ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 53) Ano 2017. Pág. 22

Estilos de liderança e cultura organizacional: estudo comparativo de uma organização pública vis-à-vis uma empresa privada

Types of leadership and organizational culture: a comparative study of a public organization vis-à-vis a private company

Marcel Sigrist SOMENZARI 1; Aimée Costa de Carvalho RAMOS 2; Mário SACOMANO NETO 3

Recebido: 03/07/2017 • Aprovado: 30/07/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Revisão da literatura

3. Metodologia

4. Resultados

5. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

Este artigo, através de um estudo comparativo de duas organizações brasileiras, uma pública e outra privada, e, utilizando-se de dois modelos de questionários de pesquisa, o Multifactor Leadership Questionnaire e o Modelo de Valores Competitivos, identificou e correlacionou, respectivamente, os tipos predominantes de liderança e cultura organizacional. Os resultados apontam uma semelhança nas duas organizações, o predomínio do tipo de liderança transformacional, e uma disparidade no tipo de cultura preponderante, a cultura inovativa na empresa privada e a cultura hierárquica no órgão público. Conclui-se mediante correlações significativas entre liderança e cultura organizacional que a cultura clã é compatível com o estilo de liderança transformacional, já a cultura de mercado não é compatível com este estilo de liderança.
Palavras chave: Liderança, Cultura organizacional, Organização pública, Empresa privada.

ABSTRACT:

This paper through a comparative study of two Brazilian organizations, a public and a private one, and using two models of survey questionnaires , the Multifactor Leadership Questionnaire and the Competing Values Framework, identified and correlated respectively the predominant types of leadership and organizational culture. The results demonstrate a similarity in the two organizations, the prevalence of type of transformational leadership, and a difference in the type of dominant culture, the innovative culture in the private company and the hierarchical culture in the public agency. It was concluded by significant correlations between leadership and organizational culture that clan culture is compatible with the transformational leadership style, while the market culture is not compatible with this leadership style.
Keywords Leadership, Organizational culture, Public organization, Private company

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1. Introdução

A sociedade mundial contemporânea está diante de um momento de grandes transformações socioeconômicas e políticas. As últimas décadas têm sido marcadas por constantes mudanças, que afetam todos os povos e países do globo. Neste cenário, com a consolidação do capitalismo, e diante do desenvolvimento da sociedade de consumo, as organizações necessitam adaptar-se a um novo contexto competitivo, dinâmico e feroz (SHAO; FENG; LIU, 2012).

Faz-se referência a mudanças profundas na produção de bens e na vida das pessoas, através das inovações tecnológicas e das transformações socioeconômicas da sociedade atual. Neste sentido, o ambiente que está sendo criado pelas atuais forças globais e tecnológicas é pautado na mudança e na complexidade. Desta forma, no contexto da internacionalização dos mercados, a adaptação organizacional torna-se o fator crítico de sucesso para a sobrevivência das organizações no ambiente competitivo e turbulento das mudanças e inovações (SACOMANO NETO; ESCRIVÃO FILHO, 2000).

É neste cenário de constantes mudanças e adaptações que cada vez mais ganha significância o papel dos líderes como condutores das organizações, em seus processos de adaptação a estes novos fenômenos, através da transformação das ameaças e incertezas do mercado em oportunidades de negocios (ARRUDA; CHRISÓSTOMO; RIOS, 2010). Neste contexto, os estudos sobre a temática da liderança organizacional ganham importância significativa, tornando-se, nas últimas décadas, uma área do conhecimento com vasta quantidade de pesquisas no meio acadêmico (ALATORRE, 2013). 

Não obstante, no âmbito científico, cada vez mais ganha força o entendimento de que a liderança organizacional possui relação acentuada com a cultura organizacional, relação esta pautada pela interdependência entre estas duas variáveis. Nesse sentido, a liderança pode exercer influência sobre a cultura da organização, assim como a cultura organizacional também pode influenciar a liderança (REED; COHEN; COLWELL, 2011).

Desta forma, faz-se imprescindível nos estudos sobre liderança organizacional a análise conjunta deste constructo com a variável da cultura organizacional, não apenas pela possível correlação existente entre ambas, mas também devido à influência da cultura na formulação de estratégias e no desempenho das organizações, ao sinalizar os pontos fortes internos e as limitações de atuação dos líderes organizacionais (RALSTON et al., 2006).

Averiguou-se que a literatura sobre essa temática é escassa, especificamente no que tange aos estudos comparados de liderança e cultura entre organizações públicas e empresas privadas (OLIVEIRA; SANT’ANNA; VAZ, 2010). As pesquisas bibliográficas realizadas em diversos bancos de dados virtuais de artigos científicos, tais como SCIELO (Scientific Electronic Library Online), SPELL (Scientific Periodicals Electronic Library) e Periódicos CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), evidenciam a existência de apenas um estudo promissor sobre a referida temática, porém no cenário organizacional chinês (RALSTON et al., 2006).

Portanto, faz-se necessário um estudo comparativo dos estilos de liderança e cultura de organizações públicas vis-à-vis empresas privadas no contexto brasileiro. É esta lacuna que o presente artigo pretende auxiliar a preencher, através de um estudo de caso múltiplo, com o objetivo de identificar e correlacionar os tipos predominantes de liderança e de cultura de duas organizações nacionais, uma pública e outra privada, nas quais dois dos autores desta pesquisa estão inseridos profissionalmente.

