Espacios. Vol. 32 (1) 2011. Pág. 12

Geração Canguru: Algumas Tendências que Orientam o Consumo Jovem e Modificam o Ciclo de Vida Familiar

Kangaroo Generation: Some Trends That Affect the Young Consumption and Change the Family Life Cycle

Patrícia Aparecida Ferreira*, Daniel Carvalho de Rezende** y Cléria Donizete da Silva Lourenço***

Recibido:12-04-2010 - Aprobado: 15-08-2010


Contenido


RESUMO:
O estudo procurou compreender quais são as motivações para que os jovens adultos da classe média, já inseridos no mercado de trabalho, permaneçam na casa de seus pais (fenômeno denominado pela mídia de geração canguru) e o que isso representa para o campo do consumo. Por meio de um estudo qualitativo que consistiu de entrevistas com jovens adultos de uma cidade do interior de Minas Gerais, foram identificadas categorias de análise sob a perspectiva da grounded theory: fatores responsáveis pelo prolongamento da permanência dos jovens adultos na casa dos pais; a postura dos pais; a decisão de sair da casa dos pais; o significado do consumo; o consumismo; produtos e serviços que são prioridades de consumo. O estudo revelou diferentes motivações para o prolongamento da vida na casa dos pais. Destaca-se, no entanto, a dimensão pragmática e individualista da nova geração. Os pais, em sua maioria, também parecem não cobrar dos filhos a sua emancipação e independência, como ocorria nas gerações anteriores. O comportamento de consumo dos jovens cangurus revela grande propensão à compra de produtos supérfluos, destacando-se também a influência que eles exercem no consumo familiar. O conhecimento da dinâmica das novas famílias destaca-se, portanto, como um elemento altamente relevante para as estratégias de marketing.
Palavras-chave: Comportamento do consumidor; Geração canguru, Consumo.

ABSTRACT:
The study make an effort to understand the motivations for the young adults of the middle class, already inserted into the labor market, remain in the house of their parents (a phenomenon called by the media as the kangaroo Generation) and what this represents for the field of consumption. Through a qualitative study which consisted of interviews with young adults from a city in the country side of Minas Gerais State, were identified analysis categories from the perspective of Grounded Theory: responsible factors for the staying prolonging of young adults in the house their parents, the parents opinion, the decision to leave the parents house, the meaning of consumption; consumerism; products and services that are consumption priorities. The study has found different reasons for the life extension in their parent’s home. Points out, however, the pragmatic and individualistic generation dimensions. Parents seem not to charge sons to their emancipation and independence, as occurred in previous generations. The consumption behavior of young kangaroos shows great propensity for the purchase of unnecessary products, also highlighting the influence they exert in the family consumption. The knowledge of the new family’s dynamics points out, therefore, as a highly relevant element to companies marketing strategies.
Key-Words: Consumer Behavior, Kangaroo Generation, Consumption.

1 Introdução

No cenário das transformações da sociedade contemporânea, a família desponta como um campo privilegiado de mudanças, onde novos processos se colocam em curso. Transformações sociais, econômicas e demográficas apontam para uma crescente diversificação da família e dos arranjos familiares, o que conseqüentemente resulta em novas opções de vida conjunta entre as pessoas. É neste sentido de transformações, que o espaço familiar apresenta-se como uma área de grande interesse no estudo do comportamento do consumidor. Além disso, as famílias, como unidades consumidoras, são as principais usuárias e compradoras de muitos produtos, além de influenciar nas atitudes e comportamento dos indivíduos (BLACKWELL et al., 2005).

Entre as novas tendências familiares, no contexto brasileiro, observa-se um crescimento do número de jovens adultos da classe média que trabalham e prolongam o tempo de permanência na casa dos pais, fenômeno denominado pela mídia e por alguns estudiosos de “geração canguru” (HENRIQUES et al., 2004). Esse comportamento refere-se a uma convivência familiar prolongada em que os filhos, jovens adultos, apesar de aptos para uma vida independente fora dos limites da casa dos pais, optam pela permanência. Segundo Henriques et al. (2004), o adiamento da separação da família é um reflexo da conjugação de fatores intra-familiares – ambivalência de sentimentos em relação a partida e a perda dos papéis conquistados – com extra-familiares – fruto de um contexto social fortemente marcado por instabilidade e incerteza.

