ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea)
https://www.revistaespacios.com Pag. 16
Vol. 43 (02) 2022 • Art. 2
Recibido/Received: 06/12/2021 Aprobado/Approved: 26/01/2022 Publicado/Published: 15/02/2022
DOI: 10.48082/espacios-a22v43n02p02
Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da
observação enquanto técnica de coleta de dados
Openly or clandestinely: scientific observation dilemmas as a data collection technique
SILVA, Jorge Luiz Dos S.
1
CORRÊA, Dalila A.
2
Resumo
O objetivo do artigo é lançar reflexões sobre o uso da observação enquanto técnica de coleta de dados
da pesquisa qualitativa. Questiona-se o papel e a posição do pesquisador ao emprega-la, situação que
alguns autores defendem o modo clandestino (observação disfarçada), e outros com base em princípios
éticos defendem o modo explícito (observação aberta). Espera-se que esta reflexão possa ampliar visões
sobre as nuances que permeiam tal técnica, seja no aspecto da ética da pesquisa científica, seja sobre a
reputação do pesquisador que a adota.
Palavras-chave: pesquisa qualitativa; observação direta; ética na observação direta
Abstract
This article aims to launch reflections on the use of observation as a data collection technique in
qualitative research. The role and position of the researcher when using it is questioned, a situation in
which some authors defend the clandestine mode (undercovered observation), and others, based on
ethical principles, defend the explicit mode (open observation). It is hoped that this reflection can
expand view son the nuances that permeate this technique, whether in the aspect of scientific research
ethics, or about the reputation of the researcher who adopts it.
Keywords: qualitative study; direct observation; ethics on direct observation
1. Introdução
No dia-a-dia, as pessoas quando observam estão procurando apreender aparências, eventos e/ou
comportamentos (Godoy, 1995) e isto faz com que a observação seja um dos meios mais frequentemente
utilizados pelo ser humano para compreender pessoas, coisas, acontecimentos e situações (Rudio, 2001). Além
de coletar informações e dados visualmente, “a observação envolve ouvir, ler, cheirar e tocar” (Cooper &
Schindler, 2016, p.173). Ela lança mão dos sentidos humanos para registrar certos parâmetros da realidade os
1
Doutor em Administração - Docente dos Cursos de Ciências Contábeis e Administração na Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações
(UNINCOR). E-mail: jluiztc@gmail.com
2
Doutora em Administração - Docente do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Engenharia da Produção da Universidade de
Araraquara (UNIARA). E-mail: dacorrea@uniara.com.br
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 17
quais são utilizados não apenas como um mero ouvir e ver, mas como um procedimento importante no exame
crítico de certos fatos da investigação (Bastos, 1999).
Através de uma perspectiva histórica pode-se constatar que nas Ciências Sociais a observação foi o recurso
metodológico básico da construção do conhecimento, sendo adotada pelos fundadores da Sociologia e, dessa
forma firmou-se como condição primária na investigação científica, tanto quanto possibilitou a aproximação
direta, entre o sujeito e o objeto encurtando o distanciamento entre eles. Sua origem remonta à Grécia antiga,
através de Aristóteles, onde se configurou como forma de construção do conhecimento na história do
desenvolvimento do pensamento científico. Porém, somente vários séculos depois, se estabeleceu como uma
metodologia, configurando o seu enraizamento no meio acadêmico. Outras denominações também estão
associadas a esta técnica, tais como observação participante, observação direta ou observação in situ (Jaccoud
& Mayer, 2014).
De acordo com estes autores, desde a sua fase inicial, a técnica tem sido objeto de debates entre os
pesquisadores das Ciências Sociais, os quais questionam a sua validade enquanto procedimento de coleta de
dados. No entanto, este debate também inclui uma questão de natureza ética lançada sobre a posição e o papel
de quem a pratica.
Como resposta ao embate, os pesquisadores passaram a produzir relatórios de pesquisas com maior rigor
descritivo para explicitar as condições em que os procedimentos da coleta de dados estavam sendo
desenvolvidos, mas a questão ética permaneceu.
O presente artigo, de natureza teórica, tem como objetivo lançar reflexões sobre o uso da observação enquanto
técnica da pesquisa qualitativa. Como ponto central discute-se o papel e a posição do observador durante o
emprego dela no processo de coleta de material empírico, bem como, o impacto desta postura na construção
de conhecimento. Isto justifica o questionamento de natureza ética adjacente, ou seja, ao modo como o
pesquisador/observador se insere no campo de pesquisa - contexto que alguns teóricos defendem um
posicionamento passivo (observação clandestina), enquanto outros defendem o posicionamento ativo
(observação aberta), em relação ao objeto observado e pela compreensão de que isto tem potencial para
influenciar os resultados de uma pesquisa. As críticas, vantagens e desvantagens destes posicionamentos são
apresentadas para ambas as modalidades.
Desse modo, a perspectiva do artigo pode ser expressa pela seguinte pergunta dirigida ao
pesquisador/observador: O que você faz, quando ninguém te vê fazendo, e o que você queria fazer, se ninguém
pudesse te ver, influencia os resultados de suas ações? O alcance desta reflexão circunscreve-se no campo da
ética em pesquisa qualitativa que adota a observação como uma de suas técnicas de coleta de dados.
O artigo está estruturado por esta introdução que aborda a observação como um recurso metodológico básico
da construção do conhecimento, e mais cinco seções: a segunda introduz conceitos sobre as características chave
da pesquisa qualitativa, seu processo de coleta de dados e, a relação pesquisador/(observador e objeto. A
terceira seção trata a observação enquanto técnica de coleta de material empírico. A quarta seção aborda a
questão ética inerente ao pesquisador e, a quinta, o seu papel e seu posicionamento no processo da coleta. A
sexta seção, apresenta as conclusões.
