Espacios. Vol. 36 (Nº 09) Año 2015. Pág. 8

Gasto Social e Desigualdade no Brasil

The challenge of organizations in the news: use of knowledge management

Michel Jorge SAMAHA 1; Adriana Aparecida GUIMARÃES 2; Constantino Ribeiro de OLIVEIRA JÚNIOR 3;Jonas SOISTAK 4; Vitor Hugo Bueno FOGAÇA 5

Recibido: 14/01/2015 • Aprobado: 05/02/2015


Contenido

1. Introdução

2. A Política Social Brasileira pós Constituição de 1988

3. Evolução do Gasto Social Federal 2002 a 2011

4. Gastos em Programas Focalizados e Universais

5. Evolução do Coeficiente de Gini 2002-2011

6. Conclusões

Referências


RESUMO:
O presente artigo discute o comportamento da política social brasileira entre os anos de 2002 e 2011. Os condicionantes legais e políticos foram apresentados numa perspectiva temporal, mostrando que as políticas sociais no período posterior à Constituição de 1988 seguiram a mesma prescrição ideológica e política, com claro foco em aspectos fenomenológicos da pobreza e da miséria. A análise dos dados mostrou que apesar da elevação dos gastos sociais federais, em apenas 5 dos 10 anos analisados o gasto se apropriou de taxas de crescimento maiores que a do crescimento do PIB. O dispêndio com políticas focalizadas cresceu aproximadamente quatro vezes mais vis a vis o dispêndio com políticas universais. Houve, no período, uma significativa queda da concentração de renda (coeficiente de GINI), porém, o País só alcançará o nível de concentração de renda adequado se o esforço atual for mantido em longo prazo.
Palavras-Chave: Política Social, Gasto Social, Desigualdade.

ABSTRACT:
This paper discusses the behavior of social policy between 2002 and 2011. The legal and political constraints were presented in a temporal perspective, showing that social policies in the period subsequent to the Constitution of 1988 followed the same ideological and political prescriptions with a clear focus on phenomenological aspects of poverty and misery. Data analysis showed that despite the increase in federal social spending, in only five of the ten years analyzed spending appropriated growth rates higher than the GDP growth. Expenditure on selective policies grew, approximately, four times more Vis a Vis expenditure on universal policies. There was, in the period, a significant decline in the income concentration (Gini coefficient); however, the country will only reach the level of income concentration appropriate if the current effort is maintained in the long term.
Keywords: Social Policy, Social Spending, Inequality.

1. Introdução

Se existe um consenso entre os cientistas sociais é o efeito da desigualdade distributiva da renda sobre a organização social, econômica e política de uma sociedade. No Brasil, o ciclo político iniciado em 2002, com dois presidentes do mesmo partido político – Partido dos Trabalhadores –, foi responsável por editar diversos programas de combate à pobreza, sendo o Bolsa Família e o Programa Brasil Sem Miséria os programas de maior visibilidade que, associados aos programas de Estado, formataram a Política de Proteção Social do Brasil contemporâneo.

Inicialmente deve-se destacar que as políticas de proteção social assumem diferentes formas. Segundo a dimensão de cobertura, podem ser focalizadas ou universais (não focalizados); do ponto de vista da responsabilidade de execução, podem ser centralizadas ou descentralizadas. Dessa forma, como ensina Rodriguez-Silveira (2011, p. 1-2) esses critérios resultam nas seguintes combinações possíveis de políticas: (a) focalizadas e centralizadas (Bolsa Família); (b) focalizadas e descentralizadas (assistência social local); (c) não focalizadas e centralizadas (seguridade social); e (d) não focalizadas e descentralizadas (educação). Fortalecer um arranjo de políticas em detrimento de outro impõem uma necessária reflexão sobre a política pública mais adequada para combater a desigualdade em determinada sociedade.

Para Di Giovanni (2009, p. 5) política pública é a forma contemporânea de exercício do poder nas sociedades democráticas, resultante de uma complexa interação entre o Estado e a sociedade. Dessa forma, a opção no uso de recursos públicos – via de regra, escassos para atender a demanda social – entre um arranjo ou outro de política social é direcionada pelo projeto de sociedade que se deseja construir.