No Brasil, esse novo modelo familiar começou a ser estudado apenas nos últimos anos, enquanto que em alguns países, como Itália, França e Argentina ele já vem sendo pesquisado desde o início dos anos 90. Por ser um fenômeno sociológico, alguns estágios do ciclo de vida da família, que são importantes indicadores de comportamento do consumo, podem ser alterados. Diante disso, contextualiza-se a questão central deste trabalho, que procurou compreender quais são as motivações para que os jovens adultos da classe média já inseridos no mercado de trabalho permaneçam na casa de seus pais, e o que isso representa para o campo do consumo. Partindo desse recorte analítico, a primeira parte deste artigo articula alguns conceitos pertinentes à família como unidade consumidora e questões que envolvem o fenômeno da geração canguru e seus impactos no ciclo de vida familiar. Na segunda parte, apresentam-se as categorias analisadas sob a perspectiva da grounded theory, geradas com base nos dados coletados em uma pesquisa qualitativa realizada com jovens adultos de uma cidade do interior mineiro.

2 A família como uma unidade consumidora

A família tem sido tema de estudo para diversos campos do conhecimento, abrangendo diferentes pontos de vista e com um debate interdisciplinar que mostra o quão grande é a gama de abordagens possíveis para a compreensão deste fenômeno cultural, social, econômico e político (SILVA et al., 2004). D

e um modo geral, a família é compreendida como uma construção social, formada a partir da relação entre indivíduos e sociedade, caracterizada por uma variedade de formas, que segundo Saraiva Jr e Taschner (2006), podem ser classificadas em ciclos de vida tradicionais ou modernizados. Para Petrini e Alcântara (2002), a família constitui o fundamento da sociedade, ou seja, um recurso sem o qual a sociedade, da forma como está organizada atualmente, entraria em colapso, caso fosse obrigada a assumir tarefas que, via de regra, são desempenhadas de forma melhor e a menor custo pela instituição família. Através da proteção, da promoção, do acolhimento, da integração e das respostas que oferece às necessidades de seus membros, a família favorece o desenvolvimento da sociedade.

Contudo, a sociedade não é estática e permanece sempre em um processo contínuo de mudança. Para Touraine (1994), na modernidade, quase todas as sociedades são penetradas por novas formas de produção, de consumo e de comunicação. Nesse sentido, Cioffi (1998) destaca algumas alterações sofridas pelas famílias na sociedade moderna. Segundo a autora, na modernidade, a família hierarquizada cede terreno para uma família onde as relações são mais igualitárias (ou menos hierárquicas), valorizando as opções e a vida pessoal de seus membros, o privado e o subjetivo em detrimento aos valores tradicionais e patriarcais. Além disso, observam-se novas configurações familiares que se associam a dimensões como o individualismo, que é um valor característico das sociedades capitalistas. Na verdade, a modernidade tem como seus ícones principais uma cultura de consumo e uma tendência a comportamentos cada vez mais individualistas (SLATER, 2002; CAMPBELL, 1989).

Silva et al. (2004) também salientam que a família como parte integrante da sociedade em transformação (nível macro) passa por um processo de transformação (nível micro), cujas mudanças, nos dois níveis, viabilizam o surgimento de novos modelos de família, distintos dos propalados modelos tradicionais. Para Sales e Vasconcelos (2007), fatores econômicos, sociais e culturais contribuíram de forma decisiva para as alterações na estrutura familiar, e os diversos modelos existentes estão fundamentados na igualdade, individualidade e liberdade.

