Vol. 38 (Nº 21) Año 2017. Pág. 30
Roselis N. MAZZUCHETTI 1; Mirian Beatriz SCHNEIDER 2
Recibido: 11/11/16 • Aprobado: 23/11/2016
RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar os aspectos políticos do comércio mundial do açúcar baseando-se em fontes secundárias e relativo aos acontecimentos posteriores ao ano 2000. Observou-se que os acordos bilaterais são fortes, estão calcados às questões políticas e as barreiras comerciais não tarifárias constituem uma nova forma de protecionismo dificultando as transações do comércio internacional do açúcar. À despeito disso, embora as intervenções governamentais tenham refletido diretamente na produção e o consumo do açúcar ter evoluído muito no início deste século, os preços aumentaram decorrentes da variação dos estoques mundiais mas não influenciaram diretamente na dinâmica politica deste comércio. |
ABSTRACT: The goal of this paper is to present the political aspects of world sugar trade based on secondary sources and on the events after the year 2000. It was observed that bilateral agreements are strong, they are trampled to policy issues and non-tariff trade barriers are a new form of protectionism hindering the transactions of the international sugar trade. Despite this, although government interventions have reflected directly in the production and the consumption of sugar have evolved a lot early in this century, prices rose arising from changes in world stocks but did not influence directly the politics dynamics of this trade. |
O açúcar é um produto básico para o consumo humano, pois além das famílias, a indústria considera essencial esse item em suas composições. Seu comércio é mundial, sofrendo interferência tanto da produção de sua matéria-prima, quanto dos interesses políticos dos diversos países envolvido nessa cadeia de produção, comércio e consumo.
Tais interferências estão atreladas à importância de um país em manter a balança comercial favorável e a manutenção da empregabilidade em alguns setores produtivos, neste caso, do setor agrícola, o que impulsiona a adoção de medidas protecionistas por parte de alguns países.
Por se tratar de um setor primário, que envolve questões de segurança alimentar, países buscam a autossuficiência no setor agrícola o que favorece e fortalece a existência de fortes lobbies, os quais impulsionam as intervenções dos governos no setor.
Na busca de maior transparência às políticas comerciais e com o objetivo de administrar e impor regras ao comércio exterior dos países membros a Organização Mundial do Comércio (OMC), antigo Acordo Geral de Tarifas e de Comércio (GATT) tem agilizado as conciliações entre países que discutem as intervenções governamentais, por via diplomática. No entanto, as controvérsias no setor agrícola e principalmente para as questões da commodity açúcar tem sido polêmicas e com tímido avanço.
Neste contexto e, para melhor entendimento dos aspectos políticos do setor açucareiro no mundo, decidiu-se por desenvolver este estudo, cujo objetivo geral foi versar sobre o protecionismo, negociações, preços e barreiras que afetam comércio internacional de açúcar.
Neste estudo utiliza-se a pesquisa exploratória que busca familiarizar e elevar o conhecimento e a compreensão do problema da pesquisa em perspectiva que é entender a dinâmica da commodity açúcar no mundo no período analisado.
Na opinião de Köche (1999), na pesquisa exploratória trabalha-se com o levantamento da presença das variáveis e da sua característica quantitativa ou qualitativa, tendo como objetivo fundamental descrevê-las ou caracterizá-las. O método qualitativo está presente em informações colhidas até mesmo em estudos quantitativos, já que não perde o caráter qualitativo, mesmo quando transformados em dados quantificáveis, já que ocorre a “tentativa de assegurar a exatidão no plano dos resultados”. (Richerdson, 1999)
O estudo baseia-se em pesquisa bibliográfica, por meio de fontes secundárias como livros, revistas, artigos, monografias, teses, dissertações, mídia eletrônica e principalmente sites da Organização Mundial do Comércio (OMC), U>S. Departament of Agriculture (USDA) e International Trade Statistic Database (UN COMTRADE) cujos conteúdos são atualizados constantemente e o conteúdo é altamente confiável.
