ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 29) Año 2017. Pág. 23

O desvelar do significado do corpo envelhecido para o idoso: Uma compreensāo fenomenológica

The unveiling of the meaning of the aged body for the elderly: A phenomenological comprehension

Luciane ALMEIDA 1; Paulo Roberto Haidamus de Oliveira BASTOS 2

Recibido: 15/01/2017 • Aprobado: 21/02/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados e discussão

4. Conclusão

Agradecimentos

Referências


RESUMO:

Objetivando compreender o significado de corpo envelhecido na perspectiva do idoso, realizou-se pesquisa qualitativa fenomenológica em Merleau Ponty. Revelou-se: O corpo do idoso como objeto diante da imagem corporal, O corpo habitual e o corpo atual diante da velhice, O corpo do idoso revela sua existência enquanto ser no mundo e, O corpo-próprio sofre a doença e limitações na velhice. Apreendeu-se a necessidade de fortalecimento do idoso em sua existência na ressignificação do corpo envelhecido a partir de seus mundo-vida.

Palavras chave: idoso; imagem corporal; fenomenologia.

ABSTRACT:

In order to understand the meaning of aged body from the perspective of the elderly, a qualitative phenomenological research was carried out in Merleau Ponty. It was revealed: The body of the elderly as an object before the body image, The habitual body and the present body in the face of old age, The body of the elderly reveals their existence as a being in the world, and The self-body suffers from illness and limitations in old age . The need to strengthen the elderly in their existence in the resignification of the aged body from their life-world was apprehended.

Keywords: elderly; body image; phenomenology

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1. Introdução

No processo de envelhecer, o corpo do idoso experiencia singularidades evidenciadas por traços individuais, genética, história de vida, estilo de vida, presença de saúde e doença, relações com a sociedade, aspectos culturais, dentre outros, e estes, possuem diferentes significados, ao considerarmos o ser humano único, singular, diante do mundo e suas vivências.

As transformações ocorridas no corpo estão relacionadas a temporalidade e estas, vão além do sistema físico, biológico. Neste processo, a religiosidade, ocupação, grupo familiar, classe e outros intervenientes sociais e culturais também são afetados (Rodrigues, 2006).

Ao considerar a temporalidade, dentro da vivência da pessoa idosa, a velhice é considerada enquanto processo psicossocial, que se origina a partir do envelhecimento, sendo este, um destino biológico inquestionável, que se dá a partir do corpo (Ávila, Guerra, e Meneses, 2007).

Vitola (2003) considera que as características mais importantes do envelhecimento humano são a individualidade e a diversidade. As mudanças que ocorrem, apresentam ritmos diferentes, sejam elas na dimensão biológica, psicológica ou social.

Neste contexto, o idoso, como todo ser humano, vive um processo de construção de saberes e conhecimentos que são adquiridos ao longo de sua vida, o que o torna um ser dinâmico e que se identifica com a sociedade (Frumi e Celich, 2006). Estes saberes e conhecimentos, bem como, sua relação com a sociedade são vivenciados por meio do corpo.

Além disso, o processo de envelhecimento do corpo é peculiar à individualidade e processos sociais vivenciados por cada ser, e neste movimento, faz-se uma construção imaginária desse corpo, para além do que somos capazes de apreender o corpo físico, fundamentando o processo de identificações ao longo de nossa vida (Fernandes e Garcia, 2011).

Aranha (2007) afirma que os aspectos culturais influenciam na maneira de olhar o envelhecimento, assim como, na maneira como a pessoa idosa vai se constituir nesse meio. Freitas et. al. (2012) acrescenta que é transmitido ao idoso a idéia de que no envelhecimento abriga-se características paradoxais, que vão desde o tempo livre e busca da satisfação pessoal até o estigma da dependência e proximidade da morte.