2. Revisão da literatura

2.1. Liderança

Entende-se por liderança o processo pelo qual um indivíduo influencia a conduta dos demais, com a finalidade de alcançar um objetivo comum. Em outras palavras, a liderança pode ser concebida como uma relação de influência que ocorre entre os lideres e seus seguidores, mediante a qual estas duas partes pretendem alcançar mudanças e resultados, sendo a relação pautada por propósitos por eles compartilhados (FARÍA, 2010).

O campo da produção científica sobre a temática da liderança nas organizações é vasto e abrangente (SANTOS, 2013). Não obstante, uma abordagem específica vem recebendo grande destaque e aceitação no meio acadêmico, sendo considerada por muitos teóricos como a mais estudada na atualidade (MARQUES et al., 2007; RODRÍGUEZ, 2010; SHAO; FENG; LIU, 2012). Faz-se referência ao conceito proposto por Burns (1978) de liderança transacional, liderança transformacional e ausência de liderança nas organizações, e sua aplicação através do modelo criado por Bass e Avolio (1990), qual seja, o Multifactor Leadership Questionnaire (MLQ-6S).

Na liderança transacional o líder identifica as necessidades de sua equipe e recompensa a mesma pelo seu esforço dispendido no trabalho (BARRETO et al., 2013). Trata-se, portanto, de uma liderança baseada em uma orientação individualista, na qual o líder e seus colaboradores racionalmente objetivam seus próprios interesses (TRAPERO; LOZADA, 2010). Conforme Marques et al. (2007), esta liderança pode ser dividida em dois fatores: recompensa contingente; baseado nas trocas realizadas por recompensas entre o líder e seus seguidores; e gerenciamento por exceção; pautado na atuação do líder apenas nos momentos de erros ou falhas de seus seguidores. 

Por sua vez, de acordo com Barreto et al. (2013), a liderança transformacional pode ser concebida como o tipo no qual o líder vai além das transações de trabalho e das relações contratuais, almejando o desenvolvimento de sua equipe, e transcendendo os interesses individuais em prol da organização. Trata-se, portanto, de uma liderança baseada em uma orientação coletiva, na qual o líder racionalmente almeja a integridade de seus seguidores (TRAPERO; LOZADA, 2010). Segundo Bass e Avolio (1990), os líderes transformacionais podem ser caracterizados por quatro componentes:

  1. influência idealizada, pautado no carisma do líder, que possui uma meta planejada com compromisso pessoal para alcançá-la;
  2. motivação inspiracional, baseado no líder visionário, que promove o comprometimento de seus seguidores com a visão da organização e com o espírito de equipe;
  3. estímulo intelectual, caracterizado pelo líder que estimula seus seguidores a serem criativos e inovadores, para que busquem novos paradigmas;
  4. consideração individualizada, fundamentado pelo líder que desenvolve habilidades nos seus seguidores, buscando a delegação e o empoderamento de sua equipe.       

Já a ausência de liderança pode ser compreendida como aquela na qual o líder organizacional possui um comportamento neutro e despreocupado, abdicando da sua responsabilidade ao não se envolver com as necessidades e com o desenvolvimento de sua equipe de trabalho (BARRETO et al., 2013). Deste modo, de acordo com Northouse (2013), é neste contexto dos tipos de lideranças que Bass e Avolio (1990) desenvolveram o modelo do Multifactor Leadership Questionnaire (MLQ-6S). Trata-se de um questionário de pesquisa para ser aplicado em líderes organizacionais, com o objetivo de identificar o tipo de liderança predominantemente praticado nas organizações. O modelo em referência foi adotado neste estudo, tendo sido aplicado nos líderes organizacionais, sendo relevante frisar que tal modelo já fora validado em outras pesquisas (MARQUES et al., 2007; ZAHARI; SHURBAGI, 2012; BARRETO et al., 2013).     

É importante ressaltar que estudos acadêmicos recentes apontam a necessidade de aplicação deste modelo do Multifactor Leadership Questionnaire (MLQ-6S), não apenas nos líderes, mas em todos os membros das equipes organizacionais, para obter, e poder comparar holisticamente, toda a percepção organizacional sobre o tipo de liderança predominantemente praticado na organização, o denominado estudo 360 graus que engloba colaboradores e chefes (TRAPERO; LOZADA, 2010). O presente estudo adotou esta perspectiva, ao aplicar o questionário nos líderes organizacionais e, também, nas equipes de trabalho.

2.2. Cultura organizacional

A cultura organizacional pode ser concebida como um padrão de suposições básicas compartilhadas por um grupo, sendo por ele inventadas, descobertas e desenvolvidas, na medida em que o grupo aprende a resolver e gerenciar seus problemas de integração interna e de adaptação externa (SHAO; FENG; LIU, 2012). Desta forma, o conceito de cultura organizacional está voltado para os valores, crenças, suposições e normas que conduzem os processos das organizações, bem como os comportamentos dos indivíduos organizacionais (RALSTON et al., 2006).  

De acordo com Yu e Wu (2009), dentro do vasto campo de estudo científico sobre a cultura organizacional, destaca-se o modelo de valores competitivos, desenvolvido por Cameron e Quinn (2006). Trata-se de um instrumento de pesquisa organizacional, empiricamente validado no meio acadêmico em diversos países do globo (RALSTON et al., 2006; ZAHARI; SHURBAGI, 2012), consubstanciado em um questionário aplicado em uma equipe de trabalho, capaz de definir o tipo de cultura preponderantemente praticado pela organização (BARRETO et al., 2013).

