Espacios. Vol. 17 (3) 1996

A Trajetória Tecnológica da Petrobrás na Produção Offshore 5/6

La Trayectoria Tecnológica de Petrobrás en la producción "Offshore" (Costa afuera)

Petrobras Technological approach in Offshore production

Andre Tosi Furtado


5.2.2 O salto para a inovação

O novo patamar de capacitação tecnológica não foi alcançado de forma súbita, mas resultou de um longo processo de aprendizagem e maturação. As condições necessárias para o salto tecnológico foram sendo criadas desde o início dos anos 80, quando a empresa ampliou suas importações de tecnologia e de bens de capital permitindo que se iniciasse o processo de aprendizagem “in house”. Quando montou os primeiros sistemas marítimos permanentes, a empresa absorveu um importante fluxo de tecnologia proveniente de agentes externos.

Na realidade, a consolidação de uma capacidade de concepção de sistemas de produção offshore, não emanou propriamente do Cenpes. Ela surgiu diretamente nos departamento operacionais. Em função da implantação de unidades de produção antecipada, desde o final da década de 70, formaram-se grupos de engenheiros capazes de conceber esses sistemas no Depro (Departamento de Produção) e no Gespa (Grupo Especial de Sistema de Produção Antecipada), que reunia técnicos de vários departamentos (Gomes de Freitas, 1993). A concepção e operação desses sistemas produtivos requeria uma dose importante de criatividade por parte das equipes brasileiras e foram o embrião dos conceitos posteriormente desenvolvidos pelo Cenpes. Com esses sistemas buscava-se antecipar a produção de campos marítimos antes que os sistemas permanentes de produção, constituídos em geral por uma plataforma fixa, fossem implantados.

Os sistemas de produção antecipada (SPA) eram compostos de uma ANM, de risers flexíveis, de uma monobóias e de um barco que estocava a produção. Essa produção era posteriormente encaminhada a uma plataforma de processamento que separava os diversos elementos (petróleo, gás e água) e fazia a reinjeção e o bombeamento. A produção em base a esses sistemas atingiu seu auge em 1983 (ela cresceu de 2,7 mil bbl/dia em 1977 para 90 mil bbl/dia em 1983) (Alvarenga, 1985).

Em 1983, os diversos grupos de engenheiros, que ajudaram a concepção dos SPA, foram integrados na Superintendência de Engenharia Básica do Cenpes. Ao mesmo tempo, se produzia uma nova orientação dos investimentos da empresa. Procedeu-se a implantação dos sistemas de produção permanente na Bacia de Campos. Volumosos investimentos foram mobilizados com essa finalidade. A tecnologia empregada foi adquirida de empresas de engenharia estrangeiras, o setor de engenharia básica incumbindo-se de fazer o desempacotamento. Esse desempacotamento foi muito bem sucedido, na medida em que para a etapa seguinte, a empresa logrou adquirir o domínio da capacidade de realizar o projeto básico. Os sistemas de produção permanentes implantados no Pólo Nordeste da Bacia de Campos (7 plataformas fixas entre 1986 e 1987) tiveram o projeto de engenharia básica gerado na Superintendência de Engenharia Básica do Cenpes.
Enquanto a capacitação em projeto, adquirida até meados dos 80, tinha por finalidade reproduzir tecnologias em uso, o desenvolvimento de sistemas de produção em águas mais profundas que 300 metros representava um desafio muito maior para a empresa. Tratava-se de uma autêntica inovação. Os reservatórios gigantes, descobertos em meados da década de 80 na Bacia de Campos, boa parte situados em profundidades de 400 a 2000 metros, colocavam um novo desafio para a empresa. Para enfrentá-lo a Petrobrás teve que romper com a sua estratégia anterior de desenvolvimento tecnológico. Até então, ela buscava adquirir externamente tecnologias já comprovadas internacionalmente para depois dominá-las, adotando uma estratégia de empresa seguidora. Mas o desenvolvimento dos novos campos em águas profundas, de longe os maiores descobertos até então no país, oferecia uma oportunidade única para que ela optasse por soluções próprias, uma vez que essa tecnologia ainda não estava disponível internacionalmente.

A Petrobrás poderia ter buscado contratar, de empresas estrangeiras, o desenvolvimento da tecnologia necessária à explotação dos campos em águas profundas, mesmo que essa tecnologia ainda não estivesse disponível. Existiam concepções novas adequadas à essas condições na prancheta das empresas de engenharia e dos centros de pesquisa europeus e americanos. Mas a Petrobrás fez a opção pelo desenvolvimento interno. A razão reside no domínio que ela adquirira sobre a tecnologia dos SPF a partir da operação e concepção de sistemas de produção antecipada. Outra razão talvez seja o custo elevado e a própria incerteza associados a esses novos desenvolvimentos.

Para enfrentar o desafio da inovação, a Petrobrás criou, em 1986, um grande programa tecnológico o PROCAP 1000 (Programa de Capacitação Tecnológica em Sistemas de Explotação para Águas Profundas), de dimensão multi-institucional, cuja meta principal era desenvolver tecnologia para produzir petróleo até 1000 metros de profundidade. Esse programa representa, sem dúvida, uma importante opção da empresa que buscava consolidar uma trajetória tecnológica baseada em sistemas de produção flutuantes, iniciada anteriormente.