Segundo Debert (1999), o avanço da idade acompanhado por um processo contínuo de perdas e dependência insere uma imagem negativa à velhice caracterizando-a como uma etapa da vida de decadência física e ausência de papéis sociais. Em contrapartida, a percepção de perdas tem sido substituída contemporaneamente pelo fato de que a vivência e os saberes acumulados oportunizam a realização de projetos abandonados em outras fases da vida propiciando novas conquistas, guiadas pelo prazer e satisfação pessoal.

Historicamente, em especial, no mundo ocidental, constrói-se uma imagem do idoso que na maioria das vezes são permeadas por pré- conceitos quanto às perdas, transformação da imagem, porém, o idoso também constrói uma imagem de si, e estas são singulares, individuais, e refletem na realização do ser idoso.

Para além dos aspectos físicos, emocionais, sociais e culturais, filosoficamente, o corpo tem sido objeto de investigação, visto que, a filosofia permeia nossas vidas ao longo do tempo, e, mesmo que não percebamos claramente, constantemente adotamos atitude filosófica ao contemplarmos a vida cotidiana e a nós mesmos, passamos assim, a indagar nossas crenças, sentimentos e a nossa existência (Carraro et. al., 2011).

Neste interim, na concepção filosófica merleau-pontyana, o corpo é visto como ativo, deixando de ser um receptáculo passivo das forças externas e de determinações do meio, exercendo apelo sensível, comunicando-se com o mundo e fazendo com que ele se torne presente como o local familiar da vida do homem. A subjetividade é colocada na concepção do corpo-sujeito, e este corpo estabelece com o mundo uma reação pré-objetiva, pré-consciente, de caráter dialético (Merleau Ponty, 2011).

Nesta perspectiva, o sujeito, neste estudo, o idoso, é seu corpo, seu mundo e sua situação. O corpo é a expressão e realização da existência, e um não deve reduzir-se ao outro, visto que, um pressupõe o outro. Sendo assim, o corpo é um conjunto de significações vividas e a produção de novas significações se dá no corpo enquanto situado no mundo (Merleau Ponty, 2011).

O corpo não é mais conceituado e orientado pelo dualismo mente-corpo, que dava a ele a condição de objeto, mas sim, como modo de ser e se manifestar no mundo, reconhecendo que a presença do homem no mundo é corporal (Maciel, 1997).

Neste estudo, temos por objeto o significado de corpo envelhecido na perspectiva do idoso, utilizando-se da Fenomenologia da Percepção em Merleau Ponty. A partir da noção de corpo, pretendemos trazer as questões do idoso e da velhice como construção dessa experiência enraizada em nosso tempo histórico e cultural e presente em nossa sociedade.

Neste contexto, nos propomos a analisar como o corpo envelhecido percebe os fenômenos que relacionam e influenciam a sua existência, enquanto pessoa idosa, tendo por princípio, o resgate do corpo para além do físico, deixando fluir, falar e se expressar por meio de seu corpo.

Deste modo, a realização deste estudo pode ampliar espaços de diálogo que estimulem os idosos a (re)pensar sua existência enquanto sujeitos, autores de suas histórias e significações no mundo, suas subjetividades e intersubjetividades.

2. Metodologia

Considerando a natureza do fenômeno estudado, que é determinante para escolha do método, esta é uma pesquisa exploratória, descritiva, de abordagem qualitativa e iluminação fenomenológica. Por meio deste desenho de estudo pretendemos compreender o significado do corpo envelhecido para o idoso, e, desta forma, penetrar no seu mundo a partir do nosso mundo vida. Para tal, tomaremos como referencial alguns conceitos dos estudos de Merleau-Ponty, fundamentado em sua obra “Fenomenologia da Percepção” (Merleau Ponty, 2011).