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 18
2. Pesquisa qualitativa e coleta de dados
A pesquisa qualitativa tem como foco de estudo a dinâmica dos processos vivenciados pelas pessoas, onde a
preocupação do pesquisador está no aprofundamento da compreensão dessa dinâmica, seja de um grupo social,
de uma organização, de uma instituição, de uma comunidade, de uma trajetória, dentre outros objetos
(Goldenberg, 2004). Neste contexto, ela lida com informações não numéricas e sua interpretação
fenomenológica, posto está inextricavelmente ligada aos sentidos e subjetividade humanos contexto onde as
emoções e as perspectivas dos sujeitos são consideradas essenciais e inevitáveis, se não valiosos, pois
invariavelmente, segundo Leung (2015) adicionam dimensões e cores extras para enriquecer o corpus das
descobertas.
A abordagem qualitativa, enquanto exercício de pesquisa, não se apresenta como uma proposta rigidamente
estruturada, assim, ela permite que a imaginação e a criatividade levem os investigadores a propor trabalhos
que explorem novos enfoques (Godoy, 1995). Enfoques que poderão ser concretizados através de uma espécie
de bricolagem criadora, construindo o objeto da pesquisa a partir dos dados colhidos, explorados, traduzidos e
constituídos (Morvan, 1989) apud (Poupart et al. 2014), buscando respostas para questões sobre como, onde,
quando, quem e por que, com uma perspectiva de construir uma teoria ou refutar uma existente (Leung, 2015).
Assim, ela considera a existência de uma relação entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência entre
este e o objeto, um vínculo indissociável entre objetividade (mundo objetivo) e subjetividade (sujeito).
Conforme comenta Chizzotti (1995, p. 79) o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento
e “interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está
possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações”.
Segundo Minayo (1994) a pesquisa qualitativa se preocupa comum nível de realidade que não pode ser
quantificado, que ela trabalha com o universo de significados, motivações, aspirações, crenças, valores e
atitudes. Nesta perspectiva, Goldenberg (2004) afirma que os dados qualitativos consistem em descrições
detalhadas de situações, com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos, não existindo
parâmetros e passos regrados a serem seguidos, pois estes dados não são padronizáveis. Assim, o resultado de
uma boa pesquisa também está associado aos atributos do pesquisador.
Creswell (2014) considera que o processo da coleta de dados envolve aspectos sobre obter permissões, conduzir
uma boa estratégia de amostragem do campo empírico, registrar informações e prever questões éticas que
possam surgir. Além disso, o autor orienta os pesquisadores a usarem outros métodos inovadores de coleta de
dados, além das entrevistas e observações padrão. Para Poupart et al. (2014) a negociação por ocasião da coleta
de dados ajuda a quebrar a resistência das pessoas ou grupos que serão pesquisados e, faz parte das estratégias
que possibilitam uma coleta mais ampla, mais honesta, mais profunda e isto se articula com aspectos éticos da
pesquisa.
Assim, a etapa em que os dados são coletados é descrita por Rudio (2001, p. 111), como “a fase da pesquisa cujo
objetivo é obter informações da realidade, e sobre ela produzir conhecimento”. Marconi e Lakatos (2003)
complementam afirmando que esta etapa da pesquisa é cansativa e exige do pesquisador paciência,
perseverança e esforço pessoal, além de muito cuidado no registro dos dados e de um bom preparo anterior.
Para Creswell (2014), esta fase integra uma série de atividades inter-relacionadas, e entre as questões éticas que
devem ser observadas nesta etapa destaca a orientação para acatar as regras do local e perturbar o menos
possível; evitar enganar os participantes; respeitar desequilíbrios potenciais de poder; não “usar” os
participantes como meros informantes e, deixar de dar algum tipo de retorno para os mesmos na forma de uma
retribuição.
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 19
Neste tipo de pesquisa a validade dos instrumentos de coleta de dados é julgada pela capacidade de fazer
emergir informações desejadas decorrentes de procedimentos metodológicos eficientes e éticos. Uma vez que
pesquisa se faz no campo de pesquisa é necessário respeitar as características do contexto social em que ela
ocorre (Marshall & Rossman, 1989; Deslauriers & Kérisit, 1992) apud (Poupart et al., 2014); Silva & Fantinel,
2014).
Na visão de Goldenberg (2004) todos os problemas, decorrentes do envolvimento intenso com o objeto de
estudo precisam ser controlados pelo pesquisador. Adverte o autor que quanto mais intensa é esta relação,
maior a necessidade de um distanciamento do pesquisador, situação que Deslauriers (1991) apud (Jaccoud &
Mayer, 2014) chama de modelo de passividade”, onde quem observa colhe os dados com a nima intervenção
possível, estando o sujeito e o objeto dissociados, que o afastamento da subjetividade de quem olha,
possibilita diminuir, e mesmo acabar com os riscos de contaminação, onde os fatos falem de si mesmo. Contudo
Jaccoud & Mayer (2014) advertem que esse distanciamento pode levar o pesquisador a ilusão da neutralidade
do sujeito como via de acesso ao saber.
Ainda sobre o distanciamento do pesquisador, Goldenberg (2004), afirma que é necessário para ajudá-lo a
refletir sobre cada dificuldade encontrada, que com certeza, terá de enfrentar. Desse modo, cada pesquisador
deve ter bom senso e criatividade para encaminhar as soluções a cada situação. A autora conclui que a
experiência e a maturidade do pesquisador são fatores determinantes para que a pesquisa seja bem sucedida.
No problema de interferências, sob o signo de uma superposição entre o sujeito e o objeto, chamado de “modelo
da impregnação”, o saber é produzido pela integração e participação do pesquisador com o meio estudado,
permitindo-o chegar à compreensão da realidade pesquisada, através do interacionismo simbólico (Chauchat,
1985) apud (Jaccoud & Mayer, 2014).
Sobre o interacionismo simbólico, Chizzotti (1995, p.85) comenta que ele rejeita “o modelo de pesquisas
quantitativas e os conceitos de causalidade e rigor mensurável das pesquisas experimentais para investigar o
sentido que os atores sociais dão aos objetos, pessoas e símbolos com os quais constroem o seu mundo social”.
