Vol. 38 (Nº 17) Año 2017. Pág. 19
Rafaela de ASSUNÇÃO 1; Alexandre França TETTO 2; Antonio Carlos BATISTA 3
Recibido: 14/10/16 • Aprobado: 29/10/2016
RESUMO: A atual política visando apenas a supressão do fogo acarreta em uma quebra de cultura do seu manejo tradicional do mesmo, muito utilizado no meio rural. Nesse sentido, foram aplicados questionários para os moradores do assentamento Vale Verde, em Gurupi (TO), a fim de caracterizar os seus conhecimentos e práticas realizadas sobre a prevenção, combate e o manejo do fogo. Através dos resultados conclui-se que há grande uso do fogo no assentamento, e os moradores apresentaram vasto conhecimento sobre as práticas de prevenção e combate aos incêndios florestais, bem como grande preocupação sobre os efeitos negativos que o fogo pode trazer. |
ABSTRACT: The current policy aiming only fire suppression leads to a breakdown on traditional culture management, which is widely used in rural areas. In this regard, questionnaires were applied to residents of the Vale Verde settlement in Gurupi (TO) in order to characterize their knowledge and practices on fire prevention, combat and management. From the results it is concluded that there is great use of fire on the settlement and that the residents had extensive knowledge of the practices to prevent and combat forest fires, along with concern about the negative effects that fire may bring. |
O bioma Cerrado é a maior região de savana tropical da América do Sul. É o segundo maior bioma brasileiro, perdendo apenas para a Amazônia. Ocupa cerca de 24% do território nacional, ocorrendo em dez estados brasileiros, além do Distrito Federal e parte do nordeste do Paraguai e leste da Bolívia (MMA, 2009; Pivello, 2011).
Ele contém as três maiores bacias hidrográficas sul-americanas. No Brasil, seis das oito grandes bacias hidrográficas têm nascentes na região, contribuindo com 14% da produção hídrica superficial brasileira (SCARIOT et al., 2005). O bioma apresenta, ainda, um mosaico de fisionomias vegetais com distintas composições de espécies e gradientes de cobertura arbórea e arbustiva. Contendo a maior diversidade de plantas entre as savanas tropicais, o Cerrado possui mais de 12.000 espécies de angiospermas, sendo aproximadamente 44% das suas espécies endêmicas (MENDONÇA et al., 2008; MUSSO et al., 2014).
Segundo Eiten (1972), o bioma apresenta um clima com duas estações bem definidas: uma seca, que ocorre de maio a setembro, e outra chuvosa, de outubro a abril, quando ocorre a maior parte da precipitação anual (cerca de 1.600 milímetros). Devido a esta marcante sazonalidade, na estação seca a biomassa herbácea torna-se extremamente seca e altamente inflamável, sendo comum queimadas rápidas que consomem principalmente a vegetação herbácea (COUTINHO, 1990; RAMOS-NETO e PIVELLO, 2000).
Embora apresente características únicas e de grande relevância para o ambiente em âmbito nacional, o Cerrado foi identificado como o segundo bioma brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana, perdendo apenas para a Mata Atlântica. Nas últimas décadas, grande parte da sua cobertura original foi desmatada para abrir áreas para a agricultura, sendo atualmente uma região com diversos cultivos de soja para exportação. Devido ao seu valor ambiental e a elevada taxa de desmatamento, a perda de habitats e o aumento na taxa de espécies em extinção, o Cerrado foi considerado um dos 25 “hotspots” mundiais de biodiversidade. Apesar disso, de todos os hotspots mundiais, o Cerrado é o que possui a menor porcentagem de áreas sob proteção integral, apresentando 8,21% de seu território legalmente protegido por unidades de conservação (MYERS et al., 2000).
O fogo, considerado comumente como um dos grandes vilões da devastação no Cerrado, tem ocorrido no bioma de forma natural há mais de 40.000 anos, enquanto os indígenas, os quais utilizavam o fogo para diversos fins, estabeleceram-se no Cerrado há apenas 10.000 anos. Assim, pode-se dizer que ele é um elemento natural na região há milhares de anos (MIRANDA, 2010), apresentando seu próprio regime natural de queimas, expressos por uma alta frequência e baixa intensidade.
