Espacios. Vol. 37 (Nº 26) Año 2016. Pág. 24

O papel da estatística no âmbito das pesquisas em ciência e tecnologia de alimentos

The role of statistics in the context of science and food technology researches

Adriana Barbosa SANTOS 1; Érika Fernanda Rezendes TADA 2; Bruna Taís Tibúrcio MEDEIROS 3

Recibido: 04/05/16 • Aprobado: 02/06/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Método de Pesquisa

3. Resultados e Discussão

4. Considerações Finais

Agradecimento

Referências


RESUMO:

O papel da estatística nas pesquisas da área de Ciência e Tecnologia de Alimentos é discutido baseando-se num survey exploratório-descritivo que enfocou pesquisadores do Brasil selecionados aleatoriamente do cadastro dos grupos de pesquisa do CNPq. Os resultados revelam que tais pesquisadores reconhecem seu pouco conhecimento sobre técnicas estatísticas complexas, embora valorizem sua importância no delineamento e análise de dados para sucesso dos projetos. Destaca-se a necessidade de uma reflexão sobre o uso mais adequado da estatística na obtenção de evidências científicas, erros metodológicos e carência de artigos na área que motivem uma discussão mais ampla e proativa sobre uso de estatística.
Palavras-chave: Projetos de pesquisa. Pesquisadores brasileiros. Delineamento a análise estatística. Survey exploratório.

ABSTRACT:

The role of statistics in the context of researches in Science and Food Technology area is discussed based on exploratory survey focusing researchers randomly selected in database research groups of the CNPq. The results suggest that researchers recognize their low knowledge about more complex statistical techniques, although they consider its value and importance in design and data analysis for successful projects. We highlight the need for reflection about the use of statistics in scientific evidences, methodological mistakes and lack of papers that examine and stimulate a broad and proactive discussion involving use of statistics in that area.
Keywords: Scientific projects. Brazilian researchers. Statistical design and analysis. Exploratory Survey.

1. Introdução

Em projetos de pesquisa com alimentos, a estatística integra um arcabouço importante do delineamento experimental e da análise de dados, imprescindíveis para embasar as descobertas científicas. No meio acadêmico os aspectos metodológicos que corroboram os resultados alcançados numa pesquisa constituem um ponto crucial para atender ou superar as expectativas de avaliadores criteriosos, seja na análise de um projeto seja na revisão de artigos submetidos à publicação. Neste contexto, a estatística apresenta-se como requisito subjacente do planejamento, tornando-o mais adequado, e agregando credibilidade aos resultados para que o trabalho científico fique mais atraente, num primeiro momento em âmbito acadêmico e em outro em âmbito empresarial.

Discussões, críticas e análise sobre o entendimento e forma de utilização de métodos estatísticos em artigos tem sido objeto de pesquisa em diversas áreas nos últimos anos (Li An; Cuoghi, 2004; Crosta et al., 2005; Barbosa; Souza, 2010). Apesar disso, um leitor mais crítico em relação a esse aspecto depara-se com trabalhos na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos (CTA) que apresentam falhas decorrentes de inadequações na utilização dos métodos estatísticos, seja em âmbito conceitual, de delineamento de experimentos (DOE) ou da análise dos dados (Granato; Calado, 2014; Lang; Altman, 2015).

Atualmente, a área de CTA compreende cerca de 260 mil artigos indexados em veículos de busca online, relacionados às diferentes áreas do conhecimento, tais como microbiologia aplicada a alimentos, engenharia de processos, desenvolvimento de novos produtos, análise sensorial, tecnologia de alimentos, entre outras. Apesar do número expressivo, nota-se que há certa escassez de estudos que versem a respeito do uso de conceitos e técnicas estatísticas nessa área. Neste sentido, constata-se um contraste com a área da saúde, cuja literatura não apresenta tal escassez e o assunto tem sido fomentado em publicações recentes. Barbosa e Souza (2010) apresentaram um estudo sobre o uso adequado de testes estatísticos em artigos publicados na Revista Brasileira de Anestesiologia entre janeiro de 2008 e dezembro de 2009. Kurichi e Sonnad (2006) investigaram o uso de métodos estatísticos em publicações da área cirúrgica, atentando para as ferramentas utilizadas equivocadamente. Orso et al. (2011) observaram o aumento no uso de estatísticas em publicações dos anos de 1987 a 2007 em algumas revistas cirúrgicas brasileiras de maior relevância.

