Edi Braga Júnior, Adelaide Maria de Souza Antunes y Marcello José Pio
O aumento do espectro da inovação tem feito com que outros aspectos sejam considerados, além do tecnológico e econômico, tais como os sociais, culturais e organizacionais. Segundo Kóvacs (2000) as inovações organizacionais estão relacionadas à implantação de novas formas de produção de bens e serviços, novas estruturas e processos de atuação, novos relacionamentos entre as pessoas e novos modelos de conduta. Segundo o autor são inovações altamente relacionadas aos conhecimentos tácitos e seus benefícios são de difícil quantificação.
As organizações foram, ao longo da história, objeto de uma série de teorias que buscavam aumentar a eficácia das empresas. Desde a Teoria da Administração, passando pela Administração Neoclássica, Teoria Moderna da Administração e Organização e Teoria da Contingência, até chegar às modernas estruturas japonesas, as organizações experimentaram uma série de mudanças organizacionais. Porém, o aumento da complexidade das transações comerciais e o aumento da força da demanda, têm obrigado as organizações a repensar as estruturas organizacionais estabelecidas. Como exemplo pode-se citar o aumento da personalização em detrimento da produção em massa, a quase eliminação dos estoques e a comercialização de lotes menores e mais variados.
Mesmo as inovações organizacionais mais conhecidas e utilizadas, como por exemplo, just in time, Lean Production, Reengenharia, Modelo Antropométrico, GQT, Círculos de Controle de Qualidade, Redes e Organizações virtuais, podem não atender satisfatoriamente às novas dinâmicas ambientais e especificidades das empresas e estruturas produtivas, devido à sua concepção estática, isto é, consideram apenas situações atuais de forma organizacional, produtiva e comercial. Elas não levam em consideração possíveis mudanças no ambiente tecnológico, político, econômico e social de uma organização ou estrutura produtiva.
Para atender melhor às incertezas geradas, e se preparar do ponto de vista organizacional cada setor/segmento ou estrutura produtiva deve ser capaz de identificar as futuras mudanças nos vetores de maior influência na estrutura macro-gerencial.
Como comentado anteriormente, quase não existe na literatura especializado exemplo de estudos prospectivos que tenham como objetivo a identificação de possíveis mudanças organizacionais em um setor ou segmento produtivo. Apesar do alto grau de subjetividade e particularidade é possível estabelecer uma trajetória macro-organizacional comum para os atores de um determinado sistema produtivo. Porém, deve-se primeiro fazer uma separação entre as mudanças organizacionais de caráter macro (do ambiente) e micro (das empresas) organizacionais.
As mudanças internas às organizações dificilmente serão consistentemente identificadas por um estudo prospectivo, utilizando uma técnica Delphi uma vez que tais mudanças podem ser encaradas como resultado da análise de eventos e variáveis de caráter macro. Isto significa dizer que, as inovações organizacionais aplicadas ao ambiente micro serão identificadas através dos estudos das macro-tendências.
Vale a pena ressaltar que apesar dos objetivos dos estudos se pautarem pelas mudanças macro-organizacionais, eles devem primeiramente se concentrar em definir a estrutura produtiva a ser estudada. Para um mesmo setor, por exemplo, um Arranjo Produtivo Local (APL) e suas inter-relações produtivas, comerciais e regionais terão uma dinâmica de funcionamento diferente daquela observada em uma cadeia produtiva não regionalizada, mesmo que estas duas estruturas comercializem o mesmo produto e tenham os mesmos usuários. Logo, não se tem certeza plena se as macro-tendências terão o mesmo impacto sobre os atores das diferentes formas de organização produtiva.
Contudo, deve-se lembrar que o sentido das mudanças pode tomar o caminho inverso, isto é, de dentro para fora, uma vez que as mudanças organizacionais levadas a cabo por uma organização central ao arranjo produtivo podem ter uma considerável influência no ambiente macro-organizacional.
