Vol. 38 (Nº 06) Año 2017. Pág. 31
Anderson do Nascimento DOMINGOS; Luiz Marcelo de Freitas ALMEIDA; Pedro Otávio de FREITAS JUNIOR; Katia Eliane Santos AVELAR; Maria Geralda de MIRANDA 1; Reis FRIEDE 2
Recibido: 20/11/16 • Aprobado: 15/12/2016
2. A constituição e a proteção ao meio ambiente
3. A penalização da pessoa jurídica pela Lei 9.605/98
5. Da responsabilização penal do Consórcio Samarco
6. Aspectos sociais decorrentes da penalização da pessoa jurídica
RESUMO: O presente trabalho tem como escopo debater acerca da responsabilidade criminal da pessoa jurídica. Buscar-se-á fazer um histórico acerca da matéria, adentrando a análise do início da tutela do direito ambiental, com o intuito de verificar a responsabilização penal de empresas, em solo brasileiro, que exploram recursos ambientais. Observar-se-á ainda a evolução dos Tribunais Pátrios quanto às decisões referentes à coletividade. Por fim, serão analisados os delitos penais imputados ao consórcio Samarco, em razão do rompimento da barragem do Fundão em Mariana, Brasil. Para tanto, foram pesquisados a legislação ambiental vigente, a doutrina e a jurisprudência e, ainda, os indícios relatados nos elementos de investigação contra tal consórcio. |
ABSTRACT: The present work has as its main goal discussing the criminal liability of a legal entity. To begin with, we will try to draw the history of this matter, entering the analysis of the beginning of the environmental law protection, in order to verify the criminal liability of companies that exploit environmental resources in the national territory. Then, we will observe the evolution of the National Courts thinking in what regards their decisions involving the collectivity. Finally, the criminal offenses charged to the Samarco consortium will be analyzed, due to the Fundão dam break in Mariana, Brazil. To do so, the current environmental legislation, the doctrine and the jurisprudence, as well as the evidence collected so far during the investigation against the named consortium, will be analyzed. |
A preocupação com o meio ambiente vem se tornando cada vez mais acentuada à medida que se constata a gravidade dos danos ambientais causados pela ação indiscriminada do homem, bem como de outros entes dotados de personalidade jurídica. Ademais, a sociedade global vem passando por uma gradual conscientização acerca da necessidade de desenvolvimento econômico e não apenas de crescimento, buscando-se um desenvolvimento sustentável, alicerçado na proteção ao meio ambiente, o que propiciou a elevação do meio ambiente à categoria de bem jurídico constitucionalmente tutelado, a criação dos crimes ambientais, bem como extensão da responsabilidade penal às pessoas jurídicas.
Nos anos 80, a sociedade brasileira passou a aderir ao pensamento mundial, no sentido de convergir sua atenção para um maior controle e proteção do meio ambiente, visando coibir a sua acentuada degradação, causada pela ambição descontrolada do homem em obter enriquecimento a qualquer custo.
A evolução desse pensamento viabilizou o entendimento de alçar o meio ambiente como um bem jurídico, sendo assim tutelado inicialmente de forma tímida com o advento da atual Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988.
O artigo 225 da Carta Magna referida assegurou a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para a presente e futuras gerações. (BRASIL, 1988)
Essa evolução propiciou ainda a capacidade da pessoa jurídica figurar como sujeito ativo de ilícito penal. Porém, esse direito assegurado em nossa lei maior não foi suficiente para conter o avanço da criminalidade ambiental no Brasil, aquecida com a deficiência dogmática do direito penal clássico, o que levou a uma profunda e urgente mudança na criação de instrumentos legais, dentro do direito penal, para que a pessoa jurídica passasse a ter um tratamento adequado.
O direito penal tem procurado em todo o mundo resistir à quebra dos seus postulados clássicos, diante dessas novas condutas delitivas que atingem diretamente e coletividade, como os chamados bens jurídicos coletivos ou difusos. Com isto nasce à necessidade da existência de um eficaz direito penal, que deixa de ser problema meramente científico para ganhar cor e consistência social.
A punição dessa criminalidade vem sendo fruto de toda inquietação social que procura até romper com as estruturas do Direito Penal convencional para dar às pessoas jurídicas a qualidade de sujeito ativo na área da delinquência ambiental.
Esta modalidade de atuação criminosa vem sendo por demais nociva à sociedade, visto que se realiza no silêncio e na certeza da impunidade diante do grande poder econômico das empresas que utilizam os recursos naturais.
O questionamento em nível mundial é atual e de grande importância, tendo em vista que esta capacidade penal da pessoa jurídica vem sendo reconhecida em diversos países europeus, como por exemplo, França, Inglaterra, Holanda e Espanha. Na América Latina, Cuba, Venezuela e México admitem sanções contra a pessoa jurídica.
Este trabalho, para elucidar o debate político-jurídico da responsabilização penal da pessoa jurídica, está dividido em quatro partes. Na primeira, destaca a estabilização da responsabilidade penal da pessoa jurídica, através da Lei Suprema, por atos praticados contra o meio ambiente. Na segunda parte, aborda a delimitação das penas referentes às condutas que degradam o meio ambiente com a criação da Lei Ambiental (Lei 9.605/98). Na terceira ressalta a atuação dos tribunais brasileiros na admissão da responsabilização pena da pessoa jurídica. E, por fim, traz informações sobre as normas ambientais em tese infringidas pelo Consórcio Samarco e qual o órgão jurisdicional competente para a tramitação de uma ação penal.