Neste estudo, o enfoque metodológico utilizado será fenomenológico por meio da análise de estrutura do fenômeno situado. Nesta modalidade da pesquisa qualitativa, os procedimentos metodológicos são orientados por uma posição filosófica incluindo uma postura que reflete uma concepção ontológica, epistemológica e metodológica, que são tidas como o fundamento do trabalho empírico. A delimitação do fenômeno está baseada em um enfoque metodológico-filosófico, e a preocupação se dirige para aquilo que os sujeitos de pesquisa vivenciam como um caso concreto do fenômeno investigado (Martins e Bicudo, 2005).

Os participantes deste estudo foram idosos com 60 anos ou mais, integrantes de grupos de convivência localizado em um município do estado de Mato Grosso. Os critérios estabelecidos para a participação dos sujeitos no estudo foram: idade igual ou superior a 60 anos, para ambos os sexos, independentes quanto à classificação da capacidade funcional, ser participante de um grupo de convivência para idosos no município de escolha há pelo menos 1 ano e estar em condição de verbalização. Foram excluídos os idosos que possuíam dificuldades cognitiva.

Desta forma, o estudo foi realizado com 14 idosos, sendo que o número de participantes foi definido a partir das necessidade de informações, tendo por princípio norteador, segundo a pesquisa fenomenológica, as convergências e divergências dos discursos coletados (Martins e Bicudo, 2005).

Para garantir o anonimato dos sujeitos envolvidos na pesquisa, eles foram identificados por nomes de pedras e metais preciosos definidos no momento da coleta de dados pela pesquisadora do estudo.

No encontro com os idosos, deixou-se explícito a forma de participação no estudo (voluntária), bem como, a garantia do sigilo das informações/anonimato de sua identidade e o direito de abandonar o estudo sem prejuízo pessoal, aos seus familiares e a participação no grupo ao qual estava inserido.

A técnica de coleta de dados foi a entrevista fenomenológica, por meio da qual, as experiências dos idosos foram reveladas a partir de seus mundo-vida, portanto, vistas de maneira única por cada sujeito. A busca pela essência dos fenômenos neste estudo – o significado do corpo envelhecido na perspectiva do idoso foi norteada pelos seguintes questionamentos: Como o senhor (a) percebe as alterações ocorridas no teu corpo? Qual o significado destas transformações? Os questionamentos só foram feitos após leitura e explicitação do objetivo da pesquisa aos idosos e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.

Durante as entrevistas, foi utilizado como recurso técnico o gravador digital. O ato de gravar possibilitou o registro das experiências de forma fidedigna. Para análise do fenômeno utilizou-se da análise ideográfica e nomotética.

A análise ideográfica é tida como análise psicológica do individual, na qual realizou-se a descrição ingênua de cada entrevista, seguida pela redução/epoché (linguagem do pesquisador), e posteriormente a construção das unidades de significado (análise de estrutura do fenômeno situado). Realizou-se individualmente a análise das 14 entrevistas.

A abordagem nomotética é tida como análise psicológica do geral, e os dados que vai lidar provém das convergências e divergências da análise ideográfica, ou seja, nesta abordagem realizou-se um movimento de passagem do individual para o geral, permitindo encontrar as seguintes categorias: O corpo do idoso como objeto diante da imagem corporal; O corpo habitual e o corpo atual diante da velhice; O corpo do idoso revela sua existência enquanto ser no mundo; e, O corpo- próprio sofre a doença e limitações na velhice.

Este estudo é um recorte do projeto intitulado: A corporeidade do idoso na dimensionalidade do viver: uma compreensão fenomenológica. Foi realizado de acordo com os preceitos éticos e legais vigentes necessários a realização de pesquisas com seres humanos determinados na Resolução 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (Brasil, 2012), e desenvolvido 
sob o parecer favorável 1151093/2015, aprovado em 16 de julho de 2015, registro CAAE n. 4618.6515.5.0000.0021 do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Para realização deste estudo declaramos que não houve qualquer conflito de interesse real ou potencial dos autores.

3. Resultados e discussão

Os sujeitos do estudo foram 14 idosos, sendo 12 do sexo feminino e 2 do sexo masculino, com idades entre 60 e 87 anos.