Reagindo aos condicionamentos externos e ao mesmo tempo adaptando-se a eles, a família encontra sempre novas formas de estruturação que, de alguma maneira, a reconstituem. Dessa forma, a realidade da família moderna enquanto construção social apresenta novos arranjos familiares que são resultados contextuais da inovação que busca legitimar a pluralidade e a flexibilidade adstrita à sociedade contemporânea.

Além disso, vale ressaltar a influência da variável “tempo”, que faz com que as famílias se diferenciem estruturalmente. Para Fonseca (2005), a idéia de “ciclo de vida” é subsidiária da dimensão temporal das relações familiares, que de um modo geral contextualiza três grandes fases: formação inicial (em geral, por casamento), expansão (com nascimento dos filhos) e declínio (quando os filhos adultos saem para estabelecer seus próprios núcleos e a velha geração é deixada com “o ninho vazio”). Já Blackwell et al. (2005) englobam no ciclo de vida padrões familiares que vão além do casamento, ter filhos e sair de casa, acrescentando, assim, estágios, como a perda do(a) esposo(a) e a aposentaria. De acordo com Hill (1970) e Stampfl (1978), o ciclo de vida familiar é uma abordagem interdisciplinar para o estudo da família e tem sido empregada em diversas áreas, tais como Psicologia, Sociologia, Economia e Marketing. Considerando o consumo como uma referência para se pensar a sociedade contemporânea (ROCHA et al., 1999) e as famílias como as principais unidades consumidoras (BLACKWELL et al., 2005), observa-se a relevância que os vários estágios do ciclo de vida familiar assumem quanto à definição e compreensão dos padrões de consumo dos indivíduos e das famílias e de como eles se alteram ao longo do tempo (BLACKWELL et al., 2005).

As famílias como unidades consumidoras são as principais usuárias e compradoras de muitos produtos, além de influenciar nas atitudes e comportamento dos indivíduos. Diante desse contexto, o ciclo de vida familiar apresenta-se como um importante indicador do comportamento de consumo, uma vez que muitas mudanças estão mais associadas com as alterações na estrutura familiar (como casamento, nascimento dos filhos, separação e saída dos filhos de casa) do que com o processo de envelhecimento (SARAIVA JR; TASCHNER, 2006).

Nesse mesmo sentido, Béllon et al. (2001) consideram o ciclo de vida familiar como uma variável sociodemográfica que pode ser utilizada como uma medida de segmentação de mercado. Para esses autores, a influência exercida pelo ciclo de vida das famílias pode ser identificada em muitos produtos e serviços e varia conforme o contexto cultural de cada país. Saraiva Jr e Taschner (2006) também ilustram a influência das dimensões culturais de cada país sobre a instituição ‘família’. Para estes autores, em culturas individualizadas, como a norte-americana, os filhos são educados a tornarem-se independentes o mais cedo possível, espera-se que cada um cuide de si mesmo e de sua família imediata; já em culturas coletivistas as crianças crescem mais próximas de outros familiares e se tornam mais dependentes de um grupo.

Para Cioffi (1998) existe uma relação estreita entre arranjos familiares, ciclo de vida familiar e condições de vida das famílias. De um modo bem geral, a autora apresenta os principais arranjos familiares existentes no contexto brasileiro e sua combinação com ciclos de vida, contemplando, assim, alguns estágios como: casal com filhos; casal sem filhos; chefe sem cônjuge com filhos e pessoas morando sozinhas.

De acordo com Cioffi (1998), as famílias formadas por casal com filhos correspondem à situação típica de organização da família brasileira. Neste caso, identificam-se três fases: jovem, adulta e velha. A presença de filhos com pouca idade residentes no domicílio, característica do primeiro estágio do ciclo vital sugere formas de organização específicas da família, tanto em termos de sua capacidade econômica e inserção no mercado de trabalho, como quanto à organização das tarefas domésticas. Nesta fase jovem do ciclo, a família tende a organizar-se predominantemente em torno do chefe a quem cabe a responsabilidade pelo sustento familiar. Já na fase adulta, altera-se, obviamente, a distribuição dos filhos segundo faixa etária, com maior concentração entre 7 e 17 anos, o que, por sua vez, contribui para alterar a organização familiar com vistas aos mecanismos utilizados para a satisfação das necessidades materiais da família adulta. Em comparação com as famílias situadas no ciclo vital jovem, a idade mais elevada dos filhos pode contribuir para liberar a cônjuge para o mercado de trabalho. Na fase velha, os filhos apresentam faixa de idade superior aos 18 anos, podendo participar do mercado de trabalho. Caso haja essa participação no mercado de trabalho, alterações na composição da renda familiar poderão ocorrer e até mesmo reduzir a participação do chefe e do cônjuge.