Neste sentido, “Os valores organizacionais observados como preponderantes na conduta da organização traduzem um determinado estilo cultural que norteia e conduz o comportamento competitivo da organização.” (BARRETO et al., 2013, p. 36). Este modelo propõe uma tipologia cultural pautada em quatro grupos de valores organizacionais opostos e que competem entre si. Faz-se referência aos quatro tipos de cultura organizacional preconizados por Cameron e Quinn (2006), a saber:

  1. cultura clã, ou organização do tipo família, na qual busca-se o desenvolvimento, o comprometimento e a lealdade dos trabalhadores, bem como a valorização da participação da equipe na tomada das decisões e a liderança participativa, com ênfase na flexibilidade e foco organizacional na manutenção interna;
  2. cultura inovativa, ou organização do tipo ad hoc, pautada na mudança e na flexibilidade, objetivando equipes especialistas, bem como líderes idealistas e empreendedores, com ênfase na flexibilidade e foco organizacional no posicionamento externo;
  3. cultura de mercado, ou organização do tipo mercado, caracterizada pela produtividade e orientada para o objetivo, permeada por equipes competitivas e líderes diretivos, com ênfase no controle e foco organizacional no posicionamento externo;
  4. cultura hierárquica, ou organização burocrática, baseada em valores, normas e regras, objetivando a estabilidade e a formalidade, bem como equipes obedientes e líderes conservadores, com ênfase no controle e foco organizacional na manutenção interna.

Ademais, o modelo de valores competitivos de Cameron e Quinn (2006) já fora validado em diversas pesquisas interculturais, tendo seu questionário apresentado consistente aplicabilidade em diversos países, inclusive no Brasil (BARRETO et al., 2013). Deste modo, o presente estudo adotou também o referido modelo, através da aplicação do questionário nas equipes organizacionais em estudo.

3. Metodologia

Utilizou-se como método de pesquisa o estudo de casos múltiplos (YIN, 2010), cuja abordagem é qualitativa, de natureza descritiva, uma vez que busca a identificação, análise e melhor compreensão da relação entre o tipo predominante de liderança das organizações e o perfil preponderante de cultura organizacional apresentado pelas instituições em análise (GANGA, 2012). Além desta relação buscou-se também uma comparação entre os líderes, bem como entre os perfis culturais das organizações em estudo.

As pesquisas foram realizadas diretamente às equipes organizacionais, por meio de questionários estruturados. A amostragem abrangeu toda a população em estudo das duas organizações em análise. Neste sentido, os respondentes da empresa privada foram os 12 membros da organização, e no órgão público os respondentes foram os 13 membros organizacionais. A coleta de dados, isto é, a aplicação dos questionários, foi realizada no período de 13 de novembro de 2014 a 08 de dezembro do mesmo ano, nas duas organizações.

Não obstante a abordagem qualitativa deste estudo, a pesquisa aplicada foi realizada a partir de dois métodos ferramentais quantitativos, nas duas organizações, e em todos os membros das mesmas. Deste modo, o primeiro método de estatística exploratória deste estudo apresentou a pesquisa direcionada ao tipo predominante de liderança nas equipes, conforme modelo desenvolvido por Bass e Avolio (1990), denominado Multifactor Leadership Questionnaire (MLQ-6S).  

Trata-se de uma avaliação sobre o estilo de liderança, um questionário já aplicado em pesquisas internacionais (ZAHARI; SHURBAGI, 2012), traduzido para o português por Marques et al. (2007), tendo sido validado no Brasil por Marques et al. (2007) e Barreto et al. (2013), sendo ele composto por 21 assertivas que buscam identificar os três tipos de liderança preconizados por Burns (1978), quais sejam, liderança transacional (dividida em recompensa contingente e gerenciamento  por exceção), liderança transformacional (dividida em influência idealizada, motivação inspiracional, estímulo intelectual e consideração individualizada) e ausência de liderança. Cada assertiva foi avaliada em uma escala Likert de 1 a 6, que variou de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”. Para verificar em que grau se encontrava cada dimensão, foi feito o somatório dos indicadores que as representavam, sendo 3 assertivas para cada fator de liderança. A interpretação dos resultados da soma das assertivas ocorreu da seguinte forma: igual ou menor que 8 – baixo grau; entre 9 e 13 – grau moderado; acima de 14 – grau elevado. (BARRETO et al., 2013).

Por sua vez, o segundo método ferramental quantitativo deste estudo, também de estatística exploratória, teve por objetivo identificar o perfil cultural preponderante nas organizações, tendo como base o modelo de valores competitivos, desenvolvido por Cameron e Quinn (2006) para diagnosticar a presença dos quatro tipos culturais do modelo, quais sejam, cultura clã, cultura inovativa, cultura de mercado e cultura hierárquica, tendo sido aplicado em todos os membros das equipes das duas instituições em estudo.