Outro ponto que deve ser considerado em estudos prospectivos organizacionais, principalmente no estabelecimento dos eventos organizacionais de futuro, é a diferença entre os ambientes real e percebido. Bourgeois III (1980) considera que o ambiente real é aquele que impõem limites à atuação das organizações, possuindo variáveis que podem ser medidas por indicadores objetivos, por exemplo, dinamismo tecnológico, ciclo de vida dos produtos comercializados e estruturas produtivas. O ambiente percebido é aquele que é visto pela interpretação dos gerentes e tomadores de decisão, sendo de caráter subjetivo. Em tese deveria haver uma relação entre os ambientes, Bowditch e Buono (1992) comentam que as pesquisas executadas mostraram uma baixa relação entre os ambientes, isto é, as percepções do ambiente em relação a sua realidade eram muito díspares. Para estudos prospectivos o grupo de controle deverá buscar esta interação, através da identificação das percepções dos tomadores de decisão e posterior relacionamento com o ambiente real. A partir deste ponto pode-se identificar as variáveis ambientais cujo comportamento futuro deve ser objeto de estudo.
Considerando o grau de especificidade das estruturas produtivas existentes, os estudos de prospecção organizacional devem ser pautados pela pesquisa de variáveis macro que caracterizem e afetem o objeto estudado, tais como cultura empresarial, relações interorganizações, variáveis institucionais e regulamentares, estruturações produtivas, comportamento da demanda e etc. Logo o método escolhido deverá ser capaz de considerar variáveis qualitativas e quantitativas.
Além disso, o método deverá trabalhar com ferramentas que possam produzir cenários exploratórios extrapolativos são aqueles que somente consideram variações de um mesmo cenário. Métodos nos quais a construção é mais livre, podem gerar vários cenários de características diversas com um grande número de variáveis de análise, dificultando uma necessária priorização das possíveis trajetórias organizacionais identificadas. Esta falta de foco pode dificultar a validação do estudo como documento de apoio à tomada de decisão.
Longe de se determinar um melhor método para prospectar mudanças organizacionais, alguns pontos devem ser levados em consideração no planejamento e estruturação do estudo.
Inicialmente deve haver uma definição e posterior delimitação do objeto de estudo, o horizonte temporal e, neste caso em específico, a estrutura organizacional e produtiva a ser estudada. O método sugerido por Godet (apud Grumbach e Maciel, 2002) considera também a área geográfica do objeto de estudo como fator de prévia definição. Porém, para as “estruturas produtivas nacionais” - cadeias cujos atores estão mais pulverizados incluindo empresas transnacionais - este fator perde um pouco da sua importância. No caso de Arranjos Produtivos Locais (APLs) esta variável deve ser considerada fortemente. A determinação do escopo a ser estudado é feita para se especificar a abrangência e o foco do estudo.
Uma segunda etapa é a identificação dos atores que compõem a estrutura organizacional e produtiva e a sua análise histórica. Esta análise permitirá uma compreensão das inter-relações entre os atores e da dinâmica de funcionamento da estrutura produtiva em questão. Deve-se lembrar que os estudos de futuro também consideram como variáveis de análise os eventos passados. Além disso, o entendimento das relações interorganizacionais permitirá determinar os pontos fortes e fracos do objeto de estudo no que tange à estrutura organizacional. Concomitantemente com a determinação dos pontos fortes e fracos faz-se uma análise do ambiente externo e identificam-se os fatores que mais afetam a estrutura organizacional. Esta escolha pode ser feita através de técnicas de brainstorming ou reuniões com especialistas.
Uma vez determinados os pontos fortes e fracos e as variáveis externas, pode-se fazer uma análise do impacto das variáveis externas nos pontos fortes e fracos, com vistas a se determinar aquelas de maior motricidade e dependência, definindo as que são explicativas, de ligação, de resultado e autônomas[1]. Esta análise pode ser feita por uma matriz de dupla entrada (impactos cruzados). Como os fatores motrizes são aqueles que possuem a capacidade de impulsionar uma organização ou sistema, pois eles impactam de maneira significativa todos os fatores de relevância para o sistema ou organização, eles devem ter seu comportamento futuro verificado.