Assim, na abordagem interacionista a perspectiva adotada pelo grupo na interpretação dos resultados de suas
investigações, enfatiza a natureza social e interacional da realidade, e reconhecem que todas as opiniões,
públicas ou privadas, são um produto do meio, o que faz com que, o papel do pesquisador seja o de captar a
perspectiva daqueles por ele entrevistados (Godoy, 1995a)
Para Goldenberg (2004) o interacionismo simbólico destaca a importância do indivíduo como intérprete do
mundo que o cerca, priorizando o seu ponto de vista, buscando compreender as significações que os próprios
indivíduos põem em prática para construir seu mundo social, dessa forma, o meio mais adequado para captar a
realidade é aquele que propicia ao pesquisador ver o mundo através dos olhos dos pesquisados.
Segundo Jeon (2004) os interacionistas argumentam que, para alcançar uma compreensão plena do processo
social, o investigador precisa se apoderar dos significados que são experienciados pelos participantes em um
contexto particular. Desta forma, e segundo Jaccoud & Mayer (2014), quem pesquisa pode dar conta da
realidade dos atores, que o mesmo tem acesso às suas perspectivas, vivendo as mesmas situações ou os
mesmos problemas. Portanto, compartilhar a vida das pessoas é condição essencial para apreender seus mundos
simbólicos. Assim, na visão de Chizzotti (1995) a pesquisa não pode ser o produto de um observador postado
fora das significações que os indivíduos atribuem aos seus atos; deve, pelo contrário, ser o desvelamento do
sentido social que os indivíduos constroem em suas interações cotidianas.
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 20
Na observação direta, o problema de interferência entre observador e objeto, chamado de “modelo da
interação”, que se configura como um procedimento construtivista, o distanciamento objetivo é impossível, pois
a manutenção de uma posição de exterioridade adotada pelo observador paralisa a pesquisa (Chauchat, 1985)
apud (Jaccoud & Mayer, 2014).
Neste caso, a subjetividade não mais se constitui num obstáculo, e sim numa contribuição, assim, a equação
pessoal é a unidade de medida e o núcleo de todo procedimento cognitivo, onde o estudo do observador e não
mais do sujeito, constitui a via de acesso à essência da situação observada (Devereux, 1980; Della Bernadina,
1989) apud (Jaccoud & Mayer, 2014). Desse modo, o modelo da interação se posiciona diferentemente ao
adotado no modelo de impregnação quanto à interferência entre o observador e o objeto observado.
3. A observação como técnica de coleta de material empírico
Na observação direta o pesquisador pode assumir diversas escolhas quanto à sua atitude ou à sua posição em
relação ao objeto. Isto porque num modelo tomado das ciências naturais, denominado “modelo empírico-
naturalista”, a observação é vista como uma abordagem basicamente explicativa ou objetiva, com ênfase mais
na descrição do que na explicação. Em qualquer das abordagens, o modelo naturalista reduz a observação a uma
técnica de coleta de dados materializados em fatos e contribui para a objetivação ou explicação das atividades
dos pesquisados e das experiências que eles vivenciaram (Della Bernadina, 1989; Chapoulie, 1984; Laperrière,
1984) apud (Jaccoud & Mayer, 2014).
No “modelo interpretativo” (Emerson, 1981), ou subjetivista (Laperrière, 1984), de acordo com Jaccoud & Mayer
(2014, p. 260), busca-se a “distância da descrição dos fatos materiais ou materializados, para apreender as
significações que os atores sociais atribuem aos seus atos”. Nesse modelo é o sentido que constitui o objeto de
uma sondagem, buscando-se interpretar mais do que explicar, e de descobrir modelos mais do que leis, o que
faz com que, o modelo interpretativo vise menos o distanciamento do que a subjetividade como modo de
apreensão do social (Lowry, 1981) apud (Jaccoud & Mayer, 2014).
Na pesquisa qualitativa, a observação é uma das ferramentas-chave para a coleta de dados, onde o observador,
por meio dos seus cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar), deve observar um fenômeno no
contexto do campo (Angrosino, 2007) apud (Creswell, 2014). Para Rudio (2001) numa visão mais simples,
observar é aplicar os sentidos a fim de obter uma determinada informação sobre algum aspecto da realidade.
Cooper & Schindler (2016) colocam que o valor da observação é coletar dados originais no momento em que
ocorrem, sem depender de relatórios de terceiros, e também poder, por si só, captar o evento completo à
medida que ocorre em seu ambiente natural. Para Creswell (2014) é possível observar o ambiente físico, os
participantes, as atividades, as interações, as conversas e os seus próprios comportamentos.
Na visão de Da Silva (2013) o ato de observar é fundamental para desenvolver as capacidades humanas, e na
essência é o mecanismo que possibilita um ciclo de identificar, conhecer, reconhecer e proporcionar a síntese
frequente sobre o conhecimento dos fenômenos que nos cercam. Contudo, Vianna (2003) assevera que o grau
de influência do observador deve ser levado em consideração, pois sua presença pode modificar o contexto ou
mesmo a situação a ser observada.
Assim, nas pessoas pode-se diretamente observar suas palavras, gestos, comportamentos manifestos e não
manifestos, e ações. Indiretamente, observam-se os seus pensamentos e sentimentos, desde que se manifestem
na forma de palavras, gestos e ações (Rudio, 2001). Os cientistas sociais, através da observação, buscam
compreender os valores, crenças, motivações e sentimentos humanos, compreensão que pode ocorrer se a
ação é colocada dentro de um contexto de significado (Goldenberg, 2004). Por isso a observação atenta aos
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 21
detalhes põe o pesquisador dentro do cenário, para que possa compreender a complexidade dos ambientes
psicossociais, ao mesmo tempo em que lhe permite uma interlocução mais competente (Zanelli, 2002).
Para Da Silva (2013) observar pessoas é muito mais difícil, porque elas observadas por sua vez também observam.