Trata-se de um questionário que faz uso de seis dimensões de cultura organizacional, sendo que, para cada dimensão existe um conjunto de quatro frases, representando os quatro tipos de cultura do modelo de valores competitivos de Cameron e Quinn (2006). No instrumento original, o entrevistado deveria distribuir 100 pontos entre as quatro alternativas, de acordo com a extensão em que cada alternativa se assemelhasse à sua organização. Contudo, para facilitar as respostas, foi realizada uma alteração na pontuação, transformando-a em uma escala ordinal de quatro pontos. Desta forma, ao responder o questionário os membros das organizações deveriam atribuir o número 1 para a alternativa que melhor representasse o ambiente de sua organização e o número 4 para a alternativa que mais se distanciasse da sua realidade organizacional. Esta versão modificada fora testada e validada nos estudos de Zahari e Shurbagi (2012) na Líbia e de Barreto et al. (2013) no Brasil. Para a análise dos dados, foi realizada uma inversão de valores, para que os elementos mais representativos recebessem números mais elevados. Desta forma, como a somatória dos valores da escala ordinal utilizada equivale a 10, se a composição da cultura organizacional tivesse uma distribuição uniforme, sendo igualmente representada pelos quatro tipos culturais, obter-se-ia o valor de 2,5 para cada um dos quatro elementos. Do mesmo modo, se a distribuição fosse disforme, seriam considerados predominantes os tipos de cultura organizacional que apresentassem valores superiores a 2,5. (BARRETO, et al., 2013).

Os dados coletados foram tabulados, mensurados e analisados de forma quantitativa, sendo que, para identificar os tipos de liderança e de cultura organizacional predominantes nas organizações, interpretou-se a média aritmética das respostas dos entrevistados, de acordo com os valores explicados anteriormente. De mais a mais, considerou-se que, para o caso específico desta pesquisa, a comparação entre as duas variáveis, quais sejam, liderança e cultura organizacional, deveria seguir o modelo estatístico de coeficiente de correlação de postos de Spearman (CHEN; POPOVICH, 2002), por ser o mais indicado para variáveis mensuradas em escala ordinal, e em decorrência do tamanho da amostra, já que se tem em mãos um quantitativo populacional enxuto: duas organizações com estruturas reduzidas, de doze a treze membros para cada uma, contabilizando a liderança.

Neste sentido, esta análise se deu através da identificação de correlações significantes estatisticamente entre os dois constructos de liderança e cultura organizacional, tendo como parâmetro a mensuração convencionada por Cohen (1992), na qual foram consideradas significantes as correlações correspondentes aos valores apresentados nos itens b e c, conforme descrito a seguir:

      a)        abaixo de 0,3, positivo ou negativo: correlação de baixa significância;

      b)       de 0,3 a 0,5, positivo ou negativo: correlação de significância moderada;

      c)        acima de 0,5, positivo ou negativo: correlação de alta significância.

Os dados coletados com a aplicação dos questionários de pesquisa foram analisados e confrontados com o apoio dos softwares Excel e SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), e conforme os pressupostos de análise da estatística descritiva tais como, média, desvio padrão e análise de correlação (MARTINS; MELLO; TURRIONI, 2013).

4. Resultados

Por questões metodológicas, optou-se, em um primeiro momento, pela apresentação dos resultados de maneira independente, isto é, por organização (órgão público e empresa privada), e por variável (liderança e cultura organizacional), e, após, pela análise e interpretação dos resultados de maneira conjunta, ou seja, entre as organizações em questão e entre os constructos da liderança (BASS; AVOLIO, 1990) e da cultura organizacional (CAMERON; QUINN, 2006).

4.1.  Descrição na empresa privada

A organização privada em estudo é uma empresa de pequeno porte, localizada na cidade de São Paulo. Trata-se de uma start-up, ou seja, um negócio que está há pouco tempo no mercado e com uma proposta inovadora (RODRIGUES et al., 2013). A referida empresa, há dois anos e meio no mercado nacional, possui uma equipe de trabalho contendo oito colaboradores fixos, dois estagiários e dois gerentes, em um total de doze membros organizacionais. A empresa possui duas unidades de negócios. A primeira unidade é focada em clientes pessoa física, sendo oferecido o serviço de consultoria e coaching para carreira. A outra unidade é voltada para clientes pessoa jurídica, em que os serviços oferecidos são os de divulgação e atração dos programas de trainee e de estágio.

A aplicação dos questionários para a pesquisa direcionada ao tipo predominante de liderança nas organizações (BASS; AVOLIO, 1990), foi realizada nos 12 membros da empresa, sendo que 2 deles (gerentes) responderam o questionário direcionado aos gestores, e os outros 10 membros (colaboradores e estagiários) responderam o questionário destinado à equipe. Pode-se observar na Tabela 1 os dados tabulados, bem como os resultados encontrados com a aplicação dos questionários em referência.

Tabela 1 - Resultados da liderança organizacional na empresa privada

Fonte: Autoria própria

Os números ilustram que o único valor médio que apresentou grau elevado de relevância foi a dimensão do tipo de liderança transformacional denominada influência idealizada, com média de 14,83. Os outros três componentes da liderança transformacional também tiveram médias consideráveis, porém de grau moderado, quais sejam, 13,67 para a consideração individualizada, 13,33 para o estímulo intelectual e 12,58 para a motivação inspiracional. A liderança transacional e suas duas dimensões, a saber: gerenciamento por exceção e recompensa contingente, também obtiveram um grau moderado, respectivamente, médias de 12,58 e 11,75, porém quantitativamente abaixo das médias obtidas pelas dimensões da liderança transformacional. Já a ausência de liderança, foi o tipo de liderança com a menor média de todas, 9,67, considerado também de grau moderado, porém abaixo em valores absolutos dos outros dois tipos de liderança. A partir dessa análise pode-se inferir que, na concepção dos membros organizacionais da empresa privada, a dimensão da liderança transformacional denominada influência idealizada é a que mais está presente em sua gestão.