As variáveis internas podem ser identificadas utilizando parte do método sugerido por Porter (1992), no qual determinam-se os fatores de incerteza que afetam a estrutura organizacional do objeto de estudo. Contudo, esta etapa não é tão simples, pois nem sempre os decisores estratégicos conseguem visualizar descontinuidades ou modificar conceitos já estabelecidos. Segundo a metodologia proposta, para que se possa identificar os fatores de incerteza, devem-se analisar e classificar os elementos da estrutura industrial em três diferentes categorias: constante, pré-determinado e incerto: os constantes têm baixas probabilidades de mudanças; os pré-determinados possuem como característica a sua previsibilidade de mudança (dependendo do cenário construído, a mudança destes elementos pode ocorrer de forma relativamente rápida); os incertos são variáveis que dependem de incertezas não solucionáveis. Em suma: os elementos constante e pré-determinado fazem parte dos cenários, mas são os elementos incertos que de fato constituem a base para a construção dos cenários.
Uma vez determinados os elementos de incerteza, devem-se classificá-los em incertezas independentes e dependentes. Os elementos de incerteza independente não estão ligados a nenhum outro elemento estrutural. A origem destas incertezas pode ser endógena ou exógena ao objeto estudado. As incertezas dependentes estão intimamente ligadas às incertezas independentes e são, através destas, determinadas. Todavia, apenas as incertezas independentes constituem as variáveis cujo comportamento futuro deve ser objeto de pesquisa. A escolha dos fatores pode ser feita através de técnicas de brainstorming ou reuniões com especialistas.
O resultado destas duas atividades de análise será uma lista de eventos ou variáveis, do ambiente interno e externo da estrutura organizacional considerada, as quais devem ter seu comportamento futuro estudado, visto que impactam a estrutura organizacional considerada. Esta etapa poderá ser feita através da técnica Delphi, com perguntas relativas à probabilidade de ocorrência dos eventos ou variáveis identificadas anteriormente. Apesar dos questionários Delphi não possuírem uma estrutura padrão, a prática aponta para que eles sejam preferencialmente elaborados com questões fechadas e redigidos de forma simples e objetiva.A maioria dos questionários Delphi possui um espaço para que o especialista se auto-avalie em relação ao seu conhecimento sobre tópico de forma isolada. Os valores atribuídos terão como base uma classificação pré-estabelecida de níveis de conhecimento. Apesar de ser altamente subjetivo, não sendo indicado como variável classificatória ou de decisão, a auto-avaliação é importante para se possa verificar a relação entre os eventos e os especialistas escolhidos.O resultado da pesquisa Delphi permitirá obter uma lista de eventos/variáveis com seus respectivos graus de probabilidade de ocorrência e aumento ou diminuição de importância. A partir desta lista é possível construir um cenário para a estrutura organizacional em questão, bastando para isto construir uma matriz de impactos cruzados.
As Técnicas de Impactos Cruzados foram implantadas com o objetivo de complementar os resultados obtidos pelo método Delphi. Ela trabalha através de uma técnica de simulação para analisar as relações causais entre eventos (Kim e Jeong, 1997). Grumbach (1997) considera que o método Delphi é deficiente por não levar em consideração a interação entre os fatores ou eventos. A análise de impactos cruzados considera que a ocorrência de uma determinada variável ou evento dependerá, em maior ou menor probabilidade, da ocorrência de outras variáveis ou eventos. Porém ela deve ser feita apenas com os eventos/variáveis cuja probabilidade de ocorrência foi determinado.[1] Variáveis explicativas possuem grande motricidade e pouca dependência
Variáveis de ligação são muito motrizes, mas têm grande dependência.
Variáveis de resultado são pouco motrizes e muito dependentes
Variáveis autônomas são pouco motrizes e pouco dependentes
Fonte: Grumbach (2002)