Para Jaccoud & Mayer (2014, p. 263) neste caso “os papéis são, assim, intercambiáveis: cada um é para sí mesmo
o observador e o observado para o outro”. Ainda segundo Da Silva (2013), os observados podem não querer ou
não gostar disso, ou podem dissimular a forma de ser e estar no mundo decorrente do momento em que se
encontra e se percebe vigiado. Portanto, para observar pessoas é preciso ter, além de um apurado bom senso,
critérios bem definidos, método e técnicas, e principalmente, ética.
4. A ética do pesquisador no contexto da observação
As pesquisas referentes a indivíduos ou grupos sociais são sensíveis às questões éticas (Poupart et al., 2014). A
ética da pesquisa está relacionada à adequabilidade do comportamento do pesquisador em relação aos sujeitos
da pesquisa ou àqueles que são afetados por ela (Gray, 2012).
Partindo desse pressuposto considera-se importante refletir sobre as definições e conceitos de ética aplicados
no uso da técnica observação em pesquisa qualitativa, principalmente pelo fato de os valores éticos terem
sofrido modificações de acordo com as épocas históricas, idéias filosóficas e conquistas científicas. Desse modo,
as situações práticas necessitam de diretrizes efetivas que determinem o caminho a ser seguido, que, de
acordo com Severino (2015), em qualquer tempo e espaço de decisão sobre o agir humano, sempre estão
simultaneamente envolvidos um sentido conceitual e valorativo, bem como uma mediação concreta e prática.
Esses dois polos interpelam, ao mesmo tempo, a vontade dos sujeitos que precisam tomar as decisões. Pode-se
assim, considerar que maior será a necessidade de se implementar formas de controle social e ético sobre as
atividades da ciência.
Frente a isto, aborda-se a ética normativa que está relacionada à pesquisa. Para Gray (2012) ela é constituída
pelas perspectivas deontológica e teológica.
A deontológica, que significa dever ou obrigação, afirma que os fins nunca justificam os meios, de forma que os
princípios éticos nunca deveriam ser comprometidos. Nessa perspectiva duas posições convivem: (a) a
universalista que afirma a permanência dessas regras ou princípios (os quais nunca deveriam ser rompidos), e
(b) a contingencial ou relativista que considera a variabilidade dessas regras ou deveres, podendo mudar
conforme o contexto social, entre as comunidades ou grupos profissionais e países.
A perspectiva teológica considera que a moralidade dos meios só pode ser julgada no contexto daquilo que está
sendo obtido. A visão universalista da perspectiva teológica afirma que seguir um conjunto universal de regras é
legitimo se levar aos fins desejados, ou seja, utilitarismo das regras. Contudo, a visão contingencial da perspectiva
teológica sustenta que os atos devem ser julgados puramente com base em seus resultados, ou seja, os fins
sempre justificam os meios. Isto é, utilitarismo dos atos.
Partindo do pressuposto que o pesquisador desenvolve suas atividades num cenário social marcado por
exacerbado relativismo moral, ele se diante de um conflito entre exigências de legitimação ética de seu
trabalho e as pressões do mundo do mercado, contexto uterino em que se a vida humana na
contemporaneidade (Severino, 2015). Na visão de Leite (2012) as pressões e influências sofridas pelo
pesquisador podem vir de diversas fontes e gerar práticas de pesquisas discutíveis, o que para Schneider (2005)
apud Rocha et al., (2012) faz com que muitos trabalhos sejam publicados com dados imaturos e de qualidade.
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 22
Severino (2015) considera que na divulgação e na publicação dos resultados, como difusor do conhecimento que
produz, o pesquisador enfrenta desafios éticos consideração que também foi apontada por Spink (2012).
Para este autor, o enfrentamento ocorre em função (a) de estímulos econômicos e das pressões criadas pelos
próprios pesquisadores na busca por recursos, (b) das posições acadêmicas e (c) das universidades preocupadas
com suas posições em um cenário educacional totalmente competitivo.
Padilha et al. (2005) argumentam que a ciência vem se tornando cada vez mais uma força produtiva e social,
provocando o progresso econômico-social e conquistas tecnológicas, por isso, o seu uso pode trazer grandes
bens ou espantosos males para a humanidade. Desta forma para Spink (2012), o desafio decorre da crescente
subordinação de certas áreas científicas à poderosos grupos econômicos privados que tem os meios para
direcionar atividades e criar exclusividade.
Nesta perspectiva, o cientista deve assumir a responsabilidade pela criação e utilização do seu saber,
independente das pressões do mundo do mercado. Oliveira & Piccinini (2009) apud Leite (2012) salientam que,
não apenas o que o pesquisador produz se torna importante, mas também suas próprias ações, com destaque
para a integridade ética na coleta, análise e apresentação dos resultados, e as possíveis consequências para os
sujeitos envolvidos na pesquisa.
A expressão “mundo do mercado” empregada por Severino (2015) visa designar todas as injunções que nascem
das complexas relações que ocorrem no modo de vida na sociedade, permeada por uma valoração pragmática e
comercial, onde tudo assume um valor de troca sobreposto ao valor de uso, tendendo a ser apreciada
prioritariamente por seu valor econômico e não por sua qualidade existencial, comprometendo, assim, a
eticidade de tais condutas nas pesquisas.
Ainda sobre a valoração comercial e a conduta ética do pesquisador, Santos & Silva Neto (2000) citados por Leite
(2012) argumentam que os casos de má conduta ética dos pesquisadores podem ser resultantes das motivações
e ambições dos mesmos frente ao sistema competitivo no qual se realiza a atividade científica e frente à ideologia
do sucesso, e amesmo por puro orgulho, gerando disputas e rivalidades, o que pode ocasionar a fabricação
de dados, fraudes, plágio e até mesmo roubo de idéias, o que prejudica a própria ciência.
A título de exemplo recorre-se à Zorzetto (2011) que cita a manipulação de dados e de conduta antiética num
estudo realizado pelo cirurgião gástrico Andrew Wakefield e outros 12 autores, publicado em 1998 na revista
Lancet, uma das revistas médicas mais influentes no mundo. Os resultados veiculados relatavam que a vacina
tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) poderia levar ao desenvolvimento de autismo.