O fogo é provavelmente a ferramenta mais antiga e mais amplamente utilizada pelos seres humanos para modificar o ambiente, muito embora tenha tido seu regime natural alterado ao longo do tempo. Devido a sua importância na vida e na cultura das pessoas, ele deixou de apresentar um papel simplesmente físico, ganhando força em um contexto social. O emprego do fogo no meio rural tem sido aperfeiçoado ao longo das gerações, e este conhecimento passado de pai para filho. Tal cultura permeia as mais diversas esferas de conhecimentos, seja nas relações ecológicas, econômicas, políticas, tecnológicas ou sociais (COUGHLAN e PETTY, 2012; ROOS et al., 2014).
Para Alvarado et al. (2011), a sobrevivência de comunidades tradicionais depende de seu modo de vida, rico em tradições que estão intimamente ligadas às informações adquiridas no dia a dia. Este conhecimento é guiado por suas crenças e implementado através de suas tradições e histórias, ensinamento interpessoal e experiências. Neste contexto, o fogo desempenha um papel fundamental na vida das pessoas, uma vez que está inserido juntamente a diversas práticas agrícolas e sociais (MISTRY e BIZERRIL, 2011), pois o fogo era, é e sempre será, uma importante ferramenta de manejo para os moradores do meio rural.
Ainda segundo Alvarado et al (2011), há grande importância em se realizar a troca de informações entre povos tradicionais, comunidades científicas e demais instituições, pois estas compartilham a necessidade de maiores e mais eficientes informações sobre os incêndios florestais, uma vez que o uso incorreto do fogo pode acarretar em prejuízos materiais e destruir recursos naturais, provocando assim mudanças na dinâmica ecológica local e regional. Fogo, vegetação e clima estão fortemente ligados: oscilações no clima, bem como mudanças na vegetação alteram a forma como o fogo irá afetar certa região e, em troca, o fogo altera a estrutura e a composição da vegetação, as quais alteram o clima localmente (HANTSON et al., 2016).
O uso do fogo em comunidades tradicionais tem sido relatado em todo o mundo. Em tribos norte-americanas pré-colonização, há evidências de que o homem tem influenciado, por milhares de anos, os ecossistemas para alterar a paisagem, a fim de sustentar seus modos de vida (ALVARADO et al., 2011).
No Brasil, povos indígenas apresentam uma cultura de utilização do fogo. Seu uso é frequente e diversificado, tendo como principais objetivos alternar cultivos; manejar a caça; estimular e coletar frutos silvestres e mel; bem como questões culturais e religiosas. Com o tempo, o uso do fogo como ferramenta de manejo foi passado dos indígenas aos sertanejos, os quais utilizam o fogo intensivamente nos ciclos de agricultura e pecuária das fazendas por meio das queimas controladas (MIRANDA, 2010; FIDELIS e PIVELLO, 2011; MISTRY e BIZERRIL, 2011).
Sob o ponto de vista dos produtores rurais, a queima controlada apresenta diversas vantagens, sendo uma técnica eficiente, prática e barata. Além disso, é considerada muito versátil, sendo empregada para diversas finalidades, principalmente para a limpeza do terreno e o preparo da terra para o plantio de culturas e estimular o crescimento de gramíneas forrageiras para o manejo do pasto. O fogo também pode ser empregado na redução da incidência de pragas e doenças; estimular o crescimento de certas plantas, no controle de plantas invasoras, e aumentar da disponibilidade de nutrientes no solo (NESPAD et al., 1999; BONFIM et al., 2003).