A questão da capacidade penal da pessoa jurídica sempre foi polêmica. Desde o Império que a matéria vem suscitando indagações, antes de forma mais tímida e ultimamente com um maior avanço, no moderno pensamento jurídico brasileiro.
A atual Constituição sinaliza no sentido de se admitir a responsabilidade da pessoa jurídica, matéria repudiada por alguns juristas, fiéis aos princípios dogmáticos do direito penal clássico.
Na era imperial, o Código Criminal de 1830 punia a pessoa jurídica com a sua dissolvência, conforme a redação de seu artigo 80: “Se este crime fôr commettido por Corporação, será esta dissolvida; e, se os seus membros se tornarem a reunir debaixo da mesma, ou diversa denominação com a mesma, ou diversas regras”. (BRASIL, 1830). Desde então a questão vem sendo discutida pelos juristas pátrios, sendo, de fato, solidificada com a atual Lei Suprema.
Com a Carta Magna de 1988, ficou estabelecida de forma cristalina a possibilidade da pessoa jurídica ser responsabilizada penalmente. Inicialmente, no § 5º do artigo 173, tal possibilidade ficou explícita especialmente quanto às condutas realizadas contra a ordem econômica e economia popular. A referida norma dispõe que:
A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular (BRASIL, 1988).
Mais a frente, em sede de infração ambiental, nossa Lei Maior ratifica que a intenção dos constituintes foi a de realmente consolidar no ordenamento jurídico pátrio a capacidade do ente coletivo figurar como sujeito ativo da prática de infrações penais. No § 3º de seu artigo 225 está disposto que:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL, 1988)
Foi, sem sombra de dúvida, um grande avanço com o objetivo de proteger o meio ambiente, tão vulnerável aos avanços tecnológicos e a mercê do lucro a qualquer preço por parte das grandes companhias.
Esse assunto é ainda bastante polêmico, pois alguns juristas resistem até hoje sob o argumento de que a responsabilização da pessoa penal jurídica em matéria ambiental fere princípios sacramentados pelo Direito Penal no que diz respeito à culpabilidade, uma vez que somente o ser humano teria a capacidade de praticar conduta comissiva ou omissiva, de ter vontade (agir com dolo) e, ainda, não observar os cuidados devidos (agir com culpa) não podendo haver dissociação entre o dirigente e a empresa. O professor Cezar Roberto Bitencourt quanto ao tema assim se manifesta:
A conduta (ação ou omissão), pedra angular da Teoria do Crime, é produto exclusivo do homem. A capacidade de ação, de culpabilidade, exige a presença de uma vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, que somente o ser humano pode ter (BITENCOURT, 1999, p. 199).
Além disso, fomentam a ideia que a punição da pessoa jurídica alcança a todos que fazem parte da mesma, como acionistas, dirigentes que não concorreram para as práticas de condutas ilícitas, empregados, etc.
Mas para aqueles que acolhem a possibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica, a sustentação é de que independentemente da atuação de seu dirigente, a mesma tem capacidade penal, sim, no que tange à defesa do meio ambiente, sendo certo que é necessária à preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois se trata de um bem maior.
Também para essa corrente, conforme está inserido na constituição em relação à pessoa jurídica, o ponto relevante não é a punição da conduta, já que esta é inerente ao ser humano. A relevância está em se punir as atividades que venham degradar o meio ambiente e satisfazer interesses da pessoa jurídica. Essa questão é uma condição para se imputar uma infração penal ambiental ao ente coletivo. A ausência de satisfação de seus interesses é o que inviabilizaria a responsabilização penal da pessoa moral. Segundo MILARÉ:
Partindo desta avaliação, desta condicionante imposta pelo legislador, de que o delito há de ser praticado de modo a satisfazer os interesses da pessoa jurídica ou quando menos em benefício dessa, é que se deve analisar o elemento subjetivo do tipo, visto que conduta executiva, material, será sempre exercida a mando do representante legal ou contratual ou ainda do órgão colegiado (MILARÉ, 2000, p. 356).
Logo, seria possível, sim, a responsabilização penal do ente coletivo quanto à ação danosa ao meio ambiente. Silva, quanto à punição da pessoa jurídica assim se posiciona:
Cabe invocar, aqui, a tal propósito, o disposto no art. 173, § 5º, que prevê a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas, independente da responsabilidade de seus dirigentes, sujeitando-se às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica, que tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente (SILVA, 2010, p. 848/849).
Já Guilherme de Souza Nucci:
Entendemos que é momento de cessar o mito da punição penal exclusiva da pessoa física, quando se sabe que, no mundo todo, cada vez mais, a delinquência se esconde por trás de pessoas jurídicas – reais ou de mera fachada -, mas que servem aos propósitos da criminalidade de grande relevo, como crimes ambientais e, logicamente, os econômicos, financeiros, contra relações de consumo, tributários entre outros (NUCCI, 2006, p. 470).
O certo é que com a atual Carta Magna, o meio ambiente alcançou o patamar de direito fundamental, imprescindível para a decência da vida, estabelecendo-se uma proteção ecológica mínima à qual não permite retrocesso, sinalizando um novo horizonte contra abusos a serem praticados pelos entes coletivos.
Diante das garantias e proteções previstas no artigo 225, caput e §§, assegurou-se a impossibilidade do legislador propor a criação de leis que venham atuar contrariamente aos direitos fundamentais estabelecidos. permitindo-se o controle da tutela do meio ambiente, bem indisponível e que não pode em hipótese alguma integrar o patrimônio de pessoa física ou jurídica.