Ainda de acordo com Zorzetto (2011) especialistas da área médica questionaram os dados do estudo de
Wakefield, à época, porém o estrago estava feito, pois o medo de que a vacina causasse autismo se alastrou por
vários países, fazendo com que o número de vacinações de crianças, diminuísse na Grã-Bretanha em 2003, e em
2008 o sarampo voltou a ser uma doença endêmica na Inglaterra e no País de Gales. Na investigação do caso,
Brain Deer obteve em 2004, evidências de fraude no trabalho de Wakefield e socializou isto a comunidade
científica. A partir de então, o CMGB - Conselho Médico Geral Britânico iniciou um processo contra Wakefield e
os outros autores, o que permitiu reconstruir a farsa. Deer provou que Wakefield agiu deliberadamente o tempo
todo.
Zorzetto (2011) argumentou que, Wakefield não era contrário à vacinação infantil, e sim ao uso da tríplice viral,
já que ele próprio tinha a patente de uma vacina contra sarampo. Neste caso, embora o CMGB tenha julgado a
adequação ética da pesquisa de Wakefield, foi o pesquisador Deer quem demonstrou que, os sinais clínicos
apresentados no artigo da Lancet, não foram os mesmos relatados pelos pais das crianças. Apesar das evidências
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 23
de fraude, somente em 2010 o CMGB cassou a licença médica de Wakefield e a Lancet anulou o artigo publicado
em 1998.
Na perspectiva de Vázquez (2014, p. 23) “a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em
sociedade. Ou seja, é a ciência de uma forma específica de comportamento humano”. Para Padilha et al. (2005)
o espaço da ética é o espaço do corpo histórico e da liberdade, de forma que esteja sempre presente, no âmbito
da pesquisa, a liberdade de escolha do pesquisador e do pesquisado, a qual não é exterior à ética, que Brown
(1993) define como o processo de decidir o que deve ser feito.
Vázquez (2014, p. 24) coloca que a ética e moral se relacionam, sendo que a moral se refere “ao comportamento
adquirido ou modo de ser conquistado pelo homem [...] e a ética significa “modo de ser” ou “caráter” enquanto
forma de vida também adquirida ou conquistada pelo homem”.
Dessa forma, a ética pode ser entendida como a ciência voltada para o estudo filosófico da ação e da conduta
humana, considerada em conformidade ou não com a reta razão (Arruda, Whitaker & Ramos, 2001). Ela
estabelece padrões sobre o que é bom ou ruim na conduta e na tomada de decisão (Leite, 2012). Também é
percebida como “a disciplina filosófica cujos objetos são os juízos de apreciação quando se aplica à distinção do
bem e do mal” (Durozoi & Roussel, 1996, p.171). Navisão de Churchill, Brown & Suter (2011, p. 35) “ética é o
conjunto de princípios e valores morais que regem a forma como um indivíduo ou um grupo conduz suas
atividades, aplicando-se a todas as situações em que possa haver danos reais ou potenciais de qualquer tipo a
um indivíduo ou grupo”. Spink (2012) complementa que a ética na pesquisa científica não se reduz ao como
fazer, como comunicar e aos limites do que dizer, mas refere-se ao que foi investigado e para quem, senão
corremos o risco de ter uma ciência corretíssima, mas moralmente irresponsável.
Um exemplo de tal fato é apresentado por Churchill, Brown & Suter (2011) sobre tomada de decisões éticas
questionáveis em pesquisa de marketing. Os autores relataram que, a revista Forrester Research foi alvo de
críticas por conduzir e publicar estudo de comparação de produtos em que a Microsoft foi favorecida em relação
a um produto concorrente. Outro caso foi da People Soft que teve os níveis de satisfação julgado mais altos
perante produtos de várias concorrentes. A pesquisa foi conduzida adequadamente, mas a credibilidade da
Forrester Research foi questionada uma vez que, em um primeiro momento, ela deixou de divulgar que foram a
Microsoft e a People Soft que financiaram a pesquisa.
Neste contexto, Churchill, Brown & Suter (2011, p.35) comentam que muitos pesquisadores não ponderam se
um fato é moralmente aceitável para procederem de determinada forma, “muitos pensam que se uma ação é
legal, ela é ética [...] mesmo entre aqueles que compreendem o fato muitos parecem não avaliar implicações
éticas em suas decisões”. Assim, para os autores, alguns pesquisadores desconsideram esta preocupação, outros,
consideram mais fácil ignorá-la.
Padilha, et al. (2005), também consideram que no exercício da atividade científica, não justifica mais ao cientista
alienar-se dos resultados e consequências das suas pesquisas, devendo tornar-se responsável pela criação e
utilização do seu saber. Sobre este aspecto, Jaccoud & Mayer (2014), recomendam ao pesquisador indicar com
clareza a finalidade do seu trabalho, a quem está afiliado, quem está financiando, a quem está prestando serviço,
apresentar a previsão da duração do estudo e o método, já que, os problemas ligados a ética se colocam desde
as primeiras etapas do trabalho de pesquisa. Portanto, conforme se pode concluir em Creswell (2014), as
questões éticas em pesquisas devem ser consideradas e refletidas em todas as etapas do seu processo.
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 24
5. O papel e a posição do pesquisador/observador na coleta de material empírico
No debate sobre o papel e a posiçãodo pesquisador/observador, na prática da observação direta, Poupart et al.,
(2014) aponta ao menos três tipos de lógica podem ser destacados na argumentação que guia a escolha de
estratégia da pesquisa: (I) lógica de pureza do objeto - que está relacionada à descrição ou explicação do meio,
tal qual ele é realmente; (II) lógica de acessibilidade ao objeto - que se relaciona à realização prática da pesquisa
em si; e (III) lógica de profundidade do objeto - que se refere à riqueza da profundidade do saber, ou seja, até
que profundidade mergulha-se na busca do saber. Contudo, segundo argumentam Jaccoud & Mayer (2014, p.
265) “uma mesma lógica pode subentender estratégias opostas, ou uma mesma estratégia pode ser justificada
por lógicas diferentes”.
