Vol. 38 (Nº 13) Año 2017. Pág. 12
Fernanda Machado FERREIRA 1; José Ambrósio FERREIRA NETO 2
Recibido:21/09/16 • Aprobado: 24/10/2016
4. Procedimentos metodológicos
RESUMO: A atual estrutura fundiária do Brasil reflete um longo processo de apropriação do território, caracterizado pela concentração de terras. Nesse contexto, a reforma agrária é apontada como um dos desafios para que essa estrutura seja reconfigurada de forma a promover a justa redistribuição das terras. Entretanto, esta vem sendo realizada de maneira pontual e fragmentada, sob a forma de assentamentos rurais. Este trabalho apresenta uma nova proposta de organização territorial dos assentamentos rurais destinados à reforma agrária a partir da utilização do Sistema de Organização Territorial da Reforma Agrária e Planejamento Ambiental – SOTER-PA, ferramenta que possibilita o delineamento dos assentamentos rurais com parcelas familiares mais homogêneas do ponto de vista da capacidade produtiva proporcionando às famílias beneficiadas condições mais igualitárias de produção. |
ABSTRACT: The current agrarian structure in Brazil reflects a long process of appropriation of the territory, characterized by the concentration of land. In this context, the agrarian reform is seen as one of the challenges for this structure to be reconfigured in order to promote fair redistribution of the land. However, this has been going on in a punctual and fragmented way, as rural settlements. This paper presents a new proposal for territorial organization of rural settlements destined to agrarian reform as from the use of the Territorial Organization System of Agrarian Reform and Environmental Planning - SOTER-PA. The SOTER-PA is a tool that enables the design of rural settlements with more homogeneous family plots of point of view of production capacity providing families benefited more equal conditions of production. |
O planejamento e a gestão do território são essenciais para a regulamentação de seu uso, ocupação e transformação com o objetivo de melhor aproveitá-lo, visando à melhoria das condições de vida das pessoas que nele habitam. Num contexto cujas demandas produtivas e relações sociais são cada vez mais intensas e complexas, torna-se imprescindível o planejamento racional acerca da utilização dos recursos naturais, tendo em vista a finitude dos mesmos. Nesse sentido, frente à multiplicidade de usos do território, dentre eles usos agrícolas, industriais, comerciais, residenciais, e outros, este trabalho tem como cerne os projetos de assentamento de reforma agrária, os quais abrangem cerca de 10% do território nacional, além de abrigarem milhares de famílias rurais. Os números oficiais da reforma agrária no Brasil revelam a necessidade de planejamento e gestão ambiental destes assentamentos na perspectiva do desenvolvimento sustentável, visto que o uso desregulado dos recursos naturais pode gerar sérias consequências físicas e sociais para o ambiente, além de inviabilizar essas áreas para o cumprimento do objetivo central da reforma agrária que é a formação de novos produtores rurais com autonomia e capacidade produtiva.
Parte-se, portanto, da constatação, teórica e empírica, que os processos de parcelamento territorial para fins de reforma agrária, realizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, possuem falhas, uma vez que a delimitação das áreas de assentamentos rurais é, na maioria das vezes, realizada de forma homogênea no que diz respeito à área dos lotes, desconsiderando ou não priorizando aspectos físicos, tais como tipos de solos, relevo e hidrografia. Nesse sentido, a inexistência de uma metodologia específica para o parcelamento dos assentamentos rurais acaba resultando no delineamento de “quadrados-burros”, sendo priorizado o tamanho dos lotes e não sua capacidade produtiva, o que ocasiona uma desigual distribuição dos recursos a serem usufruídos pelas famílias assentadas.
Desta forma, tomando a problemática do ordenamento territorial de projetos de reforma agrária como referência, vem sendo elaborado por pesquisadores vinculados ao Grupo de Pesquisa Assentamentos (CNPq), desde 2007, um sistema informatizado que busca auxiliar na superação das dificuldades enfrentadas pelo INCRA no processo de parcelamento dos assentamentos rurais, o SOTER-PA – Sistema de Organização Territorial da Reforma Agrária e Planejamento Ambiental. Tal sistema, baseado em algoritmos Busca Tabu, realiza o delineamento de lotes cuja capacidade produtiva agrícola seja mais homogênea, possibilitando uma distribuição mais equânime dos recursos naturais a serem explorados pelas famílias.