Quanto à impossibilidade de retrocesso no que diz respeito às garantias alcançadas com a Atual Constituição em matéria ambiental, é relevante trazer a coleção o entendimento de LEITE que segue:
A proibição de retrocesso, nesse cenário, diz respeito mais especificamente a uma garantia de proteção dos direitos fundamentais (e da própria dignidade da pessoa humana) contra a atuação do legislador, tanto no âmbito constitucional quanto – e de modo especial – infraconstitucional ( quando estão em causa medidas legislativas que impliquem supressão ou restrição no plano das garantias e dos níveis de tutela dos direitos já existentes), mas também proteção em face da atuação da administração pública (LEITE, 2012, p. 143).
Em relação ao elevado passo trazido pela Carta Política no âmbito ambiental, vários autores dizem que “no âmbito constitucional, como assinala a maioria dos juristas, o capítulo do meio ambiente é um dos mais avançados e modernos do constitucionalismo mundial”. (MENDES, COELHO e BRANCO, 2010, p. 1.553).
Desta forma, a punibilidade da pessoa jurídica também na esfera penal implantada com a Constituição Federal de 1988 visa atender a esse critério mínimo de proteção diante das atividades empresárias lesivas ao meio ambiente. Essa foi uma forma de estabelecer que o bem comum deva ficar acima de qualquer interesse individual. Nesse sentido, Rothenburg salienta:
a responsabilidade penal da pessoa jurídica está prevista constitucionalmente e necessita ser instituída, como forma, inclusive, de fazer ver ao empresariado que a empresa privada também é responsável pelo saneamento da economia, pela proteção da economia popular e do meio ambiente, pelo objetivo social do bem comum, que deve estar acima do objetivo individual, do lucro a qualquer preço. (ROTHENBURG, 1997, p. 20)
Seguindo esse entendimento cai por terra, portanto, o brocado societas delinquere non potest, tendo em vista que o meio ambiente estável, preservado, é um direito que nenhum cidadão pode dispor, o que remete à punição em matéria penal da pessoa jurídica que venha ameaçar o equilíbrio desse bem. Discute-se ainda se o ente coletivo público pode figurar como ré em ações penais referentes a crimes ambientais.
Nem a Constituição Federal, nem a Lei 9.605/98 excluem a possibilidade da pessoa jurídica de direito público figurar no polo passivo. Desta forma para uma corrente é perfeitamente possível a responsabilização penal do ente coletivo de direito público. Por outro lado, existe a corrente que comunga o entendimento de que o Estado não pode se autopunir. Nesse caso, somente os dirigentes das empresas públicas poderiam ser responsabilizados penalmente. Sobre isso, Flávio Gomes mostra que
Há os que entendem que quando a Constituição Federal, seguida da lei de crimes ambientais, refere-se à pessoa jurídica não especificou nem excluiu a pessoa jurídica de direito público, logo, ela também pode ser responsabilizada por crime ambiental. É o entendimento do qual comungamos. Não vemos motivo para excluir da responsabilização da pessoa jurídica de direito público que, com certa frequência, envolve-se em delitos ambientais. De qualquer modo, segundo nossa perspectiva, essa responsabilidade não seria "penal". Faz parte do que estamos chamando de Direito sancionador (ou judicial sancionador). Por outro lado, há os que defendem a impossibilidade de o Estado punir-se a si mesmo, já que possui o monopólio do direito de punir. Os entes públicos, por sua própria natureza, só podem perseguir fins lícitos, portanto, quem age com desvio é o administrador e, portanto, somente este poderia ser responsabilizado criminalmente por crime ambiental. (GOMES, 2012)
Porém, embora o meio ambiente tenha sido consagrado como direito fundamental na atual Constituição Federal, a referida Carta não tipificou as condutas consideradas lesivas ao meio ambiente e nem a respectiva pena, até porque essa matéria teria que ser regulamentada por lei infraconstitucional, o que ocorreu com a vigência da Lei 9.605/98.
Diferentemente dos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e a economia popular, onde também há a previsão constitucional da responsabilidade penal da pessoa jurídica, com relação à tutela do meio ambiente nosso ordenamento jurídico deu um passo a mais com vigência da Lei Ambiental (9.605/98).
Nela foram tipificadas as infrações penais, bem como as penas a serem cominadas às pessoas jurídicas, restando, assim, construído na esfera ambiental o alicerce do direito penal com as presenças dos princípios da anterioridade, onde a norma penal só se aplica as condutas praticadas após sua vigência, e o princípio da reserva legal, onde o agente só pode responder por uma infração penal se ela estiver prevista antes do fato praticado.
No artigo 3º da Lei 9.605/98 está previsto que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civilmente e penalmente. Define também que a ilicitude penal praticada pelo ente coletivo se configura através do ato praticado por seu dirigente em seu favor e que venha causar dano ao meio ambiente: Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, “conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. (BRASIL, 1998)
No que diz respeito às penas as quais deverão submetidas, estão previstas três, sendo: “Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I - multa; II - restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade”. (BRASIL, 1998)
A pena de multa é uma espécie de pena na qual a pessoa jurídica apenada tem a obrigação de desembolsar junto ao Fundo Penitenciário Nacional o valor fixado na sentença. O teor dessa pena tem como base o Código Penal (artigo 49), o qual se aplica subsidiariamente a Lei Ambiental. Seu valor é calculado em dias-multa. A pena de multa mínima a ser fixada corresponde a 10 (dez) dias-multa e a máxima a 360 (Trezentos e sessenta) dias-multa. A fixação da quantidade de dias-multa leva em consideração o estado econômico do apenado.