Ademais dos SPA, a Petrobrás começou a utilizar as plataformas semi-submersíveis, já na primeira metade da década de 80, , no lugar das fixas, como sistemas permanentes de produção em áreas com profundidades de água superiores a 200 metros. Essa solução apresentava custos sensivelmente inferiores a de outros sistemas para essas profundidades. De fato, como mencionamos, os custos das plataformas fixas aumentam exponencialmente com relação a profundidade. Essas plataformas foram adotadas no polo Nordeste da Bacia de Campos, porque a profundidade média era pequena (80 a 100 metros). Mas quando se tratou de implantar sistemas de produção em profundidades superiores a 200 metros a empresa recorreu ao uso de sistemas flutuantes de produção.

“ Esses sistemas de produção flutuantes constam basicamente de uma unidade flutuante (semi-submersível ou navio) com facilidade de processamento e sistemas de controle, “risers” flexíveis, linhas de fluxo, árvores de natal molhadas (ANM) e “manifolds” submarinos, navio-tanque para armazenamento de óleo e sistema monobóias de escoamento. O navio-tanque e a monobóias podem ser substituídos por oleodutos”. (Freire 1986, p. 66)

Havia, em 1986, onze SPF operando na Bacia de Campos, os quais produziam 145.000 bbl/dia. A maciça utilização desses sistemas permitiu que a Petrobrás se tornasse a líder mundial nessa tecnologia. Partindo, pois, de uma tecnologia importada, a empresa começou a adaptá-la às condições locais de produção e aos seus propósitos, através de um processo cumulativo de inovações incrementais. Essa tecnologia que, como vimos anteriormente, havia sido desenvolvida durante a década de 70 no Mar do Norte com a finalidade de antecipar a produção e explorar campos marginais, apresentava importantes vantagens: menor custo fixo, um tempo de implantação mais curto e o seu caráter modular que permitia ir acompanhando o desenvolvimento de um campo. A escolha tecnológica fundamental que a Petrobrás fez na época foi buscar adaptá-la para a produção permanente. Entre 1977 e 1983, foram concebidos e postos em operação 14 SPA (Sistemas de Produção Antecipada). O domínio que a empresa adquiriu sobre essa tecnologia, que exigiu o desgargalamento de certos problemas, como os de conexão, processamento e escoamento da produção, permitiu transformar os SPA em sistemas de produção permanentes, ou seja, em SPF.

Iniciando uma trajetória tecnológica original, a Petrobrás buscou introduzir aperfeiçoamentos que possibilitassem “esticar” o uso dos SPF para profundidades de até 400 metros. Esse domínio foi alcançado em meados da década de 80. Todavia, a parte da tecnologia embutida no hardware ainda era quase toda adquirida de fontes externas. As plataformas semi-submersíveis foram compradas no exterior; o sistema de tubulações flexíveis também . O que a empresa desenvolveu, durante a primeira metade da década de 80, em hardware, em associação com os estaleiros navais nacionais, foi a capacidade para reconverter as sondas semi-submersíveis para plataformas de produção.
O Procap representou, de fato, uma solução de continuidade com a trajetória tecnológica que a Petrobrás adotara. A estratégia desse programa consistia essencialmente em esticar a trajetória tecnológica dos SPF para profundidades cada vez maiores. Contudo, para adequar os SPF às condições muito mais difíceis das águas profundas, era necessário alcançar um domínio muito maior sobre essa tecnologia, tanto em hardware como em software. Em hardware, a estratégia do programa consistia em absorver a tecnologia existente internacionalmente para depois redesenhá-la, adicionando melhoramentos e modificações que permitissem adaptá-la às novas condições de produção. De modo que o projeto básico das plataformas semi-submersíveis, aptas a operar nos campos gigantes de Marlim e Albacora, foi adquirido de uma firma estrangeira. A Divisão de projetos básicos de explotação coordenou um programa de transferência de tecnologia, junto à empresa de engenharia sueca Gotaverken Arendal, para desenvolver uma plataforma semi-submersível de grande porte (100.000 bbl/dia). Dado que essa plataforma fora concebida originalmente para a perfuração, os técnicos da Petrobrás precisaram adaptar o projeto básico, dando origem a plataforma Petrobrás XVIII. Em decorrência do domínio adquirido, novas modificações foram introduzidas que permitiram definir um novo projeto próprio de plataforma concebida para operar nas condições específicas da Bacia Campos. Esse processo de adaptação e aprimoramento possibilitou um corte da ordem de 30% dos custos (Gomes Freitas, 1993). Todavia, essa nova plataforma 100% Petrobrás, chamada de “Vitória Régia”, ficou em nível de conceito básico sem aplicações.