As intervenções no combate à desigualdade estão inseridas num quadro maior do modelo de desenvolvimento e de legitimação do Estado, sendo que a opção por valorizar o mercado como mecanismo mais adequado à alocação eficiente de recursos pode levar a construção de políticas sociais pontuais de curto prazo e focalizadas exclusivamente nos pobres. Por outro lado, uma compreensão de que o livre mercado é ineficiente na alocação dos recursos pode conduzir a uma política de defesa e ampliação dos direitos universais.

Não resta dúvida que a estratégia adotada no Brasil, no período em análise, foi tirar da periferia e trazer para o centro das políticas sociais os programas focalizados de transferência (FAGNANI, 2012; LAVINAS, 2005; DIHL, 2012; POCHMANN, 2007). Porém, a dúvida que se afigura relevante nesse debate é se a orientação política-ideológica e a opção por programas de focalização nos pobres potencializaram as políticas universais na redução das desigualdades.

Para tentar responder essa questão foram utilizados, além da revisão teórica, indicadores como Produto Interno Bruto (PIB), Gasto Social Federal (GSF), gasto com Programa Bolsa Família (PBF), gasto com o Programa de Benefícios Continuado (BPC), gasto com Educação e Saúde e o índice de Gini [6].

Como estratégia metodológica utilizou-se do conceito de Paridade do Poder de Compra (purchasing power parities) para padronizar os preços em termos temporais, convertendo os valores correntes (em moeda nacional) das variáveis, em poder de compra da mesma quantidade de bens e serviços em dólares americanos. Dessa forma, os resultados podem ser comparados com outros países sem que se incorram nos problemas que os deflatores nacionais criam. O índice de Paridade do Poder de Compra (PPP) utilizado foi o elaborado pelo Banco Mundial e atualizado até 2012 e, a variável Gasto Social Federal (GSF) adotada foi calculada por Chaves e Ribeiro (2012), em nota técnica (nº 13) do IPEA.

2. A Política Social Brasileira pós Constituição de 1988

A Constituição Federal de 1988 (CF/88), ao alargar as políticas sociais no âmbito do Estado, ampliou as possibilidades de acesso dos cidadãos aos serviços básicos e aumentou os tipos de benefícios sociais ofertados, constituindo uma efetiva política social voltada para a redução das desigualdades sociais, que antes, era estruturada por ações isoladas e inacabadas nas áreas da previdência, da assistência e da saúde.

No campo político, o início da década de 1990 apresentou-se como um sinal distintivo à rearticulação do bloco conservador brasileiro. Com a eleição de Fernando Collor foi introduzido no Brasil o modelo econômico liberal-periférico, até então inexistente e, com a ampla abertura da economia brasileira ao mercado internacional foram implantadas políticas públicas que produziram importante desorganização financeira no país.

No campo social, o governo Collor caracterizou-se, principalmente, pela utilização de artifícios legais para obstruir os novos direitos inscritos na CF/88 e por uma reorganização ministerial que desestruturou processos importantes, como a centralização da previdência, o atendimento médico-hospitalar e a assistência social que tinham fluxo desde 1966.

Esse processo de desconstrução constitucional foi temporariamente interrompido com o impeachment de Fernando Collor, mas não sem deixar sua herança. Para Castro et al. (2009), na área social, a herança deixada por Collor para seu sucessor foram programas e políticas fragmentadas, clientelismo e centralização dos recursos no âmbito federal, produzindo um cenário de limitado poder de combate à pobreza e à desigualdade.

Apesar dos múltiplos retrocessos, ocorreu em 1991 a aprovação do novo Regulamento de Benefícios, o que representou a incorporação de importantes mudanças relativas à aposentadoria na CF/88, proporcionando avanços sociais para um contingente significativo de trabalhadores.

Posteriormente, o governo Itamar Franco (1992/1994), com Fernando Henrique Cardoso (FHC) como seu Ministro da Fazenda, e seguindo a tendência das políticas macroeconômicas presentes na década de 1990, buscou financiamento externo para reduzir a inflação, mantendo a abertura comercial e financeira da economia e dando prosseguimento ao processo de privatização já iniciado.