O valor do dia-multa tem como base o salário mínimo. Nesse caso o valor do dia-multa varia de um trigésimo do salário mínimo a 5 salários mínimos, vigentes na data da prática da infração penal e devidamente atualizados no momento da execução da pena.
É preciso ressaltar que embora o alicerce para a fixação da pena de multa seja o Código Penal, necessário se faz combiná-lo com a Lei Ambiental (9.605/98) que diversificou ao permitir em seu artigo 18 que o Juiz sentenciante possa elevar seu teto em até 3 (três) vezes, diante da comprovação do lucro auferido com o dano causado.
Art. 18. A multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até (três) vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida (BRASIL, 1998).
Consequentemente, em sede de crime ambiental o que se leva em consideração para a fixação da quantidade de dias-multa é a vantagem econômica obtida. Nesse contexto afirma NUCCI:
O art. 18 apresenta somente uma inovação: determina que o aumento (até o triplo) se faça com base no valor da vantagem econômica auferida pelo crime ambiental e não com a situação econômica do réu. Imagina-se que o agente criminoso, se muito lucrou com o delito contra o meio ambiente, não pode ser apenado com a pena ínfima (NUCCI, 2006, p. 493).
Quanto às penas restritivas de direitos, estas estão elencadas no artigo 22 sendo subdividas nas seguintes hipóteses: suspensão parcial ou total de atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; e proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:
I- suspensão parcial ou total das atividades;
II- interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III- proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
§ 1.º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
§ 2.º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
§ 3.º A proibição de contratar com o poder público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de 10 (dez) anos (BRASIL, 1998).
Ao contrário da pena de multa, as penas restritivas de direitos a serem aplicadas nas transgressões ambientais têm previsão expressa na própria lei especial de meio ambiente, não se aplicando à espécie o Código Penal na forma subsidiária. A primeira delas, suspensão parcial ou total de atividades, é aplicada quando for constatado que a pessoa jurídica condenada, já não vinha cumprindo as determinações legais ou regulamentares relativas ao abrigo do meio ambiente, mesmo antes de configurada a infração penal.
A segunda, interdição temporária de direitos, não implica na capacidade da pessoa jurídica exercer suas atividades. Tem como fundamento bloquear por determinado tempo uma das filiais do ente coletivo, uma de suas obras, ou uma de suas atividades.
O escopo da interdição é a aquele estabelecimento, aquela obra, ou aquela atividade da pessoa jurídica condenada por prática de infração penal que esteja funcionado sem a devida autorização pelos órgãos competentes, ou de forma diferente daquela concedida. Também cabe a interdição quando atentarem contra a prescrição legal ou regimental.
A terceira pena restritiva de direitos cabível ao ente moral é a proibição de contratar com o Poder Público, ou dele conseguir aportes, concessão ou auxílio.
No que concerne à duração dessas penas restritivas de direitos, deve-se levar em conta a cominação da pena privativa de liberdade prevista no tipo penal.
Por exemplo no artigo 50-A da Lei Ambiental diz que “Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente” (tem como pena prisional a reclusão de 2 a 4 anos (BRASIL, 1998).
Dessa maneira a pessoa jurídica que vier a praticar a infração acima mencionada poderá ter como reprimenda a interdição de uma filial pelo período de no mínimo 2 (dois) anos e no máximo 4 (quatro) anos.
A exceção desse entendimento é a terceira e última hipótese de pena restritiva de direitos, onde a proibição tem previsão legal de ser de até 10 (dez) anos, não levando em consideração, nesse caso, a pena privativa de liberdade prevista para a infração penal praticada.
Por fim, há de se mencionar a última reprimenda prevista no rol das penas que podem ser aplicadas à pessoa jurídica, que é a prestação de serviços a comunidade.
Essa penalidade está descrita no artigo 23, da Lei 9.605/98, assim como a interdição temporária de direitos, está subdividida em 4 (quatro) suposições: custeio de programas e de projetos ambientais; execução de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos; e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
I- custeio de programas e de projetos ambientais;
II- execução de obras de recuperação de áreas degradas;
III- manutenção de espaços públicos;
IV- contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas (BRASIL, 1998).
Também nela não se aplica subsidiariamente o Código Penal, pois a lei especial tratou inserir quais seriam as prestações de serviços possíveis de serem aplicadas ao ente coletivo, diferentes, inclusive, das cabíveis às pessoas físicas as quais estão dispostas no artigo 9º nos seguintes termos:
Art. 9. A prestação de serviços a comunidade consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta, se possível (BRASIL, 1998).
O custeio de programas e de projetos ambientais impõe à pessoa jurídica condenada a obrigação de custear planos de medidas ligadas ao meio ambiente e de obras e construções ambientais em geral.
A execução de obras de recuperação de áreas degradadas é um tipo de punição que faz com que a empresa apenada seja obrigada a promover obras com a finalidade de resgatar extensões que estejam ligadas ao meio ambiente.
Na sanção referente à manutenção de espaços públicos, o ente moral condenado irá através de suas próprias expensas zelar por locais públicos que são destinados ao uso de toda a população. Por fim, as contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas implicam na cooperação do ente moral condenado com órgãos públicos que tratam do meio ambiente, bem como aqueles que cuidam das atividades artísticas ou intelectuais.
Essa cooperação não é necessariamente financeira, pois manter e custear são outras hipóteses de prestação de serviços à comunidade. Aqui a cooperação pode se revelar no fornecimento de material, mão de obra entre outros, conforma salienta NUCCI:
Essa contribuição não é em pecúnia, pois não se teria um montante a ponderar (quanto o juiz determinaria que fosse pago?) e a lei não fala em manter a entidade (oque significa custeio total por um tempo). Portanto, parece-nos que é efetiva a cooperação, fornecendo material, mão-de-obra e outros elementos concretos para que as entidades satisfaçam suas metas (NUCCI, 2006, p. 499).