Explorando essa temática, este artigo trata do papel da estatística no âmbito dos projetos científicos desenvolvidos no Brasil por pesquisadores da área de CTA, com intuito de caracterizar mais especificamente o uso de técnicas de DOE e de ferramentas estatísticas empregadas na análise de dados por meio de uma pesquisa empírica.

Para descrever o estudo, o artigo está organizado de modo que na seção 2 explicita-se o método de pesquisa, incluindo o planejamento amostral da na pesquisa empírica e os procedimentos adotados para coleta de dados. A seção 3 contém os resultados com respectivas análises e discussão à luz dos trabalhos relacionados, salientando a caracterização dos pesquisadores da área de CTA, incluindo uma autoclassificação destes quanto ao seu nível de conhecimento sobre estatística. Como tópico central enfoca-se em dados sobre o uso de estatística geral nas diferentes fases de realização de um projeto e mais particularmente as técnicas de DOE empregadas nos projetos científicos dos quais tais pesquisadores participam. Aspectos sobre a contribuição tecnológica dos pacotes estatísticos para o avanço do uso da estatística nas pesquisas de âmbito acadêmico também são discutidos. O artigo é finalizado com conclusões e algumas considerações finais.

2. Método de Pesquisa

O presente estudo abrangeu um levantamento tipo survey eletrônico de caráter exploratório-descritivo cuja população alvo foi composta por pesquisadores de instituições de ensino e pesquisa do Brasil da área de Ciência e Tecnologia de Alimentos.

Elaborou-se como instrumento de coleta de dados, um questionário online composto no total por 27 questões fechadas que versaram sobre três tópicos, a saber: Caracterização dos Pesquisadores; Descrição da Instituição de Ensino; e Técnicas de Delineamento de Experimentos. Sobre este último, detalhou-se: o uso de estatística no delineamento de experimentos; e o uso de estatística na análise de dados.

Questões relacionadas ao nível de conhecimento dos pesquisadores, grau de importância e grau de concordância sobre aspectos relacionados ao tema abordado foram respondidas a partir de uma escala Likert de cinco pontos. Demais questões foram em sua maioria construídas com base em escalas multi-item.

Como parte do planejamento amostral, a população de interesse foi delimitada por consulta aos cadastros de pesquisadores na base de dados do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, pertencentes à grande área de Ciências Agrárias e à área de CTA. Foram utilizadas algumas palavras-chaves relacionadas a produtos alimentícios para refinar a busca, tais como: desenvolvimento de produtos, delineamento experimental, produção de alimentos, análise sensorial e conservação de alimentos. Com isso, foi elaborada uma lista contendo 257 grupos de pesquisa com 2527 pesquisadores provenientes de Instituições de ensino e pesquisa de todas as regiões geográficas brasileiras, sendo 36% provenientes do Sudeste, 28% do Sul, 23% do Nordeste, 8% do Centro-Oeste e 5% da região Norte.

O plano amostral baseou-se numa amostragem probabilística em múltiplos estágios, com estratificação proporcional considerando-se a região geográfica, estado, instituição de ensino e grupo de pesquisa. Foram adotados dois procedimentos de coleta de dados para contatar os pesquisadores integrantes ou coordenadores de projetos de pesquisa na área de CTA: por e-mail e por telefone; os quais foram obtidos por busca na Plataforma Lattes ou consulta ao site da instituição de ensino de vínculo dos pesquisadores. Primeiramente, foi enviado um e-mail com breve apresentação sobre a pesquisa, descrevendo os objetivos, a importância do levantamento e da participação dos pesquisadores contatados, além do link para acesso ao questionário online. Em outro momento, foram realizadas ligações para os líderes dos grupos cadastrados na etapa de amostragem, informando-os sobre a realização da pesquisa e, quando necessário, solicitando seus e-mails para contato. Ainda como parte do plano amostral, executou-se um pré-teste do questionário com a participação voluntária de 34 pesquisadores da instituição de vínculo dos autores.

Levando-se em conta ambos os procedimentos de coleta de dados, atingiu-se 222 respostas de um total de 851 pesquisadores contatados. Desconsiderando-se os e-mails que retornaram, a taxa de resposta de modo geral foi de 26%. Vale salientar que tais estratégias estão consonantes com outros trabalhos da literatura (COUPER, 2000; DILLMAN, 2009; TINGLING; PARENT; WADE, 2003).