O corte transversal da pesquisa é o século XXI uma vez que pretende-se mostrar a atualidade e delimitar o conteúdo, embora saibamos da importância dos reflexos do passado para o posicionamento atual da commodity daí alguns apontamentos acerca de politicas adotadas em outras épocas.
O assunto tratado é amplo, por isso delimitou-se em pautar os principais aspectos de comercialização, os impactos dos acordos comerciais, além dos principais aspectos em relação ao preço, tarifas e barreiras protecionistas.
O açúcar é um dos produtos mais protegidos do mundo. Não existe forma padrão de comportamento protecionista, mas ele pode assumir diversos aspectos, destacando-se o controle nas importações por meio de cotas e tarifas até subsídios à produção e à exportação (Vieira, 2010).
Países recorrem à prática de proteção contingente à indústria nacional por práticas comerciais consideradas “injustas” resultantes de subsídios à exportação ou de dumping (prática de comércio de produtos a preços abaixo do custo de produção, com o objetivo de eliminar a concorrência e conquistar uma fatia maior de mercado). Tarifas são adotadas buscando elevar o preço do produto para um nível competitivo com os preços praticados pela indústria local.
O protecionismo é considerado uma prática de comércio desleal e é combatida pela OMC, organismo regulador do setor, cujas negociações para tratar o comportamento protecionista dos países são realizadas por meio de acordos.
Destaca-se que as negociações agrícolas constituem-se em uma forma de se reformar o comércio agrícola, ao mesmo tempo em que trata de um tema que envolve questões relativas às barreiras tarifárias, barreiras não tarifárias, subsídios internos, competitividade e biotecnologia. As posições defendidas pelos países em relação ao tema geram muita polêmica, sendo difícil chegar a um consenso.
Os acordos agrícolas têm como finalidade promover uma modificação no comércio agrícola internacional de maneira que países desenvolvidos e em desenvolvimento tenham condições de troca. Esses acordos preveem negociação de compromissos sobre auxílio interno, proteção do mercado nacional e combate às práticas danosas ao comércio internacional. Tais medidas conferem maior transparência às ações haja vista que as regras e restrições são conhecidas pelos atores do mercado. Segundo Vieira (2010, p. 3), o “Acordo sobre a Agricultura é alicerçado em três pilares: regulação do acesso aos mercados; diminuição dos subsídios à exportação e redução dos apoios internos”.
Os interesses envolvidos nesses Acordos são distintos e envolvem além dos fatores citados, as medidas não tarifárias que apresentam um caráter subjetivo. Vieira (2013) ainda destaca que
Além dos três aspectos regulatórios essenciais, o Acordo sobre a Agricultura envolve outros temas, como medidas sanitárias e fitossanitárias, barreiras técnicas ao comércio, que também está relacionado com o acordo de subsídios e medidas compensatórias. (p. 3)
Os Acordos sobre agricultura quase nunca estiveram presentes nas rodadas de negociações entre países. A rodada do Uruguai foi a primeira a tratar sobre questões envolvendo a agricultura, trazendo inovações como a liberalização dos produtos agrícolas. No entanto, a estrutura do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), conhecida como Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, não permitia uma discussão sobre o protecionismo da commodity açúcar, pois agia por meio de consultas entre as partes, com o propósito de consenso, que acabava por dificultar a negociação, pois uma parte não satisfeita com a decisão a ser adotada poderia bloquear todo o processo. Com a criação da OMC o protecionismo é discutido buscando-se a sua redução.
A rodada Doha tenta liberalizar o comércio mundial. Nesse sentido, os representantes dos países-membros da OMC decidiram, durante a 4ª Conferência Ministerial da organização, realizada na cidade de Doha (Qatar), em 2001, lançar uma nova rodada de negociações para a liberalização do comércio mundial. Esta nova rodada, denominada Agenda de Doha para o Desenvolvimento, objetivava voltar-se para a implementação dos Acordos alcançados na rodada do Uruguai, reduzidos assim os desequilíbrios resultantes desta rodada, que englobava a abertura de mercados agrícolas. A intenção dos países era tornar as regras mais livres para os países em desenvolvimento. Assim, a Declaração comprometia os membros a melhorarem o acesso a seus mercados, reduzirem os subsídios à exportação, além de diminuir o apoio doméstico que acaba sabotando o comércio agrícola.