Quanto a capacidade funcional aplicou-se o Index de Katz para avaliação das Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD), do qual, os resultados para todos os idosos foi classificação A (independentes para todas as atividades), e, Escala de Lawton e Brody para avaliação das Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD), sendo todos os idosos classificados como independentes para AIVD, com escore entre 26 e 27 pontos.

Quanto a capacidade cognitiva utilizou-se o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), os resultados apontaram números entre 25 e 30 pontos, ou seja, a maioria dos idosos apresentaram a melhor capacidade cognitiva (30), e, os que tiveram resultados entre 25 e 29 pontos, este déficit foi relacionado à perda de pontuação no item atenção e cálculo, sendo relacionado ao analfabetismo, ou pouca frequência escolar.

Após a descrição ingênua da linguagem do idoso, seguida pela redução/epoché na linguagem dos pesquisadores, identificou-se as unidades de significado por meio da análise de estrutura do fenômeno situado que, nas convergências e divergências dos discursos apontou para as quatro categorias discutidas a seguir.

O corpo do idoso como objeto diante da imagem corporal

As alterações senescentes do envelhecimento como flacidez de pele, aparecimento de rugas e dos cabelos brancos e ganho de peso foram relatados pelos idosos entrevistados como significação do corpo envelhecido, conforme depoimentos abaixo:

[…] a gente fica um pouco caída, despencada e tudo, mas, por dentro a gente se sente feliz! (Ametista)

[…] eu percebo que cada dia que passa a gente vai “incricriando” (risos), a gente vai “ingiando” (gargalhadas) (Turmalina)

[…] mesmo quando eu vejo as rugas não me apavora porque eu estou com o meu “corpítio” […] o meu corpo voltou a ser o que eu era quando jovem (Cristal)

[…] o corpo muda sempre porque o cabelo branco não deixa, né? (risos) (Ágata)

[…] eu sinto um pouco de peso, eu gostaria que meu corpo fosse um corpo mais leve (Prata)

[…] quando a gente chega nessa idade, a gente começa a engordar não sei por quê, células do bem viajam […] o corpo da gente, as células dentro da gente travam uma batalha, é a velhice tentando chegar e a juventude indo embora […] normalmente está 10 a 1 para a velhice, porque não é fácil (Esmeralda)

Nota-se nos discursos dos idosos que a percepção diante das aterações ocorridas no envelhecimento são de um corpo objeto, um corpo físico que representa órgãos justapostos que sofreram modificações com o tempo. Embora a senescência seja inevitál é evidente nas falas a valorização dada às transformações a aparência física.

Nesse sentido, Merleau Ponty (2011) rompe com a noção de corpo-objeto, parte-extra-partes e com as noções clássicas de sensação e órgãos dos sentidos como receptores passivos. Ele afirma que: “o corpo não é um objeto, e que pela mesma razão, a consciência que tenho dele não é um pensamento, ou seja, não podemos decompô-lo e recompô-lo para formar dele uma idéia clara” (p.269).

Neste estudo fica evidente que ter um corpo envelhecido para o idoso traz a consciência da velhice diante do mundo como algo difícil, uma batalha das células do corpo, um desejo de voltar a ser jovem, pois, no pensamento ocidental o corpo está fundado na visão cartesiana do dualismo corpo/alma, corpo/mente e corpo/consciência.

Merleau Ponty (2011) nos remete a esta questão sob a perspectiva do ser no mundo, aqui, o corpo aparece como sujeito da percepção, divergindo da visão dicotômica, revelando um novo modo de conceber o corpo. Para o filósofo: “o corpo é o nosso modo geral de ter um mundo” (p.203).

Nesta perspectiva, ao olhar para o corpo como o modo através do qual o homem percebe o mundo, assim como a si mesmo, pode-se revelar a velhice de outra maneira, na qual, o corpo físico não seja visto como capital, e as exigências impostas pela sociedade ocidental sejam apenas culturais, que vá além da expressão da subjetividade, mas, ao encontro da intersubjetividade do idoso.