No que tange à cultura organizacional da empresa, a aplicação do questionário para a identificação do tipo preponderante de cultura na organização (CAMERON; QUINN, 2006), foi também realizada em todos os 12 membros da empresa. A Tabela 2 apresenta os dados tabulados, bem como evidencia os resultados encontrados com a aplicação do questionário em questão.

Tabela 2 - Resultados da cultura organizacional na empresa privada

Fonte: Autoria própria

Os números ilustram que a cultura inovativa foi a que recebeu o valor médio mais alto, de 3,10, ou seja, é aquela que melhor representa o perfil cultural da empresa. O segundo maior valor médio foi atribuído à cultura clã, com 2,96, que também pode ser considerado como valor significante. Em seguida apareceram os dois tipos culturais com valores considerados de baixa influência para moldar a cultura organizacional da empresa, quais sejam, a cultura de mercado, com média de 2,38, e a cultura hierárquica, com o valor médio menos representativo, 1,74. Portanto, conclui-se que os tipos de cultura preponderantes na empresa são, em grau de importância, respectivamente, a cultura inovativa e a cultura clã.

A partir dessa análise pode-se inferir que, na concepção dos seus membros, a cultura inovativa é aquela que mais representa os valores centrais da cultura organizacional da empresa. Trata-se, portanto, de um ambiente de trabalho dinâmico, empreendedor e criativo, pautado no direcionamento para mudanças e desafios, exigindo ao mesmo tempo flexibilidade e especialização de sua equipe de trabalho, bem como lideres idealistas (CAMERON; QUINN, 2006). Não obstante, é importante ressaltar também o peso considerável da cultura clã para moldar ou influenciar os valores da cultura organizacional desta empresa privada.

De mais a mais, faz-se mister estabelecer uma comparação entre os resultados encontrados nesta pesquisa com o estudo de Barreto et al. (2013) sobre os tipos preponderantes de liderança (BASS; AVOLIO, 1990) e de cultura organizacional (CAMERON; QUINN, 2006) no mercado empresarial de restaurantes de uma capital brasileira. É possível inferir que ambos os estudos obtiveram resultados semelhantes nas pesquisas com relação às organizações empresariais sob análise, a saber: o estilo predominante da liderança transformacional (BASS; AVOLIO, 1990) e os tipos culturais significantes da cultura inovativa e também da cultura clã (CAMERON; QUINN, 2006).

4.2.  Descrição na organização pública

A organização pública em estudo está vinculada a uma autarquia do governo federal brasileiro na área da seguridade social. Trata-se de uma agência de atendimento às demandas judiciais, cuja origem remete a 2007, tendo sempre como área de atuação o atendimento às demandas previdenciárias do poder judiciário de uma parte da região do interior do Estado de São Paulo, sendo que, para tanto, conta com uma equipe de trabalho composta por onze servidores; dentre eles o gerente da agência e seu substituto; e dois estagiários, em um total de treze membros organizacionais.

Na organização pública a aplicação dos questionários para a pesquisa direcionada ao tipo predominante de liderança nas organizações (BASS; AVOLIO, 1990), foi realizada nos 13 membros da organização, sendo que, 2 deles (gerente e gerente substituto) responderam o questionário direcionado aos gestores, e os outros 12 membros (servidores, gerente substituto e estagiários) responderam o questionário destinado à equipe, totalizando, portanto, 14 questionários. É possível observar na Tabela 3 os dados tabulados, bem como os resultados encontrados com a aplicação destes questionários.

Tabela 3 - Resultados da liderança organizacional na organização pública

Fonte: Autoria própria

Os números apresentados ilustram que o único valor médio que apresentou grau elevado de relevância foi a dimensão do tipo de liderança transformacional denominada influência idealizada, com média de 15,29. Os outros três componentes da liderança transformacional também tiveram médias consideráveis, porém de grau moderado, quais sejam, 13,14 para o estímulo intelectual, 12,86 para a motivação inspiracional e 12,79 para a consideração individualizada. A liderança transacional e suas duas dimensões, a saber: gerenciamento por exceção e recompensa contingente, também obtiveram um grau moderado, respectivamente, médias de 12,79 e 11,50, porém quantitativamente abaixo das médias obtidas pelas dimensões da liderança transformacional. Já a ausência de liderança, também obteve um grau moderado de relevância, 11,64, abaixo em valores absolutos dos outros dois tipos de liderança. A partir dessa análise é possível concluir que, na concepção dos membros organizacionais desta organização pública, a dimensão da liderança transformacional denominada influência idealizada é a que mais está presente em sua gestão.

Com relação à cultura organizacional desta instituição, a aplicação do questionário para identificar o tipo preponderante de cultura na organização (CAMERON; QUINN, 2006) foi realizada em todos os 13 membros do órgão público. Na Tabela 4 é possível observar os dados tabulados, bem como os resultados encontrados com a aplicação dos questionários em referência.

Tabela 4 - Resultados da cultura organizacional no órgão público

Fonte: Autoria própria

Os números ilustram que a cultura hierárquica foi a que recebeu o valor médio mais alto, de 2,67, ou seja, é aquela que melhor representa o perfil cultural da organização pública. O segundo e o terceiro maiores valores médios foram atribuídos, respectivamente à cultura de mercado, 2,62, e à cultura clã, 2,53, que também podem ser considerados como valores significantes. Por fim, o tipo cultural com o valor médio menos representativo, e considerado de baixa influência para moldar a cultura organizacional da instituição, a cultura inovativa, com média de 2,19. Portanto, conclui-se que os tipos de cultura preponderantes na organização pública são, em grau de importância, respectivamente, a cultura hierárquica, a cultura de mercado e a cultura clã.