O maior impasse nessa rodada de negociações tem sido os efeitos que podem sobrevir a partir da adoção de uma política liberalizante. Destaca-se que os EUA e UE, cuja postura pauta-se no neoliberalismo, quando se trata de suas economias, revelam-se interventores e adeptos de medidas protecionistas que vão de encontro ao ideal proposto pela OMC. Por sua vez, esta postura compromete a estabilidade dos países em desenvolvimento que perdem em competitividade frente à adoção de políticas perniciosas ao comércio internacional.
Ainda não existe um consenso entre os países, haja vista que os países em desenvolvimento esperam que os países desenvolvidos como a União Europeia e os Estados Unidos diminuam os subsídios sobre os produtos agrícolas estrangeiros; por sua vez os países desenvolvidos querem, em contrapartida, a abertura aos produtos manufaturados europeus e americanos.
A diminuição dos subsídios afetaria a dinâmica do comércio de commodity açúcar que hoje é dinamizada pelos acordos e tratados entre dois ou mais países. Um exemplo de acordo bilateral para comércio de açúcar no mundo foi estabelecido pelo Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (NAFTA), que permite ao México exportar seu excesso de açúcar para os EUA. Em 2009, foram exportadas 700 mil toneladas de açúcar para os EUA, e em 2010 esse volume subiu para 900 mil toneladas de açúcar (Taylor; Koo, 2011).
Há, também, o Tratado de Livre Comércio entre EUA, América Central e República Dominicana, comumente referido pela sigla CAFTA-RD (em inglês, Central American Free Trade Agreement and Dominican Republic). É um tratado que criou uma zona de livre comércio buscando reduzir e eliminar taxas alfandegárias entre os países membros (Costa Rica; El Salvador; Estados Unidos; Guatemala; Honduras; Nicarágua e República Dominicana). Atualmente fornece açúcar para os EUA, num total de 107 mil toneladas, com aumentos adicionais de 3.000 toneladas por ano (TAYLOR; KOO, 2011).
Um último exemplo é o acordo do Protocolo do Açúcar do Acordo de Tomé, estabelecido pela UE, para importar açúcar de suas ex-colônias, com destaque para Maurício, Fiji, Guiana, Jamaica e Suazilândia, pertencentes à África, Caribe e Pacífico (Costa, 2004).
Ramos (2007) afirma que as políticas açucareiras encontram-se entre as mais antigas políticas setoriais implementadas pelas nações desenvolvidas devido à importância desse produto para o consumo humano, já que está envolvido em um complexo de atividades urbanas e rurais. Uma política agrícola comum é caracterizada por um conjunto de normas e mecanismos que regulam a produção, as trocas e o processamento dos produtos agrícolas.
Para Costa (2004), invariavelmente, as políticas açucareiras são caracterizadas por intervenções governamentais, e estas teriam como objetivos: a) promover a melhoria da renda para os produtores domésticos; b) aumentar a eficiência técnica; e c) estabilizar o mercado em termos de oferta para os consumidores, e preços para consumidores e produtores. Indiretamente, essas políticas afetam a atratividade do açúcar comparado a outros adoçantes usados em bebidas e em alimentos processados.
Tem sido uma tarefa árdua o combate ao intervencionismo governamental na indústria açucareira, que tem assumido enormes proporções, especialmente pelo impacto que eles podem representar na balança de exportações dos países. Assim, muitas nações têm investido para serem autossuficientes em açúcar, com a finalidade de diminuir importações, promover atividades agrícolas capazes de proporcionar grande absorção de mão de obra nas regiões em desenvolvimento ou proporcionar alternativas econômicas à agricultura altamente diversificada em áreas desenvolvidas (Vieira, 2010).