O corpo habitual e o corpo atual diante da velhice

As descrições ingênuas dos idosos apontaram para demais alterações inerentes ao envelhecimento como diminuição da força e flexibilidade muscular, alterações cognitivas, raciocínio lento e lapsos de memória:

[…] muitas coisas que eu exercia aqui dentro de casa, que eu poderia fazer, hoje eu sinto impossibilitado porque as forças diminuíram muito […] não posso praticar vários esportes porque a força física não dá mais (Ônix)

A cabeça está boa graças a Deus, às vezes, esquece alguma coisa, porque é da idade mesmo (Ágata)

[…] eu me preocupo um pouco porque de agora para frente a gente não raciocina tão rápido, começa a não ter o mesmo reflexo, às vezes ainda consigo (risos), mas, volta e meia falha... (Esmeralda)

Ao referenciarem o corpo envelhecido, as transformações, mais uma vez, são ressaltadas na dimensão biológica ou física. O corpo é visto como um arcabouço que sofre o desgaste do tempo, decadente pela perda de funções anteriormente realizadas e diminuição da forca física, assim como, da capacidade de raciocínio.

Para Merleau Ponty (2011), a idéia de corpo vai além dessa estrutura física abalada pelo passar dos anos, ou seja: “o corpo é veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente neles”. Nesse sentido, tem-se “consciência de meu corpo através do mundo [...] e consciência do mundo por meio de meu corpo” (p.122).

As recordações de um corpo fisicamente forte, que anteriormente tudo podia e fazia mostra para a velhice a idéia de que o corpo do idoso é frágil, levando à comparações da experiência vivida no passado (corpo habitual), e insegurança do viver no presente e futuro (corpo atual) quanto a expectativa de ser no mundo sendo idoso.

O mundo vivido dos idosos se associa às novas experiências e revela um novo significado, visto que, as experiências anteriores vividas pelo corpo habitual se restituem, de maneira própria ao corpo atual, ressignificando-o. Merleau Ponty (2011) sustenta que a retomada das experiências passadas nas presentes, se processa no mundo vivido, pela engrenagem de umas nas outras.

Neste aspecto, ao nos apoiarmos no referencial teórico-filosófico de Merleau Ponty (2011), aqui, podemos destacar a ambiguidade de que “nosso corpo comporta como que duas camadas distintas, a do corpo habitual e a do corpo atual, na qual o corpo habitual aparece como fiador do corpo atual” (p. 123).

O corpo do idoso revela sua existência enquanto ser no mundo

A fala dos idosos também revelaram que o corpo envelhecido se apresenta em desarmonia com a mente. Visto no dualismo cartesiano corpo/mente, o corpo físico não acompanha mais os desejos da mente, fazendo o idoso perceber o envelhecimento que se faz realidade:

[...] por mais que hoje o meu corpo está deformado pela idade e não corresponde mais àquilo que eu gostaria de fazer, minha mente trabalha com a maior facilidade no dia-a-dia. Eu não me sinto velha na minha maneira de pensar (Rubi)

[...] eu quero ser jovem sempre, embora o corpo não ajude! (Esmeralda)

O meu corpo corresponde àquilo que tenho vontade de fazer [...] mas a cabeça que ajuda, a cabeça ainda é melhor (Turmalina)

Eu percebo que meu corpo mudou muito [...] somente o corpo, porque o espírito é de jovem. Eu tenho certeza disso! Eu tenho um espírito de jovem (Turquesa)

[...] caminhar muito assim, eu não consigo fazer. Mas, a minha mente é lúcida [...] minha mente é perfeita (Prata)

O descompasso da mente em relação ao corpo percebido pelo idoso nos revela a compreensão de organismo/biológico e mente/psicológico. Merleau Ponty (2011) contrapõe que o homem não é um psiquismo unido ao organismo, mas, existência que ora se deixa ser corporal, ora se dirige aos atos pessoais. O autor acrescenta ainda que o que permite tornar a ligar o fisiológico e o psíquico é o fato de que, reintegrados a existência, são orientados para um pólo intencional ou para um mundo, ou seja, não se distinguem mais do em si e do para si.