A partir dessa análise é possível inferir que, na concepção dos membros organizacionais do órgão público, a cultura hierárquica é aquela que mais representa os valores centrais da cultura organizacional da instituição. Trata-se, portanto, de um ambiente de trabalho pautado na burocracia, isto é, centrado no controle e na manutenção interna, baseado em valores, normas e regras, objetivando a estabilidade e a formalidade, bem como equipes obedientes e líderes conservadores (CAMERON; QUINN, 2006). Não obstante, é importante ressaltar também o peso considerável da cultura de mercado, e da cultura clã, para moldar ou influenciar os valores da cultura organizacional desta instituição pública.

Faz-se mister ainda estabelecer uma comparação entre os resultados encontrados nesta pesquisa com o estudo de Zahari e Shurbagi (2012) sobre os tipos predominantes de liderança (BASS; AVOLIO, 1990) e de cultura organizacional (CAMERON; QUINN, 2006) em uma empresa estatal do setor petrolífero da Líbia. É possível inferir que ambos os estudos obtiveram resultados semelhantes nas pesquisas com relação às organizações públicas sob análise, quais sejam, o estilo predominante da liderança transformacional (BASS; AVOLIO, 1990) e o tipo preponderante da cultura hierárquica (CAMERON; QUINN, 2006).

4.3.  Análise comparativa da empresa privada com a organização pública

Uma vez realizada a descrição dos resultados de cada organização, pode-se aprofundar na análise e na interpretação desses resultados em ambas as instituições de forma comparada bem como entre os dois constructos que são a temática deste artigo; a liderança (BASS; AVOLIO, 1990) e a cultura organizacional (CAMERON; QUINN, 2006).

Inicialmente, com relação à análise dos resultados de forma comparada entre as instituições em estudo, é possível inferir que, apesar das áreas de atuação diversas, e principalmente de escopos opostos, uma organização privada e uma instituição pública, tanto a empresa quanto o órgão público possuem o mesmo tipo de liderança predominante praticado em suas organizações. Trata-se do componente influência idealizada, presente no tipo de liderança transformacional (BASS; AVOLIO, 1990). Neste tipo de liderança o líder organizacional vai além das transações de trabalho e das relações contratuais, buscando o desenvolvimento de sua equipe de trabalho, e transcendendo os interesses individuais em prol da organização (BARRETO et al., 2013). Neste contexto, a duas instituições apresentam lideranças pautadas em uma orientação coletiva, na qual seus líderes racionalmente almejam a integridade de seus seguidores, isto é, de suas equipes de trabalho (TRAPERO; LOZADA, 2010), especialmente através de seu carisma, e pautado em uma meta planejada, com compromisso pessoal para alcançá-la (BASS; AVOLIO, 1990).

Este resultado conflita com o senso comum, no qual, poder-se-ia supor que, por se tratarem de organizações distintas, uma pública e outra privada, dever-se-iam também apresentar tipos de lideranças diversos do encontrado. Ocorre que, desde a década de 90 do século passado, em decorrência da crise do Estado nos anos 80 do século XX, e da globalização da economia, o setor público mundial vem passando por uma constante transformação com o advento da new public management (OSBORNE; GAEBLER, 1992). Esta transformação no setor público também se deu no Brasil (LEMOS; BERNI; PALMEIRA, 2014), em meados da década de 90 do século passado, a partir do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, a denominada reforma gerencial da administração pública (FERREIRA, 2009). A referida transformação levou à modernização do aparelho do Estado nacional, através da utilização de métodos consagrados da administração empresarial no setor público (BRESSER PEREIRA, 1996; MATIAS-PEREIRA, 2010), razão pela qual, acredita-se que as organizações em estudo obtiveram os mesmos resultados para o tipo predominante de liderança (VALADARES et al., 2012).

Porém, no que tange ao tipo de cultura organizacional preponderantemente presente, observa-se um antagonismo entre as duas instituições. Se por um lado, na empresa privada o tipo de cultura organizacional preponderante é o da cultura inovativa, por outro na organização pública a cultura hierárquica é a que predomina (CAMERON; QUINN, 2006). Desta forma, tem-se, portanto, uma diferença substancial de valores e posicionamentos organizacionais, diametralmente opostos, tendo em vista que, na empresa privada encontra-se presente a cultura organizacional da flexibilidade e do posicionamento externo, enquanto que, na organização pública está enraizada em sua cultura o controle e a manutenção interna (CAMERON; QUINN, 2006).

Contudo, não se deve deixar de levar em consideração que em ambas as organizações está presente de forma considerável a cultura clã, aquela na qual tem-se um ambiente de trabalho amigável, onde a equipe compartilha experiências tanto pessoais quanto profissionais, estabelecendo uma espécie de família, na qual busca-se o seu desenvolvimento, comprometimento, lealdade e participação (CAMERON; QUINN, 2006). Trata-se de um tipo cultural relevante para moldar e influenciar tanto os valores da cultura organizacional da empresa privada quanto da instituição pública. A semelhança em questão pode ser explicada por se tratarem de organizações com estruturas de pequeno porte, indo de acordo com a constatação de Barreto et al. (2013) em sua pesquisa sobre cultura organizacional (CAMERON; QUINN, 2006) no mercado empresarial de restaurantes de uma capital brasileira.    