Para Espírito Santo (2001), os países-membros ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE concedem subsídios para a produção do açúcar e suas barreiras à importação chegam a ser proibitivas. Tudo isso é gerado pela diferença de custo de produção, já que alguns países, como o Brasil, conseguem ser eficientes na produção do açúcar de cana, aliado a baixos custos, o que não ocorre nos demais países produtores. Dessa forma, algumas nações, se não oferecerem subsídios aos produtores, não terão chances no mercado.
Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), a ideia de que países desenvolvidos devem ampliar o acesso a seus mercados para produtos de países em desenvolvimento começa a ganhar aceitação. O Banco Mundial em seu relatório "Perspectivas Econômicas Globais e os Países em Desenvolvimento" ressalta um importante ponto:
As grandes barreiras tarifárias impostas pelos países industriais às importações de produtos da agricultura e alimentos processados, somadas aos subsídios a sua produção agrícola, têm contribuído para o declínio da participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial nesses produtos. Essas distorções do comércio afetaram de modo particularmente intenso os países mais pobres, porque um conjunto de outras fragilidades em suas instituições e políticas domésticas inibe a diversificação de sua produção para atender aos setores menos protegidos (BRASIL, 2013b, p. 02).
O atual processo de abertura de mercado é assimétrico: enquanto os países em desenvolvimento abriram seus mercados (sempre com algum custo), integrando-se à economia mundial, os países desenvolvidos implementaram medidas protecionistas crescentes em sofisticação, dificultando o acesso dos produtos agrícolas e industriais de países como o Brasil (Brasil, 2013b).
Por tratar-se de uma commodity, de acordo com Levi (2009), os produtores de açúcar estão vulneráveis às oscilações de preço do mercado, já que o valor pago dependerá fundamentalmente das variações internacionais.
O Gráfico 1 mostra a evolução no preço (em dólar) do açúcar nos últimos anos, considerando-se o preço médio mundial. Observa-se no Gráfico que houve uma expressiva evolução do preço do açúcar no mundo nos últimos anos, aumentando em 114,6% o valor entre os anos de 2000 e 2013.
Gráfico 1 - Evolução do preço médio do açúcar no mundo, entre 2000 e 2013
Uma das explicações para estas variações pode ser encontrada em Taylor e Koo (2011), que asseveram que essas variações de preço são decorrentes diretamente das variações dos estoques mundiais. Por exemplo, a alta ocorrida entre 2005 e 2006 pode ser explicada pelo fato de o Brasil ter dedicado mais cana para a produção de etanol do que para o açúcar, interferindo na oferta mundial do produto. No entanto, a queda dos preços do açúcar em 2012 e 2013 está atrelada à oferta que tem sido bastante elevada.
Procurando entender este contexto, alguns aspectos de produção e consumo do açúcar devem ser considerados.
A produção mundial de açúcar em 2012/2013 foi de cerca de 184 milhões de toneladas, segundo dados da Food and Agriculture Organization (FAO) ou Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, 2014a). Em 1989/1990 a produção mundial era de 109 milhões de toneladas. O Brasil, que sempre figurou entre os maiores produtores de açúcar do mundo, passou a ocupar o primeiro lugar do ranking em 1997/1998, tomando o lugar da Índia (Silveira; Burnquist, 2004).
Atualmente, os 10 países com maior produção de açúcar representam 76,5% da produção mundial. Mais significativo ainda é quando são estratificados os cinco principais produtores, sendo eles Brasil, Índia, UE, China e Tailândia, observando-se que os mesmos respondem por 60,4% da produção mundial de açúcar.
