento estratégico entre o perfil profissional oferecido e o demandado, supera o que se entende como básico, as capacidades e competências. Neste conceito de “entrega”, potencializam-se as atitudes, comportamentos, capacidades e competências que farão do profissional um agente adaptativo e ativo às dificuldades encontradas na organização, contemplando este alinhamento estratégico, a partir desta entrega. Em outras palavras, identifica-se a falta do “algo a mais” que torna efetiva sua integração aos objetivos organizacionais e o que se tem discutido mais objetivamente nas áreas de Recursos Humanos, que é como internalizar os objetivos organizacionais no perfil profissional.
O termo “profissional” vai além do simples trabalhador que atua na indústria, no comércio ou na prestação de serviço, o empresário também é um profissional e um empreendedor, então qual deveria ser a gama de competências formadoras de um perfil profissional?
Hoje em dia, cada vez mais as empresas procuram “verdadeiros” profissionais para trabalharem nelas. Com isso, é evidente que não há mais espaço no mercado de trabalho para profissionais medíocres, desqualificados e despreparados para a função a ser exercida, mas sim para profissionais habilidosos, com pré-disposição para o trabalho em equipe, com visão ampliada, conhecimento de mercado, iniciativa, espírito empreendedor, persistente, otimista, responsável, criativo, disciplinado e outras habilidades e qualificações, [...] BATISTA (2004, p. 11)
Percebe-se que a quantidade de qualidades esperadas de um profissional o tornaria quase perfeito, mas se o ambiente onde ele está inserido não permite que ele construa estas qualidades ou pior, se este ambiente não permite que ele desempenhe estas qualidades se já as tiver. O tema perfil profissional ideal é bem mais complexo que simplesmente exigir uma lista de habilidades técnicas e comportamentais. A grande pergunta que permeia a formação profissional dos jovens para o mercado de trabalho é se devem ser generalistas ou especialistas. Para Batista (2004), a resposta é nem um e nem outro, deve procurar um meio termo ampliando os conhecimentos em área afins e aprofundando-se nos temas inerentes a seu desejo profissional.
Na construção de um perfil profissional há ganhos em se tornar generalista, devido a disponibilidade de atuar em diversas outras áreas da que se pretendia inicialmente, uma das formações mais comuns à formação generalista é a Administração, que em sua base teórica transcorre sobre diversas áreas da ciência, dando ao estudante uma visão mais ampla sobre o mundo empresarial, porém, outras áreas exigem uma especialização, como é o caso das áreas mais técnicas, as ciências exatas e aí o perfil profissional é construído com base nesta área especificamente e para atuar em outra área terá que novamente se especializar, os casos mais comuns são as profissões regulamentadas.
Sob outra linha de análise poderíamos considerar que o profissional, em nível de produção, deve ser especialista em uma área específica e conforme vai subindo de cargo deve ser mais generalista, a fim de ampliar seu campo de visão dentro de uma organização. Em resumo, um profissional especialista tem melhor inserção no mercado de trabalho, porém, tem seu crescimento limitado a cargos técnicos e para conseguir subir de cargo deve se tornar também um profissional generalista, pois precisa compreender outras áreas além da sua formação profissional especializada.
A sociedade da informação tem um papel essencial na formação do perfil profissional. A partir do momento que se tem a disposição uma grande quantidade de informações com acesso facilitado e na maioria de forma gratuita, o nível de conhecimento e acesso a informações é cada vez mais acelerado. Silva e Ribeiro (2012) afirmam que “os efeitos da tecnologia acentuaram-se de forma paradigmática, tendo a informação digital tomado conta do quotidiano das pessoas e transformado a vida em sociedade de uma forma muito profunda”.
Por um lado, o acesso à informação via internet facilitou muito a disseminação do conhecimento, mas por outro lado alienou a sociedade a métodos práticos e rápidos, porém frágeis e superficiais, perdendo assim a capacidade de pesquisa e investigação. O reflexo deste aprendizado virtual está explícito na formação profissional dos novos ingressantes no mercado de trabalho e essa, sem dúvida, é uma das reclamações nas organizações públicas e privadas. Essa transformação no aprendizado já ocorreu na formação básica e já interfere no perfil profissional atual.
