Espacios. Vol. 24 (2) 2003

Avaliação de impactos sociais de programas tecnológicos na agricultura do estado de São Paulo

Evaluación de impactos sociales de programas tecnológicos en la agricultura en el estado de Sao Paulo

Social Impact of Technological Programs in Agriculture, Sao Paulo

Maria Beatriz M. Bonacelli, Mauro Zackiewicz y Adriana Bin


3.2. Impactos sociais do Programa de produção de borbulhas e mudas sadias de citros

O Programa de Produção de Borbulhas e Mudas Sadias de Citros também apresenta como principal característica um impacto social positivo ainda não muito alto. Entretanto, diferentemente do Procana, a aderência da tecnologia é significativa para esse caso, sugerindo uma relação efetiva entre o programa e o impacto medido.

Os componentes de capacitação do trabalhador são os mais impactados pelo programa, tanto em relação a ensino formal como a treinamentos profissionais. Os viveiros telados utilizam equipamentos mais sofisticados que os viveiros abertos, principalmente para irrigação e fertilização, além de exigirem cuidados especiais visando a fitossanidade das mudas. Em alguns casos, verificou-se também que a transição dos viveiros abertos para os telados levou à internalização de algumas atividades anteriormente terceirizadas, como a enxertia, caracterizando também a necessidade de qualificação. Todos esses fatores passaram a exigir trabalhadores mais capacitados, em funções específicas e no ensino formal, sendo esse último principalmente um input para o melhor aproveitamento dos treinamentos oferecidos. Nota-se ainda que além da opção na contratação por trabalhadores mais qualificados, existem incentivos por parte dos viveiristas estimulando a capacitação dos trabalhadores já contratados.

Um dos exemplos da existência de ambigüidades nas medidas de impactos para as diferentes dimensões de viveiros apresenta-se no aspecto capacitação do trabalhador, pois o impacto é sensivelmente maior para pequenos e médios viveiristas. As respostas abertas indicam que na medida em que aumenta o tamanho dos viveiros e, conseqüentemente, o número de funcionários dos mesmos, mais se estabelece uma divisão clara de tarefas. Em função disso, passa a existir uma diferenciação entre um grupo reduzido de trabalhadores que necessita de maior qualificação frente a uma maioria de trabalhadores que não necessita dessa qualificação por serem responsáveis por tarefas mais fáceis e não especializadas. Assim, enquanto para os pequenos viveiristas entrevistados verifica-se um grande aumento no nível de escolaridade dos funcionários e na participação dos mesmos em treinamentos (fatores totalmente relacionados com a introdução dos viveiros telados), para os grandes, o aumento moderado na escolaridade não possui relação tão direta com o viveiro telado, enquanto apenas uma parte do grande aumento na participação dos funcionários em treinamentos é atribuída à produção de mudas em estufas.

Retomando a análise para a amostra como um todo, verifica-se também um impacto social importante do programa nas condições de trabalho, principalmente no componente periculosidade. O impacto positivo revela que houve diminuição no número de trabalhadores feridos com a introdução dos viveiros telados, justificada pela diminuição no uso de algumas ferramentas (como a enxada), pelo não contato com o solo (e eventualmente com animais peçonhentos, como escorpiões) e pelo aumento no uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Naturalmente, nota-se também impacto positivo no componente práticas preventivas, revelando uso de EPIs (para evitar contaminações e acidentes) e as preocupações fitossanitárias, decorrentes da mudança de postura das empresas e do atendimento a legislação pertinente. No caso do componente insalubridade, o impacto positivo é resultante de um balanço entre o trabalho em um ambiente protegido (sem chuva, sol e contato com o solo), realizado de pé (já que as mudas estão nas bancadas e não mais no chão) e, em grande parte dos casos, sujeito a altas temperaturas.

As condições de emprego são também impactadas positivamente pelo programa avaliado. Ressalta-se novamente a influência do componente ensino formal, devido à opção dos viveiristas pela contratação de pessoal mais qualificado. No que se refere a postos de trabalho, verifica-se o aumento em serviços não agrícolas e a diminuição em empregos agrícolas. No primeiro caso, trata-se das exigências dos viveiros telados em termos de infra-estrutura (tela, plástico, chão, bancadas), equipamentos (irrigação e fertilização) e insumos (substrato, fertilizantes, pesticidas), enquanto no segundo caso trata-se do aumento da produtividade do trabalho nos viveiros telados. Nitidamente percebe-se que os viveiros telados produzem uma quantidade muito maior de mudas em espaços menores, exigindo também um número menor de trabalhadores quando em comparação com o viveiro de campo. No entanto, para grande parte dos entrevistados, a transição para o viveiro telado significou uma expansão nos negócios, tanto pelo aumento da produção quanto pela decisão de comercialização de mudas, anteriormente produzidas para consumo próprio (no caso dos produtores de citros). Assim, a diminuição no número de empregos agrícolas se mostrou menos significativa que o aumento na exigência de serviços não agrícolas, resultando em um índice positivo de aumento em postos de trabalho.
Nota-se ainda um moderado impacto social positivo verificado no universo da cultura de mudas de citros no Estado de São Paulo, decorrente tanto da transição para os viveiros telados quanto de outras causas. Não existe um único fator para argumentar acerca dessas outras causas, já que elas revelam apenas uma evolução geral da sociedade (com melhorias nas condições de cidadania, nos níveis de escolaridade da população e nos salários), da postura das empresas (via oferecimento de treinamentos, práticas preventivas, fixação de funcionários e diminuição do turnover) e às exigências da legislação (principalmente referentes à saúde ocupacional e cuidados fitossanitários).