Em relação ao consumo, em 1920 era consumia aproximadamente oito milhões de toneladas de açúcar no mundo, o correspondente a 5,0 kg do produto por pessoa. No início do século XXI o consumo mundial já era de 133 milhões de toneladas, sendo o consumo per capita de 22,2kg. Em 2011, com uma população de sete bilhões de habitantes no planeta, o consumo de açúcar estava em 163 milhões de toneladas e o consumo per capita subiu para a média de 23,2 kg, sendo que o menor nível de consumo per capita está localizado em Bangladesh (8 kg/pessoa) e o maior está em Israel com 66 kg por pessoa (USDA, 2013).
Para Levi (2009), o aumento do consumo reflete diretamente no crescimento da população ao longo dos anos, juntamente com um incremento da renda per capita, que permite maior consumo, tanto do próprio açúcar quanto dos produtos industrializados que o utilizam em sua composição. O autor estima que cerca de 45% de todo o consumo seja industrial, enquanto 55% seja de consumo direto.
Os cinco maiores consumidores de açúcar do mundo são, respectivamente, Índia, UE, China, Brasil e EUA, que juntos respondem por aproximadamente 49,3% do consumo mundial do produto. Coincidentemente, os maiores consumidores também são os maiores produtores mundiais.
Veiga Filho et al. (2003) e Vian (2013) chamam a atenção para o consumo do açúcar nos EUA. O país mantém internamente o preço do produto elevado, decorrente de suas políticas de quotas de importação. Essa situação contribuiu de certa maneira para tolher o consumo individual na última década, fazendo com que fosse superado pelo consumo de adoçantes calóricos obtidos a partir do milho.
Quanto às tarifas de importação, a UE cobra os valores (em Euros por tonelada) conforme demonstrado na Tabela 1.
Tabela 1 - Cotas de importação e tarifas para o açúcar importado pela União Europeia em 2012
PAÍS |
COTA (T) |
TARIFA (€/T) |
Brasil |
334.054,00 |
98 |
Outros |
253.977,00 |
98 |
Cuba |
68.969,00 |
98 |
Índia |
10.000,00 |
98 |
Austrália |
9.925,00 |
98 |
TOTAL |
676.925,00 |
|
Fonte: ZAMPIERI, 2013.
Verifica-se que o Brasil possui cota de exportação de 334 mil/t, diante da cota global de 676.925 mil/t, o que representa quase 50%. Para esta quantidade, a tarifa paga por tonelada é de € 98. Exportações acima desse volume pagam uma taxa de € 500, no total. Segundo Zampieri (2013), a adoção desta medida pela UE tem a intenção de privilegiar importações de países mais carentes, como os da África, Caribe e Pacífico.
O açúcar, independentemente da matéria-prima utilizada (cana-de-açúcar ou beterraba), consiste num produto sujeito a intervenções governamentais (das mais diversas) em todos os países do mundo, o que traz reflexos sobre a produção, preços, estoques e o comércio internacional (Shikida, 1997; Veiga Filho et al., 2003; Vian, 2003).
Países desenvolvidos, como os EUA e o Japão, além do bloco econômico representado pela UE, mantêm mecanismos que dificultam a entrada de produtos de países exportadores em seus mercados. Não são apenas altas barreiras tarifárias, mas também instrumentos defensivos e barreiras não tarifárias, que constituem obstáculos ao livre acesso para esses mercados. Desde a criação do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), as barreiras tarifárias têm sofrido redução e a expectativa é de que sejam reduzidas ainda mais. Paralelamente, pela complexidade das economias, as barreiras não tarifárias estão ganhando importância como nova forma de proteção aos mercados nacionais. Tem crescido o estabelecimento de restrições e requerimentos para o comércio de bens e serviços. As barreiras não tarifárias podem, por um lado, proporcionar exigências legítimas de segurança e de proteção à saúde, mas, por outro lado, também podem apresentar novas formas de protecionismo (Brasil, 2013b).
Atualmente está sendo considerado que subsídio à produção é uma forma de barreira não tarifária, utilizada em grande escala em setores como o agropecuário, afetando o comércio internacional de maneiras distintas. Eles incrementam a produção interna eliminando possíveis importações e desviam o comércio, em detrimento de exportações mais competitivas de outros países (Brasil, 2013b).