Sendo assim, objetiva-se apresentar resultados dos testes realizados com o SOTER-PA, evidenciando se o sistema é capaz de delinear lotes mais homogêneos em relação à capacidade produtiva que o parcelamento gerado pelo INCRA. O processo comparativo baseia-se no índice de produtividade, calculado a partir do somatório da área de cada classe de aptidão agrícola das terras (RAMALHO FILHO, 1978), multiplicada pela constante de peso associado à classe. A comparação se deu por meio do desvio-padrão calculado para os índices de produtividade dos lotes das duas propostas de parcelamento, sendo que um menor desvio-padrão é indicativo de maior homogeneidade no que se refere à capacidade produtiva dos lotes familiares. A contextualização acerca da temática da reforma agrária no Brasil, assim como os resultados da pesquisa, são apresentados nos tópicos seguintes.
O debate sobre a questão fundiária do Brasil se remonta ao início do século XVI, ao processo de ocupação do território nacional pelos colonizadores portugueses, o qual veio a se configurar em uma complexa estrutura socioespacial, marcada pela concentração de grandes extensões de terras nas mãos de poucos proprietários. Este processo de apropriação do território, que se reflete em nossa atual estrutura fundiária, pode ser entendido a partir de uma perspectiva histórica e social pautada, basicamente, no trinômio latifúndio, monocultura e escravidão, conforme afirma Germani (2006). Ou seja, a questão agrária brasileira tem sua origem marcada por interesses estritamente econômicos, alicerçada em uma estrutura política colonial de exploração – tanto dos recursos naturais como de mão de obra escrava – com vistas ao mercado externo.
Um importante marco da consolidação da estrutura fundiária do Brasil é atribuído à Lei de Terras de 1850, a partir da qual “ficaram proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o da compra” (GERMANI, 2006, p. 134). Desta forma, a atribuição de um valor de mercado à terra veio a dificultar seu acesso, já que o fim do tráfico negreiro anunciava a abolição da escravatura e, uma vez livres, os escravos teriam acesso à terra, que até então poderia ser ocupada por qualquer pessoa que viesse a cultivá-la. Dificultando este acesso, os grandes proprietários visavam a manter o controle da mão de obra que, não tendo para onde ir, se via obrigada a vender sua força de trabalho. Logo, como afirma Martins (1985, p. 104),“no Brasil o fim do cativeiro do escravo coincide também com o cativeiro da terra”.
As discussões acerca deste tema perduram até hoje, mas nenhum governo, desde a promulgação do Estatuto da Terra, em 1964, foi capaz de implementar uma política efetiva de reforma agrária. Alguns movimentos sociais, principalmente, a partir da década de 1980, tiveram papel expressivo na luta pela terra, como é o caso do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais, capitaneado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG. Entretanto, tais movimentos, apesar de terem atingido, mesmo que pontualmente, várias conquistas ao longo destes anos de luta, não conseguiram romper com a atual, embora antiga, estrutura agrária brasileira.
No entanto, o fato de tal estrutura se manter praticamente inalterada não implica a estagnação da mesma, uma vez que as intervenções fundiárias, mesmo que de maneira pontual e fragmentada, vêm sendo realizadas no Brasil, sob a forma de assentamentos rurais, os quais são entendidos pelo INCRA (2014) como “um conjunto de unidades agrícolas independentes entre si”, sendo cada unidade, também chamada de lote, parcela ou gleba entregue a uma família, que terá naquele pedaço de terra condições de moradia e de produção familiar, de forma a garantir a segurança alimentar de milhares de famílias rurais brasileiras.
Nesse sentido, dados do INCRA (2015) revelam que existem no Brasil 9.340 assentamentos rurais, ocupando uma área de 88.819.725 hectares, o que corresponde a aproximadamente 10% do território nacional. Atualmente, são 977.039 famílias vivendo em áreas reformadas, dado de extrema relevância para justificar a necessidade de planejamento e gestão ambiental destes assentamentos na perspectiva do desenvolvimento sustentável, visto que o uso desregulado dos recursos naturais pode gerar sérias consequências físicas e sociais para o ambiente.