[...] o tema educação e trabalho pode ser entendido a partir de duas perspectivas: a de que não há relação entre os dois termos e a de que, ao contrário, ela vem se estreitando em decorrência do reconhecimento que a educação, ao qualificar os trabalhadores, pode vir a contribuir para o desenvolvimento econômico. GONDIN (2002, p. 299)
Historicamente a educação evoluiu como uma necessidade de atender a demandas mais nobres, do que o simples papel de formar jovens para o mercado de trabalho e desta forma que se mantinha afastada das necessidades das organizações empresariais, porém esta realidade foi mudando a partir da necessidade da profissionalização nas organizações e o ensino passou a cumprir este papel de formar profissionais para o mercado de trabalho, consolidando a união entre educação e trabalho.
Mayrer (2010) identifica quatro funções primordiais para a vida profissional, a primeira é a econômica, contemplando as necessidades de sustento da família; a segunda são as necessidades sociais, como fonte de satisfação de necessidades de integração; a terceira é o status e o prestígio como necessidade de posicionar-se socialmente; e a quarta é a psicológica, como forma de fixação de sua identidade, sua autoestima e sua autorrealização.
Na construção do perfil profissional Mayrer (2010) aponta três dimensões como sendo as principais: a dimensão técnica, conceituada pelo “como fazer” e que ferramentas usar; a dimensão essencial, conceituada pelas competências adquiridas em longo prazo, como a criatividade, a confiança, a liderança, entre outras; e a dimensão humana, conceituada pela capacidade de viver em sociedade compreendendo suas necessidades. A autora afirma que na construção do perfil profissional predomina o conceito do individualismo, tanto para o profissional quanto para a empresa, considerando que a escolaridade é linearmente instituída e não representa mais um diferencial competitivo no mercado de trabalho e que o profissional não pode ficar refém de um diploma (dimensão técnica), e o diferencial hoje está nos avanços pessoais como a produtividade, a iniciativa, a capacidade empreendedora, a capacidade de comunicar-se e a liderança, que fazem com que os valores individuais do profissional se destaquem e o tornem exclusivo, pois o sistema organizacional transformará o profissional em um autômato.
Portanto, o perfil profissional ideal identificado deveria conter as seguintes qualidades: ser empreendedor, ter raciocínio lógico, ser comunicativo, que saiba resolver problemas, ter bom senso em situações de crise, que saiba mediar e estabelecer relações, que esteja sempre procurando novos conhecimentos e que tenha afinidade cultural.
No estudo realizado pela autora estabeleceu-se a relação entre as competências necessárias identificadas no Projeto Político Pedagógico em cursos profissionalizantes, nas entrevistas de grupo focal e nos referenciais teóricos pesquisados, chegando a conclusão de que as competências necessárias transitam por uma multidisciplinariedade muito além da formação técnica, reforçando a afirmação de Mayrer (2010), de que a formação do perfil profissional não encerra-se com a formação acadêmica ou profissionalizante, a constituição das qualidades pessoais é que fazem o profissional se destacar no mercado de trabalho.
Quadro 3 - Competências essenciais para o sucesso profissional
Fonte: Mayrer (2010, p 112)
O Sistema Único de Saúde é o mais importante operador da saúde no país, isso devido ao seu volume de atendimento e a sua universalidade. Ele é constituído hoje por princípios, sendo o primeiro o da universalidade, que é a garantia de atenção à saúde por parte do sistema, a todo e qualquer cidadão, onde o indivíduo passa a ter direito de acesso a todos os serviços públicos de saúde, assim como àqueles contratados pelo poder público; da equidade que é assegurar ações e serviços de todos os níveis de acordo com a complexidade que cada caso requeira, more o cidadão onde morar, sem privilégios e sem barreiras; da integralidade que é o reconhecimento na prática dos serviços de que cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade, com as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde formam também um todo indivisível e não podem ser compartimentalizadas, e as unidades prestadoras de serviço, com seus diversos graus de complexidade, formam também um todo indivisível configurando um sistema capaz de prestar assistência integral.
