ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 60) Año 2017. Pág. 30

Reflexos da política de governo nos rumos da educação a distância – Perspectivas em 2017

Reflections of the government policy in the ways of distance education - Perspectives in 2017

Maria de Fátima da Costa Lippo ACIOLI 1; Mario Cesar JUCÁ 2

Recibido: 05/09/2017 • Aprobado: 10/10/2017


RESUMO:

O presente artigo traz uma análise de documentos que estabelecem normas para a educação a distância no Brasil, especificamente o Decreto n° 9.057/2017 que regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394/1996 que trata da Educação a Distância bem como, a Portaria n°11/2017 na qual estabeleceu normas para a oferta de cursos nessa modalidade. No texto são enfatizados os efeitos da expansão da Educação Superior, em especial, a modalidade a distância, a fim de fundamentar uma discussão sobre a qualidade da oferta educacional, a formação docente e a desregulamentação do processo de avaliação instituído pelo SINAES. Tais documentos legais ensejam novos movimentos perturbadores e desafiantes, no que tange a oferta da educação a distância (EaD).
Palavras-chave: Expansão do ensino superior. Educação a distância. Desregulamentação do processo avaliativo do SINAES.

ABSTRACT:

This article presents an analysis of documents that establish standards for distance education in Brazil, specifically Decree 9,057 / 2017, which regulates art. 80 of Law 9,394 / 1996 that deals with Distance Education, as well as Portaria n ° 11/2017 in which it established norms for the provision of courses in this modality. In the text, the effects of the expansion of Higher Education, especially the distance modality, are emphasized in order to inform a discussion about the quality of the educational offer, the teacher training and the deregulation of the evaluation process instituted by SINAES. Such legal documents give rise to new disturbing and challenging movements, regarding the offer of distance education (EaD).
Keywords: Expansion of higher education. Distance education. Deregulation of the evaluation process of SINAES.

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O ensino superior vem experimentando, desde a promulgação da LDB de 1996, um crescimento desordenado, motivado por políticas de governo nem sempre compatíveis com as realidades das políticas públicas nacionais.

A dualidade das políticas dos governos de 2003 a 2015 apresentaram, por exemplo, um caráter populista, pois, se por um lado, deu continuidade a “reforma de cunho visivelmente privatista e gerencialista” do governo anterior (1995 – 2002), por outro, enfatizaram a importância do Estado e do setor público, na questão da inclusão social (PIMENTA, 2017).

O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e Universidade Aberta do Brasil (UAB), PROUNI e FIES são exemplos da política inclusiva desse período, que apresentaram como objetivo ampliar e reformar as Instituições Públicas do Ensino Superior - IPES. E, para a iniciativa privada, o FIES e o PROUNI, mediante a liberação de isenções fiscais para essas instituições de ensino superior, e bolsas parciais ou integrais para os estudantes de baixa renda.

Sob a bandeira da democratização, Pimenta (2017) chama atenção do caráter ambíguo o qual prosperou no sistema educacional que, simultaneamente, reproduziu as desigualdades de classe sendo mais excludente que no passado.

Assim, dando sequência a política expansionista, do Governo Federal, mesmo defendendo uma “educação para todos”, o segmento privado ultrapassou significativamente, o número de estudantes matriculados nas instituições públicas no âmbito do ensino superior.

Em um período de dez anos, o registro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira– INEP ratificam esta superioridade numérica das instituições privadas. Em 2005, por exemplo, das 4.453.156 matrículas no ensino superior, 73,2% eram oriundas de instituições privadas. Estas matrículas estavam distribuídas em um total de 2.165 instituições de ensino superior, das quais 89% eram de instituições privadas e apenas 11% de instituições públicas. Dentre as 231 instituições públicas, 97 eram de universidades federais, 75 de universidades estaduais e 59 de universidades municipais.

Do total das instituições públicas e privadas, as universidades e centros universitários representavam 8% e 5% respectivamente, sendo o restante das instituições caracterizadas como faculdades, escolas, institutos, faculdades integradas e faculdades de tecnologia.