Os maiores importadores de açúcar são a UE, Indonésia, EUA, China e Japão. Especialmente a UE, os EUA e o Japão protegem fortemente seu mercado, utilizando-se de meios que reduzam o consumo de produtos vindo do exterior, encorajam a produção doméstica e restrinjam o comércio (Vieira, 2010).
O açúcar europeu é um dos grandes concorrentes do produto brasileiro. Isto se deve aos subsídios autorizados pela OMC, pois se não houvesse esses subsídios a produção desse bloco seria praticamente nula. O sistema de proteção do açúcar europeu é basicamente um sistema de preços mínimos, estabelecido em três tipos de cotas. Existe um preço único, chamado "preço de intervenção", para as cotas do açúcar "A" (produção destinada ao consumo interno) e do "B" (que completa a cota em caso de necessidade ou é exportado com subsídio, chamado de "restituição", correspondendo à diferença entre o preço garantido na UE e o preço mundial pelo qual é vendido). E ainda existe o "C", que é a parte excedente da produção fora da cota, destinado à exportação sem garantia de preço, mas recebe benefícios indiretos. O Brasil contesta na OMC as exportações de açúcar tipo "C", que é vendido no mercado internacional com preços inferiores ao seu custo de produção, devido a um sistema de subsídios cruzados das cotas "A" e "B". Além disso, a UE compra açúcar bruto de suas ex-colônias (África, Caribe e Pacífico) a preços subsidiados e reexporta o açúcar refinado em volumes que ultrapassam ao acertado na negociação da rodada Uruguai do GATT (Mariotoni; Furtado, 2004).
Em relação às práticas da UE, Moretto e Quina (2004, p. 04) destacam que:
A União Europeia (UE) é um bloco econômico regional que foi criado com a intenção de proteger a economia dos seus países-membros, ou seja, gerar um protecionismo econômico, assegurando aos seus produtos o mercado interno e buscando o mercado externo. Alguns países tinham produção de determinados produtos em menor quantidade que outros e vice-versa, assim, para que não houvesse muitas importações e seus produtos não perdessem mercado, esse bloco econômico – a UE – assegurou que os produtos fossem importados e exportados entre esses países-membros.
Nesse sentido, Moretto e Quina (2004, p. 04) afirmam ainda que: “como a UE destina uma grande parte do seu orçamento à agricultura, países como o Brasil, Argentina, Austrália e Canadá saem prejudicados quando se trata de produtos agrícolas”. Assim, o bloco atua mediante a imposição de barreiras alfandegárias, especialmente no caso de produtos agrícolas de outros países, subvencionando 49% da sua agricultura.
Esta forma de proteção da economia interna é perniciosa ao comércio internacional. Sobre isto, Moretto e Quina (2004) também destacam:
A PAC é uma política pública comunitária, ou seja, praticada no âmbito da União Europeia (UE) que pode ser enquadrada no arcabouço do estado de bem estar social europeu na forma de “subsídios agropecuários”. Os subsídios são ajudas dadas pela UE aos agricultores para que eles não tenham prejuízo quando vendem seus produtos, ou seja, se os preços dos produtos agrícolas fossem formados no mercado, incluindo aí a possibilidade de uma maior oferta com gêneros similares importados, baixado os preços pela quantidade ofertada, é bastante provável que, em muitas situações, o preço de mercado não cobrisse os custos, os subsídios podem ser pagos para redução de custos, para complementação de receitas, garantindo lucros aos produtores, através de créditos com juros negativos e simplesmente transferências unilaterais de recursos, a fundo perdido. (p. 5)
A Tabela 2 destaca a política de subsídios praticada pela UE entre 2000 e 2009.