Outros princípios que também regem a organização do SUS são: a regionalização e a hierarquização, dividindo os serviços em níveis de complexidade; a resolubilidade que é a qualificação dos serviços; a descentralização que corresponde à subdivisão das responsabilidades entre os vários níveis do governo; a participação dos cidadãos organizados por entidades representativas; e a complementariedade do setor privado que considera que o poder público abra espaço ao setor privado para oferecer serviços à população onde não tem capacidade de atendê-la. Estes princípios dão respostas aos questionamentos da sociedade sobre as necessidades da área da saúde, garantindo à população o acesso irrestrito à saúde promovendo uma melhor qualidade de vida. Tais diretrizes surgiram a partir da reforma de um modelo mais antigo denominado “Reforma Sanitária”, implementada no final dos anos setenta.
Este movimento (por vezes chamado simplesmente de movimento sanitário), embora não homogêneo, produziu um amplo consenso em torno de princípios básicos que deveriam nortear a atuação do Estado na saúde, a começar pela inequívoca afirmação de que a saúde deveria ser considerada como um direito de todos e um dever do Estado, seguindo por uma compreensão bastante ampliada da saúde e de seus determinantes sociais, bem como por uma visão bastante ampliada das responsabilidades do Estado para com a saúde. MATTOS (2009, p 771)
As novas diretrizes apontam para um processo mais participativo, e que amplia a compreensão das necessidades de um sistema de saúde, porém limitações da Constituição Federal de 1988 postergaram diversas questões mais polêmicas para um segundo momento de revisão de normas e diretrizes. O contexto político que definiu as novas diretrizes é bem diferente da época do da Reforma Sanitária, onde uma ideologia de redução da participação do Estado surgia devido a um cenário internacional, abrindo ao setor privado as oportunidades de oferecerem a saúde e a seguridade à população.
A constituição de 1988 levou em consideração os apontamentos realizados na 8ª Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986, através de um consenso entre os constituintes, sobre os seguintes pontos negativos:
Quadro 04: Apontados realizados na 8ª Conferência Nacional de Saúde
Fonte: ABC do SUS – Doutrinas e Princípios (1990, p. 3)
Muda-se a forma de pensar a partir destas constatações, o conceito da integralidade faz o SUS repensar seu modo de atuação perante a população, muito mais por necessidade a partir das críticas e apontamentos realizados em debates sobre saúde, pressões políticas e vislumbres de indignação da própria população.
Mas tomemos de modo mais restrito o sentido de integralidade que é expresso no texto da constituição: ela estabelece que o SUS deve se pautar pelo atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo das atividades assistenciais. Há uma diferença fundamental entre as atividades preventivas e as atividades assistenciais, que devem ser articuladas: é que estas se fazem diante de um sofrimento manifesto, enquanto aquelas se fazem antecipando-se ao sofrimento. Integralidade, no sentido evocado no texto constitucional, sugere que as ações e serviços devem se esforçar ao máximo para evitar o sofrimento, mas que não podem permitir que esse esforço se dê às custas da incapacidade de dar resposta ao sofrimento manifesto. MATTOS (2009, p 778)
Os estudos que sucedem o planejamento de ações preventivas estabelecem relações entre causa e efeito com diversas outras áreas, antes não integrantes do exclusivo grupo da saúde. A partir da Resolução nº 218/1997 e da Resolução nº 287/1998, que reconhecem 14 profissões da saúde: Assistentes Sociais, Biólogos, Biomédicos, Profissionais de Educação Física, Enfermeiros, Farmacêuticos, Fisioterapeutas, Fonoaudiólogos, Médicos, Médicos Veterinários, Nutricionistas, Odontólogos, Psicólogos e Terapeutas Ocupacionais. A interdisciplinaridade é uma inovação e um avanço para os profissionais da área da saúde, pois amplia os conhecimentos e as relações profissionais que agregam experiências múltiplas e novas tecnologias.
A qualificação profissional na área da saúde, proveniente diretamente da formação acadêmica, é o fator que mais causa impacto na sociedade e na qualidade de vida da população. O atendimento às demandas da população passa por uma crise de recursos financeiros, de equipamentos e tecnologias, de condições estruturais, mas também de qualificação técnica e, principalmente, comportamental.