Entretanto, nas últimas décadas o abandono de terras, a migração da população rural para as cidades industriais e as novas leis impedindo o seu uso, bem como o aumento da supressão dos focos de incêndio, gerou uma lacuna cultural na experiência do manejo do fogo, de modo que o seu uso foi reduzido apenas aos pequenos e mais pobres produtores, os quais não podem arcar com os custos com maquinário para a limpeza do terreno, remover as árvores caídas e despender tempo roçando as ervas daninhas que invadem as pastagens (PAUSAS e FERNANDES-MUÑOZ, 2012; FERNANDES et al., 2013).
Considerando que a compreensão das práticas de fogo tradicionais pode fornecer subsídios na solução de questões relacionadas ao manejo do fogo, este estudo teve como objetivo realizar um diagnóstico do uso do fogo pelos moradores do assentamento Vale Verde, em Gurupi - TO, bem como verificar a sua percepção com relação aos impactos causados pelo mesmo na vida das pessoas.
Este estudo foi realizado no assentamento Vale Verde, no município de Gurupi, situado na região sul do estado do Tocantins, a 230 km da capital, no limite de águas entre as bacias hidrográficas dos rios Araguaia e Tocantins (imagem 1).
Imagem 1 – Localização da área de estudo
A precipitação média anual da região é de aproximadamente 1.500 mm, com destaque para os meses entre novembro e abril, quando ocorre a maior parte da precipitação. A temperatura média anual é de 26 °C, com temperaturas máximas variando de 33 a 36 °C, nas estações de primavera e verão; e mínimas de 21 °C, no outono e inverno (SANO et al., 2008). Inserido dentro do bioma Cerrado, o município apresenta diversas fitofisionomias campestres, savânicas e florestais, tais como: campo, campo cerrado, cerradão e formações de matas ciliares.
O assentamento Vale Verde, criado em 16 de abril de 2003 pela Portaria INCRA/SR-26/Nº09/2003, está localizado nas coordenadas S 11º 52.582 W 048º 58.913 e situado a 15 km do perímetro urbano de Gurupi. Possui uma área total de 1765,18 hectares, sendo dimensionado para atender 100 famílias, com área média de 10 hectares por lote, onde são praticadas predominantemente atividades de agricultura e pecuária para subsistência. A área restante (cerca de 35% da área total), foi delimitada e conservada como reserva legal comunitária (PDA Vale Verde, 2004).
O público alvo da pesquisa restringiu-se aos moradores do assentamento Vale Verde, tendo sido entrevistado um morador de cada família (lote). O entrevistado deveria ser preferencialmente aquele que contribui com a maior parte da renda da casa ou então que atua trabalhando na propriedade para sua fonte primária de renda, devido ao maior conhecimento sobre as atividades desenvolvidas na propriedade e os problemas enfrentados no assentamento com o uso do fogo pelos moradores.
Antes da realização da pesquisa propriamente dita, o assentamento foi visitado e os moradores questionados sobre a sua opinião em relação à pesquisa e a sua relevância para os mesmos, a fim de conhecer a realidade local, verificar a aceitação dos moradores quanto à pesquisa, e a disponibilidade de dia e horário dos mesmos para a realização das entrevistas. Verificada a aceitação dos moradores, foi estabelecido que as entrevistas ocorreriam aos finais de semana, uma vez que diversos moradores trabalhavam fora do assentamento durante a semana.
Para obter as informações desejadas foi aplicado um questionário semiestruturado, com perguntas abertas e fechadas, totalizando trinta e quatro questões. Devido o número de perguntas e a natureza das mesmas, o questionário foi dividido em duas partes. A primeira, composta por dez questões, abordava aspectos gerais sobre os indicadores demográficos e sociais dos moradores e a propriedade. A segunda parte do questionário, com vinte e quatro questões, abordava temas gerais e específicos relacionados às características do uso e o manejo do fogo na propriedade, os métodos de prevenção e combate ao fogo empregados, a presença de órgãos do governo realizando atividades de assistência técnica, e de extensão para orientação sobre o tema, a percepção dos riscos do fogo e os danos causados por incêndios na propriedade em 2015.