Como herança das ciências sociais, e conforme comenta Jaccoud & Mayer (2014, p. 263) duas estratégias de
pesquisa por observação direta concorrem entre si: a estratégia de abertura que mantém a identidade do
pesquisador claramente estabelecida no processo da coleta de dados (passividade) e a “estratégia clandestina”
onde o pesquisador dissimula a sua identidade (clandestinidade). Entre estes dois extremos, diferentes nuances
ocorrem para determinar a posição e o papel do pesquisador. Passividade e clandestinidade são formas de lidar
com o problema da reflexividade inerente ao trabalho de campo, posto que tanto a posição como a ação do
pesquisador são, de certo modo, excluídas. Assim, alguns pesquisadores optam por uma estratégia clandestina
ou por uma estratégia de tipo passivo para fazer valer a lógica de verdade do seu objeto de pesquisa.
As lógicas da verdade de acesso ou de profundidade do objeto orientam diferentes estratégias de papeis do
pesquisador. Nesse artigo foi abordada a lógica da profundidade do objeto porque ela pode fazer uso tanto da
estratégia da clandestinidade como da estratégia aberta. Ela é guiada pela estratégia da clandestinidade quando
a dissimulação (disfarce) do papel do pesquisador e sua plena participação lhe possibilitariam o acesso a
informações privilegiadas (Caplow, 1970) apud (Jaccoud & Mayer, 2014). Além de, favorecer a condução de
estudos de observação disfarçados e não intrusivos com mais facilidades (Cooper & Schindler, 2016).
Contudo, a mesma lógica pode, ao contrário, justificar a opção por uma estratégia aberta aos que acreditam que
a dissimulação empobrece a riqueza das informações. Sendo assim, se o debate se articula em torno da
clandestinidade das observações, ele se reporta principalmente à “ética” desse procedimento. Porém, muitos
avaliam que o pesquisador na clandestinidade, não consegue tomar por completo, parte no processo de
produção dos dados, pois dessa forma ele não pode propor muitas questões, com medo de se expor e queimar
o terreno de pesquisa (Lofland, 1971; Emerson, 1981; Laperrière, 1984; Deslauriers, 1991) apud (Jaccoud &
Mayer, 2014).
A esse respeito Cooper & Schindler (2016, p. 180) comentam que os observadores usam a dissimulação para se
esconderem de seu objeto de observação fazendo uso de “meios técnicos que reduzem o risco de viés do
observador, mas levantam a questão da ética” . Para os autores, a observação oculta “é uma forma de
espionagem, e a adequação dessa ação deve ser examinada cuidadosamente”.
O distanciamento necessário, que permite ao pesquisador em sua interação com o campo de pesquisa dar conta
dos dados produzidos, seria prejudicado pela dissimulação (Jaccoud & Mayer, 2014). Por outro lado, de se
ressaltar, que a observação aberta apresenta vantagens, tais como a diminuição das tensões relacionadas às
questões éticas e uma maior mobilidade social do pesquisador (Laperrière, 1984) apud (Jaccoud & Mayer, 2014).
-se que a discussão referente aos aspectos éticos que perpassam a observação direta como procedimento de
coleta de dados na abordagem científica, está ligado à inserção do pesquisador no campo de pesquisa de modo
clandestino, defendida por alguns teóricos e criticado por outros, que relacionam as vantagens e desvantagens
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 25
em não explicitar aos pesquisados o que está acontecendo naquelas interações (Jaccoud & Mayer, 2014).
Contudo, a observação clandestina, pode ser o único meio de acesso nos casos de situações sociais complexas
ou de locais onde o acesso do pesquisador é quase impossível sem a dissimulação. Nesta situação é a lógica de
acessibilidade que orienta a estratégia (Jaccoud & Mayer, 2014).
Deslauriers (1991) apud Jaccoud & Mayer (2014) considera duas questões éticas sobre a observação: (a) a
divulgação, ou não, da identidade do pesquisador, (b) o debate sobre o direito à vida privada, de um lado, e
sobre o direito de trabalhar para o avanço da ciência, de outro.
Para Churchill, Brown & Suter (2011) ao julgar se uma ação proposta é ética ou não, é necessário adotar um ou
mais modelos de raciocínio moral e descrevem três métodos de raciocínio ético: a abordagem utilitária, de justiça
e dos direitos. A tomada de decisões na abordagem utilitária e de justiça concentra-se nas consequências dos
comportamentos, já abordagem dos direitos concentra-se na própria ação.
Na abordagem utilitária, Churchill, Brown & Suter (2011) focalizam a sociedade como a unidade da análise e
destacam as consequências de um ato para todos aqueles por ele afetados direta ou indiretamente, e sustentam
que o curso correto da ação é aquele que promove um bem maior para um número maior. Sendo assim, uma
pesquisa deveria levar em consideração todos os benefícios e custos para todas as pessoas afetadas pela ação
proposta, portanto, caso os benefícios superem os custos, então o ato é considerado moral e eticamente
aceitável.
Para Churchill, Brown & Suter (2011), na abordagem da justiça é levado em consideração se os custos e benefícios
de uma ação proposta foram ou não distribuídos de maneira justa entre os indivíduos e grupos, em caso positivo
pode-se dizer que a ação é considerada moralmente aceitável. Spers (2009) sustenta que as decisões morais
devem ser baseadas em padrões de equidade, justiça e imparcialidade. Churchill, Brown &
Suter (2011) concluem afirmando que se as pessoas que arcaram com os custos significativos não receberem
benefícios algum, a ação é julgada como antiética do ponto de vista da abordagem de justiça.
De acordo com a abordagem dos direitos, os conceitos de certo ou errado estão contidos na própria ação, ou
seja, estão menos voltados para as consequências da ação. Nela os pesquisadores focam o bem-estar e os
direitos do indivíduo, pois acreditam que todo individuo possui o direito de ser tratado de uma maneira a garantir
sua dignidade, o respeito e a autonomia (Churchill, Brown & Suter, 2011). Sobre essa abordagem, Spers (2009,
p. 70) “afirma que os seres humanos têm direitos e liberdade fundamentais que não podem ser tirados pela
decisão de um indivíduo”.