O tratamento estatístico dos dados coletados envolveu uma análise univariada baseada em estatísticas descritivas, frequências, percentuais, gráfico de colunas, intervalo de confiança e teste de hipótese para proporção. Após tabulação dos dados coletados, estes foram analisados com suporte dos pacotes computacionais Microsoft Excel 10 e Minitab® 16.

3. Resultados e Discussão

Nesta seção serão descritos e discutidos os principais resultados extraídos da pesquisa empírica. Para tanto, nas subseções adiante se procedeu com uma caracterização dos pesquisadores de forma ampla, detalhando os resultados obtidos sobre o uso da abordagem estatística relacionada ao delineamento experimental e análise de dados. Aspectos da influência e valorização dos pacotes computacionais também são cobertos.

Das 222 respostas obtidas a partir do survey eletrônico, 46% originaram de pesquisadores da região Sudeste, 21% do Nordeste, 16% do Sul, 11% do Centro-Oeste e 6% da região Norte. Em todas as regiões brasileiras obteve-se participação de pesquisadores de todos os estados que as integram, exceto das regiões Norte e Nordeste, que não apresentaram respondentes dos estados do Maranhão, Amapá e Rondônia.

Os grupos de pesquisa do CNPq, pertencentes à área de CTA possuem em sua maioria pesquisadores do sexo feminino (59%) com idade variando entre 22 e 70 anos, sendo a média de 41 anos e desvio padrão de 10,8 anos. Do total, 49% tem doutorado, 8% pós-doutorado, 22% são mestres e 21% são docentes.

Foi encontrado um leque diversificado de cursos para a formação básica desses pesquisadores. Engenharia de alimentos aparece em quantidade mais expressiva (72) em relação à engenharia agronômica (22), engenharia química (13), nutrição (12), ciências biológicas (9), entre outras.

Verificou-se que 199 (90%) dos pesquisadores responderam que utilizaram a abordagem estatística em projetos recentes. Pensando que o conhecimento sobre estatística adquirido ao longo de sua formação tem reflexos sobre sua valorização na elaboração e execução dos projetos de pesquisa, colheram-se dados sobre o nível de conhecimento sobre estatística em geral, 77% declararam ter de pouco a intermediário (de 1 a 3). Porcentagem próxima foi encontrada também para o nível de conhecimento sobre técnicas de delineamento experimental (72,1%), conforme Tabela 1. Embora haja uma forte associação entre as respostas, nota-se maior desconhecimento sobre as técnicas de delineamento experimental, em razão da maior frequência abaixo de 3 (37,8%).

Tabela 1 – Distribuição das respostas (frequência e porcentagem) sobre nível
de conhecimento em estatística geral e em técnicas de delineamento experimental.

Nível de conhecimento

Estatística geral

Delineamento experimental

1 (Pouco conhecimento)

11

(5,0%)

24

(10,8%)

2

44

(19,8%)

60

(27,0%)

3

115

(51,8%)

76

(34,2%)

4

48

(21,6%)

55

(24,8%)

5 (Muito conhecimento)

04

(1,8%)

07

(3,2%)

Total

222

222

Analisando-se de forma cruzada o nível de conhecimento sobre delineamento de experimentos dentro do contexto da estatística em geral, verificou-se que 62% dos pesquisadores responderam ter o mesmo nível para os dois casos. O conhecimento em estatística geral foi maior do que em técnicas de delineamento experimental para 23% dos pesquisadores. Situação inversa foi observada para 15% que afirmaram ter mais conhecimento sobre as técnicas de delineamento de experimentos. Este resultado revela aspectos positivos sobre o uso mais abrangente da estatística, e permite refletir o quanto esses pesquisadores recorrem à estatística em seus projetos, englobando outras técnicas estatísticas, como técnicas de análise multivariada (análise de componentes principais, análise de cluster, etc), análise de confiabilidade, controle estatístico de processos, ajustes de modelos de regressão linear ou não linear, entre outras aplicáveis no contexto de projetos com alimentos.

Um dos pontos cruciais para tornar os resultados das pesquisas válidos e confiáveis é a forma como foram planejados os experimentos, os aspectos metodológicos que sustentam o alcance dos objetivos propostos. Várias são as técnicas estatísticas formais para produção de dados experimentais e algumas das principais foram questionadas quanto ao uso neste levantamento.