A tabela 1 apresenta os dados referentes ao total de matrículas e instituições de ensino superior, nos anos de 2005, 2010 e 2015, por tipo de organização administrativa, extraídos do INEP. Nesse decênio, houve um crescimento de 49% de matrículas totais (2005 a 2015), sendo que, o segmento privado representou 73% do total de matrículas em 2005, 2010 e 2015.

Tabela 1
Número de Instituições e matrículas na Educação Superior, por
Organização Acadêmica e a Categoria Administrativa das IES – 2005.

Ano

Unidade da Federação/Categoria Administrativa

Total de Matrículas

Total de Instituições

Universidades

Centros Universitários

Demais Instituições

2005

Brasil

4.453.156

2.165

176

114

1.875

Pública

1.192.189

231

Federal

579.587

97

Estadual

477.349

75

Municipal

135.253

59

Privada

3.260.967

1.934

2010

Brasil

5.449.120

2.378

190

126

2.062

Pública

1.461.696

278

Federal

833.934

99

Estadual

524.698

108

Municipal

103.064

71

Privada

3.987.424

2100

2015

Brasil

6.633.545

2.364

195

149

2.020

Pública

1.823.752

295

Federal

1.133.172

107

Estadual

574.645

120

Municipal

115.935

68

Privada

4.809.793

2.069

Fonte: Dados e extraídos do MEC/Inep/Deaes, 2005 e adaptados pelos autores.

A expansão do segmento privado no Brasil assume um “caráter vocacional”, à medida que os cursos ofertados apresentaram maior flexibilidade, os currículos mais focados, o acesso mais facilitado com formas de financiamento (público e privado) acessíveis, atraiu maior contingente de estudantes, principalmente os de nível socioeconômico mais baixo, além de um processo seletivo brando (SILVA, 2011). Fatores esses que influenciaram, sobremaneira, o acesso ao ensino superior e, por conseguinte, a acréscimo de matrículas no país.

Com o crescimento do segmento privado, conforme foi apresentado na tabela 1, caracteriza-se a hegemonia e lucratividade na oferta de educação de nível superior no Brasil. Isso devido à “constante mercadorização e financeirização” que a educação tem se submetido frente ao capitalismo contemporâneo (PIMENTA, 2017). Esse mesmo autor sustenta ainda que:

No capitalismo, o aparato primordial onde se desenvolve o processo educacional é o escolar. Esse aparato, altamente legitimado nas formações sociais capitalistas, possui uma tendência histórica a se massificar, em seus diversos níveis, seja por pressões políticas e ideológicas, ou meramente econômicas. (grifo nosso)

Pimenta abordou muito precisamente a EaD como “[...] um mecanismo de renovação do mercado educacional brasileiro (mais especificamente, o setor privado lucrativo de cursos reconhecidos)” (2017, p. 309), pois, 20% da carga horária dos cursos reconhecidos possuem cobertura legal para serem ofertados na modalidade a distância.

O “mercado educacional” e a massificação do ensino superior são frutos de políticas de governo preocupados com a posição do Brasil no ranking internacional, como exigência primária para acesso as rodadas do comércio exterior. A preocupação em aumentar o número de matrículas no ensino superior e promover um acesso inclusivo e democrático para a população brasileira tornou-se a justificativa para sua massificação. O conteúdo e a qualidade do ensino ofertado não foram às principais preocupações, apesar dos documentos legais sustentarem o contrário.

Exemplo da tendência à massificação tem sido presenciada na educação a distância como, destaque no atual cenário nacional, especialmente, no ensino superior.

Por mais que os principais itens de um sistema de EaD estejam postos nos documentos que o definem, eles são indicativos apenas do quê deva aí ser disposto. Tanto é assim que a expansão de vagas do ensino superior brasileiro, por meio dessa modalidade, é acompanhada por enorme massificação, como indicam os dados apresentados. Este movimento – expansão versus massificação – não considera avaliações sobre a EaD correntes desde a década de 1980 (ALONSO, 2010, p. 1329).

No entanto, a oferta do ensino a distância requer tecnologia, profissionais especializados e equipamentos em softwares que permitam o gerenciamento das plataformas específicas no qual facilitem a interatividade e o processo de aprendizagem em ambientes virtuais.