Merleau Ponty (2011) chama de existência ou, no pensamento de Heidegger, ser-no-mundo (In-der-Welt-Sein), esse meio comum entre o fisiológico e o psicológico, esta terceira dimensão. Na perspectiva do ser-no-mundo é ainda a consciência engajada que guarda o campo prático, neste estudo, as atividades que o idoso deseja realizar pela mente e já não as executa pela perda funcional/física imposta pela velhice. Trata-se de um “saber latente” que consiste na experiência de um antigo presente que não decidiu tornar-se verdadeiramente passado, mas que permanece “quase presente”.

Neste interim, Merleau Ponty (2011) nos remete à compreensão existencial do fenômeno do membro fantasma:

O braço fantasma é portanto, como a experiência recalcada, um antigo presente que não se decide a tornar-se passado. As recordações que se evocam diante do amputado induzem um membro fantasma, não como no associacionismo uma imagem chama outra imagem, mas porque toda recordação reabre o tempo perdido e nos convida a retomar a situação que ele evoca (p.127).

Aqui podemos inferir o fenômeno do membro fantasma numa relação com o corpo atual do idoso na velhice, que por rememoração, o corpo fisico que antes tinha forca e vitalidade, ora permanence “quase presente” dando um novo significado à existência, ao mundo-vida do idoso, à sua realização enquanto ser no mundo.

O corpo- próprio sofre a doença e limitações na velhice

O aparecimento de doenças crônicas e as limitações impostas pela senescência de alguma maneira interfere na vida do idoso e na relação com seu mundo:

[…] só o que não me agrada, o que não é fácil é a saúde que vai se acabando. Tem dia que a gente está em pé para fazer uma coisinha, tem dia que a gente não consegue levantar […] O corpo já é mais cansado, a saúde limitada (Ametista)

[…] me apareceu uma dor no dorso muito forte, muito profunda, muitas dores no quadril […] fiz um exame de sangue, daí virou, transformou a minha vida

[…] o meu PSA tinha dado altíssimo […] eu estava com câncer, era muito agressivo, e já estava nos ossos (Ônix)

[…] a gente fica com dor aqui, dor ali […] o que me atrapalha é o problema de desgaste no joelho, me prejudica […] eu desgastei meu joelho trabalhando para formar meus filhos… (Esmeralda)

[…] eu não posso costurar muito, porque dói os braços… (Turmalina)

Um pouco a gente tem reclamado né (risos) porque tem dia que a gente está deitado, cansa muito e não pode dar nem uma andada […] a gente trabalhava, hoje a gente está parado, a idade chegou (risos) e ai vai levando a vida devagarzinho, vai levando… (Ouro)

O corpo envelhecido experiencia cansaço físico, limitações na saúde, presença de dores pela doença (câncer) ou por desgaste físico relacionado à idade/temporalidade, indisposição física e ausência de trabalho, modificações estas que trazem significações em seus mundo-vida e alteram suas percepções diante da velhice.

Embora envelhecer e adoecer não sejam sinônimos, quando a doença se faz presente pode provocar alterações na integralidade do corpo do idoso, suscitando sentimento de perda e de mudanças nos padrões sociais e culturais, interferindo em suas subjetividade.

Nesse sentido, podemos afirmar que o corpo que aqui revelamos é o corpo-próprio (Leib) considerado por Merleau Ponty, o corpo que se dirige ao mundo e para o qual se revela como sujeito encarnado. Esse corpo-próprio ou corpo-sujeito vai de encontro com o problema da subjetividade, que na filosofia merleaupontyana é entendida pela retomada do pensamento cartesiano, ou seja, se manifesta com os vestígios do mundo natural ou cultural (Merleau Ponty, 2011).