A esse respeito, verificou-se nos resultados do survey ora descrito que 90% dos pesquisadores afirmaram ter utilizado a abordagem estatística nos projetos de pesquisa que estiveram envolvidos recentemente. E ainda que 71% dos pesquisadores utilizam conceitos estatísticos em todas as etapas dos projetos, incluindo planejamento, coleta e análise de dados.

Especificamente em relação aos tipos de delineamentos empregados nos projetos de pesquisa, os experimentos fatoriais em geral são bem valorizados, juntamente com metodologia de superfície de resposta e os delineamentos em blocos ao acaso são os tipos mais utilizados pelos pesquisadores em seus projetos (Figura 1). Não foi interesse avaliar detalhes mais específicos quanto ao modelo, se de efeitos fixos, aleatórios ou mistos, mas sim a estrutura

Entre os outros delineamentos, foram citados ainda delineamento fatorial fracionado e delineamento em parcelas subdivididas.  Conforme Figura 1, 7% dos pesquisadores não souberam informar o tipo de delineamento experimental, embora tenham afirmado que usaram abordagem estatística ao planejar os projetos. Este desconhecimento é um aspecto preocupante sob a ótica dos riscos envolvidos na falta de alinhamento metodológico entre o delineamento experimental e a análise dos dados, o qual revela uma deficiência técnica destes pesquisadores, com impacto sobre a qualidade dos resultados dos projetos e possivelmente dos artigos científicos decorrentes deles.

Figura 1 – Frequência de uso dos delineamentos experimentais
(1: Completamente aleatorizado um fator; 2: Blocos ao acaso;
3: Experimentos fatoriais; 4: Superfície de resposta;
5: Fatoriais 2k; 6: Outro; 7: Não soube informar).

Acerca da opção pelo tipo de delineamento experimental, alguns autores discutem que a forma como os dados são analisados e pelo grau de complexidade estatística implícita na técnica, recursos de software, entre outros. Segundo Dal Molin, Kulakowski e Ribeiro (2005), o planejamento prévio dos experimentos auxilia na obtenção de uma maior quantidade de informações, de forma sistematizada e em custos reduzidos para elucidar aspectos de relevância científica sobre as variáveis de interesse. Neste sentido, um planejamento experimental adequado cobre de forma ampla a estrutura do experimento e seu alinhamento com o objetivo da pesquisa, possibilitando uma visão prévia de como os dados experimentais podem ser analisados. Mais ainda, conforme ressalta Maia (2008), pesquisadores devem atentar para o fato deque os dados de uma pesquisa devem ser capazes de sustentar a viabilidade e a confiabilidade através de um processo de validação.

No tocante à sistemática de aplicação da abordagem estatística, Cunico et al. (2008) salientam que a restrição de visão estatística no planejamento experimental está diretamente relacionada à dificuldade de escolha e emprego da metodologia de análise dos dados, uma vez que se faz necessário o domínio de conhecimentos teórico-práticos bem fundamentados. Neste sentido, a falta de tais conhecimentos tem implicações importantes no que tange as barreiras educacionais e técnicas enfrentadas por engenheiros em ambiente industrial, conforme discutido por Tanco et al. (2009), independente de especificidade quanto ao tipo de produto ou característica de projeto. Na verdade, o uso correto e constante da abordagem estatística nas pesquisas na área de CTA é importante tanto em âmbito acadêmico como industrial, sendo que o primeiro interfere no último.

Graças à ampla difusão dos delineamentos experimentais ocorrida nas últimas décadas e a disponibilidade de esquemas mais complexos, o enfoque em dados e estatísticas vem ganhando força por vários motivos. Ao se revisar a literatura da área de CTA, especialmente os periódicos classificados pelo Qualis como A1 ou A2, é possível identificar que um leque mais diversificado de técnicas de delineamento experimental aparece nos artigos de periódicos de mais prestígio. Há notória ênfase no uso de delineamentos fatoriais, metodologia de superfície de resposta, delineamento composto central, além dos delineamentos completamente aleatorizados em blocos e os fatoriais 2k que são encontrados com presença mais expressiva.

Na Figura 2 estão expostos os percentuais de respostas obtidas neste estudo para o principal motivo que influenciou o uso de abordagem estatística pelos pesquisadores em seus experimentos.