Alonso questiona a resistência e os limites que ainda existem quanto ao uso da EaD, descaracterizando-a como possibilidade educativa, fato totalmente derrubado pelos documentos legais publicados, a partir do qual há uma aposta muito grande na capacidade da EaD atender as demandas existentes por ensino superior.

As discussões sobre a EaD no ensino superior, para além das especificidades e singularidades intrínsecas a ela, vêm acompanhadas, quase sempre, do que seriam possibilidades e limites de seu uso. É frequente questionar, por exemplo, que especialidades ou campos da formação poderiam se prestar, mais ou menos, à sua organização. Vemos surgir assim “feudos”, em que se convenciona trabalhar, ou não, com a EaD, isso como forma/modo de se conservar a qualidade na formação. E o termo qualidade se converte no critério para afirmar ou negar a EaD como possibilidade educativa. (ALONSO, 2010, p. 1322)

Então a proposta de se refletir a EaD, tendo por base documentos que definem a oferta do ensino superior, se articula ao problema da qualidade da educação, tido como foco das políticas públicas.

Antes de prosseguir novas reflexões, é importante situar o quadro de oferta da EaD no país, a fim de construir a cenário atual e o que está sendo sinalizado.

Tabela 2
Número de Concluintes, Cursos, Matrículas e demais dados dos Cursos
de Graduação a Distância, nos anos de 2005, 2010 e 2015.

Ano

Cursos

Vagas oferecidas

Candidatos inscritos

Ingressantes

Relação Candidatos Inscritos/Vaga

Total de matrículas no ano

Concluintes

N° de Polos

2005

189

423.411

233.626

127.014

0,6

114.642

12.626

-

2010

930

1.634.118

690.921

380.328

0,4

930.179

144.553

5.367

2015

1.473

2.387.865

1.556.116

694.559

0,7

1.393.752

233.704

4.915

Fonte: Dados extraídos das Sinopses do Ensino Superior MEC/Inep/Deaes,
2005, 2010 e 2015 e adaptados pelos autores.

No ano de 2000 o INEP anunciava a existência de 10 cursos de graduação a distância, em 2003 esse número era de 52, atendendo a cerca de 50 mil alunos, porém, no decênio 2005 a 2015, observamos um crescimento, generalizado, no número de cursos e vagas oferecidas. Candidatos inscritos, ingressantes e total de matrículas, no entanto, chama atenção a baixa taxa de candidatos/vaga e, da mesma forma, o número de concluintes, a que Alonso (2010) se reporta como um critério de possível negação da EaD como possibilidade educativa, demandando um caminho ainda a ser percorrido para que a EaD apresente dados que expressem de forma mais convincente a qualidade de sua proposta para o ensino superior.

Apesar do crescimento do sistema nacional de ensino superior, não significa que superamos a contraditória relação expansão/qualidade, comprovada pelos resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), que integra o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES), ambos organizados pelo INEP. Estes resultados mostram que a expansão do ensino superior foi acompanhada por índices que demonstram a baixa qualidade do ensino e da aprendizagem.

Nesse sentido, Alonso defende:

o argumento de que a EaD imprimiria “menos qualidade” no ensino superior, por conta de sua expansão, parece frágil quando tomamos os dados gerais relacionados a este nível de ensino no Brasil. A dinâmica da expansão, a forma pela qual se organiza a maior parte das instituições superiores, entre outros fatores, expressa contexto em que a EaD, como parte disso, talvez por sua maior visibilidade em razão dos inúmeros polos presenciais espalhados pelo país, é tomada, emblematicamente, como o elemento problemático na expansão do ensino superior. Isso não significa desconhecer os problemas oriundos da instalação de cursos e polos pelo país afora. O único senão, nesse caso, é o de considerar o contexto, a dinâmica e a lógica implícita na aceleração da oferta dessa modalidade no ensino superior. Desatar a expansão da EaD da propagação no ensino superior brasileiro parece temeroso. (ALONSO, 2010, p. 1325).