De qualquer forma, a justificativa para a oposição de culturas organizacionais preponderantes nas instituições em estudo, pode se dar pelos seus tipos distintos de essência organizacional (VALADARES et al., 2012), e principalmente, pela área de atuação de cada uma delas, isto é, tem-se, por um lado, uma organização empresarial, uma start-up (RODRIGUES et al., 2013), inserida em um contexto mercadológico de consultoria, de constante mudança, competitividade e inovação (NETO; JAMIL; VASCONCELOS, 2009), enquanto que, por outro lado, apresenta-se uma organização pública, inserida em um contexto governamental, pautado no monopólio de mercado e na estrita observância à legislação (MATIAS-PEREIRA, 2010).

Corrobora para a justificativa em questão a comparação entre os resultados encontrados nesta pesquisa com o estudo comparativo de Ralston et al. (2006) sobre cultura organizacional (CAMERON; QUINN, 2006) em empresas estatais e privadas do cenário organizacional chinês. É possível inferir que ambos os estudos obtiveram resultados semelhantes nas pesquisas com relação às organizações sob análise, a saber: o tipo cultural significante da cultura hierárquica (CAMERON; QUINN, 2006) nas organizações públicas, e a cultura inovativa (CAMERON; QUINN, 2006) como o tipo cultural com peso considerável nas empresas privadas. 

De mais a mais, a fim de averiguar a interdependência entre liderança e cultura organizacional, buscou-se identificar as correlações significantes estatisticamente entre os dois constructos em questão (COHEN, 1992). Para tanto, utilizou-se da correlação de postos de Spearman (CHEN; POPOVICH, 2002), com o objetivo de realizar a análise das relações entre os quatro tipos culturais (CAMERON; QUINN, 2006) e as sete dimensões de liderança (BASS; AVOLIO, 1990). Na Tabela 5 é possível observar o cruzamento dos dados dos resultados encontrados entre liderança e cultura na pesquisa realizada na empresa privada, e na Tabela 6, o cruzamento dos dados obtidos com a pesquisa de liderança e cultura na organização pública.

Tabela 5 - Correlação entre cultura organizacional e liderança na empresa privada

Fonte: Autoria própria.

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Tabela 6 - Correlação entre cultura organizacional e liderança na organização pública

Fonte: Autoria própria.

Os números permitem concluir que existe significância considerável entre as duas variáveis em estudo, isto é, há estatisticamente, na concepção dos membros organizacionais da empresa privada e do órgão público, interdependência entre os constructos da liderança e da cultura organizacional, tendo em vista que, das 28 possíveis correlações (CHEN; POPOVICH, 2002) em cada tabela, foi constatado que, em cada uma delas, 13 correlações são de moderada e alta significância (COHEN, 1992). Os referidos valores estão destacados em negrito (alta significância) e em itálico (significância moderada) na Tabela 5, e também na Tabela 6.

Por fim, é importante destacar que, dentre as diversas correlações (CHEN; POPOVICH, 2002) presentes entre os constructos da liderança e da cultura organizacional, as que mais se destacam, obtendo moderada e/ou alta significância estatística (COHEN, 1992) em ambas as organizações, e de maneira positiva, é a cultura clã (CAMERON; QUINN, 2006) com as quatro dimensões da liderança transformacional (BASS; AVOLIO, 1990), quais sejam, influência idealizada (alta correlação de 0,51 na empresa privada e de 0,65 no órgão público), motivação inspiracional (alta correlação de 0,58 na empresa privada e de 0,64 na organização pública), estimulo intelectual (correlação moderada de 0,37 na empresa privada e alta correlação de 0,71 no órgão público) e consideração individualizada (correlação moderada de 0,31 na empresa privada e alta correlação de 0,52 na organização pública).

Isto significa inferir que culturas organizacionais com um ambiente de trabalho amigável, onde a equipe compartilha experiências tanto pessoais quanto profissionais, estabelecendo uma espécie de família, na qual busca-se o seu desenvolvimento, comprometimento, lealdade e participação (CAMERON; QUINN, 2006), são compatíveis com o estilo de liderança no qual o líder organizacional vai além das transações de trabalho e das relações contratuais, buscando o desenvolvimento de sua equipe de trabalho, e transcendendo os interesses individuais em prol da organização (BARRETO et al., 2013).

Não obstante, as outras únicas correlações (CHEN; POPOVICH, 2002) que se destacam entre os constructos da liderança e da cultura organizacional, obtendo moderada e/ou alta significância estatística (COHEN, 1992) em ambas as organizações, porém de maneira negativa, é a cultura de mercado (CAMERON; QUINN, 2006) com duas dimensões da liderança transformacional (BASS; AVOLIO, 1990), a saber: influência idealizada (alta correlação de -0,50 na empresa privada e correlação moderada de -0,46 na organização pública) e motivação inspiracional (correlação moderada de -0,46 na empresa privada e de -0,39 no órgão público).