Figura 2 – Proporção de respostas para cada motivo de uso da abordagem estatística
(1: Confiabilidade dos resultados; 2: Melhor análise dos dados;
3: Redução de experimentos, tempo e gastos; 4: Melhor planejamento;
5: Otimização dos processos; 6: Exigência científica para publicação;
7: Ferramenta para tomada de decisão; 8: Redução de erros).

Nota-se pela Figura 2 que os pesquisadores valorizam a abordagem estatística devido às suas vantagens e facilidades, destacando-se a motivação devido à confiabilidade (41%) e uma melhor análise dos dados obtidos (26%). Entretanto, evidencia-se o fato de 7% justificarem como motivo a exigência científica para publicação de artigos.

Com relação fazerem uso das técnicas de delineamento experimental de modo amplo e mais especificamente voltado ao desenvolvimento de novos produtos, os resultados mensurados pela escala Likert de cinco pontos relativa ao grau de importância, sendo 1 para pouca importância e 5 de muita importância, estão sumarizados na Tabela 2.

Verifica-se que uma porcentagem substancial dos pesquisadores atribuiu muita importância para a aplicação das técnicas de DOE, tanto sob a ótica da aplicação no contexto geral, como também enfocando mais especificamente o processo de desenvolvimento de novos produtos. De forma geral, houve significante homogeneidade na distribuição percentual das respostas para os dois questionamentos, em razão de 94,2% dos pesquisadores terem atribuído grau 4 ou 5 no contexto geral e 96,4% para aplicação em desenvolvimento de novos produtos.

Tabela 2 – Distribuição das respostas sobre grau de importância
da aplicação de técnicas de delineamento experimental no contexto
geral e em desenvolvimento de novos produtos.

Importância

No contexto geral

Em desenvolvimento de novos produtos

1 (Pouca importância)

-

-

01

(0,4%)

2

02

(0,9%)

-

-

3

11

(4,9%)

07

(3,2%)

4

37

(16,7%)

44

(19,8%)

5 (Muita importância)

172

(77,5%)

170

(76,6%)

Total

222

222

Com intuito de avaliar a visão dos pesquisadores acerca das vantagens da aplicação das técnicas de DOE, foi incluída no questionário a afirmação: "A técnica estatística de planejar experimentos proporciona a maior precisão estatística possível na resposta com o menor custo".

Neste caso, buscou-se mensurar o grau de concordância por uma escala Likert de cinco pontos, sendo 1 para discordo plenamente e 5 para concordo plenamente. A hipótese estatística formulada a partir dessa afirmação foi de que, neste universo acadêmico, mais de 70% dos pesquisadores responderiam positivamente. Deste modo encaminhou-se um teste da proporção com as hipóteses:

H0: p≤0,7     vs        H1: p>0,7

Pelos dados coletados, a proporção amostral de respostas positivas para a concordância com a afirmação foi de 0,94, ou seja, 94% dos pesquisadores responderam 4 ou 5. Diante disso, o teste da proporção forneceu evidências significativas para rejeitar H0 e inferir que mais de 70% dos pesquisadores concordam com a afirmação assinalada (valor p<0,0001 para o teste da proporção).

A proporção de pesquisadores que usam estatística na análise de dados, de acordo com as ferramentas e técnicas foi quantificada na Tabela 3, juntamente com o intervalo de 95% de confiança para a proporção estimada.

Tabela 3 – Proporção de pesquisadores que fazem uso intenso de ferramentas/técnicas estatísticas.

Ferramentas / Técnicas estatísticas

Uso intenso+

IC (95%)*

Testes de comparação múltipla (Tukey, Fisher, Dunnett, outros)

0,76

(0,70; 0,82)

Gráficos (histograma, boxplot, dotplot, dispersão, barras, pizza, outros)

0,70

(0,64; 0,76)

ANOVA one-way

0,65

(0,59; 0,72)

Testes de hipóteses (teste t, qui-quadrado, teste para proporção, teste da variância, outras)

0,64

(0,58; 0,71)

Correlação

0,50

(0,43; 0,57)

Análise de regressão simples/múltipla/não linear

0,50

(0,43; 0,57)

Estatística descritiva

0,48

(0,42; 0,55)

Intervalo de confiança

0,46

(0,39; 0,52)

ANOVA two-way

0,39

(0,32; 0,45)

Testes não-paramétricos

0,16

(0,11; 0,21)

+ % de pesquisadores; *IC(95%): intervalo de 95% de confiança para a proporção.