Embora recente, a abordagem de Pimenta (2017) ganha nova conotação para EaD a partir de maio de 2017, quando é publicado o Decreto n° 9.057/2017 que regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no qual estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional. Nesse Decreto, três artigos tratam especificamente da questão da educação a distância no que tange a conceituação (Art. 1°), modalidades a serem ofertadas a distância (Art. 2°) e a definição, localização e obrigação dos polos de educação a distância (Art. 5°),

Art. 1º Para os fins deste Decreto considera-se educação a distância a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos.

Art. 2º A educação básica e a educação superior poderão ser ofertadas na modalidade a distância nos termos deste Decreto, observadas as condições de acessibilidade que devem ser asseguradas nos espaços e meios utilizados. 

Art. 5º O polo de educação a distância é a unidade acadêmica e operacional descentralizada, no País ou no exterior, para o desenvolvimento de atividades presenciais relativas aos cursos ofertados na modalidade a distância.

Parágrafo único. Os polos de educação a distância deverão manter infraestrutura física, tecnológica e de pessoal adequada aos projetos pedagógicos ou de desenvolvimento da instituição de ensino e do curso.

Chama atenção ainda o Art. 12 do Decreto n° 9.057/2017 que radicaliza a condições de atuação para instituições públicas sem considerar as condições que estas possuem para a expansão de suas atividades, cujos aspectos que nos referimos estão voltados a qualificação de docentes e tutores, infraestrutura disponível, redução no orçamento das instituições públicas, haja vista desde 2014 são feitos cortes consecutivos nos investimentos na Educação. Em abril de 2017, o governo federal determinou contingenciamento das contas públicas e, para o Ministério da Educação este corte foi de R$ 4,3 bilhões.

Art. 12. As instituições de ensino superior públicas dos sistemas federal, estaduais e distrital ainda não credenciadas para a oferta de cursos superiores na modalidade a distância ficam automaticamente credenciadas, pelo prazo de cinco anos, contado do início da oferta do primeiro curso de graduação nesta modalidade, condicionado à previsão no Plano de Desenvolvimento Institucional. (grifo nosso)

Aproximadamente um mês após a publicação do Decreto, é publicada a Portaria n°11, de 20 de junho de 2017, que provocou uma corrida das instituições de ensino superior credenciadas para expansão dos seus cursos na educação a distância, sendo necessário que essas Instituições demonstrem a qualidade como um fator que deverá ser perseguido por todos. Nesta Portaria, algumas questões são definidas como: credenciamento institucional, possibilidade de oferta de cursos de graduação e pós-graduação latu sensu, desvinculação da oferta de cursos EaD sem a existência de cursos presenciais prévios, além do extraordinário aumento do número de polos atrelados ao Conceito Institucional (CI). Para tal, é importante citar:

Art. 1º - O funcionamento de Instituições de Educação Superior - IES para oferta de curso superior a distância depende de credenciamento específico pelo Ministério da Educação - MEC, nos termos do art. 80 da Lei no 9.394, de 1996, e do Decreto no 9.057, de 2017. (grifo nosso)

§ 1o - O credenciamento de que trata o caput permitirá a oferta de cursos superiores de graduação e pós-graduação lato sensu a distância. (grifo nosso)

§ 2o - É permitido o credenciamento de IES para oferta de cursos superiores a distância, sem o credenciamento para oferta de cursos presenciais. (grifo nosso)

§ 3o - A oferta regular de curso de graduação, independente da modalidade, é condição indispensável para manutenção do credenciamento.

Art. 11 - O polo EaD deverá apresentar identificação inequívoca da IES responsável pela oferta dos cursos, manter infraestrutura física, tecnológica e de pessoal adequada ao projeto pedagógico dos cursos a ele vinculados, ao quantitativo de estudantes matriculados e à legislação específica, para a realização das atividades presenciais, especialmente: (grifo nosso)

I - salas de aula ou auditório;

II - laboratório de informática;

III - laboratórios específicos presenciais ou virtuais;

IV - sala de tutoria;

V - ambiente para apoio técnico-administrativo;

VI - acervo físico ou digital de bibliografias básica e complementar;

VII - recursos de Tecnologias de Informação e Comunicação -TIC;

 VIII - organização dos conteúdos digitais.