Ressalta-se, no entanto, que a criação de um assentamento rural, nos moldes da atual política do INCRA, requer planejamento, envolvendo o cumprimento de algumas etapas que vão desde a obtenção de recursos para a implementação do projeto até a fase de consolidação e emancipação das famílias assentadas. Nesse sentido, como afirma Ferreira (1994), o conceito de assentamento inclui todas as medidas complementares necessárias à fixação, bem como à transformação das famílias rurais assentadas, como acesso a créditos, infraestruturas, serviços de extensão rural, de saúde e educação. Isto é, “(...) o assentamento não se conclui com o acesso do trabalhador à terra: antes terão que lhe ser propiciadas condições necessárias e suficientes para que se concretize a determinação constitucional da terra cumprir sua função social” (p. 43).
Entretanto, o que se observa na prática é, na maioria das vezes, o descumprimento de tais etapas, dando destaque aqui à fase de ordenamento da área reformada, a qual envolve o parcelamento dos lotes a serem destinados às famílias assentadas. Conforme apontado por Ferreira Neto et al (2010) e reforçado por Ferreira (2015), a inexistência de uma metodologia específica para o parcelamento dos assentamentos rurais, seja pela ausência de normatizações que oriente este trabalho, seja pela diversidade de instituições e empresas que terceirizam este tipo de serviço, leva os executores desse trabalho a optar pelo caminho mais fácil, resultando no delineamento de “quadrados-burros”, sendo priorizado o tamanho dos lotes e não sua capacidade produtiva, o que ocasiona uma desigual distribuição dos recursos a serem usufruídos pelas famílias assentadas. Ou seja, existe uma maior preocupação em assentar um grande número de famílias sem, no entanto, priorizar a qualidade produtiva, social e ambiental das unidades rurais. Outros pesquisadores, como Silva et al (2010) também questionam a metodologia de parcelamento adotada pelo INCRA e afirmam que os assentamentos rurais no Brasil foram criados a fim de responder a pressões localizadas, estando estes marcados pela falta de planejamento prévio de implantação e diagnóstico dos recursos naturais relativos a hidrografia, vegetação, relevo e aptidão agrícola.
Diante da necessidade de se pensar o planejamento territorial e ambiental dos assentamentos rurais que, como já ressaltado, representam cerca de 10% de todo o território brasileiro, é que se apresenta o SOTER-PA. Este software vem sendo desenvolvido, portanto, na busca de alternativas para o ordenamento territorial destas unidades agrícolas, pautadas nos princípios da sustentabilidade.
Conforme mencionado, o SOTER-PA – Sistema de Organização Territorial da Reforma Agrária e Planejamento Ambiental, vem sendo desenvolvido tendo como base a problemática do ordenamento territorial das áreas destinadas a projetos de assentamentos rurais de reforma agrária no Brasil. O aplicativo em questão possibilita o delineamento de lotes com capacidade produtiva agrícola mais homogênea, além de possibilitar excluir do parcelamento as Áreas de Preservação Permanente (APP’s), bem como as de Reserva Legal e outras áreas destinadas ao uso coletivo. Além disso, buscou-se no processo de criação do aplicativo que a utilização do mesmo seja de fácil acesso não somente para os pesquisadores, como também para os técnicos do INCRA e para os profissionais que prestam serviços de assistência técnica e assessoria aos assentamentos rurais (FERREIRA NETO et al, 2010).
A primeira versão de uma alternativa para o parcelamento dos lotes em assentamentos rurais por meio de um sistema de computador foi apresentada por Santos Júnior (2007) em sua dissertação de mestrado em Extensão Rural, da Universidade Federal de Viçosa, assim como por Ferreira Neto et al (2011). Essa proposta era restrita a apenas um assentamento teste e baseava-se em Algoritmos Genéticos, os quais buscam simular computacionalmente a Teoria da Evolução de Darwin, ou seja, na operacionalização destes, os indivíduos da mesma espécie competem com outros indivíduos, a cada geração, e somente os mais adaptados, ou com melhor fitness [3], sobrevivem e se reproduzem. Isto é, em um sistema baseado na busca por algoritmos genéticos, uma população de possíveis soluções para um problema analisado evolui de acordo com operadores probabilísticos concebidos a partir de metáforas biológicas, havendo uma tendência de que os indivíduos apresentem soluções cada vez melhores à medida que o processo evolutivo prossegue (SANTOS JÚNIOR, 2007).
No entanto, segundo Moreira et al (2011, p. 266), “apesar da vantagem desse algoritmo de trabalhar com uma população de soluções, o mesmo possui a grande inconveniência relativa ao operador de cruzamento”. Isto é, quando aplicado em uma solução pode gerar disparidades quanto ao tamanho da área de cada parcela, bem como quanto à contiguidade dos mesmos no terreno.