Devido a disponibilidade de tempo e o tamanho da população, foi definida a realização do censo no assentamento. Após as entrevistas, os dados foram compilados e analisados estatisticamente em planilhas eletrônicas e softwares estatísticos. As questões de múltipla escolha apresentam frequência relativa ao número de pessoas que assinalou tal item.
Por meio do questionário foi possível caracterizar e analisar aspectos históricos e culturais do uso do fogo por parte dos moradores do assentamento estudado. Dos cem lotes existentes, ocorreu a entrevista em 96 destes, sendo realizadas sete visitas entre os meses de novembro de 2015 e junho de 2016. As entrevistas só não foram realizadas nos lotes que estavam sem ocupação ou os moradores encontravam-se fora no momento das visitas.
De modo geral, verificou-se que os moradores do assentamento se caracterizam por serem moradores oriundos de 11 estados brasileiros - de diversas regiões do país. Grande parte destes apresenta pouca ou nenhuma instrução escolar, de modo que aproximadamente 63% destes são analfabetos ou apresentam o ensino fundamental incompleto, principalmente devido à necessidade de auxiliar os pais na lavoura desde cedo. A idade média dos moradores é de 41 anos, sendo a população masculina ligeiramente maior que a feminina (cerca de 53% da população), e com predominância dos moradores na faixa etária entre 50 e 59 anos - cerca de 18,6% do total da população (gráfico 1).
Gráfico 1 – Idade dos moradores segundo classe.
A renda familiar média está entre R$ 500,00 e R$ 2.000,00 (gráfico 2), proveniente principalmente da venda de produtos agrícolas (sobretudo milho e mandioca), de animais (carne bovina, suína e caprina) e produtos de derivação animal (leite, ovos e mel).
Gráfico 2 – renda mensal média
Com relação ao uso do fogo, mais da metade dos entrevistados afirmou utilizar o fogo dentro da sua propriedade, embora quase um terço dos entrevistados negue o seu uso e seja contra a utilização do mesmo para qualquer tipo de atividade (tabela 1).
Variável |
Frequência absoluta |
Frequência relativa (%) |
Realização da queima |
||
Utiliza o fogo |
64 |
66,7 |
Não utiliza o fogo |
32 |
33,3 |
Total |
100,00 |
100,00 |
Frequência das queimas |
||
Utiliza todos os anos |
60 |
93,75 |
Utiliza a cada 2 anos |
1 |
1,56 |
Utiliza a cada 3 ou mais anos |
3 |
4,69 |
Total |
100,00 |
100,00 |
Tabela 1 – Utilização e frequência do fogo na propriedade rural
O receio dos moradores em utilizar o fogo ocorre devido os riscos que ele pode trazer, seja pela possibilidade de perder o controle durante o seu uso ou simplesmente por acharem desnecessário nas atividades da propriedade.
Durante as entrevistas poucos produtores (menos de 10%) mencionaram já terem perdido o controle do fogo uma ou mais vezes nos últimos anos, sendo necessária a ajuda de vizinhos e parentes para o combate. Isso, aliado aos incêndios que se iniciam próximo ao assentamento e seguem em direção ao mesmo e a falta de auxílio por parte dos bombeiros e das entidades locais criou, dentro do assentamento, um certo receio por parte de muitos moradores de utilizar o fogo.
Para Mistry e Bizerril (2011), o que diferencia os produtores rurais em relação ao uso do fogo são a frequência de queima, a área queimada e as precauções tomadas. No Distrito Federal, por exemplo, pequenos proprietários rurais mencionaram evitar queimadas anuais, preferindo realizar rotação de áreas, de modo que a mesma fica de dois a três anos sem queima (MISTRY, 1998). Já no assentamento Vale Verde, quase todos os moradores que fazem uso do fogo o realizam por anos seguidos, ao longo de todo o ano.