Similarmente as penas restritivas de direitos, a pena de prestação de serviços à comunidade a ser cumprida pela pessoa jurídica terá como duração a cominação da pena privativa de liberdade prevista para o ilícito penal praticado.
Como se pode perceber, não é cabível a aplicação definitiva de pena privativa de liberdade para à pessoa jurídica pelo fato da mesma não ser compatível com sua natureza, uma que vez que é evidente a impossibilidade de seu encarceramento, razão pela qual a reprimenda corporal só é possível ao ser humano, pessoa física. Mas há de se ressaltar que a pena privativa de liberdade não é a única prevista no ordenamento jurídico brasileiro, sendo elencada em seu rol a pena de multa e as restritivas de direitos.
Não deixam, portanto, de serem compatíveis com a responsabilização penal do ente coletivo as penas previstas no artigo 21 da Lei 9.605/98. Por conseguinte, o fato de não ser possível à aplicação da pena privativa de liberdade na pessoa jurídica não inválida a sua responsabilização penal, pois conforme já mencionado, o ordenamento jurídico pátrio prevê outras sanções em matéria penal.
Aliás, as sanções penais previstas em face da pessoa jurídica não deixam de ter a finalidade de prevenir no sentido de que outros entes morais não pratiquem atividades que venham degenerar o meio ambiente, e, ainda, compensar o mal causado será compensando.
Estão presentes, assim, nas reprimendas relacionadas à pessoa coletiva, às características preventiva e retributiva da pena. A grande adversidade com relação às sanções penais acima reportadas seria o descumprimento da pena pela pessoa jurídica.
Com relação à pena de multa nem tanto, pois quanto a essa reprimenda, já que Lei 9.605/98 aplica subsidiariamente o Código Penal, a solução encontra-se no artigo 51 do Código Penal, o qual reza que
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição (BRASIL, 1940).
Assim, a consequência para o não cumprimento da pena de multa por parte da pessoa jurídica seria o mesmo da pessoa física, ou seja, inscrever o nome da empresa na dívida ativa, promovendo-se a execução forçada caso seja necessário.
Nas penas restritivas de direitos, a princípio o juiz da execução teria todos os mecanismos para forçar o seu cumprimento pelo ente coletivo. Contudo, o dilema se afigura na hipótese do não cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade.
Quando um apenado, pessoa física, deixa de cumprir a pena de prestação de serviços à comunidade, irá ocorrer a conversão para a pena privativa de liberdade diante da previsão legal insculpida no § 4º do artigo 44 do Código Penal:
§ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão (BRASIL, 1940).
Essa hipótese ocorre porque a prestação de serviços está inserida nas penas restritivas de direitos quanto à pessoa física, e é aplicada de forma substitutiva a privativa de liberdade. Em relação à pessoa jurídica, por ser inviável a pena corporal, as penas de prestação de serviços à comunidade são aplicadas como penas principais, logo não podem ser convertidas em privativas de liberdade.
Nesse contexto qual seria a medida a ser adotada pelo não cumprimento das penas de prestação de serviços à comunidade pelo ente moral apenado? A Lei 9.605/98 não traz uma solução para essa questão. Há uma lacuna com relação a isso, deixando possível uma eventual impunidade.
A Lei Ambiental que entrou em vigência quase dez anos após a promulgação da nossa atual Lei Magna foi bem recepcionada pelos tribunais pátrios, em que pese a divergência doutrinária quanto à responsabilização penal da pessoa jurídica.
A inaugural condenação de uma pessoa jurídica no Brasil transitada em julgado se deu em 2003, no julgamento da apelação criminal nº 2225 SC 2001.72.04.002225-0, da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da relatoria do Desembargador Élcio Pinheiro de Castro. A Corte analisou recurso de apelação de ente coletivo acusado e condenado em primeira instância pela degradação da flora nativa, entendendo que a imputação restou configurada, conforme ementa que segue:
PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. EXTRAÇÃO DE PRODUTO MINERAL SEM AUTORIZAÇÃO. DEGRADAÇÃO DA FLORA NATIVA. ARTS. 48 E 55 DA LEI Nº 9.605/98. CONDUTAS TÍPICAS. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. PROVA. MATERIALIDADE E AUTORIA. SENTENÇA MANTIDA.
1.Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, a Constituição Federal (art. 225, § 3º) bem como a Lei 9.605/98 (art. 3º) inovaram o ordenamento penal pátrio, tornando possível a responsabilização criminal da pessoa jurídica.
2. Nos termos do art. 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo, se dele não resultar prejuízo à defesa (pas de nullité sans grief).
3. Na hipótese em tela, restou evidenciada a prática de extrair minerais sem autorização do DNPM, nem licença ambiental da FATMA, impedindo a regeneração da vegetação nativa do local.
4. Apelo desprovido (TRF-4, 2003).
No início, diante do peso da corrente doutrinária contrária à responsabilização penal do ente moral, o Judiciário apenas aceitava a acusação contra pessoa jurídica se houvesse a dupla imputação, isto é, a denúncia oferecida pelo Ministério Público deveria ser em face da pessoa jurídica e de seus dirigentes ao mesmo tempo. Não era permitida uma separação para poder processar a pessoa jurídica. Não poderia a ação penal ser promovida só em face do ente coletivo. Caso a denúncia fosse ofertada somente em face da pessoa moral, a mesma não era recebida. Com esse entendimento de não poder dissociar a pessoa jurídica de seus dirigentes, o que se tinha na verdade na letra da lei era algo tão somente simbólico. Caso não houvesse êxito em depurar os dirigentes responsáveis pela conduta destruidora do meio ambiente, inviável seria a propositura de ação penal contra a pessoa jurídica.