De modo geral, constata-se que a proporção dos pesquisadores que fazem uso intenso de ferramentas e técnicas básicas mais amplamente aplicadas pela comunidade científica variou entre 0,48 e 0,76. Um dos resultados que merece destaque neste ponto se refere aos testes de comparação múltipla de médias (Tukey, Fisher, Dunnett e outros), que estão no topo com a proporção máxima (0,76). Sobre esse achado, cabe salientar que isto provavelmente se deve à grande difusão que tais testes estatísticos ganharam na área de CTA, sendo aplicados numa gama variada de trabalhos. Apesar disso, nem sempre sua indicação é a mais adequada, ao se averiguar o alinhamento do objetivo primário da pesquisa, com o delineamento experimental e a forma de análise dos dados.

Na Tabela 3, o fato dos testes de comparações múltiplas apresentarem maior frequência de uso do que a ANOVA one-way ou ANOVA two-way é um sinal de que os pesquisadores talvez estejam se equivocando no emprego destes testes. Kozak (2009) observou que em situações práticas muitos pesquisadores utilizam os procedimentos de análise mais comuns, sem investigar se os mesmos são apropriados para os seus dados, ou mesmo se há outros métodos que poderiam ser mais adequados. Bertoldo et al. (2007) já discutiram essa questão quando analisaram artigos publicados entre 2000 e 2006, em um periódico Qualis A1 ou A2 nacional da área de Fitotecnia. Os autores analisaram o uso dos testes de comparação múltipla de médias, e encontraram um percentual substancial de artigos empregando de forma inadequada ou parcialmente adequada tais testes em experimentos fatoriais. Bezerra Neto; Nunes e Negreiros (2002) também discutem essa questão, porém, analisam artigos do período de 1983 a 2000, da revista Horticultura Brasileira. Neste último, os autores advertem para a verificação pouco cuidadosa do alinhamento entre os testes empregados e o delineamento experimental, reforçando o quanto comum é o uso incorreto de tais testes e a perda de eficiência quando procedimentos mais adequados estão disponíveis na literatura, já consolidados há muito tempo em livros básicos de estatística.

Outro fato a ser considerado é o caso das estatísticas descritivas estarem dentre as menos utilizadas das ferramentas/técnicas. O uso destas é considerado imprescindível numa análise univariada e na aplicação de outras análises, já que servem para descrever, resumir os dados e avaliar pressupostos. Essa peculiaridade dos resultados desse estudo é intrigante, haja vista que na literatura internacional de mais alto impacto esse característica não é tão evidente (Kumar, 2007).

Acerca do emprego de testes de hipóteses básicos, verificou-se que a proporção de pesquisadores que faz uso intenso foi de 0,64. A frequência do uso adequado de testes estatísticos em artigos da área de anestesiologia foi analisada por Barbosa e Souza (2010) numa pesquisa referente ao período de janeiro de 2008 a dezembro de 2009. Os autores constataram que 56,24% dos trabalhos apresentaram adequado uso desta ferramenta e 13,41% fizeram uso indevido de teste de hipóteses. Para 30,16% dos trabalhos, a análise foi inconclusiva; o que ressalta que a utilização da abordagem estatística no delineamento experimental não está vinculada ao entendimento da aplicabilidade das ferramentas/técnicas estatísticas.

O entendimento de que a formação dos pesquisadores tem reflexos diretos no preparo dos profissionais que atuam na indústria de alimentos, é reforçado nos levantamentos de Trevisan e Santos (2013) e de Santos e Antonelli (2011) ao revelarem que, mesmo no ambiente industrial, também as ferramentas básicas ainda são pouco exploradas, embora recorram à abordagem estatística para efetuarem testes de vida acelerados, análise de tempo e falha, controle estatístico de processos, modelagem de séries temporais, entre outros. Em particular, nas empresas mais maduras tecnicamente, cujos profissionais recebem treinamentos mais intensivos e frequentes sobre a metodologia sistematizada Seis Sigma, a prevalência e valorização da estatística na implementação de projetos é mais pronunciada (Santos; Martins, 2008).