O fato em questão permite concluir que culturas organizacionais com um local de trabalho caracterizado pela produtividade e orientado para o objetivo, permeado por equipes competitivas e líderes diretivos, e pautado no controle e no posicionamento externo da organização (CAMERON; QUINN, 2006), não são compatíveis com o estilo de liderança baseado em uma orientação coletiva, na qual racionalmente busca-se a integridade de seus seguidores (TRAPERO; LOZADA, 2010), especialmente através do líder organizacional carismático, isto é, aquele que possui uma meta planejada com compromisso pessoal para alcançá-la, e também através do líder organizacional visionário, qual seja, aquele que promove o comprometimento de seus seguidores com a visão da organização e com o espírito de equipe (BASS; AVOLIO, 1990).

À guisa de síntese dos resultados apresentados, a Figura 1, a seguir, ilustra em um quadro comparativo os resultados encontrados com a presente pesquisa nas duas organizações em estudo.

Figura 1 – Quadro síntese comparativo dos resultados

 

Fonte: Autoria própria.

5. Conclusões

Embora os resultados apresentados neste artigo não explicitem relações de causa e efeito entre os constructos em estudo, a saber: a liderança (BASS; AVOLIO, 1990) e a cultura organizacional (CAMERON; QUINN, 2006), é possível determinar algumas inferências sobre a temática em questão, a partir dos resultados e das correlações identificadas com a pesquisa de campo realizada nas duas organizações em análise, a empresa privada e a organização pública.

A primeira conclusão é que predomina nas duas organizações o mesmo estilo de liderança, a denominada liderança transformacional, em sua dimensão influência idealizada (BASS; AVOLIO, 1990), apesar de áreas de atuação diversas, e de escopos organizacionais opostos. A semelhança em questão pode ser justificada pela recente adoção de práticas gerenciais do mundo corporativo pelas organizações públicas nacionais, aderindo estas últimas assim, paulatinamente, à lógica de mercado, na qual o cidadão passa a ser visto como um cliente (BRESSER PEREIRA, 1996; FERREIRA, 2009; MATIAS-PEREIRA, 2010; OLIVEIRA; SANT’ANNA; VAZ, 2010; VALADARES et al., 2012; LEMOS; BERNI; PALMEIRA, 2014).

Não obstante, a segunda conclusão coloca as duas organizações em estudo em posições diametralmente opostas. Faz-se referência a constatação de que, se por um lado, na empresa privada o tipo de cultura organizacional preponderante é o da cultura inovativa (CAMERON; QUINN, 2006), por outro, no órgão público o tipo de cultura predominante é o da cultura hierárquica (CAMERON; QUINN, 2006). O antagonismo em referência pode ser explicado pelas essências organizacionais distintas (VALADARES et al., 2012), e também pelo escopo de atuação das instituições em estudo, a saber: uma organização empresarial, uma start-up (RODRIGUES et al., 2013), inserida em um contexto mercadológico de consultoria, de constante mudança, competitividade e inovação (NETO; JAMIL; VASCONCELOS, 2009), e uma organização pública, inserida em um contexto governamental, pautado no monopólio de mercado e na estrita observância à legislação, com consequente baixa discricionariedade (MATIAS-PEREIRA, 2010).  

A terceira e última conclusão que pode ser inferida da presente pesquisa refere-se ao fato de que o tratamento estatístico dos dados apontou duas correlações (CHEN; POPOVICH, 2002) significativas (COHEN, 1992), uma positiva e outra negativa, entre os constructos da liderança (BASS; AVOLIO, 1990) e da cultura organizacional (CAMERON; QUINN, 2006) nas duas organizações em estudo, a saber:

a) a cultura clã (CAMERON; QUINN, 2006) é compatível com o estilo de liderança transformacional (BASS; AVOLIO, 1990).

b) a cultura de mercado (CAMERON; QUINN, 2006) não é compatível com o estilo de liderança transformacional (BASS; AVOLIO, 1990).

Por fim, faz-se importante ressaltar as limitações da pesquisa ora apresentada, bem como as possibilidades de trabalhos futuros decorrentes das próprias limitações deste estudo. Trata-se de uma pesquisa; inédita no âmbito nacional de acordo com pesquisas bibliográficas; que objetivou auxiliar a suprir a escassez da literatura sobre o tema em questão (OLIVEIRA; SANT’ANNA; VAZ, 2010), qual seja, estudos comparativos entre os constructos da liderança (BASS; AVOLIO, 1990) e da cultura organizacional (CAMERON; QUINN, 2006) em empresas privadas e instituições públicas.

Não obstante, o limitado escopo populacional deste estudo impossibilitou a realização de generalizações dos resultados encontrados, e até mesmo enfraqueceu estatisticamente as correlações inferidas. Dessa forma, sugere-se, como possibilidade de trabalhos futuros, a inclusão de mais respondentes e instituições, provenientes de organizações diversas, públicas e privadas, ampliando-se exponencialmente o espaço amostral da presente pesquisa, possibilitando-se assim a realização de análises comparativas e correlações estatísticas mais robustas, e até mesmo possíveis generalizações, bem como novas perspectivas e caminhos de reflexão (SACOMANO NETO; TRUZZI, 2009) para a temática em estudo.

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1. Mestrado profissional em andamento em Gestão de Organizações e Sistemas Públicos pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar, Brasil). Analista do Seguro Social do INSS. Email: marcel.somenzari@inss.gov.br

2. Especialização em Gestão Organizacional e de Pessoas pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar, Brasil). Analista da empresa Seja Trainee. Email: aimee@sejatrainee.com.br

3. Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar, Brasil). Professor adjunto do departamento de Engenharia de Produção da UFSCar. Email: msacomano@ufscar.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 53) Año 2017

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