Tabela 2 - Subsídios agrícolas da União Europeia entre 2000 e 2012
Empresa |
Períodos iniciais até 2009 |
País |
Atividade Principal |
Valores em Euros |
Saint Louis Sucre S.A. |
Desde 2004 |
França |
Açúcar |
196.464.108 |
Tereos |
Desde 2004 |
França |
Açúcar |
177.711.982 |
Krajowa |
Desde 2006 |
Polônia |
Açúcar |
137.308.060 |
Azucarera Ebro |
Desde 2000 |
Espanha |
Açúcar |
127.108.437 |
Doux |
Desde 2004 |
França |
Carne de Aves |
119.202.517 |
RaffinerieTirlemontoise |
Desde 2002 |
Bélgica |
Açúcar |
81.365.071 |
Südzucker |
Desde 2006 |
Polônia |
Açúcar |
66.539.556 |
Cristal Union Sca |
Desde 2004 |
França |
Açúcar |
57.519.972 |
IseraScaldis |
Desde 2002 |
Bélgica |
Açúcar |
53.749.688 |
Pfeifer&Langen |
Desde 2006 |
Polônia |
Açúcar |
53.413.960 |
Total Recebido |
|
1.070.383.351 |
Fonte: TREMEA, 2012, p. 06.
Verifica-se que o produto que mais recebeu subsídios foi o açúcar, com destaque para a França. A UE adotou dois tipos de medidas especiais de barreiras que estão baseadas em preço e volume. As medidas baseadas em preço resultam na aplicação de um direito adicional quando o preço de importação do produto cai abaixo do preço de referência; já a de volume ocorre quando se atinge determinado volume de importação. Existe, ainda, a obrigatoriedade de licença de importação para alguns produtos, dentre eles o açúcar. A justificativa para tal licença, segundo a UE, é melhorar a administração do mercado e para fins estatísticos (Brasil, 2013b).
Em relação aos EUA, 60% dos produtos brasileiros de exportação são afetados, de uma ou outra maneira, por medidas restritivas no mercado americano. Importantes produtos agrícolas e industriais brasileiros estão sujeitos a picos tarifários, alguns da ordem de 200% a 300% "ad valorem" (ou seu equivalente). Veja-se, por exemplo, o caso do açúcar que sofre uma tarifa de 236% para o que exceder a quota destinada ao Brasil (Brasil, 2013b).
Já em relação ao Japão, existem barreiras tarifárias sobre a exportação do açúcar oriundo do Brasil, mas esse comércio é considerado muito pequeno. O Japão prefere importar açúcar da Austrália e da Tailândia, devido à proximidade com esses países, sem imposição tarifária. A OMC determinou a redução em 15% do total de tarifas e taxas de importação impostas pelo Japão. Entretanto, a redução dos preços domésticos foi atenuada por mudanças em outras sobretaxas e taxas sobre a importação do açúcar. Observa-se, contudo, que o Japão apresenta uma escalada tarifária para esse produto, oferecendo uma estrutura tarifária progressiva na medida em que os produtos adquirem maior valor agregado. As alíquotas para o açúcar recebem uma tarifa ad valorem que varia entre 118,03% e 344,72% (Costa, 2004).
As barreiras comerciais não tarifárias constituem a nova forma de protecionismo, caracterizadas como um meio de dificultar a dinâmica do comércio internacional e sendo um dos maiores desafios a serem enfrentados durante as rodadas de negociações.
Os subsídios desempenham um papel fundamental na aceleração da reestruturação de uma economia: a introdução de um sistema de benefícios e dinamismo do setor. Na visão de Bruno et al. (2012):
O subsídio é uma prática presente nas políticas econômicas dos países que se inserem nas relações comerciais internacionais, seja ele tratado como um mecanismo de segurança, uma assumida forma de protecionismo de um país sobre determinados setores ou uma válvula de escape para que os governos possam intervir na política econômica sem violar compromissos que primam pelo livre comércio entre as nações. (p. 757)
A utilização de uma política de subsídios diretos para a agricultura pode ser feita por meio da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM). Dessa maneira, é fixado um preço de intervenção baseado nos custos diretos de produção com o objetivo de garantir renda mínima ao produtor. Por sua vez, o preço de referência é utilizado nas compras governamentais com a finalidade de gerar estoques reguladores de mercado.