 Art. 12 As IES credenciadas para a oferta de cursos superiores a distância poderão criar polos EaD por ato próprio, observando os quantitativos máximos definidos no quadro a seguir, considerados o ano civil e o resultado do Conceito Institucional mais recente: (grifo nosso)

Conceito Institucional

Quantitativo anual de polos

3

50

4

150

5

250

É preocupante a massificação legalizada pela Portaria 11/2017, pois, segundo o cadastro e-MEC de Instituições e Cursos de Educação Superior, cujo texto inicial afirma ser a “base de dados oficial e única de informações relativas às Instituições de Educação Superior – IES e cursos de graduação do Sistema Federal de Ensino”, o Brasil possui em agosto de 2017 as seguintes possibilidades, conforme tabela abaixo.

Tabela 3
Número de possíveis Polos de EaD em função da Portaria 11/2017

Conceito Institucional

N° de IES

Quantitativos de Polos autorizados por ano

N° de Polos possíveis em 2017

3

1.496

50

74.800

4

829

150

124.350

5

90

250

22.500

Total de Polos

221.650

Fonte: Dados extraídos do http://emec.mec.gov.br/, acesso em 27 de agosto de 2017 e adaptados pelos autores.

As sinopses da educação superior em 2010 e 2015, portanto num período de 5 anos, indica um crescimento de 12% no número de cursos, saindo de 28.577 cursos ofertados em 2010, para 32.028 cursos ofertados em 2015. No entanto, se comparado com o número de cursos ofertados na modalidade a distância, no mesmo período, esse crescimento é de 58,6%, ou seja, de 930 em 2010 para 1.475 em 2015.

Hoje, em 2017, dois anos após, cria-se um novo mecanismo regulatório ou desregulatório, para um crescimento de possíveis 221.650 polos de educação a distância. Destaque feito aos 4.915 Polos de educação a distância que existiam em 2015, segundo a sinopse publicada pelo MEC/INEP/DEED, e que 2 anos depois tem-se uma Portaria denotando um extrapolado crescimento pelo qual nem os próprios órgãos governamentais estão preparados, haja vista que, até o presente, a regulamentação detalhada e específica ainda ter sido publicada.

Por esse motivo, ao ponderarmos sobre todas as consequências advindas desse instrumento legal, devemos refletir em diferentes aspectos, principalmente dois que passamos a destacar:

1 – Da interiorização do ensino superior

De 2010 a 2015, a diferença do número de cursos ofertados na capital e no interior foi praticamente a mesma, tanto que esse crescimento obteve o mesmo crescimento de 12% no período. Logo, a interiorização da educação superior para o interior do Brasil ainda demanda muito esforço, o que possivelmente a Portaria Normativa de nº11 venha a proporcionar condições para o atendimento da meta 12 do Plano Nacional de Educação (2014 – 2024).

2 – Da avaliação da qualidade do ensino ofertado

A partir da década de 90 o Estado adotou na gestão da educação pública, um ethos competitivo, admitindo a lógica do mercado com ênfase nos resultados dos sistemas educativos (AFONSO, 2009). Motivo pelo qual se tornou necessário discutir a qualidade da educação superior no Brasil e o respectivo processo de avaliação. Causa da implantação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior - SINAES. A avaliação institucional vem se destacando nos espaços institucionais, e tornou-se um instrumento na busca da qualidade da educação superior. Muitos instrumentos normativos foram publicados, a fim de estabelecer conceitos e regras a serem adotados por todos os avaliados e avaliadores.

Argollo defende que os diversos instrumentos legais desenvolvidos ao longo da implementação do SINAES tiveram suas razões,

alguns ocasionados pelas dificuldades de implementação, como foi o caso dos indicadores criados para sanar a incapacidade de realizar as visitas in loco como previa o desenho inicial da legislação; outros buscando aperfeiçoar o sistema, sua aplicação no âmbito nacional, fazendo ajustes, atendendo a algumas demandas e às especificidades. (2015, p.104)

O atual Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação presencial e a distância, construído pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP e a Diretoria de Avaliação da Educação Superior – DAES, estabelece, especialmente, para a educação a distância, parâmetros quanto a relação de docentes por vagas, atendimento da tutoria quanto as demandas didático-pedagógicas, carga horária do coordenador e outros tantos indicadores adequados a essa modalidade de ensino.