Essa diferença marcante se dá devido aos dois usos mais comuns do fogo dentro do assentamento: a limpeza do terreno de folhas e galhos que caem próximo às casas e a queima de lixo doméstico. Como não há coleta de lixo dentro do assentamento, muitos moradores optam pela queima do mesmo, ao invés de levá-lo até os devidos locais de coleta dentro do perímetro urbano do município. Além destes, a queima para a renovação do pasto e para o preparo da terra para o cultivo merecem destaque, ocorrendo no final da época seca e início da época chuvosa (principalmente nos meses de setembro e outubro). Dentro do assentamento, são poucas as pessoas que utilizam o fogo para outras finalidades onde tradicionalmente ocorre o seu uso, tais como afastar animais ou estimular espécies vegetais.
Embora o emprego do fogo dentro do assentamento ocorra de forma contínua e em pequena escala, é necessário ressaltar que, se usado corretamente, o fogo é uma ferramenta versátil, atuando de modo a contribuir para a sustentabilidade, manutenção e restauração dos ecossistemas, reduzir as ameaças e manter os valores culturais dos povos que o utilizam, contribuindo assim para o sustento das famílias e auxiliando na mitigação da pobreza, a segurança alimentar, bem como um ganho econômico dos produtores (FAO, 2008). O fogo está inserido culturalmente dentro de diversas atividades no meio rural, sendo utilizado pelos moradores do assentamento nos dias presentes, seja para a queima do material combustível superficial na limpeza a área quando o homem se insere dentro daquele terreno; para a limpeza do terreno e a queima do lixo; estimulando a frutificação de certos frutos do Cerrado; auxiliando na coleta do mel produzido e a queima para a renovação das pastagens.
Apesar disso, é importante ressaltar que o seu uso indiscriminado e de forma errônea pode ocasionar diversos impactos negativos. O uso prolongado e sem acompanhamento técnico do fogo para a renovação do pasto - prática amplamente utilizada pelos moradores que trabalham com a pecuária e leite, pode causar diversos malefícios, tais como a diminuição das características físicas do solo; morte da micro e macrofauna; perda de produtividade das pastagens; redução e desaparecimento de nascentes, devido ao aumento da erosão pela exposição do solo; queima ou desvalorização do material lenhoso pela perda de controle do fogo que atinge áreas não planejadas; bem como prejuízos materiais e danos à saúde humana (BONFIM, 2001).
Com relação às preocupações e medidas preventivas adotadas antes do uso do fogo, as condições do vento (análise da presença e direção) foi a medida mais adotada, sendo mencionada por 46,88% dos produtores, seguido da construção do aceiro (43,75%), condições do tempo (meteorológicas) (42,19%), o aviso prévio das atividades para os vizinhos (34,38%) e a roçada (15,63%). Muitos produtores que utilizam o fogo exclusivamente para a queima de lixo ou de folhas no terreno afirmaram que se preocupam apenas com o local do terreno onde ocorrerá a queima, cuidando para que o fogo ocorra em áreas sem risco ou em buracos (tabela 2).
Método preventivo |
Frequência absoluta |
Frequência relativa (%)* |
Presença e direção do vento |
30 |
46,88 |
Aceiro |
28 |
43,75 |
Condições do tempo |
27 |
42,19 |
Avisar os vizinhos |
22 |
34,38 |
Roçada |
10 |
15,63 |
Poda de árvores |
3 |
4,69 |
Aviso das autoridades |
1 |
1,56 |
Outro |
8 |
|
Queima em área sem risco |
5 |
62,50 |
Queima em buracos |
3 |
37,50 |
Nenhum procedimento |
18 |
28,13 |
Total |
100,00 |
100,00 |
Tabela 2 – Medidas preventivas adotadas
Dentro do assentamento apenas 15% dos moradores declararam apresentar algum tipo de capacitação sobre controle de incêndios florestais, seja através de palestras ou treinamento com o Corpo de Bombeiros. Ao se utilizar o fogo, é de extrema importância trabalhar a prevenção ao máximo a fim de minimizar a perda de controle e possíveis prejuízos. Um público bem informado sobre as melhores técnicas de prevenção e o correto manejo do fogo provavelmente utilizará o fogo de modo mais cuidadoso, auxiliando em todas as etapas das atividades, do planejamento até o combate, se necessário. Nesse sentido, a realização de atividades de educação ambiental e conscientização sobre o correto manejo do fogo é o primeiro passo para uma ação eficiente e segura.