Concluído esta pesquisa, foi possível esclarecer os principais aspectos relacionados ao comércio internacional do açúcar.
As políticas açucareiras são antigas, caracterizadas por intervenções governamentais, que envolvem a prática de subsídios aos produtores internos, aplicação de barreiras comerciais, tarifárias e não tarifárias, além de estabelecimento de cotas para o produto estrangeiro.
A criação do GATT e posterior realização das rodadas de negociações buscou minimizar as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Contudo, estes últimos são os que mais sofrem em função da adoção de políticas protecionistas por parte das nações mais desenvolvidas, em especial os EUA, UE e Japão, principalmente no que se refere ao comércio do produto açúcar, já que alguns dos maiores produtores são os países em desenvolvimento.
Assim, pode-se afirmar que o protecionismo ao açúcar atualmente encontra-se presente nas relações comerciais de muitos países, entretanto, são nos países desenvolvidos que essa política apresenta maior predomínio. A UE ocupa o segundo lugar na distribuição de subsídios ao setor agrícola, alcançando aproximadamente 50% do orçamento assegurado a esse setor, com ênfase ao açúcar oriundo da beterraba que possui desvantagens nos custos e na produtividade em relação ao produto oriundo da cana-de-açúcar.
A ideia de implementar reformas, adoção de regras mediante acordos pregados pelos organismos internacionais, por meio das rodadas de negociação, tem trazido benefícios; entretanto, torna-se necessário que sejam cumpridos por todos. Tais rodadas de negociação tiveram um papel importante com fator de impulsionamento do comércio internacional. Dentre as oito rodadas, a mais importante, pela quantidade de temas analisados, foram a rodada do Uruguai e a rodada de Doha. Nesta última o tema de maior interesse e preocupação foi a liberalização do setor agrícola, em que está concentrado o maior número de políticas protecionistas.
Na rodada de Doha, o maior obstáculo ficou centrado na resistência dos EUA e UE na adoção de medidas voltadas a liberalização da área agrícola. Percebe-se muito nessas negociações uma relação desigual proposta (não abertamente) de direitos e vantagens para poucos (os países desenvolvidos) e desvantagens para a grande maioria que são os países em desenvolvimento, e consequentemente para o produto açúcar.
Para as transações do açúcar, observa-se que os acordos bilaterais são fortes e envolvem questões políticas interna e externa entre os países. Há, por exemplo, um acordo bilateral entre EUA e México, que permite que o segundo país exporte o produto para o primeiro. Os EUA também fizeram um acordo para importação da América Central e República Dominicana. Já a UE estabeleceu parceria com suas ex-colônias.
Os preços evoluíram consideravelmente nos últimos anos incentivando a produção e é óbvio, em razão de maior demanda. Alguns autores outorgam esta maior demanda ao aumento da população e da renda principalmente na China e Índia. Embora 2011 tenha sido um ano de excelentes preços, os mesmos diminuíram em 2012 e 2013 em razão da maior oferta do produto.
Se neste diálogo acrescentarmos o assunto “custos de produção”, o Brasil, maior produtor, possui os menores custos de produção. O custo da produção do açúcar pela União Europeia é três vezes maior do que o do Brasil. Embora este último seja também o maior exportador do produto, sofre com as barreiras impostas pelos grandes consumidores.
As barreiras são impostas em forma de quotas de importação e altas tarifas, além dos subsídios aos produtores internos. Essa forma de política, que se torna benéfica para a economia interna, do ponto de vista do comércio internacional é danosa, pois reduz as chances de ganho que, especialmente as nações em desenvolvimento, poderiam desfrutar com o comércio internacional.
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1. Pós Doutora em Administração – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) – Brasil – Email: profbibi01@gmail.com
2. Pós Doutora em Economia Aplicada. Universidade de São Paulo (USP) – Brasil – Email: mirian-braun@hotmail.com