Para os atos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento – nos graus de tecnólogo, de licenciatura e de bacharelado para a modalidade a distância, as comissões de avaliadores são deslocadas para avaliar as condições de atuação do polo no qual a instituição irá ofertar o curso, para que as atividades presenciais possam ocorrer de forma satisfatória. Para o Ministério de educação, o pólo é a unidade “[...] que desempenha papel de grande importância para o sistema de educação a distância. Sua instalação auxilia o desenvolvimento do curso e funciona como um ponto de referência fundamental para o estudante” (MEC, 2007, p.24).

O Art. 8, parágrafo 2° sinaliza que as comissões de avaliação do INEP utilizarão os “instrumentos de avaliação adequados, de maneira que os cursos sejam acompanhados pelo MEC, com fins de garantir os parâmetros de qualidade e pleno atendimento dos estudantes”, portanto, esperam-se novas mudanças no instrumento de avaliação para dar conta do contingente avaliativo que está por vir.

Porém, o Art. 5° da Portaria 11/2017 deslocou o foco da avaliação in loco restringindo a atuação da comissão apenas no endereço sede da IES.

Art. 5o As avaliações in loco nos processos de EaD serão concentradas no endereço sede da IES. (grifo nosso)

§ 1o A avaliação in loco no endereço sede da IES visará à verificação da existência e adequação de metodologias, infraestrutura física, tecnológica e de pessoal que possibilitem a realização das atividades previstas no PDI e no Projeto Pedagógico do Curso - PPC.

§ 2o Durante a avaliação in loco no endereço sede, as verificações citadas no § 1o também devem ser realizadas, por meio documental ou com a utilização de recursos tecnológicos disponibilizados pelas IES, para os Polos de EaD previstos no PDI e nos PPC, e os ambientes profissionais utilizados para estágio supervisionado e atividades presenciais. (grifo nosso)

Diante das reflexões apresentadas e, para além dos problemas relacionados à expansão do ensino superior no Brasil, principalmente com a perspectiva dos efeitos da Portaria 11/2017, os documentos que fundamentam a oferta da EaD no país, demandam a conformação de um modelo que reconheça suas particularidades, de maneira a não se estandardizar o ensino, “excluindo possibilidades de práticas pedagógicas alternativas que deem conta dos diferentes contextos das IES”. Alonso sinaliza ainda que,

Buscar outras maneiras de se ofertar ensino superior num país continental como o nosso é tarefa social importante, sem dúvida. Cuidar, contudo, para que essa expansão venha acompanhada por criterioso diagnóstico e localização de demandas seria levantamento inicial para se priorizar determinadas políticas nesse sentido. (ALONSO, 2010, p.1326).

Autores como Gilberto (2009), Alonso (2010) e Pimenta (2017), têm refletido dois temas recorrentes: a democratização do acesso ao ensino superior e a necessidade da formação dos profissionais da educação, como fator para melhoria da qualidade do ensino. Afinal há uma estreita ligação entre as dimensões de formação previstas a partir dos aparatos legais publicados e a necessidade de formação de profissionais para o ensino superior.

A discussão que vem se propagando trata do trabalho do tutor que muitas vezes substitui efetivamente a figura do professor no processo de ensino-aprendizagem. É fato que a competência do professor é condição primordial para a qualidade da formação nos diversos níveis, porém, o que dizer do tutor, pois, dada a projeção de polos apresentada na tabela 3 a quantidade demandada de docentes e tutores transformará a tênue linha existente entre o professor e o tutor tornando-a, provavelmente, inexistente. Desta forma, é legítima a preocupação com a formação de novos contingentes de profissionais sem que se confunda a quem cabe o papel de mediar aprendizagem e de tomar decisões pedagógicas relativas ao processo da formação.

Alonso chama a atenção, ainda, para o fato de que,

Um dos problemas relacionados a isso é que o tutor não tem profissionalmente reconhecimento social/econômico/empregatício compatível com suas atribuições, embora seja ele o responsável direto, na maioria dos sistemas constituídos na EaD, pelo atendimento mais próximo aos alunos. (2010, p.1330)

As tentativas de rápida expansão do ensino superior não tem sido compatíveis com a infraestrutura necessária para a tentacularizar o sistema de EaD no país. A expansão foi acompanhada pela falta de qualidade na oferta e os recursos humanos disponíveis para atender às demandas pedagógicas dos alunos, onde resultou em abandono significativo dos cursos.