Com relação ao combate, quase 90% dos moradores apresentaram experiência no combate aos incêndios florestais, devido ao histórico de queimadas na região. Caso ocorra um incêndio em alguma propriedade ou próximo ao assentamento, o procedimento adotado pela maioria dos moradores é tentar combater o fogo com o auxílio de vizinhos e parentes. Em contrapartida, muitos moradores mencionaram acompanhar a evolução do incêndio, sem qualquer forma de combate a não ser que seja iminente a queima da propriedade ou da cultura agrícola, devido à idade avançada. Além destes, poucos moradores declararam tentar suprimir o fogo sozinhos. Constatou-se que, além destas medidas, quase 60% dos moradores ainda solicitam ajuda dos bombeiros e dos órgãos de extensão locais, embora segundo os próprios moradores esta seja uma alternativa ineficaz, uma vez que não há auxílio de ambos dentro do assentamento.
Dentre as principais técnicas de combate conhecidas (tabela 3) estão o combate indireto através da construção de aceiros (81,25%), seguido do combate direto através da supressão das chamas com ramos de árvores (72,92%), do uso de água (68,75%); do uso do fogo para o contra-fogo (38,54%) e o uso de terra para abafamento (9,38%). Entretanto, apesar da técnica mais mencionada ser o aceiro, os equipamentos utilizados na sua construção não estão nem entre os três equipamentos de combate mais citados dentre os moradores (tabela 3). Ao questionar sobre os equipamentos empregados no combate, o mais citado foi a bomba costal (77,08%), seguida de ramos de árvore (72,92%) e baldes de água (64,58%). Outros equipamentos citados foram enxada (59,38%), rastelo (54,17%) e pá (30,21%). Além destes foram citados em menor grau tratores, caminhões pipa, foice, facão, abafador e motosserra.
Técnicas de combate conhecidas |
||
|
Frequência absoluta |
Frequência relativa (%)* |
Aceiro |
78 |
81,25 |
Combate direto |
70 |
72,92 |
Uso de água |
66 |
68,75 |
Uso do fogo |
37 |
38,54 |
Uso de terra |
9 |
9,38 |
Equipamentos para combate |
||
|
Frequência absoluta |
Frequência relativa (%)* |
Bomba costal |
74 |
77,08 |
Ramos de árvore |
70 |
72,92 |
Balde de água |
62 |
64,58 |
Enxada |
57 |
59,38 |
Rastelo |
52 |
54,17 |
Pá |
29 |
30,21 |
Trator |
20 |
20,83 |
Caminhão pipa |
12 |
12,5 |
Foice |
4 |
4,17 |
Facão |
3 |
3,13 |
Abafador |
1 |
1,04 |
Motosserra |
1 |
1,04 |
Tabela 3 – Técnicas de combate conhecidas e equipamentos utilizados
Frequência relativa*: refere-se ao número de pessoas que assinalaram esta opção,
não resultando necessariamente na soma dos valores em 100%.
A segurança das pessoas envolvidas no combate ao fogo é fundamental e está intimamente ligada aos conhecimentos dos combatentes sobre as características do fogo e as condições meteorológicas. As estratégias e táticas desenvolvidas para um combate efetivo devem levar em consideração o local e o comportamento do fogo, equipamentos de proteção adequados e ferramentas apropriadas aos costumes dos combatentes e eficazes no ecossistema local (FAO, 2008).
Com relação aos equipamentos de proteção individual (EPIs) utilizados durante o combate, no -se uma grande preocupação por parte dos moradores em relação aos danos causados pelo fogo durante o seu uso e combate, refletidos no alto índices de EPIs utilizados dentro assentamento. Dentre os mais citados estão a camiseta de manga longa (86,5%), seguido do boné (82,3%), da calça (78,1%) e da bota (57,3%). Poucos produtores mencionaram a utilização de óculos, luvas ou bandanas durante o combate, enquanto 8,3% afirmaram não utilizar nenhum tipo de proteção ou simplesmente o que estiver vestindo no momento.