Partindo da premissa de que um saber não exclui o outro, a formação do profissional de saúde deve incluir desenvolvimento de certas habilidades e competências que o preparem para as relações pessoais, a formação de vínculos e a convivência humanizada com os pacientes e com a equipe de saúde, lembrando que o vínculo pode ser peça-chave no restabelecimento da saúde, pois envolve aposta no tratamento, fortalecimento da autoestima e participação ativa do paciente. Enfim, trata-se de desenvolver as tecnologias relacionadas aos vínculos, intrínsecas a cada estudante. GONZE (2009, p 12)
O aspecto comportamental passa a ser o centro da atenção na formação dos profissionais da área da saúde, por perceber que a atenção ao paciente não só estreita os laços entre ambos, como interfere no próprio poder de cura da medicina através de uma relação mais aberta e participativa. Já nos anos 80 surgem posições de críticas aos modelos profissionais existentes de análise e diagnóstico, incorporando à formação dos profissionais da área da saúde conteúdo das ciências sociais e humanas, quebrando o paradigma técnico do saber. Nos anos 90 surge então a tríade ensino-serviço-comunidade fomentando o surgimento de projetos sociais e da formação multidisciplinar e multiprofissional, aumentando assim a interação com o sistema de saúde e com a própria sociedade.
Surge então em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que reformula a base curricular desde a educação básica, com a proposta de incluir a família no processo de formação, dentro destas propostas cabe destacar a atenção aos cursos da área da saúde que se tornam prioridade no país.
A partir das orientações propostas pelas Diretrizes Curriculares, são elaboradas as diretrizes de cada curso de graduação. As diretrizes curriculares dos cursos de saúde consideram o perfil do formando, competências e habilidades, entre outros fatores. Seu objetivo é levar os alunos aprender a aprender, garantindo a capacitação e profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade de atenção, qualidade e humanização no atendimento. GONZE (2009, p 57)
Outros programas acabam surgindo após este período, preocupando-se principalmente com a educação continuada dos profissionais da área da saúde voltadas às diretrizes estabelecidas, mas também como forma de absorção das novas tecnologias disponíveis para o setor. O programa Pró-Saúde reformulado em 2007, coloca-se como um desafio permanente no processo de formação continuada através da integração ensino-serviço com a inserção nas práticas do SUS.
Através do ensino-serviço surge um eixo denominado de “orientação teórica” que fomenta a compreensão dos determinantes de saúde e doença, fomenta a pesquisa ajustada à realidade local, e à educação permanente. Outro eixo chamado de “cenários de prática” fomenta objetivamente a integração ensino-serviço, buscando a utilização dos diversos níveis de atenção e a integração dos serviços próprios das IES com os serviços de saúde. O eixo da “orientação pedagógica” reúne a integração básico-clínica, a análise dos serviços e a aprendizagem ativa do profissional de saúde. Todos os três eixos trabalham em um processo epistemológico integrando o prestador de serviço, a sociedade e a universidade.
A formação do perfil profissional pela universidade se dá através do planejamento de atuação exposto pelo Projeto Pedagógico do Curso, conhecido no meio educacional como PPC, consistindo em um documento que concentra a concepção de um curso de graduação, definindo a atuação acadêmica, pedagógica e administrativa de docentes, alunos e técnicos-administrativos, no processo de ensino-aprendizagem e na formação do perfil profissional. Este PPC é responsável por trazer ao curso de graduação as definições da formação que se espera do estudante, englobando competências técnicas e comportamentais, em atenção às necessidades técnicas e comportamentais, e concebidas através da identificação das necessidades apontadas, e no nosso caso, pelas novas Diretrizes do SUS, fortalecendo assim as competências através da humanização das profissões na área da saúde.
Os PPCs são construídos com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação, como exemplo utilizado o Curso de Enfermagem, as normas estabelecidas pela Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001, e nas necessidades apontadas no mercado de trabalho, sempre considerando questões técnicas e comportamentais, buscando trazer novas tecnologias e, ao mesmo tempo, mostrando que a atenção e o cuidado ainda são qualidades essenciais para os profissionais da área da saúde, pois em uma época em que nos deparamos com fragilidades de estrutura e recursos, o comportamento do profissional da área da saúde passa a ser o diferencial para a população usuária. As Diretrizes Curriculares Nacionais indicam os quesitos básicos que cada curso deve contemplar em nível de formação acadêmica superior, os PPCs seguem estas diretrizes e complementam conforme a necessidade de atuação de cada profissão.