Esse painel, sustentado por preocupantes reflexões voltadas a democratização do acesso ao ensino superior e a necessidade da formação dos profissionais da educação para dar conta da expansão de EaD, tem um novo pilar revestido de procedimentos diferenciados para o processo avaliativo afetando sobremaneira o SINAES, instituído para dar confiabilidade do sistema nacional de educação. “Se esses fatores indicam tendências na expansão da EaD, o fator expansão do ensino superior, em seu caráter mais amplo, enseja, como dito anteriormente, movimento perturbador e desafiante, no que tange esse nível de formação”. (ALONSO, 2010, p.1330).

Tal contexto nos leva a questionar o grau de atendimento a meta 12 do PNE que trata de duas questões dicotômicas, ou seja, qualidade e quantidade. Se por um lado ter-se-á uma expansão assegurada por meio desta Portaria, por outro, o simples fato de restringir o processo avaliativo à sede, suscita dúvidas quanto a qualidade dessa oferta e novamente, a população brasileira fica a mercê de políticas de governo que não trazem, em sua essência, a concepção intrínseca da democracia e que, na tentativa de marcar o governo com mudanças radicais, atropela toda a prática construída e põe em cheque a credibilidade de um sistema de ensino a distância, na medida que propicia maior ocupação dos espaços onde a educação superior ainda não adentrou. Estas questões devem ser aprofundadas, a fim de evitar que haja um retrocesso a tal ponto que os caminhos da expansão do ensino superior de modo que não possibilite o rompimento dos ciclos de pobreza, de desigualdade e de exclusão social.

Referencias

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PRETI, O. Educação a distância: fundamentos e políticas. Cuiabá: UFMT, 2009.

SILVA, Matheus Faleiros. Expansão do ensino superior e diferenciação institucional: uma análise comparativa do efeito dos modelos clássicos e vocacionais sobre o status operacional de seus egressos. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, 2011.


1. Possui graduação em Engenharia Química pela Universidade Federal Fluminense (1979), graduação em Licenciatura Plena Para Graduação de Professores pela Universidade Federal de Alagoas (1984), mestrado em Educação Tecnológica pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (1997) e doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia (2007). Com pós-doutorado na Universidade de Lusófona, na área de Formação Profissional e outro Pós-Doutorado em andamento no Instituto Superior de Ciências Sociais Políticas - Universidade de Lisboa na área de Avaliação da Educação Superior. Atualmente é especialista do Ministério da Educação, Diretora Executiva da Fundação Alagoana de Educação Pesquisa e Cultura - FAPEC, membro do Fórum Estadual de Educação Profissional representando a Fundação Alagoana de Educação Pesquisa e Cultura, professor da Faculdade de Tecnologia de Alagoas, professora visitante do Instituto Superior de Gestão e do Instituto Universitário Atlântico, ambos em Portugal. Tem experiência na área de Educação Profissional e Educação Superior, atuando principalmente nos seguintes temas: educação profissional, trabalho e educação, mercado de trabalho, regulação e avaliação do ensino superior. E-mail: flippo@fat-al.edu.br

2. Possui graduação em Tecnologia Química pela Universidade Federal de Alagoas (1979), mestrado em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2000) e doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia (2007). Atualmente é Presidente da Fundação Alagoana de Pesquisa, Educação e Cultura - FAPEC, membro do Conselho Superior e Diretor Científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas - FAPEAL e Avaliador do INEP/MEC. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: coaching, mercado de trabalho, planejamento estratégico, educação tecnológica e educação profissional. Com pós-doutorado na Universidade de Lusófona, na área de Formação Profissional. Pós-Doutorado em andamento no Instituto Politécnico de Santarém na área de Avaliação Institucional e no Instituto Superior de Ciências Sociais Políticas - Universidade de Lisboa na área de Avaliação da Educação Superior. E-mail: maceju@uol.com.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 60) Año 2017

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