O uso crescente dos pacotes computacionais que facilitam as análises estatísticas e matemáticas parece contribuir para o uso dos delineamentos experimentais. Eles facilitam o acesso aos resultados de forma mais dinâmica e rápida, possibilitando análises univariadas, bivariadas e multivariadas.

No presente estudo, vários pacotes computacionais foram citados como sendo de uso principal em projetos científicos. Os mais citados foram nesta ordem: Statistica, SAS, Sisvar, Minitab, Origin, SPSS, SAEG, Assistat, Matlab, GENES, R, Stat. Isto sugere que os pesquisadores participantes têm valorizado sobremaneira o Statistica, sendo o preferido dos usuários, muito embora tenha um alto custo para os padrões gerais de acadêmicos brasileiros. Estudos mais abrangentes que descrevem uma extensa revisão sobre o assunto, identificam outros pacotes computacionais como Design Expert, SAS, Statgraphics (Cantuárias-Avilés; Dias, 2008; Nunes et al., 2015).

De fato, o conteúdo de estatística em geral nos artigos da área de CTA avançou com a difusão dos pacotes estatísticos. Os gratuitos têm sido uma opção interessante para vários pesquisadores, não apenas pela questão financeira, mas pelas vantagens de incorporarem uma gama razoável de ferramentas básicas e complexas. É o caso do software R e do MS Excel. No entanto, podem ser limitados quanto às ferramentas mais complexas, análise multivariada e representações gráficas, conforme afirmam Nunes et al. (2015).

Da experiência dos autores deste estudo com parceiros do meio acadêmico e industrial na área de CTA, depreende-se que os pacotes estatísticos também se transformaram em um recurso tecnológico arriscado para alguns usuários, na medida em que se criou a falsa impressão de que não é necessário ter conhecimento sólido de estatística para utilizar um pacote estatístico. Um dos exemplos típicos disso é a busca frenética pelos valores p, relativos aos testes de significância em geral. A exigência de apresentação desta probabilidade em trabalhos científicos impulsionou o uso dos pacotes e virou uma armadilha para pesquisadores menos preparados teoricamente, ao desenvolverem projetos sem uma assessoria estatística.

4. Considerações Finais

Este artigo retrata um olhar sobre o papel da estatística e seu uso, a partir da exposição de resultados decorrentes de um survey exploratório-descritivo, realizado com pesquisadores de grupos de pesquisa do Brasil, que atuam na área de CTA. No bojo, o artigo contribuiu para revelar que este público necessita de maior investimento na formação teórico-prática sobre o papel e eficiência da estatística como método para planejar a produção e análise de dados.

O fato de uma proporção significativa de pesquisadores reiterar que o uso da abordagem estatística em seus projetos possa possibilitar vantagens em precisão e custo permite pressupor que a valorização dos resultados científicos na área de CTA esteja atrelada à estatística como uma condição subjacente para o sucesso de diversos projetos de pesquisa, tendo em vista a crescente exigência das análises estatísticas de qualidade para publicação de artigos em periódicos com Qualis A1 ou A2 e fator de impacto mais elevado.

Por ter englobado uma amostra probabilística de pesquisadores, há evidências para inferir que a abordagem estatística vem sendo subutilizada pelos pesquisadores no Brasil, em razão de uma parcela substancial ter informado ser a falta de conhecimento e domínio teórico os principais motivos que os levaram a não utilizar essa abordagem em seus projetos. Ademais, a carência de artigos relacionados que fomentem uma discussão mais proativa sobre tal questão tem contribuído para que os pesquisadores não enxerguem com clareza os benefícios potenciais da estatística, desperdiçando oportunidades de incrementar a qualidade das pesquisas da área de CTA no Brasil.

Neste sentido, este trabalho alerta para o risco de se limitar o futuro das pesquisas brasileiras na área de CTA, caso não haja uma disseminação mais ampla dentro dos grupos de pesquisa sobre formas mais eficientes de planejar experimentos e analisar dados para sustentar as novas descobertas.

Agradecimento

Os autores agradecem à FAPESP pelo suporte financeiro do projeto que propiciou a concretização deste trabalho (Processo: 2012/11134-5).

Referências

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1. Universidade Estadual Paulista, Departamento de Ciências de Computação e Estatística. E-mail: erikartada@gmail.com
2. Universidade Estadual Paulista, Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos
3. Universidade Estadual Paulista, Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 26) Año 2016

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