Nesse sentido, a segunda e atual versão do aplicativo SOTER-PA é baseada no algoritmo Busca Tabu, na tentativa de resolver os problemas identificados na versão anterior, relacionados à disparidade do tamanho dos lotes, bem como à contiguidade dos mesmos. Segundo Glover (1989, 1990), citado por Moreira et al (2011), o algoritmo Busca Tabu é uma metaheurística fundamentada em busca local ou busca em vizinhança, baseado em mecanismos de memória adaptativa, tanto a curto como a longo prazo, podendo ser aplicado em problemas de otimização combinatória.
A partir da busca tabu foi proposta uma adaptação da mesma denominada busca tabu minimalista, visto que tal método possibilita a geração de soluções diferentes sem que seja alterada de maneira drástica a solução atual. Além disso, este método gera um conjunto de soluções vizinhas de maneira sistemática, de forma que a continuidade de alocação dos lotes não seja alterada (MOREIRA et al, 2011).
Desta forma, aplicando-se tal algoritmo ao parcelamento dos lotes para fins de reforma agrária, quanto maior o índice de produtividade, mais adaptado é o lote em termos de produtividade agrícola, sendo que a definição do índice de produtividade leva em consideração a função de otimização que pode ser o tipo de solo, a aptidão agrícola ou outra variável física que se queira considerar, devendo a mesma estar organizada em um mapa georreferenciado, com o perímetro do assentamento a ser parcelado. Para os casos em que a qualidade física do lote é menor, há uma compensação no tamanho do mesmo, o qual será maior em relação àqueles que possuem melhor qualidade em termos da função de otimização. Assim, apesar de não haver uma homogeneidade em relação ao tamanho e à forma dos lotes, o que se pretende é que haja uma maior semelhança em termos de produtividade agrícola entre os lotes destinados às famílias assentadas, o que não é contemplado se considerado a metodologia de parcelamento utilizado pelo INCRA (FERREIRA NETO, et al, 2010).
Logo, a definição do índice de produtividade leva em conta, segundo Ferreira Neto et al (2010), a função de otimização, que neste trabalho é a aptidão agrícola das terras (RAMALHO FILHO, 1978), fisicamente organizada em um mapa georreferenciado com o perímetro do assentamento a ser parcelado. A definição da função de avaliação foi baseada no conceito de índice de produtividade aplicado aos lotes. O cálculo do índice de produtividade é realizado a partir do somatório da área de cada classe da função de otimização, multiplicada pela constante de peso associado à classe, conforme a fórmula a seguir. Desse modo, os lotes que possuírem maior índice de produtividade serão considerados mais adaptados, ou seja, possuirão maior ou melhor capacidade produtiva.
Para comprovar a viabilidade do SOTER-PA para o parcelamento de áreas de interesse, de forma que a capacidade produtiva dos lotes gerados seja mais homogênea, foi selecionado como base empírica deste trabalho o Projeto de Assentamento PA Veredas, situado no município de Padre Paraíso, mesorregião do Jequitinhonha e microrregião de Araçuaí (Figura 01).
Figura 01 . Projeto de Assentamento Veredas, Padre Paraíso, MG.
Fonte. Elaborado pelos autores.
Para que o SOTER-PA possa realizar o parcelamento de áreas de interesse é necessário, primeiramente, possuir três arquivos de entrada, sendo eles o mapa da função de otimização e do limite da área a ser parcelada no formato texto (.txt), bem como o arquivo de entrada, ou input, contendo, dentre outras informações, as notas ou pesos para cada subgrupo de aptidão agrícola que servirão para o cálculo do índice de produtividade.
A obtenção das notas dos subgrupos de aptidão agrícola, ponto fundamental no processo de parcelamento, se deu a partir da avaliação de especialistas [5] em solos que, ao analisarem conjuntamente os fatores físicos, agronômicos e sociais do assentamento em questão, distribuíram 100 pontos entre os distintos subgrupos de aptidão agrícola existentes no assentamento.