Por outro lado, Blackwell et al. (1995) destacam que os indivíduos não precisam necessariamente passar por cada um dos estágios do ciclo, podendo pular múltiplos estágios baseados nas suas escolhas de vida. Segundo Fonseca (1995), hoje em dia, o ciclo familiar baseado na nuclearização das famílias (pai, mãe e filhos vivendo juntos) não é nada evidente, visto que, muitas vezes, o nascimento de netos precede o casamento de seus pais ou a formação de um novo núcleo. Além disso, em época de desemprego, há uma tendência crescente, em todas as classes, de filhos adultos voltarem para a casa dos pais em momentos difíceis, seguidos de um divórcio ou a perda de emprego.

Com relação às influências familiares, Petrini e Alcântara (2002) salientam que na família não se transmite apenas a vida, mas o seu significado, o conjunto de valores e critérios de orientação da conduta, que levam o indivíduo a perceber a existência como digna de ser vivida, em vista de uma participação positiva na realidade social. Transpondo essa relação para o consumo, justifica-se a consideração feita por Cunha (2004) de que a família apresenta-se como uma importante organização de compra de produtos de consumo na sociedade, sendo, constantemente, alvo de apelos promocionais. Cunha (2004) também ressalta que o comportamento de compra da família é um processo coletivo e os participantes não se limitam à simples busca de informações, valendo-se também da troca de opiniões e participação ativa.

Apresentadas as questões que envolvem a família como unidade consumidora e um espaço em constante transformação, incorporam-se as orientações de Strauber (2005) para discutir a juventude como uma de suas categorias, gerada no centro de tais transformações e protagonista de muitos alvos de consumo. Nesse sentido, discutir-se-á na próxima seção um fenômeno que assola as classes médias urbanas - a geração canguru -, que representa jovens que adiam a saída da casa de seus pais e que compõem um nicho de consumidores com alto poder aquisitivo.

3 Geração canguru: algumas questões que envolvem família e consumo

A sociedade contemporânea é marcada por profundas mudanças na instituição familiar, que resultaram em muitos desafios, bem como novas configurações. Acompanhando este processo, aparece a juventude, que segundo Strauber (2005), pode ser considerada uma constante protagonista do mundo capitalista por ser sempre cortejada pela mídia, disputada pelo comércio, cultivada em estufa pela escolarização, estendida e afastada do contato com modelos tradicionais, e que assimila, assim, estilos de vida moldados por essas agências de socialização. Complementando essa visão, Henriques et al. (2004) também salientam que a juventude, maleável e plástica por excelência, é o objeto preferido da cultura de mercado, orientando a produção de muitos bens.

Perante esse contexto, Ferreira (2004) destaca o mercado jovem como um segmento que apresenta um grande potencial de consumo, cujas características comportamentais estão em constante evolução. No entanto, para se compreender a juventude em suas múltiplas determinações e expressões, ela deve ser pensada como um “fenômeno plural” intimamente ligado às condições materiais e simbólicas do meio (BARBIANI, 2007; STRAUBER, 2005).

Nessa perspectiva, em que a juventude confirma-se sob uma diversidade cultural e não como uma categoria unívoca, a geração canguru insere-se como um recorte desse contexto social. A geração canguru – assim nomeada pela mídia por sua analogia com o mamífero marsupial australiano, cuja fêmea abriga os filhos em uma bolsa ventral – distingue-se da geração de seus pais, pelo adiamento da saída da casa paterna e pelo conseqüente prolongamento da convivência familiar (HENRIQUES et al., 2004).Além disso, a geração canguru é um fenômeno inerente às famílias de classe média e abarca jovens adultos de ambos os sexos.