Dentre os principais problemas causados pelo fogo e que afetariam os moradores (tabela 4), a fumaça foi o item mais citado (76,04%), seguida do risco de vida (72,92%), das queimaduras (48,96%), da queima da vegetação e morte dos animais (47,92%) e da queima da propriedade e benfeitorias (36,46%).
Constatou-se, ainda, que as maiores dificuldades encontradas para o combate (tabela 4) a um incêndio são o calor (30,21%) provocado pelas chamas e a sede (25%), seguidos da falta de equipamentos adequados ao combate (12,5%), o difícil acesso a certas áreas (10,42%) devido à vegetação espessa e a falta de treinamentos dos produtores (4,17%).
Riscos e dificuldades |
Frequência absoluta |
Frequência relativa (%)* |
Fumaça |
73 |
76,04 |
Risco de vida |
70 |
72,92 |
Queimaduras |
47 |
48,96 |
Queima de vegetação/animais |
46 |
47,92 |
Queima da propriedade |
35 |
36,46 |
Calor |
29 |
30,21 |
Sede |
24 |
25,00 |
Falta de equipamentos adequados |
12 |
12,50 |
Difícil acesso para combater/fugir |
10 |
10,42 |
Falta de treinamento |
4 |
4,17 |
Tabela 4 – Principais riscos e dificuldades segundo os moradores
Frequência relativa*: refere-se ao número de pessoas que assinalaram esta opção,
não resultando necessariamente na soma dos valores em 100%.
Problemas respiratórios são frequentes dentre os moradores que já atuaram no combate ao fogo. A inalação de fumaça e fuligem causadas pelos incêndios florestais é um fenômeno recorrente, e pode ocasionar ou agravar doenças respiratórias como bronquites e asma; causam irritação nos olhos e gargantas; produzem alergias na pele; causam intoxicação devido a inalação de poluentes e até a morte.
Além disso, muitos moradores apresentam um histórico maior de acidentes e machucados ocorridos durante o combate ao fogo, uma vez que os mesmos tentam combater diretamente as chamas acima do limite seguro porque consideram que mesmo a queima de uma pequena parte da agricultura tende a afetar drasticamente a renda familiar.
Através deste estudo pode-se concluir que o uso do fogo no assentamento Vale Verde possui, em sua maioria, caráter de limpeza do material vegetal e do lixo dos moradores. A falta de um sistema de coleta de lixo contribui para o uso extensivo do fogo nas propriedades rurais.
Embora com pouca instrução teórica, muitos proprietários conhecem e aplicam diversas medidas de prevenção antes do uso do fogo, sendo o aceiro a principal medida preventiva.
A população local conhece, muitas vezes através da prática, diversas formas de combate ao fogo, de modo direto e indireto. Embora o aceiro seja o método de prevenção mais citado, o uso da água para o combate do fogo é o mais utilizado, seguido do combate direto por abafamento das chamas e o contrafogo.
Os moradores possuem uma preocupação com a sua segurança durante o uso e o combate ao fogo. Dentre os equipamentos de proteção mais utilizados estão o boné, camiseta de manga longa, calças e botas. Tal receio está relacionado à percepção dos possíveis danos causados pelo fogo, principalmente pela inalação de fumaça, queimaduras, queima da vegetação e dos animais e a queima da propriedade.
Notou-se, ainda, que a falta de conhecimentos teóricos e treinamentos para a utilização e combate ao fogo acarreta na quebra de cultura sobre o uso do fogo, criando assim uma lacuna entre as atividades tradicionalmente praticadas com o uso do fogo e o uso atual do mesmo pelos moradores.
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1. Universidade Federal do Paraná - UFPR, rafa.assunc@gmail.com
2. Universidade Federal do Paraná - UFPR
3. Universidade Federal do Paraná - UFPR