Já a preparação dos mapas se deu a partir da utilização do Sistema de Informação Geográfica QGIS 2.20, por meio do qual os shapes de aptidão agrícola dos assentamentos passaram por um processo de rasterização, sendo os resultados posteriormente trabalhados para a obtenção dos mapas no formato txt. Entretanto, para que o processo comparativo entre os índice de produtividade dos lotes gerados pelo SOTER-PA e os índice de produtividade dos lotes originais parcelados pelo INCRA pudesse ser fielmente realizado, foi necessário, também, que as áreas de reserva legal, bem como as áreas de uso coletivo dos assentamentos analisados fossem excluídas, de forma a restar para o parcelamento do programa somente as áreas de interesse, no caso os lotes familiares. Ou seja, o parcelamento realizado pelo SOTER-PA se deu nas mesmas áreas parceladas pelo INCRA. Esse procedimento de retiradas das áreas não incorporadas ao parcelamento foi executado com utilização do QGIS 2.20.
Conforme explicitado anteriormente, o cálculo do índice de produtividade é baseado no somatório da área de cada classe de aptidão agrícola, multiplicada pela constante de peso associado à classe. Os pesos ou notas atribuídas a cada classe foram 30, 19, 15, 10, 8, 8, 5, 5, respectivamente, para os subgrupos 2a(bc), 3(bc), 4(p), 5(n), 5(n)---, 5(n)___, 6, 6_, restando, portanto, o cálculo da fração de cada subgrupo de aptidão agrícola em cada um dos lotes, o que foi executado a partir de ferramentas do QGIS 2.20. Sendo assim, o cálculo do índice de produtividadefoi realizado manualmente para cada um dos lotes do parcelamento original do INCRA, enquanto o programa SOTER-PA apresentou automaticamente este resultado.
A partir do Quadro 01 é possível constatar que o parcelamento originado pelo SOTER-PA apresentou lotes mais homogêneos tanto no que se refere à capacidade produtiva quanto à dimensão das áreas, além de ter gerado lotes, de maneira geral, com melhor capacidade produtiva, se analisados os índices de produtividade em valores absolutos.
Quadro 01 . Índices de produtividade de cada lote original submetido ao cálculo, bem como Índice de produtividade e área de cada lote gerado pelo SOTER-PA, PA Veredas, Padre Paraíso, MG.
Índice de produtividade INCRA |
Área (ha) dos lotes INCRA |
Índice de produtividade SOTER |
Área (ha) dos lotes SOTER |
|
15798 |
81,76 |
12076 |
56,27 |
|
10230 |
41,19 |
10506 |
42,58 |
|
9423 |
32,35 |
10094 |
29,49 |
|
9172 |
37,59 |
9467 |
26,52 |
|
8790 |
47,80 |
9396 |
48,39 |
|
8763 |
34,89 |
8786 |
26,86 |
|
8671 |
30,33 |
8691 |
32,71 |
|
8074 |
27,08 |
8374 |
26,37 |
|
7593 |
25,43 |
7782 |
27,80 |
|
7225 |
22,24 |
7736 |
28,47 |
|
6953 |
35,08 |
7604 |
27,57 |
|
6757 |
33,95 |
7482 |
26,90 |
|
6672 |
24,09 |
6953 |
26,75 |
|
6656 |
28,51 |
6894 |
34,29 |
|
6576 |
22,67 |
6786 |
26,97 |
|
6299 |
18,86 |
6726 |
29,37 |
|
5996 |
28,10 |
6631 |
26,30 |
|
5984 |
24,48 |
6508 |
26,97 |
|
5911 |
23,68 |
6122 |
26,34 |
|
5873 |
25,08 |
5793 |
26,60 |
|
5624 |
23,57 |
5791 |
27,12 |
|
5472 |
27,62 |
5561 |
26,52 |
|
5258 |
21,44 |
5462 |
26,26 |
|
4815 |
21,35 |
5319 |
28,81 |
|
4688 |
21,35 |
4021 |
27,20 |
|
3936 |
25,81 |
3585 |
26,79 |
|
Desvio-padrão |
2368,68 |
12,55 |
1985,88 |
7,45 |
Nesse sentido a análise dos resultados nos permite constatar, a partir da Figura 02, primeiramente, no que se refere aos três maiores índices de produtividade, representados, respectivamente, pelos lotes 23, 22 e 07, do parcelamento gerado pelo SOTER-PA, que estes estão sendo influenciados, em certa medida, pelo tamanho da área e não, necessariamente, pela qualidade das terras, visto que os dois maiores índices de produtividade possuem, também, as duas maiores áreas. Entretanto, no caso do lote 23, por exemplo, existem faixas consideráveis dos dois piores subgrupos de aptidão agrícola, o que indica que o programa procurou compensá-lo com uma área maior.