Nesse período, em decorrência de uma postura menos voluntarista do governo em relação ao período anterior, ocorreu uma diminuição das resistências das elites à agenda liberal, no entanto, ainda era claro o contraste entre um tímido crescimento econômico e as dificuldades para a efetivação de reformas necessárias para o cumprimento da agenda proposta. Importante exemplo dessa realidade foi a reforma do Estado (fiscal, administrativa e da previdência) que até o presente não foi efetivada em patamares necessários. Em termos práticos, as tensões sociais e os embates políticos resultantes da implantação da agenda liberal, bem como os riscos econômicos da forma como foi induzida a estabilidade econômica foram os legados deixados ao próximo governo, deixando em risco a estrutura do setor produtivo, do sistema financeiro e das contas externas, em um cenário onde as tensões entre as unidades da Federação estavam acirradas.

A política adotada, como não poderia deixar de ser, produziu reflexos profundos na área social. O mote da estratégia induzia a determinação de que as vinculações inviabilizavam o equilíbrio orçamentário e o "ajuste fiscal", sendo que a alocação de receitas públicas como mecanismo indutor de flexibilidade ao processo foi o procedimento adotado.

Com efeito, em 1994 foi instituído, para a estabilização da economia brasileira, o Plano Real. No bojo desse plano foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE), o qual em descompasso com os objetivos propostos, não proporcionou uma política social efetiva, fazendo com que áreas como a educação e as políticas de apoio ao trabalhador perdessem recursos, e os estados e municípios tivessem sua dependência político-financeira aumentada em face do Governo Federal. A diminuição do déficit público antevista com as medidas não aconteceu, principalmente por que essa diminuição dependia de forma mais ampla da política econômica adotada pelo governo.

No ano de 1993, na área social, importantes mudanças aconteceram, como a criação do Ministério da Previdência Social e sua dissociação da pasta do Trabalho, bem como o fim dos repasses de contribuições arrecadadas pelo INSS para o atendimento médico-hospitalar e a extinção do INAMPS.

Com a popularidade advinda de uma ainda frágil estabilidade econômica, FHC é eleito presidente do Brasil, permanecendo no comando da nação por duas gestões: 1995 a 1998 e 1999 a 2002. Os períodos tiveram características bastante distintas, sendo o primeiro mandato vai do adimplemento do real até sua crise; e o segundo tem como marca notória a administração dessas dificuldades.

Em seu primeiro mandato, FHC conviveu com a tensão de conciliar os objetivos macroeconômicos necessários para a estabilidade com metas voltadas para as reformas sociais e melhoria da eficiência das políticas públicas, sendo que nesse período muitas análises apontavam que o agravamento da crise fiscal do Estado era causado por gastos públicos sociais significativos, vistos por muitos como desperdício de dinheiro público.

Em meio à tensão, um conjunto de reformas para as políticas sociais foram concebidas. Para Castro et al. (2009, p. 70),

Como pode ser constatado por meio dos discursos e das campanhas para as eleições presidenciais em 1994 e, em grande medida, em 1998, os males dos programas sociais foram identificados, de uma forma geral, com: i) falta de planejamento e coordenação, com superposições de competências entre os entes da Federação e a indefinição de prioridades; ii) pouca capacidade redistributiva das políticas sociais; e iii) carência de critérios transparentes para a alocação de recursos e de mecanismos de fiscalização e controle mais modernos.

Entre as medidas concebidas, destaque para os processos de descentralização e estabelecimento de parcerias com o setor privado, lucrativo ou não. Fruto desse movimento, em 1995 foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social e, posteriormente, mesmo alicerçado no discurso reformista, outras mudanças importantes na área social foram processadas, produzindo seus avanços e recuos.

O Simples, a continuidade na política de direitos sociais básicos (ainda que com restrições), a ampliação do acesso ao ensino fundamental e a estabilidade do financiamento da saúde (Emenda Constitucional nº. 27/2000) são alguns dos avanços mais notórios. Na direção dos recuos são processadas retrações no campo previdenciário (Emenda Constitucional nº. 20/1998) e o FSE (Fundo Social de Emergência), que deveria vigorar nos anos de 1994 e 1995, é reformatado como Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), tendo sua vigência estabelecida para o período de 1996 a 1999. O formato de desvinculação de recursos contido no FEF acabou estendido até o ano de 2002.

No processo de reeleição, FHC reafirmou os princípios norteadores do mandato que estava findando, mas o cenário em que se iniciou no segundo mandato foi redesenhado pela crise externa do balanço de pagamentos. Para enfrentamento do quadro fez-se necessário um profundo "ajuste fiscal", que por sua vez, foi monitorado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e teve como escopo a contenção de gastos, principalmente na área social.

