ARACRI, Luís A. «Desconstruindo a narrativa da SECOM em seu post do Dia do Agricultor: o crescimento da
dentro”, isto é, para o próprio território nacional. E tomaremos como recorte temporal principal o período da
“crise da Covid-19”, que teve início no país em março de 2020. A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional, conhecida como “Rede PENSSAN”, divulgou, através da FAO (Food and
Agriculture Foundation, da ONU) o “Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia
da Covid-19 no Brasil”. Esse inquérito, que é uma espécie de relatório, foi feito com base nos dados da PNAD,
(pesquisa produzida pelo IBGE, órgão ligado ao Ministério da Economia). O relatório apontou o seguinte: em 12
meses de pandemia, isto é, de março de 2020 a março de 2021, 55,2% dos domicílios brasileiros, ou seja, mais
da metade, entraram em situação de “insegurança alimentar”.
A insegurança alimentar é quando um segmento da população de uma região ou país encontra restrições e
limitações ao acesso a alimentos nutritivos ou que atendam às necessidades dietéticas para uma vida saudável.
O inquérito da Rede PENSSAN mostra ainda que durante o mesmo período 9% dos domicílios brasileiros
entraram em situação de “insegurança alimentar grave", que é sinônimo de fome. Desse total de domicílios em
situação de insegurança alimentar grave, 12% estão no campo. O que esses dados nos mostram, de imediato, é
que não apenas a comida na mesa de milhões no Brasil não está garantida, como uma parte significativa dessas
mesas sem comida está no próprio campo.
Por trás desse cenário, temos uma combinação trágica entre a alta no preço dos alimentos e queda nos níveis de
renda da população. Segundo o IPCA, que também é calculado pelo IBGE, nos mesmos doze meses do
levantamento realizado pela Rede PENSSAN, a alta acumulada do preço dos alimentos foi de 15%, o que é quase
o triplo acima da inflação no mesmo período (que foi de 5,20%). Os produtos que foram responsáveis por essa
alta foram, principalmente, o óleo de soja (82%), o arroz (57%), o feijão (42%) e as carnes (35%). Por outro lado,
do total de domicílios sem nenhuma renda do trabalho, passamos, também segundo a PNAD, de 25% no primeiro
trimestre do ano passado, para 29,3% no primeiro trimestre de 2021. No primeiro trimestre deste ano, ainda
segundo o IBGE, o desemprego subiu 14,7%; no primeiro trimestre do ano passado, ou seja, no período pré-
pandemia, o desemprego já havia registrado alta de 12,2%, o que significa um crescimento mais ou menos no
mesmo patamar do primeiro trimestre de 2019, que foi 12,7%. Isso quer dizer que o crescimento do desemprego
no país precede a pandemia. Foram pelo menos três anos seguidos nos quais o primeiro trimestre registrou
aumento no número de pessoas desempregadas.
Por trás da alta no preço dos alimentos, existem diversos fatores. Por ora, cabe destacar dois: (1) a alta no preço
dos combustíveis, o que encarece despesas com frete (há, portanto, um repasse do aumento desse custo para o
consumidor final); (2) alta do dólar, pois muitos dos componentes utilizados nos insumos agrícolas, como é o
caso de compostos químicos empregados na fabricação de defensivos e fertilizantes, são importados (Aracri,
2012). Existe um terceiro fator importante a ser considerado, mas o abordaremos um pouco mais adiante.
O fato é que, apesar desse cenário, que contradiz, pelo menos em parte, a afirmação da SECOM de que a comida
está garantida na mesa de milhões de brasileiros, temos, no outro extremo, um segundo cenário que também
chama muito a atenção. O IPEA (que também está vinculado ao Ministério da Economia) publicou, no dia 12 de
agosto de 2021, o fechamento dos dados do mês anterior do comércio exterior do agronegócio brasileiro. De
acordo com o instituto, o agronegócio brasileiro fechou o mês de julho com superávit de US$ 10,1 bilhões, ou
aproximadamente R$ 53 bilhões (segundo câmbio do dia 16 de agosto de 2021). Temos aí, então, um violento
contraste: de um lado, o aumento da insegurança alimentar e da fome, incluindo a fome no campo, propiciado
pela mencionada "combinação trágica" entre desemprego, diminuição da renda e alta no preço dos alimentos;
de outro, o agronegócio brasileiro registrando ganhos crescentes. O que parece uma contradição é, na verdade,
“os dois lados de uma mesma moeda”, ou seja, são as duas faces de um mesmo fenômeno (Elias, 2021). Mas
como explicar, então, essa relação?