Para Carrano (2001), o fenômeno social intitulado de geração canguru incorpora jovens que moram com os pais e que não vêem perspectivas de sair de casa, mesmo com a união conjugal ou gravidez, evidenciando, assim, um quadro de restrição voluntária à autonomia. Nesse sentido, Henriques et al. (2004) nomeiam esse universo como uma categoria de jovens/adultos, que apesar de terem alcançado uma faixa etária identificada com a conclusão dos estudos de graduação universitária e estarem aptos para uma vida profissional, em alguns casos, até mesmo com independência financeira, preferem continuar vivendo com pais, o que os leva a uma situação de dependência.

Comparada à geração de seus pais, os jovens “cangurus” adotam um comportamento totalmente contrário (HENRIQUES et al., 2004; FICHTNER, 2004; LOPES, 1999), visto que retardam ao máximo a sua autonomia e a independência familiar, enquanto seus antecedentes travaram verdadeiras lutas, quebraram regras, saíram da casa de seus pais no intuito de conquistarem os ideais libertários, sexuais e ideológicos que permeavam o universo jovem dos anos 50/60. Por outro lado, a geração canguru deve ser compreendida como um fruto desse movimento exercido pela “geração paz e amor”. Ao romper com alguns valores tradicionais da época, dentre eles a centralização e a hierarquia, a geração anos 60 semeou um novo projeto de vida familiar, com mais diálogo, igualdade, liberdade sexual, que são alguns dos fatores essenciais para que os jovens “cangurus” permaneçam na casa de seus pais.

Para Henriques et al. (2006) e Rezende (2004), a geração canguru apresenta-se como um fenômeno sociológico freqüente nos estratos médios e superiores da sociedade, que se justifica devido ao quadro de relativa abundância que estas possuem, o que tende a inibir assim motivações econômicas para uma vida melhor, que são bastante comuns em classes sociais menos favorecidas.

Já Azevedo (2007) alerta que o simples fato de uma pessoa morar com o pai ou com a mãe não faz com que ela se enquadre no rótulo "geração canguru". Entre as características que envolvem a geração canguru, Henriques et al. (2004) destacam, com base em uma pesquisa realizada como jovens adultos do Rio de Janeiro, alguns fatores intra-familiares e extra-familiares que explicam o prolongamento da permanência dos jovens adultos na casa paterna. Para compreender esses fatores, esses autores remetem a alguns elementos constitutivos do indivíduo contemporâneo, tais como: a incerteza, a instabilidade, o imediatismo e a insegurança. Com relação aos fatores extra-familiares, o mundo do trabalho aparece como cerne dessa discussão. Questões como investimento constante na vida profissional, dificuldade de inserção no mercado do trabalho, desemprego, avanço da tecnologia e globalização orientam o dia-a-dia dos jovens adultos, além de serem profundamente marcados por relações de instabilidade e insegurança.

Diante dessas colocações, verifica-se que os jovens dessa geração não são frutos do acaso, mas, pelo contrário, seu comportamento é decorrente de um mercado cada vez mais competitivo (DURAN, 2007). Por outro lado, a família aparece como uma instância mediadora entre esse domínio do mercado e o indivíduo, assumindo, assim, um espaço de mutualidade, amizade e apoio.

Desse modo, a família comparece como o locus de encontro das condições materiais e simbólicas de coexistência dos jovens e mediadora do trânsito privado-público-privado, que é permeável tanto por convocatórias locais quanto globais (BARBIANI, 2007). Como conseqüência, observa-se uma horizontalização nas relações familiares ou até mesmo uma neutralização da hierarquia, que segundo Henriques et al. (2004) representa uma abertura ao diálogo, posturas de companheirismo, ausência de limites, liberdade entre outros.