Partindo do ponto de vista da abordagem dos direitos, pode-se julgar uma pesquisa como antiética, quando nos
concentramos nos direitos das pessoas que estão sendo estudadas sem conhecimento ou permissão (Churchill,
Brown & Suter, 2011). Partindo dessa premissa Erickson (1967) apud Jaccoud & Mayer (2014) se opõe a
observação disfarçada baseando-se em princípios morais, pois para ele o pesquisador não tem direito de
observar quem não lhe deu tal consentimento, posição essa, defendida por um bom número de pesquisadores.
Por outro lado, defendendo a observação disfarçada, Denzin (1968) apud Jaccoud& Mayer (2014) coloca que o
pesquisador tem o direito de observar seja quem for, independente de consentimento, desde que o faça para o
avanço do conhecimento.
Erickson (1967) apud Jaccoud & Mayer (2014) acredita que a observação disfarçada constitui uma ingerência na
vida privada, e entende que a dissimulação causa descontentamento aos pesquisados. Para Martins (2004),
Zaluar (1986) a presença de pesquisadores, muitas vezes disfarçada, pode envolver os observados manipulando-
os de acordo com seus interesses e objetivos, introduzindo tensões, provocando rupturas, então, o cientista
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 26
social não deve esquecer que a relação que se estabelece entre o observador e o observado é uma relação social
e política.
O disfarce do observador permite que os participantes se comportem de maneira natural, que as pessoas
tendem a se comportar de modo diferente quando sabem que estão sendo observadas, assim, o observador
pode modificar consideravelmente os padrões de comportamento dos observados. Contudo, alguns
pesquisadores discordam sobre o efeito da presença de um observador sobre o comportamento dos observados,
e afirmam que esse efeito não é relevante e tem duração curta (Malhotra, 2012). Denzin (1968) apud Jaccoud &
Mayer (2014) considera mal fundamentado o ponto de vista que a observação disfarçada pode provocar mais
modificações negativas. Para Erickson (1967) apud Jaccoud & Mayer (2014) os dados coletados por observação
disfarçada são falsos, pois faltam meios ao observador para avaliar o efeito de sua presença nas pessoas ou nos
fenômenos observados. Denzin (1968) apud Jaccoud & Mayer (2014) avalia que algumas pessoas se sentem mais
à vontade em um papel disfarçado, sendo assim, não haveria problemas éticos intrinsicamente ligados à
observação disfarçada, porém Erickson (1967) apud Jaccoud & Mayer (2014) pensa que a observação disfarçada
é capaz de causar um mal-estar nos pesquisadores. Denzin (1968) apud Jaccoud & Mayer (2014) conclui
afirmando que as experiências de observação disfarçada fizeram avançar tanto, ou mais, o conhecimento
científico, do que aquelas feitas através da observação aberta.
6. Conclusões
Neste artigo seus autores desenvolveram uma reflexão sobre o papel e a posição do pesquisador que faz uso da
observação enquanto técnica de coleta de dados, bem como levantou as questões de natureza ética inerentes a
tal abordagem.
Independentemente da posição defendida sobre a observação (clandestina ou aberta) enfatiza-se que, a
despeito da individualidade do autor deve-se prevalecer o caráter coletivo da construção do conhecimento
científico. Conforme comenta Severino (2015, p.10) a ciência é um ofício coletivo, de natureza solidária com a
união de muitas forças. Essa natureza existe mesmo quando o pesquisador “desenvolve solitariamente uma
investigação, mesmo quando não está integrado a um grupo de pesquisa ou a um projeto coletivo. Está sempre
numa teia de relações [...] embora de maneira invisível”.
Sendo assim, a reflexão sobre toda e qualquer discussão envolvendo a dimensão ética pressupõe que se tenha
claro que o princípio fundante dos valores que sustentam a eticidade é aquele representado pela própria
dignidade da pessoa humana, ou seja, os valores éticos fundam-se no valor da existência humana.
Ficou evidente que, no processo de decidir como, o quê e para quem deve ser feito a pesquisa, o que está em
jogo, direta ou indiretamente, é a ação e a conduta humana do pesquisador na tomada de decisão, ou seja, o
seu papel e a sua posição condições que fatalmente levam ao julgamento da sua conduta ética na produção e
na difusão dos resultados da pesquisa científica.
Os autores do artigo reconhecem a relevância científica da discussão sobre a ética no processo da observação
enquanto técnica da pesquisa qualitativa e, convidam você, caro (a) leitor (a), a ponderar a sua análise e prática
a respeito da questão central que os motivou a redigir este artigo, a qual pode ser resumida nesta interrogativa:
O que você faz, quando ninguém te vê fazendo, e o que você queria fazer, se ninguém pudesse te ver, influencia
os resultados de suas ações?
Referências bibliográficas
Arruda, M.C.C., Whitaker, M.C., &Ramos J.M.R. (2001). Fundamentos de ética empresarial e econômica. São
Paulo: Atlas.
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 27
Bastos, R. L. (1999). Ciências humanas e complexidades. Métodos e técnicas de pesquisa. O caos, a Nova
ciência. Juiz de Fora, MG: Ed. Universidade Federal de Juiz de Fora / Cefil.
Brown, M. T. (1993). Ética nos negócios. São Paulo: Makron Books.
Chizzotti, A. (1995). Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. (2th ed.). São Paulo: Cortez.
Churchill, G. A., Brown, T. J.,& Suter, T. A. (2011). Pesquisa básica de marketing. (7th ed.). São Paulo: Cengage
Learning.
Cooper, D. R., & Schindler, P. S. (2016). Métodos de pesquisa em administração. (12 th ed.). Porto Alegre:
Bookman.
Creswell, J. W. (2014). Investigação Qualitativa e Projeto de Pesquisa: Escolhendo entre Cinco Abordagens.
Penso Editora.
Da Silva, M. (2013). A Técnica da observação nas ciências humanas. Revista Educativa Revista de Educação,
16(2), 413-423. Recuperado de: http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/educativa/article/view/3101/1889.