No rompimento com o corpo como substância (Körper), o corpo fenomenológico se coloca como mediador da relação do homem com o mundo e se desdobra em outras noções como da intersubjetividade e a intencionalidade e a experiência perceptiva do sujeito surge mediante a sua presença enquanto corpo no mundo (Merleau Ponty, 2011). Diante de tal compreensão a velhice poderia ser vista com outro olhar diante das limitações e perdas, e o idoso considerar-se sujeito de sua propria história, reconhecendo a si mesmo e valorizando seu corpo, sua corporeidade.

4. Conclusão

Este estudo permitiu compreender o significado do corpo envelhecido por meio da descrição e interpretação do fenômeno, tal como ele se apresenta para o idoso. O fenômeno foi revelado pelos sujeitos do estudo tendo por princípio o resgate do corpo para além do físico utilizando-se da Fenomenologia da Percepção em Merleau Ponty.

O corpo do idoso foi compreendido como objeto diante da imagem corporal tendo as alterações senescentes como significado negativo no envelhecer. Mudanças ocorridas como enrugamento de pele, aparecimento de cabelos brancos e ganho de peso foram revelados pelos participantes do estudo, e refletem a valorização cultural ocidental dada às transformacoes inevitáveis no corpo decorrente da idade. A velhice foi compreendida como algo difícil e o desejo de ter um corpo físico jovial ficou evidente nos resultados distanciando o olhar do idoso para si como ser em totalidade, como sujeito da percepção diante do mundo.

Outras alterações no organismo biológico/físico foram evidenciadas e relacionadas ao desgaste do corpo diante da temporalidade apontando para a fragilidade da velhice quando se compara o corpo habitual (rememoração do corpo físico jovem) com o corpo atual (idoso), de forma que, necessitam ser ressignificadas pelo sujeito da percepção, neste estudo, o idoso.

Dentro do olhar dicotômico corpo/mente o estudo também aponta que o corpo envelhecido se apresenta em desarmonia com a mente, permitindo que o idoso perceba a realidade do envelhecer, e possibilitando a compreensão fenomenológica de ser idoso por meio de sua existência, não se diferenciando mais nesse meio comum entre o fisiológico e o psicológico.

A presença de doenças crônicas na velhice, bem como, as limitações impostas pelo próprio processo de envelhecimento foi um achado importante neste estudo revelando que estas, de alguma maneira interferem na vida da pessoa idosa e na sua relação com o mundo, alterando suas percepções diante do envelhecer.

Alguns apontamentos se fazem enriquecedores no sentido de trabalhar com as pessoas idosas dentro da perspectiva da interdisciplinaridade, em diferentes espaços de diálogo a fim de fomentar discussão sobre tema do envelhecimento e suas facetas, desmistificando os aspectos negativos do envelhecer e fortalecendo o idoso em sua existência, enquanto ser no mundo, valorizando a expressão da subjetividade e intersubjetividade das pessoas idosas, desta forma, ressignificando a compreensão de corpo envelhecido a partir de suas experiências de vida.

Agradecimentos

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela concessão de bolsa de estudos à Luciane Almeida por meio do projeto de pesquisa intitulado “A corporeidade do idoso na dimensionalidade do viver: uma compreensão fenomenológica”.

Referências

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Debert, G. G. (1999). A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Universidade de São Paulo/Fapesp.

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1. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro Oeste, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)(2011). Enfermeira. lualmeida0526@gmail.com

2. Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (1999). Professor Titular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Professor permanente, pesquisador e membro do Colegiado de Curso do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste (triênio 2015-2018) - Área de Concentração: Saúde e Sociedade. Orientador do estudo. phaidamus43@gmail.com


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