Além disso, Henriques et al. (2004) e Camarano (2003) destacam outros elementos que contribuem para a permanência dos filhos na casa dos pais: o pouco valor dado à independência individual; a diminuição dos conflitos geracionais ou a sua neutralização, ambivalência dos pais no que no que concerne à saída dos filhos de casa; a permissão para o sexo na casa dos pais; o conforto e o padrão de vida usufruídos na convivência familiar; o adiamento do casamento percebido nos dias atuais; as transformações ocorridas nos compromissos afetivos entre os pares (menos exigências e expectativas) entre outros.

Para compreender melhor essa protelação da convivência familiar, Henriques et al. (2004) demonstram essa questão sob o enfoque dos pais. Segundo esses autores, a saída dos filhos tende a ser um momento delicado no ciclo de vida familiar, uma vez que a experiência do “ninho vazio” é um fator sobrecarregado de carga emocional para a família, podendo até fragilizar o vínculo conjugal do casal. Portanto, a partir dessa realidade, os jovens adultos, ao adiarem a saída de casa, assumem o papel de guardiões da relação de seus pais, orientando-os também para um estilo jovem de vida.

Por outro lado, autores como Fichtner (2004), Strauber (2005) e Henriques et al. (2006) salientam que a permanência dos filhos adultos na casa dos pais pode afirmar-se como uma atitude de não-enfrentamento da dura realidade fora dos domínios da família, inibindo a sua independência. Além disso, a maioria por não contribuírem com orçamento familiar, pagando apenas as contas pessoais, retarda a idéia de responsabilidade. Dessa forma, ser jovem contemporâneo significa entrar na vida adulta cada vez mais tardiamente, o que demarca uma profunda alteração no modelo de socialização e aprendizagem dos papéis adultos.

Sendo os “jovens cangurus” uma referência da juventude, torna-se necessário apresentar alguns pontos de mediação entre esses atores sociais e a categoria consumo. Nesse sentido, como qualquer outra categoria jovem, a geração canguru é dominada pelo fetiche do consumo, sendo considerada um mercado atrativo para as empresas. Por não contribuírem com as despesas familiares, eles também compõem um nicho de consumidores com alto poder aquisitivo.

Diante da oferta cultural contemporânea, o consumo, como categoria, modula as sociabilidades juvenis e apresenta-se como uma nova forma do “ser coletivo”, dotado de sentidos de pertencimento e identidade (BARBIANI, 2007). Reforçando essa idéia, um estudo feito por Faith Popcorn (1997), citado por Ferreira (2004), indica algumas tendências que orientam o consumo jovem no mundo moderno, tais como: consumismo descarado; preferência por produtos de marcas; paixão por tecnologia; busca de entretenimento, estimulação e movimentação; experiência e aprendizado intermináveis; mobilidade (viagens); participação e observação de esportes.

Retornando ao universo da geração canguru, Mendonça (2006) destaca que os filhos adultos ao viverem com os pais, podem modificar o estilo de vida e o consumo da classe média. A colocação desse autor se justifica, uma vez que a permanência dos filhos promove na família alguns valores associados à idéia de juventude. Deste modo, “o ser e o estar jovem” que representam o desejo, a emotividade e a experiência de um tempo circular, podem afetar nas decisões de consumo. Além disso, os jovens adultos podem influenciar nas decisões de compras dos seus pais, por terem opiniões mais atualizadas e mais conhecimento sobre alguns produtos, principalmente no que se refere à compra de bens duráveis.

Dessa forma, torna-se relevante o estudo dos “jovens cangurus” sob a perspectiva do comportamento do consumidor, uma vez que suas necessidades, desejos e motivações podem ser influenciadas pelo prolongamento da convivência familiar. Além disso, a geração canguru é capaz de modificar alguns estágios do ciclo de vida familiar, pois o adiamento da saída dos filhos da casa paterna posterga eventos como o casamento, amplia a fase do ninho cheio e adia o estágio do ninho vazio, interferindo nas atividades de consumo da família.

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