Com as salvaguardas jurídicas impostas contra cortes orçamentários no sistema de Seguridade Social e na vinculação de impostos para a educação e saúde, os gastos públicos na área social tiveram alguma proteção do ajustamento recessivo exigido no acordo com o FMI para a geração do superávit fiscal, porém, a política social, permanentemente atacada por defensores da política econômica de "ajuste fiscal", sofreu perdas e limitações na qualidade e ampliação do escopo de benefícios (CASTRO et al., 2009). Contudo, as perdas nessa política foram muito menores que em outros programas, como os de investimentos em infraestrutura social, que, principalmente no segundo mandato, foram sacrificados para a obtenção do superávit fiscal.

Em 2003, assumiu a presidência da república, com a promessa de uma política social radicalmente renovadora, Luiz Inácio Lula da Silva (Lula). No governo, mesmo priorizando o enfrentamento dos problemas sociais oriundos da grande desigualdade (patrimonial e de renda) e o elevado grau de pobreza existente, Lula manteve estreita ligação com a política econômica liberal-ortodoxa, apresentada como uma "herança maldita" do governo FHC (DRUCK e FILGUEIRAS, 2007). A política, iniciada com Collor, não só foi mantida, como aprofundada e consolidada por Lula e, nesse cenário, para Castro et al. (2009, p. 72), os principais desafios a serem enfrentados eram o

[...] combate à fome e à miséria; combate ao racismo e às desigualdades raciais; aprofundamento dos avanços na área de saúde e de assistência social; crescimento da taxa de cobertura da previdência social; promoção do desenvolvimento nacional mediante a integração das políticas públicas com o mercado de trabalho; implementação de uma efetiva política de desenvolvimento urbano; e contínua melhoria da qualidade do ensino.

Com o intuito de enfrentar os desafios diagnosticados, o governo Lula desencadeou uma série de políticas, com destaque para ações voltadas para a segurança alimentar e nutricional, promoção da igualdade racial, promoção da igualdade de gênero, desenvolvimento urbano, racionalização de recursos públicos e promoção de reformas estruturais. As reformas da previdência e tributária, presentes em agendas anteriores, foram também incorporadas à agenda do governo.

Apesar do claro direcionamento social, o governo Lula, em seu início, apresentou retrocessos proporcionados por restrições orçamentárias impostas pela manutenção da estratégia de geração de superávit fiscal. Com o crescimento econômico ocorrido principalmente nos últimos anos do governo, associado com uma política efetiva de transferência de renda, ocorreu uma significativa ascensão social das camadas inferiores população. No entanto, trata-se de um trânsito questionável na medida em que o patamar de ingresso estatístico na classe média, adotado pelo IPEA, em termos comparativos, é relativamente baixo (ANDERSON, 2001).

Para Anderson, os avanços na área social ocorridos no curso dos mandatos de Lula foram incontestes. Não obstante, o discurso, deliberadamente repetido, de que o governo FHC "ignorou o social", é um factoide criado para valorizar a figura compassiva de Lula. O autor recorda que o sempre lembrado programa intitulado Bolsa Família (Lei Federal nº. 10.836, de 9 de janeiro de 2004) é resultado da unificação de vários programas implantados por FHC: o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à educação; o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à saúde; o Programa Auxílio-Gás, acompanhado do Cadastramento Único do Governo Federal. Essa unificação ocorreu apenas depois do fracasso do Programa Fome Zero, que tinha uma concepção menos assistencialista.

O mérito do governo Lula foi ampliar o acesso ao conjunto de programas sociais dos 5 milhões de famílias beneficiadas no governo FHC para 12 milhões de famílias no término de seu mandato, em 2009. Para Almeida (2012), a expansão dos gastos públicos na área social tem seu padrão de crescimento determinado muito mais pela CF/88 do que uma mudança produzida por um governo de esquerda, sendo perceptível certa continuidade entre os governos que se sucederam no período.

A mesma lógica avança, também, no atual governo de Dilma Rousseff (PT) com a instituição do Plano Brasil Sem Miséria (BSM), cujo foco é atingir a camada populacional considerada miserável que ainda não havia sido alcançada pelos programas existentes.