Defensor desse princípio da dupla imputação, Luiz Flávio Gomes, em artigo denominado “Crime ambiental. Pessoa jurídica. Teoria da Dupla Imputação (pessoa jurídica e pessoa física)”, sustenta que:
[...] adotou-se a teoria da dupla imputação, ou seja, é impossível imputar o delito ambiental exclusivamente à pessoa jurídica. Por trás do ato criminoso sempre existe uma pessoa física. Logo, impõe-se descobri-la para que faça parte (necessariamente) do polo passivo da ação penal. Impossível imputar um delito ambiental exclusivamente à pessoa jurídica, visto que, nesse caso, o efeito preventivo do Direito penal desaparece. De outro lado, o Direito penal foi pensado para pessoas de carne e osso. A responsabilidade da pessoa jurídica, a rigor, não é "penal". Ela pertence ao que chamamos de direito judicial sancionador (GOMES, 2009).
Esse princípio não dava sentido ao art. 3º da Lei 9.605/98, bem como o § 3º do art. 225 da atual Carta Magna, já citados, os quais em nenhum momento mencionam como condição para a responsabilização penal da pessoa moral a simultânea imputação a seus dirigentes. Apesar disso, essa era a orientação dos tribunais superiores.
Entretanto, essa direção foi alterada pela Suprema Corte em agosto de 2013. No julgamento do Recurso Extraordinário 548181/PR, relatado pela Ministra Rosa Weber, em 06 de agosto de 2016, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que a dupla imputação transgride o que estabelece o § 3º, do artigo 225 da Lei Maior, o qual não determina que a pessoa moral e as pessoas físicas que a dirigem sejam responsabilizadas conjuntamente em uma ação penal.
O Superior Tribunal de Justiça, em 2015, mudou seu posicionamento sobre a necessidade da dupla imputação, adequando-se a orientação da Suprema Corte. Conforme informativo nº 0566 do período de 08 (oito) a 20 (vinte) de agosto de 2015, a mudança ocorreu no julgamento do Recurso em Mandado de Segurança 39.173/BA, da 5ª Turma, da relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (STJ, 2015).
A turma entendeu ser possível a propositura de ação penal em face do ente coletivo, independentemente da apuração da conduta praticada pelo dirigente, pessoa física, sendo desnecessária, portanto, a imputação concomitante. Portanto, atualmente está pacificado nos tribunais superiores que é desnecessária a dupla imputação para que se possa responsabilizar penalmente a Pessoa Jurídica.
Apura-se em face do Consórcio Samarco a responsabilidade penal por conta do rompimento da barragem de Fundão, bem como dos rejeitos lá acumulados rio abaixo, o que ocasionou um dos maiores desastres ambientais já vistos nesse País, senão o maior. Há indícios de que o Consórcio Samarco, através de suas atividades, infringiu os arts. 54, § 2º, I, II, III e 62, ambos da Lei 9.605/98.
O art. 54 da Lei Ambiental diz “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. (BRASIL, 1998). E acrescenta em seu § 2º que
Art. 54, § 2º - Se o crime
I tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II- causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III- causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de uma de água de uma comunidade;
IV- [...];
V- [...]:
Pena – reclusão de 1(um) a 5 (cinco) anos (BRASIL, 1998).
Para Ricardo Antonio Andreucci “O bem jurídico tutelado, nesses crimes, é o meio ambiente relacionado à pureza, e limpeza da água, do ar, e do solo, ou seja, do patrimônio natural e à qualidade de vida” (ANDREUCCI, 2015, p. 538).
Conquanto, a poluição em questão é aquela que destrói características do ambiente natural, gerando como consequência prejuízos à saúde e ao bem-estar, atingindo ainda atividades sociais e econômicas e o conjunto de seres vivos de um determinado ambiente por determinado período (biota).
É notório que o rompimento da barragem de Fundão acarretou em Bento Rodrigues, subdistrito do município de Mariana, em Minas Gerais, todas as consequências acima elencadas. Por sua vez, a Lei 9.605/98 estabelece que:
Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I- bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II- arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa (BRASIL, 1998).
Aqui o bem jurídico tutelado se trata do meio ambiente artificial o meio ambiente cultural. O meio ambiente artificial caracteriza-se pela modificação do meio ambiente natural por meio de um conjunto de edificações, onde se concentra um número indeterminado de pessoas com a finalidade de residirem, trabalharem, enfim, local que elegerem para dar continuação a vida. NUCCI define que o meio ambiente artificial:
Meio ambiente diversificado: não se trata mais do meio ambiente natural, mais conhecido da sociedade, composto pela flora, fauna etc. Está-se agora, cuidando do meio ambiente artificial, chamado pela lei de ordenamento urbano, lugar onde habitam seres humanos, em construções artificialmente erguidas, bem como do meio ambiente cultural, envolvendo todos os aspectos históricos, arquitetônicos, científicos etc. (NUCCI, 2006, p. 565).