A Figura 5 apresenta um gráfico do impacto social do Programa de Produção de Borbulhas e Mudas Sadias de Citros e do impacto social geral, com destaque também para o impacto nos quatro aspectos que compõem o primeiro nível da estrutura de impactos. As Figuras 6, 7 e 8 detalham os aspectos capacitação do trabalhador, condições de trabalho e condições de emprego em seus componentes básicos.

Considerações finais

O presente artigo apresenta duas contribuições fundamentais aos estudos de avaliação de impactos sociais de programas de pesquisa, programas tecnológicos e/ou tecnologias. A primeira delas revela-se por meio dos elementos metodológicos apresentados e a segunda por meio da aplicação desses elementos a dois programas tecnológicos de grande importância no universo da agricultura no Estado de São Paulo.

As principais contribuições metodológicas dizem respeito ao exercício de delimitação dos aspectos da realidade sobre os quais são mensuradas, num segundo momento, as transformações decorrentes do objeto da avaliação, a partir desse mesmo objeto e de seu contexto. Ao particularizar a avaliação a um determinado contexto, garante-se a adequação dos parâmetros escolhidos e a possibilidade de incorporar diferentes atores inerentes a esse contexto, captando sua percepção sobre as transformações ocorridas. Além disso, a organização dos aspectos escolhidos por meio de uma estrutura hierárquica de componentes permite a análise dos impactos em diferentes níveis de desagregação e síntese, facilitando possíveis recomendações ou decisões decorrentes do exercício.

Na avaliação de impactos sociais dos dois programas tecnológicos, observam-se resultados tanto na construção de uma estrutura de impactos sociais razoavelmente complexa e adequada ao universo da agricultura paulista, quanto na ampliação do conhecimento sobre os programas sob a ótica do bem estar dos trabalhadores. Nos dois casos, o maior destaque foi em termos de impactos sobre a capacitação dos trabalhadores, pelas maiores exigências de qualificação associadas à aplicação do pacote tecnológico no qual estão inseridas as novas variedades de cana e à implantação e produção de mudas de citros em viveiros telados. Destaca-se ainda que os dois programas apresentaram pequenos impactos negativos sobre a geração de empregos agrícolas: no caso do Procana pela maior colheitabilidade das novas variedades e possibilidade de aumentar a colheita mecânica frente à colheita manual; no caso do Programa Citros pelo grande aumento da produtividade associado à produção em viveiros telados. No universo da cana, a grande tendência tecnológica manifestada é justamente a de mecanização, reforçada por esse potencial de maior colheitabilidade das novas variedades. No universo da citricultura, a trajetória que se acentua é justamente a de produção de mudas teladas, sendo as demais causas de impactos sociais decorrentes de transformações sociais mais gerais, postura dos viveiristas e legislação.

Um elemento central da avaliação é, por conseguinte, o processo de aprendizado que ocorre paralelamente, já que o envolvimento de diferentes atores analisando distintos aspectos do conjunto dos impactos sociais na agricultura paulista revela e amplia o conhecimento desses mesmos atores sobre o objeto avaliado e sobre as relações entre esse objeto e seu contexto mais amplo.

Há, contudo, que se ressaltar que os casos avaliados serviram como um teste de validação da metodologia, sendo nítida a necessidade de ampliar a amostra (tanto no que diz respeito à incorporação de demais atores das cadeias produtivas e inovativas da cana-de-açúcar e da citricultura, quanto no número de entrevistados) e de refinar a estrutura de impactos sociais com a ampliação e revisão dos componentes selecionados. Além disso, são válidas as considerações sobre a flexibilidade da metodologia para ser adaptada e aplicada a outros setores (além da agricultura), a outras modalidades de programas tecnológicos e também sob outras perspectivas temporais (por exemplo, avaliação ex-ante), sem que, obviamente, se ignorem os pressupostos e objetivos do programa em análise, sua dinâmica, os atores envolvidos, as redes tecnológicas que vão se constituindo, o contexto onde está inserido, enfim, aspectos que fornecem elementos essenciais para avaliadores e tomadores de decisão frente a programas de pesquisa.

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