Para Dihl (2012), o plano de Dilma, ao que tudo indica, tende a reforçar a concepção conservadora neoliberal de responsabilização individual sobre a pobreza e o desenvolvimento, dificultando ações mais sistemáticas de organização da população a fim de exercerem a cidadania de forma plena. Habilitar as pessoas para que, com autonomia e liberdade, tomem as decisões para superar suas condições reais de existência é responsabilizar o individuo a construir seu próprio bem-estar buscando no Estado apenas um apoio social marginal – ação típica de visão conservadora neoliberal.

De forma sumária, percebe-se que as políticas sociais no período posterior a CF/88, ganhando destaque com FHC, Lula e agora com Dilma, seguem a mesma prescrição ideológica e política das agenciais internacionais, como a do Banco Mundial. Essa forma de reduzir as desigualdades se direciona para aspectos fenomenológicos da pobreza e da miséria, pois reforça a responsabilidade individual na sua superação. 

[No entanto] mais do que o governo Cardoso, que deu início a este tipo de política, Lula levou a sério a importância político-social das mesmas no que se refere à sua função 'amortecedora' de tensões sociais no conjunto do projeto liberal; e este é o seu objetivo essencial, pois não inclui de forma duradoura – uma vez que não tem capacidade de desarmar os mecanismos estruturais de reprodução da pobreza. De fato, apenas funcionaliza a pobreza, mantendo em permanente estado de insegurança, indigência e dependência o seu publico alvo, permitindo, assim, a sua manipulação política para objetivos estranhos aos seus reais interesses. (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007, p. 30)

3. Evolução do Gasto Social Federal 2002 a 2011

O Gráfico 1 mostra que – tomando a razão entre o GSF (Gasto Social Federal) e o PIB (Produto Interno Bruto), ambas corrigidas pela paridade do poder de compra – houve um significativo aumento dos gastos sociais em relação ao produto interno.

A evolução do dispêndio pode ser dividida em três fases: 1) aceleração entre 2002 e 2005; 2) estabilização entre 2006 e 2008 e; 3) novamente aceleração de 2009 a 2011. Nesse tipo de análise é necessário considerar que a proporção é uma razão entre uma variável no numerador (GSF) e outra (PIB) no denominador. Dessa forma, o aumento da proporção do gasto social sobre o PIB foi potencializado pela desaceleração do crescimento econômico pós-2009.

O percentual do gasto social sobre o PIB reacende a discussão sobre o modelo de desenvolvimento econômico e social brasileiro. Para Kerstenetzky (2012, p. 215), coerentemente com nossa tradição histórica, o crescimento econômico, também por aposta política, foi convertido na variável exógena chave a determinar a dinâmica das políticas sociais. Ainda que em termos absolutos, o gasto social tenha crescido na fase de desaceleração do crescimento do PIB, houve redução relativa dessa variável, confirmando que o vetor determinante nessa evolução continua sendo o produto interno bruto.

O desafio de sustentar a ampliação do gasto social num cenário de baixo crescimento econômico parece ser a chave para se mudar a lógica do desenvolvimento nacional, ou seja, o desafio é orientar o crescimento tomando o PIB como variável endógena do desenvolvimento. Os gastos sociais deveriam potencializar o crescimento econômico.

Gráfico 1 – Percentual de participação do GSF sobre PIB  2002-2011.

 

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA (2012), Banco Mundial (2012) e IBGE (2012).

Ainda que esses dados possuam um grau de agregação muito elevado e com pouco poder explicativo na composição dos gastos sociais, o Gráfico 2 traz o crescimento acumulado do PIB e do GSF. Nessa perspectiva, o GSF cresceu quase 1,7 vezes a mais que o PIB, refletindo, genericamente, o esforço do País em atender uma demanda social cada vez mais complexa e diversificada.

Gráfico 2- Crescimento do PIB e do GSF em Paridade do Poder de Compra per capita.

 

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA (2012), Banco Mundial (2012) e IBGE (2012).