Durozoi, G., & Roussel, A. (1996). Dicionário de filosofia. 2. ed. Campinas: Papirus.
Emerson, R.M. (1981). "Observational Field Work". Annual Review of Sociology, vol. 7, p. 351-378.
Godoy, A. S. (1995a). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de
Empresas, São Paulo, SP, v. 35, n. 2, p. 57-63. Recuperado de:
https://www.scielo.br/j/rae/a/wf9CgwXVjpLFVgpwNkCgnnC/?format=pdf&lang=pt.
Godoy, A. S. (1995). Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas. Fundação
Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, v. 35, n. 3, p. 20-29. Recuperado de:
https://www.scielo.br/j/rae/a/ZX4cTGrqYfVhr7LvVyDBgdb/?format=pdf&lang=pt.
Goldenberg, M. (2004). A arte de pesquisar: Como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: Record.
Gray, D. E. (2012). Pesquisa no mundo real. Tradução de Roberto Cataldo Costa. (2th ed.). Porto Alegre: Penso.
Jaccoud, M., & Mayer, R. ( 2014). A observação direta e a pesquisa qualitativa. In: Poupart, J. et al. A pesquisa
qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 254-294.
Jeon, Y. (2004). The application of grounded theory and symbolic interactionism. Scandinavian Journal of Caring
Sciences, 18(2). 249256. Recuperado de: https://sci-hub.mksa.top/10.1111/j.1471-6712.2004.00287.x.
Laperrière, A. (1984). "L'observatíon directe". ln: GAUTHIER, B. (org.). Recherche sociale de la problématique à
la collecte des données. Québec: Presses de l'Uníversité du Québec, p. 225-246.
Leite, A. P. R. (2012). Ética na pesquisa em Administração. Tese (Doutorado em Administração, na área de
Gestão Organizacional) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. Recuperado de:
https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/12074/1/%C3%89ticaPesquisaAdministracao_Leite
_2012.pdf.
Leung, L.(2015). Validity, reliability and generalizability in qualitative research. Journal of Primary Medicine and
Primary Care, 4(3). 324-327. Recuperado de: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4535087/.
Malhotra, N. K. (2012). Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. (6th ed.). Porto Alegre: Bookman.
ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea) - Revista EspaciosVol. 43, Nº 02, Año 2022
SILVA, J. & CORREA D. «Às claras ou clandestinamente: dilemas científicos da observação enquanto
técnica de coleta de dados»
Pag. 28
Marconi, M. D. A., & Lakatos, E. M. (2003). Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas.
Martins, H. H. T. S. (2004). Metodologia qualitativa de pesquisa. Educação e Pesquisa. 30 (2), 289-300.
Recuperado de: https://www.scielo.br/j/ep/a/4jbGxKMDjKq79VqwQ6t6Ppp/?format=pdf&lang=pt.
Minayo, M. C. S. (1994). Ciência, técnica e arte: o desafio da Pesquisa Social. In: ______. (Org.) Pesquisa social:
teoria, método e criatividade. (21th ed.). Petrópolis: Vozes, 09-30.
Padilha, M. I. C. S., Ramos, F. R. S., Borenstein, M. S., &Martins, C. R. (2005). A responsabilidade do pesquisador
ou sobre o que dizemos acerca da ética em pesquisa. Texto & Contexto Enfermagem, 14(1), 96-105.
Recuperado de: https://www.scielo.br/j/tce/a/JmGdS5LFhF5DzSLSWgZpRGL/?lang=pt&format=pdf.
Poupart, J., Deslauriers, J. P., Groulx, L. H., Laperrière, A., Mayer, R.,&Pires, P. P. (2014). A pesquisa qualitativa:
enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes.
Rocha, E. S. S.,Santos, J. C. F. D.,Silva, M. R.,Rodrigues, V. (2012). Ética e integridade na produção do
conhecimento científico.Revista Alexandria (Peru), n. 9, p. 58-76. Recuperado de:
http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/62079.
Rudio, F. V. (2001). Introdução ao projeto de pesquisa científica. 29. ed. Petrópolis: Vozes.
Severino, A. J. (2015). Ética e pesquisa: autonomia e heteronomia na prática científica. Cadernos de Pesquisa,
45 (158), 776-792. Recuperado
de:https://www.scielo.br/j/cp/a/8J9Kj6SKNdjX55SrMLj7YNS/?format=pdf&lang=pt.
Silva, A. R. Da., & Fantinel, L. D. (2014). Dilemas e implicações do uso da observação enquanto técnica em
detrimento da etnografia. In: Encontro da ANPAD, 38, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD.
Recuperado de: http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2014_EnANPAD_EOR2340.pdf.
Spers, V. R. E. (2009). Tópicos Gerenciais Contemporâneos. Curitiba: IESDE.
Spink, P. K. (2012). Ética na pesquisa científica. GVexecutivo, v.11, n.1, p. 38-41, jan./jun. Recuperado de:
https://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/38-41_0.pdf.
Vázquez, A. S. (2014). Ética. Tradução João Della’Anna. 36ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Vianna, H. M. (2003). Pesquisa em Educação: a observação. Brasília:Plano Editora.
Zaluar, A. (1986). Teoria e prática do trabalho de campo: alguns problemas. In: Cardoso, R. (Org.) A aventura
antropológica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 107-123.
Zanelli, J. C. (2002). Pesquisa qualitativa em estudos de gestão de pessoas. Estudos de Psicologia (Natal),
7(spe), 79-88. Recuperado de:
https://www.scielo.br/j/epsic/a/GdRk6zHHNz4yL6NBsH6P4yH/?format=pdf&lang=pt.
Zorzetto, R. (2011). Manipulação de dados: fraude em estudo sobre vacina reabre discussão acerca das
práticas de pesquisa. Revista Pesquisa Fapesp, (181), 057-059. Recuperado de:
https://revistapesquisa.fapesp.br/manipula%C3%A7%C3%A3o-de-dados/.
Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons
Atribución-NoComercial 4.0 Internacional