Quanto ao meio ambiente cultural, este também é construído pelo ser humano, mas diferentemente do meio ambiente artificial, é construído por conhecimentos, valores, que podem ser materiais ou imateriais. Consoante ANDREUCCI:
Nesta seção, é tutelado o meio ambiente no aspecto do ordenamento urbano e do patrimônio cultural, protegendo, entre outros bens, os arquivos, os museus, os registros, as bibliotecas, as pinacotecas etc., além de lugares especialmente protegidos em razão de valor paisagístico, ecológico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental (ANDREUCCI, 2015, p. 539).
Também é fato que o desastre em questão trouxe uma perda considerável, sem possibilidade de retorno ao estado anterior referente ao meio ambiente cultural. Conforme publicado na página do Ministério Público de Minas Gerais, em 06 de novembro de 2015, em que o Promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, Coordenador Estadual das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, sintetiza os danos causados ao patrimônio cultural da região.
[…]o prejuízo é imenso e irreversível. Ele se refere principalmente a uma capela em Bento Rodrigues, construída no século 18, que remonta às origens do povoado e está totalmente soterrada pela lama. Além disso, dezenas de sítios históricos da época da mineração do ouro na região foram destruídos[...]
Bento Rodrigues é um dos mais antigos arraiais de Minas Gerais e toda a região é pioneira no que diz respeito à descoberta do Ouro, além de estar inserida na reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, reconhecida pela Unesco como patrimônio de relevo para toda a humanidade. (MIRANDA, 2015)
Esses são os fatos típicos apurados contra o Consórcio Samarco em razão do rompimento da Barragem de Fundão. Não obstante, esses fatos foram apurados simultaneamente através de inquéritos policiais instaurados pela Polícia Civil do Estado de Minais Gerais, bem como a Polícia Federal. Os inquéritos ficaram atrelados respectivamente ao Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Mariana - MG e Juízo Federal de Ponte Nova- SJ/MG.
Em princípio, os dois Juízos entenderam ser competentes para decidirem nos inquéritos policiais a eles atrelados, razão pela qual foi suscitado o Conflito Positivo de Competência. Esse Conflito de Competência foi parar no Superior Tribunal de Justiça, tombado sob o nº 145.695- MG (2016/0064550-0), sob a relatoria do eminente Ministro Nefi Cordeiro.
No decorrer do trâmite desse conflito, os Juízos suscitantes chegaram à conclusão de que realmente a competência é da Justiça Federal, uma vez que os bens jurídicos lesionados são da titularidade da União, uma vez que o corpo hídrico atingido circunda mais de um Estado, sendo certo ainda que o desastre também atingiu terras indígena da comunidade Krenak. Assim foi resolvida a questão:
Trata-se de conflito positivo de competência, com pedido de liminar, suscitado pelo Ministério Público Federal em face do Juízo Federal de Ponte Nova - SJ/MG e Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Mariana/MG, ao argumento de que há duplicidade de investigações de delitos conexos. Assevera o suscitante que a Polícia Federal de Minas Gerais instaurou Inquérito Policial para a apuração dos crimes previstos no art. 54, § 2º, I, II, III e art. 62, todos da Lei nº 9.605/98, tendo o Ministério Público Federal instaurado Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para apurar os delitos previstos nos arts. 121 e 254 do Código Penal e nos arts. 54, caput e § 2º, III, da Lei nº 9.605/98[...]
Assim, tendo o Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais, ao aprovar o parecer acerca do arquivamento indireto, nos termos do art. 28 do CPP, decidido que, no caso, a competência para processo e julgamento de possível ação penal é da Justiça Federal, tem-se que o objeto do presente conflito de competência encontra-se esvaído, devendo, dessa forma, os autos serem remetidos ao Juízo Federal de Ponte Nova - SJ/MG.
Nesse contexto, como a controvérsia encontra-se solucionada, não há como negar a perda superveniente do objeto do presente conflito. Ante o exposto, com fulcro no art. 34, XI, do Regimento Interno desta Corte, julgo prejudicado o presente conflito de competência, ante a superveniente perda do objeto (STJ, 2016).
Deste modo, até a presente data aguarda-se a manifestação do Ministério Público Federal sobre eventual propositura de ação penal em face do Consórcio Samarco, bem como seu recebimento ou não pela Justiça Federal de Ponte Nova.
Um meio ambiente sadio, “ecologicamente equilibrado”, depende acima de tudo da viabilização de políticas públicas capazes de concederam uma sobrevivência digna ao ser humano, pois só assim o meio ambiente natural e o meio ambiente artificial estarão preservados.
O desastre ocorrido com o rompimento da barragem do fundão não causou somente danos ao meio ambiente em geral. Foi mais além. Ocasionou aos habitantes das localidades próximas do ocorrido uma verdadeira exclusão social, principalmente aos cidadãos de Bento Rodrigues.
Acabou com a economia local, trazendo em consequência o desemprego, introduziu condições insalubres de sobrevivência, bem como a ausência de educação, de moradia digna, de cultura, lazer, etc., tudo aquilo que é vital para a existência humana.
Não são as sanções penais decorrentes das atividades praticadas pelo Consórcio Samarco que irão trazer a esses cidadãos a inclusão social. A punição pela pena de multa, consiste no pagamento de uma a quantia fixada entre os valores mínimo e máxima previstos, ao Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEM), tem a sua finalidade estabelecida no artigo 1º da Lei Complementar nº 79, de 7 de Janeiro de 1994:
Art. 1º Fica instituído, no âmbito do Ministério da Justiça, o Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN, a ser gerido pelo Departamento de Assuntos Penitenciários da Secretaria dos Direitos da Cidadania e Justiça, com a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro. (BRASIL, 1994)
As restritivas de direitos que são “suspeição parcial ou total de atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; e proibição de contratar com o Poder público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações”, também em nada reflete na questão social. Pelo contrário, podem trazer mais exclusão social, como, por exemplo, o desemprego.