O PPC prevê em sua estrutura abordagens que vão da caracterização da instituição aos objetivos e modus operandi do curso em questão. Em sua estrutura está prevista a integração entre as competências técnicas e comportamentais, já adequadas à nova visão estabelecida pelas diretrizes do SUS, base do Sistema de Saúde Brasileiro.
São alguns dos objetivos traçados no Projeto Pedagógico de um curso de Enfermagem:
Fonte: Projeto Pedagógico do curso de Enfermagem. Universidade de Ijuí - UNIJUÍ
Além dos objetivos normais do curso, estabelece-se também o perfil desejado para o profissional que sai formado pela Universidade e apto ao mercado de trabalho. A formação do perfil considera dois eixos principais, a formação técnica e a formação comportamental. Para a formação técnica encontramos toda a base tecnológica disponível atualmente, distribuída em suas especialidades, formando o profissional para atuar de forma generalista no mercado de trabalho, e que em suas disciplinas aprende a manusear ferramentais e equipamentos, e compreender os resultados buscados em seus procedimentos, tudo isso em laboratórios simulados e estágios com pacientes reais, formando um profissional apto a atuar de imediato quando se forma.
Já para a formação comportamental, intitulada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de “competências gerais”, onde a Universidade estabelece pilares de formação que preparam o estudante para que atue em uma sociedade de forma humana, prezando pelo cuidado e atenção à vida. A formação comportamental compreende a atenção à saúde, que aborda a forma com que responde as situações do dia-a-dia responsavelmente, a capacidade de tomada de decisões em situações extremas, a comunicação clara e objetiva, a liderança que o habilita a alcançar resultados em grupo, a administração e o gerenciamento de recursos, tanto materiais como de pessoas e a educação continuada/permanente mantendo-se atualizado com as novas tecnologias apresentadas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais pontuam o que se espera no que diz respeito ao comportamento de um profissional do curso de graduação de enfermagem. Em seu artigo 14º, inciso VI, fazem relação às competências comportamentais esperadas.
“a definição de estratégias pedagógicas que articulem o saber; o saber fazer e o saber conviver, visando desenvolver o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o aprender a conhecer que constitui atributos indispensáveis à formação do Enfermeiro” RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 3 (2001)
Portanto o PPC não é um documento de total autonomia de uma universidade, ele segue definições e estratégias definidas pelo Ministério da Educação, mas pode sim agregar aspectos entendidos como essenciais à formação.
Em síntese, um PPC segue as Diretrizes Curriculares Nacionais de um curso e prevê, de forma teórica, todas as possibilidades e situações já enfrentadas e relatadas em experiências anteriores, sendo qualificado epistemologicamente ao longo dos anos, atendendo a questão técnica de um profissional. Para as competências comportamentais exige-se ainda um esforço consideravelmente maior que as competências técnicas, pois dependem da aceitação do próprio estudante da importância de seu papel na sociedade, da capacidade de absorção dos conteúdos e das novas tecnologias, da capacidade de entrega de seus serviços, e da capacidade de retenção dos conhecimentos adquiridos até o momento da sua efetiva aplicação no mercado de trabalho. Esta problemática é mais latente devido a importância da área da saúde na vida das pessoas, pois trata exatamente da qualidade de vida da sociedade.
Pesquisas são necessárias para compreender esta trajetória entre a formação na universidade e o efetivo desempenho nas profissões, mais especificamente na área da saúde, onde a leitura das necessidades da profissão e o planejamento de conteúdos que atenderão o programa de formação do jovem contemplam apenas uma parte do processo de formação de um profissional, em um tempo onde o “saber” está cada vez mais inerente às profissões, o “saber fazer” traz o diferencial ao profissional, e, principalmente, o “saber ser” que acaba criando um espaço de destaque no mercado de trabalho. O aprendizado ocorre em sala de aula e fora dela, nos ambientes internos e externos, mas a fragilidade na retenção dos conhecimentos adquiridos, ainda não é contemplada no planejamento do curso, entendendo que a educação continuada cumpre apenas com um papel de especialização.
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1. Mestrando do Programa do Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande Do Sul, E-mail roberto.buron@unijui.edu.br
2. Doutor e professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Faculdade Meridional (IMED) e Mestrado em Desenvolvimento pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande Do Sul, E-mail josausen@unijui.edu.br