Porém, para melhor visualizar a evolução do crescimento dos gastos sociais vis a vis o crescimento do produto, lembrando que esses indicadores estão expressos em unidades de paridade do poder de compra (PPP) por habitante, o Gráfico 3 mostra uma comparação do esforço real do país no aporte de recursos para atender as demandas sociais. Percebe-se que a variação do crescimento do PIB (2002/2003) foi muito próxima da variação do GSF no mesmo período, ou seja, o PIB cresceu 1,8% enquanto o GSF cresceu 2%. O mesmo fenômeno ocorreu no período de 2006/2007 e 2009/2010. As variações tiveram saldo positivo em favor do GSF nos anos 2003/2004, 2004/2005, 2005/2006, 2008/2009 e 2010/2011. O PIB só cresceu mais do que o GSF no período 2007/2008.

Gráfico 3 – Evolução e Crescimento anual do PIB e do GSF per capita 2002-2011

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA, Banco Mundial e IBGE.

Não há dúvida de que o gasto social tem crescido de maneira sustentada, e isso aponta para um forte compromisso em atender os Direitos Sociais conquistados na Constituição e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, porém, em termos relativos, em apenas 5 dos 10 anos analisados o GSF se apropriou de taxas de crescimento maiores do que o crescimento do PIB.

 Não foi o propósito do presente artigo, porém, para uma análise mais aprofundada dos gastos sociais no Brasil seria necessário estudar o comportamento dessas variáveis no âmbito estadual e municipal.

4. Gastos em Programas Focalizados e Universais

A estratégia dominante de combate à fome e à miséria, no período analisado, esteve sustentada nos Programas de Transferências Condicionadas de Renda. Nesse ponto, o interesse é analisar comparativamente o crescimento de aportes financeiros dado às políticas focalizadas em comparação às políticas universais, mostrando tendências, e não uma comparação exaustiva. Para isso, tomaram-se como indicadores de políticas focalizadas os gastos com os programas BPC (Benefícios de Prestação Continuada) e PBF (Programa Bolsa Família). Pelo lado das políticas universais, utilizaram-se os gastos com Educação e Saúde.

No debate acadêmico, vem se fortalecendo uma corrente que não vê antagonismo entre uma estratégia e outra, onde os programas focalizados seriam complementares às políticas públicas universais, tendendo a reduzir as desigualdades materiais e potencializando a universalização de direitos (KERSTENETZKY, 2006; AZEVEDO E BURLANDY, 2010; MEDEIROS et al, 2007).

Por outro lado, também há um consenso de que o combate efetivo às desigualdades passa necessariamente por políticas universais estruturadas e eficientes. São escassos os estudos que relacionam as ações focalizadas como potencializadoras das políticas universais.

O Gráfico 4 mostra que o crescimento dos gastos federais (2002/2011) em ações focalizadas (BPC e PBF) foi aproximadamente 4 vezes maior do que o crescimento dos gastos em políticas universais (saúde e educação). Mais do que conclusões, os números levantam alguns questionamentos como: se as ações focalizadas devem potencializar as universais, então o crescimento de ambas não deveria ser proporcional? Se os gastos com ações focalizadas são pontuais e focadas nos pobres, então numa conjuntura de desaceleração econômica teríamos novamente um aumento das desigualdades?

Gráfico 4 – Crescimento dos Gastos Federais em Programas Universais e Focalizados.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do STN -SIAFI.

Mais do que extrair uma relação de causa e efeito, o Gráfico 4 teve apenas a função de preparar o debate para o próximo tópico que é a evolução do indicador de desigualdade no período.

5. Evolução do Coeficiente de Gini 2002-2011

O coeficiente de Gini é o indicador de desigualdade de renda mais utilizado no Brasil e no mundo, daí a opção em utilizá-lo para tentar captar as mudanças na redução das desigualdades de renda nesse período. O Gráfico 5 mostra a evolução do coeficiente de Gini da renda domiciliar per capita entre 2002 e 2011. Além dessa informação, traz também o mesmo indicador, no ano de 2011, para Argentina, Uruguai, México e Austrália.

No Brasil, o coeficiente de Gini tem experimentado uma queda na ordem de 1,18% ao ano. Passamos de 0,587 em 2002 para 0,527 em 2011. Lembrando que esse indicador varia entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade de renda e 1 corresponde à completa desigualdade. 

Soares (2010, p. 10), procedendo a uma comparação da redução da desigualdade entre países da OCDE, mostra que o ritmo da redução do coeficiente de Gini está adequado "se o critério de adequação for o ritmo histórico de redução nos países ricos que hoje contam com bons sistemas de bem-estar social". O Autor ainda propõe que seria necessário olhar para o futuro usando como referência o hiato de distribuição de renda entre países que se podem eleger como modelos a serem seguidos.