Já no caso do lote 22, este possui pequenas faixas dos piores subgrupos de aptidão agrícola, embora, por outro lado, possua, também, uma pequena faixa das melhores terras do assentamento, o que pode estar influenciando, em certa medida, o resultado do índice de produtividade. O lote 07, embora possua um índice de produtividade inferior aos dois primeiros, encontra-se localizado em uma faixa de terras de melhor qualidade em relação a eles, o que nos leva a constatar que, nesse caso, o índice de produtividade pode estar sendo influenciado pela qualidade das terras, já que possui área menor que outros lotes com pior índice de produtividade.
Já em relação aos dois piores índices de produtividade gerados pelo programa, representados pelos lotes 24 e 19, verifica-se que, nestes casos, eles estão de fato sendo influenciados pela baixa qualidade das terras, já que ambos encontram-se integralmente situados nas piores faixas de aptidão agrícola do assentamento. Entretanto, por outro lado, não foi observada uma compensação no tamanho da área destes lotes, os quais além de possuírem terras de baixa qualidade, restritas apenas para preservação da fauna e flora, encontram-se entre as menores áreas geradas pelo programa. É importante ressaltar, nesse sentido, que o PA Veredas encontra-se inserido em uma área de relevo muito acidentado, e de baixa qualidade produtiva, o que influencia os resultados de forma geral.
Observa-se ainda, como já ressaltado, que a conformação dos lotes gerados pelo SOTER-PA é mais irregular se comparada aos lotes delineados pelo INCRA, já que os mesmos são originados a partir da aptidão agrícola das terras, que muitas vezes, encontra-se distribuída de forma fragmentada na área dos assentamentos, como bem exemplifica a Figura 02.
Figura 02 . Parcelamento gerado pelo SOTER-PA e parcelamento original do INCRA, PA Veredas, Padre Paraíso, MG.
Fonte: Elaborado pelos autores.
A análise dos resultados do trabalho aqui proposto mostra que o SOTER-PA possibilitou o delineamento de lotes mais homogêneos do ponto de vista da capacidade produtiva, que o parcelamento original do INCRA, no caso analisado. Além disso, o programa também respondeu positivamente à sua proposta de compensar os lotes com terras de pior qualidade.
Este trabalho apresenta, portanto, uma nova possibilidade para o auxílio na tomada de decisões acerca do ordenamento dos assentamentos rurais de reforma agrária. O SOTER-PA não somente se mostrou eficiente do ponto de vista operacional como traz consigo uma proposta acerca do planejamento ambiental, ressaltando a necessidade de um levantamento de qualidade dos recursos naturais disponíveis em áreas de interesse, que possa auxiliar na tomada de decisão acerca da distribuição de tais recursos, em função de seus usos. Desta forma, o processo de ordenamento do território cumpriria suas funções elementares de direcionar o melhor uso dos recursos naturais disponíveis, de forma a possibilitar às famílias assentadas acesso a condições mais igualitárias de produtividade agrícola, visando à elevação da qualidade de vida das mesmas.
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1. Geógrafa, Doutoranda em Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, Brasil. E-mail: fernandamachado_geo@hotmail.com
2. Professor Titular, Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa, Brasil. E-mail: ambrosioufv@gmail.com
3. O fitness é o valor numérico que quantifica a qualidade ou adequabilidade da solução proposta. Ou seja, é a nota que atribui qualidade aos lotes parcelados pelo SOTER-PA. Ressalta-se, nesse sentido, que o termo fitness é mais adequado ao contexto dos Algoritmos Genéticos. No entanto, este termo foi mantido no programa, mesmo após sua mudança para o algoritmo Busca Tabu. Desta forma, lê-se fitness como índice de produtividade nos resultados apresentados pelo programa.
4. Os procedimentos metodológicos são minuciosamente descritos em FERREIRA, F. M. Aptidão Agrícola das terras como função de otimização para o ordenamento territorial e planejamento ambiental: uma análise do SOTER-PA. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural), Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2015.
5. Foram entrevistados professores do Departamento de Solos, Departamento de Engenharia Agrícola e Departamento de Geografia, da Universidade Federal de Viçosa, para a obtenção das notas.