A única exceção de onde se vislumbra uma possibilidade de inclusão social é a prestação de serviços à comunidade que impõe o “custeio de programas e projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradas; manutenção de espaços públicos; e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas”.
O cumprimento dessa pena pelo ente coletivo, pode propiciar emprego, lazer, cultura e qualidade de vida com a melhoria ou mantença do meio ambiente. Todavia, não se pode esperar que com a censura penal da pessoa jurídica se resolva os problemas sociais causados pelas atividades ilícitas praticadas. É preciso que a administração pública adote as políticas necessárias capazes de proporcionar uniformidade entre os cidadãos, assegurando-lhes dignas condições de vida.
A atual Constituição Federal foi um divisor de águas quanto à responsabilidade penal da pessoa jurídica. Sacramentou contra todos e contra tudo a possibilidade do ente moral sofrer sanção penal, através de suas atividades que lesem bens imprescindíveis ao interesse coletivo.
Não deixa de ter razão a doutrina clássica quando sustenta que falta à pessoa coletiva vontade e consciência, características inerentes somente ao ser humano. Mas é plenamente possível estabelecer-se exceções à regra. E foi isso que a atual Lei Maior fez, sobretudo no âmbito da proteção ao meio ambiente, pois um ecossistema doente, sem perspectiva de cura, é a decretação do fim da humana na face da terra.
Nesse contexto, punir somente os dirigentes das pessoas jurídicas que destroem, que aos poucos matam um conjunto de coisas vivas que mantém a existência do ser humano é ineficaz. Um dirigente condenado por atos lesivos ao meio ambiente poderá, dependendo da pena, até mesmo continuar exercendo suas funções dentro do ente coletivo. Quando muito, será substituído por outro dirigente que continuará, acima de tudo, a visar o lucro em detrimento da vida.
Por isso, é extremamente importante a sanção penal da pessoa jurídica, para evitar que aquela que infringiu a norma ambiental não venha violá-la novamente, bem como prevenir que outras pratiquem atividades contrárias às normas ambientais.
Quanto à Lei Ambiental 9.605/98, esta deixa a desejar especialmente no que se refere às sanções penais para as pessoas jurídicas, principalmente por não estipular como principais as penas previstas nos artigos 22 (penas restritivas de direitos) e 23 (prestação de serviços à comunidade) e qual o tempo de duração das mesmas, sem ser necessário socorrer-se de uma pena privativa de liberdade aplicada como se imaginariamente pessoa física fosse.
Também peca a Lei 9.605/98 ao não estabelecer uma forma coercitiva de cumprimento das penas restritivas de direitos e de prestação de serviços à comunidade, caso a pessoa jurídica não cumpra ou venha descumprir a sanção penal imposta.
Já os tribunais recepcionaram a Constituição Federal, bem com a Lei 9.605/98 no que se refere à responsabilização penal da pessoa jurídica, sendo certo que foram coerentes, dando um passo de cada vez. No início, com o peso relevante da doutrina clássica que não admite a responsabilização penal da pessoa jurídica, os tribunais admitiam somente ação penal em face do ente coletivo através da dupla imputação. Hoje, acertadamente as Cortes Superiores entendem que não mais é preciso a dupla imputação. Assim, mesmo que o titular da ação penal não consiga indícios de autoria contra o dirigente, pessoa física, é possível o oferecimento da denúncia somente em face da Pessoa Jurídica.
Foi um passo significativo, que fortalece um instrumento imprescindível que é a busca da tutela jurisdicional para a proteção do meio ambiente contra as atividades repugnantes, capazes de acabar com todo um conjunto de coisas vivas.
Por fim, vê-se que os órgãos competentes, Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário estão trilhando no caminho correto, na busca de encontrar elementos indiciários aptos para a deflagração de uma ação penal contra o Consórcio Samarco.
Embora a Polícia Civil de Minas Gerais, Ministério Público de Minas Gerais, Polícia Federal e Ministério Público Federal estivessem apurando simultaneamente os mesmos fatos, conforme se depreende do Conflito de Competência 145.695 que tramitou no Superior Tribunal de Justiça, houve um consenso, ao final, de que a competência é da Justiça Federal, pondo fim a um dilema que poderia prejudicar o bom andamento das apurações dos fatos criminosos, muito bem delineados.
Cabe então ao Ministério Público Federal propor a ação penal em face do Consórcio Samarco, obtendo ao seu término a condenação desse ente coletivo, diante da notoriedade dos fatos ocorridos, os quais caracterizam sem sombra de dúvidas as normas penais previstas nos artigos 54, § 2º, I, II, III e 62, todos da Lei nº 9.605/98.
Porém, não basta a judicialização, seja no âmbito civil, seja no âmbito penal, como único instrumento apto a proteger o meio ambiente. Não basta a imposição de pena. Não basta a legislação ambiental. É imprescindível ainda que sejam propiciadas políticas públicas no sentido de agir eficazmente em favor da defesa do meio de meio ambiente, não bastando a atuação dos órgãos estatais fiscalizadores, os quais também são da maior relevância.
Para a proteção do meio ambiente é da maior relevância que os poderes executivo e legislativo cada vez mais estabeleçam, em conjunto com a sociedade, civil, planos, programas, ações e atividades que venham adotar tolerância zero a riscos ambientais, pois só assim, desastres como de Mariana poderão ser evitados, resguardando-se um direito de todos que é um meio ambiente saudável.
ANDREUCCI, Antonio Ricardo. Legislação Penal Especial. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
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