Seguindo nesse sentido, a comparação com Argentina e Uruguai é justificada por serem países do mesmo bloco econômico (Mercosul) e, com México e Austrália pelas características de ocupação e potencialidades econômicas.

Gráfico 5 – Coeficiente de Gini para Países selecionados e evolução brasileira 2002-2011.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEA e da CEPAL.

Mesmo que com um ritmo de queda adequado na concentração de renda, o esforço nacional para reduzir as desigualdades precisa permanecer em longo prazo. No atual ritmo de redução das desigualdades, o Brasil (0,527) – considerando que os outros países ficassem estacionados em seus atuais coeficientes – levaria 23 anos para atingir o coeficiente Uruguaio (0,402); 6 anos para igualar o Argentino (0,492); 8 anos para chegar ao patamar mexicano (0,481) e 46 anos para nos igualarmos o coeficiente Australiano (0,303).

Reduzir as desigualdades a um patamar aceitável do ponto de vista civilizatório – eliminar favelas, níveis baixos de educação e ter acesso à saúde de qualidade, por exemplo – demanda um compromisso e um esforço intergeracional. No entanto, com a divulgação do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio) 2012, o IBGE constatou que o coeficiente de Gini ficou estagnado em 0,507, ou seja, em 2012 houve uma interrupção na tendência de queda da desigualdade no Brasil.

A interrupção da trajetória impõe uma reflexão sobre o real impacto dos Gastos Sociais Federais sobre a desigualdade de renda e as opções de políticas sociais até aqui adotadas. Por outro turno, o sonho de se aproximar das condições sociais de países com sistema de proteção social redutores de desigualdade fica mais distante, uma vez que, como demonstrado, o ciclo de queda da desigualdade deveria perdurar no longíssimo prazo, cenário esse improvável.

6. Conclusões

A política social brasileira foi potencializada pela ampliação dos Direitos Sociais consignados na Constituição de 1988, entretanto, a lógica de responsabilização individual na superação da miséria e da pobreza, com forte conotação neoliberal, atravessou todos os governos (de Collor a Dilma), independente da denominação ideológica de cada um.

No período analisado houve uma clara tendência de crescimento do gasto social (GSF) em relação ao PIB, porém, ainda que em termos absolutos o gasto social tenha crescido na fase de desaceleração do crescimento do PIB, houve redução relativa dessa variável, confirmando que a vetor determinante nessa evolução continua sendo o crescimento econômico.

Em termos relativos, em apenas 5 dos 10 anos analisados o GSF se apropriou de taxas de crescimento maiores do que o crescimento do PIB. Nesse contexto, é necessário apontar que, mesmo nos períodos de desaceleração do crescimento, o GSF manteve uma taxa sustentada de crescimento.

Os gastos federais (2002/2011) em ações focalizadas (BPC e PBF) foram aproximadamente quatro vezes maiores do que o crescimento dos gastos em políticas universais (saúde e educação). Esses dados reforçam que a opção feita nos últimos anos foi de ativação individual para o desenvolvimento pessoal preconizada pelo Banco Mundial.

Entre os anos de 2002 e 2011 o ritmo de queda da concentração de renda (GINI) foi adequado, entretanto, o esforço nacional para reduzir as desigualdades precisa permanecer no longo prazo. No atual ritmo de redução das desigualdades, o Brasil (0,527) – considerando que os outros países ficassem estacionados em seus atuais coeficientes – levaria 23 anos para atingir o coeficiente Uruguaio (0,402); 6 anos para igualar o Argentino (0,492); 8 anos para chegar ao patamar mexicano (0,481) e 46 anos para nos igualar o coeficiente de GINI Australiano (0,303).        

Referências

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1.Doutorando em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. michel-samaha@hotmail.com.
2. Doutoranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. adriana@utfpr.edu.br.
3. Professor do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais Aplicadas a Universidade Estadual de Ponta Grossa. constantinojr@uol.com.br.
4. Advogado do Município da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa.

5. Advogado no escritório Lineu Ferreira Ribas e Advogados Associados.

6. O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um método utilizado na medição do grau de concentração de renda em determinado grupo, apontando a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos.


Vol. 36 (Nº 09) Año 2015
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