Nessa mesma linha, no quadro do Procap, a Petrobrás redesenhou e aperfeiçoou um conjunto de equipamentos complementares que foram adaptados para atuar em lâminas d’água de até 1000 metros. Entre esses se destacam as ANM, os templates manifolds, os sistemas de ancoragem e de risers flexíveis, as monoboias, etc. O desenvolvimento das principais tecnologias de hardware foi realizado pela própria empresa, embora em certos casos empresas nacionais ou estrangeiras participassem de alguns dos projeto do Procap. O VOR (veículo de operação remota), um robô submarino concebido e fabricado pela empresa de engenharia carioca Consub para operar sob 1000 metros, foi o único equipamento de porte desenvolvido por uma empresa nacional.

Alguns desses desenvolvimentos conceituais não foram comercializados posteriormente, como nos casos da plataforma semi-submersível, da ANM, do Octos 1000 ou do VOR. Entretanto, os conhecimentos adquiridos pelos projetos foram decisivos para que a Petrorás enfrentasse o desafio das águas profundas. Esses conhecimentos foram posteriormente repassados aos fabricantes de bens de capital ou incorporados em novos projetos conceituais que foram posteriormente implantados.

Ao mesmo tempo, dentro do quadro do Procap, a estatal brasileira adquiriu uma importante capacitação tecnológica em serviços complementares (software), que talvez seja um dos seus mais importantes trunfos na atualidade. Assim, o Cenpes desenvolveu junto ao departamento de produção a capacidade de instalar ANM, templates manifolds e risers sem o recurso de mergulhadores, em grandes profundidades. Normalmente, usam-se mergulhadores para instalar cabos-guias que possibilitam a descida das partes desse equipamento com precisão até o local de produção. Como o mergulho está limitado operacionalmente em até menos 400 metros, torna-se extremamente difícil instalar ANM em profundidades superiores a essa. Com tal propósito, a Petrobrás desenvolveu um conhecimento operacional que é praticamente único no mundo de instalar ANM a grandes profundidades. O mesmo ocorreu com a instalação de dutos. Esse know-how foi o objeto da outorgação do prêmio da OTC (Offshore Technology Conference), em 1992. Os recordes premiados foram os de instalação de ANM, monobóias e de dutos a grandes profundidades.

A explicação mais lógica para que a Petrobrás tenha adotado uma estratégia tecnológica, baseada em inovações incrementais, é o seu menor custo e risco. Entretanto, a empresa não desconsiderou a perspectiva da descontinuidade tecnológica. Com efeito, sempre houveram dúvidas quanto às possibilidades de esticar a tecnologia dos SPF para profundidades superiores a 1000 metros.

Os pontos críticos dos SPF são a questão da segurança associada a instalação e operação de equipamentos como as ANM, que se tornam cada vez mais caros a medida em que aumenta a profundidade. O risco de explosões na cabeça do poço (“blow-out”), constitui um importante desafio. Por outro lado, há o problema das conexões entre a cabeça de poço e a plataforma, principalmente, dos risers flexíveis. Estes, além de serem cada vez mais caros, a medida em que a profundidade aumenta, colocam o problema do peso que pode ser tão grande a ponto de “afundar” a plataforma semi-submersível. Uma das mais importantes soluções desenvolvidas pela empresa, no quadro do Procap, foram os sistemas híbridos que permitem o uso de conexões rígidas apoiadas no solo até uma certa altura, a partir da qual são ligadas às plataformas por risers flexíveis. Ele representa uma solução de continuidade para a estratégia de esticar a tecnologia dos SPF.

Pressintindo o esgotamento da tecnologia dos SPF, a Petrobrás começou a pensar em termos de descontinuidade tecnológica. No contexto do Procap, a empresa buscou dominar, em nível de projeto, tecnologias como as da TLP e do bombeio multifásico. A TLP, como mencionamos anteriormente, é uma tecnologia já operada em alguns locais, competindo em profundidade com a da Petrobrás. A Petrobrás ciente desses desenvolvimentos, realizou no contexto do Procap um contrato de transferência de tecnologia com a joint-venture americano-norueguesa Fluor-GVA. Posteriormente, os técnicos do Cenpes desenvolveram o projeto conceitual de uma TLP para operar nas condições da Bacia de Campos, em profundidades de até 1000 metros.

A tecnologia do Bombeio Multifásico, como vimos anteriormente, ainda se encontra em estágio experimental. A Petrobrás participa de contratos de cooperativos que servem para financiar a P&D executada nesse campo por determinadas empresas e centros de pesquisa. Esses contratos coperativos permitem a Petrobrás ter acesso aos conhecimentos obtidos com os desenvolvimentos dessa tecnologia.

A estratégia tecnológica da Petrobrás teve até o momento fortes traços de empresa de país periférico, uma vez que, ao invés de optar por um sistema tecnológico novo, mais ousado, escolheu aperfeiçoar a base técnica que já dominava, baseada nos sistemas flutuantes de produção (SPF), mesmo que esse sistema ainda não operasse em águas profundas. Mesmo assim, essa estratégia não ignorou a possibilidade de descontinuidade, mantendo em permanência um monitaremento das principais evoluções tecnológicas da indústria. Esse tipo de estratégia tem sido muito bem sucedida e permitiu que a empresa mantivesse a liderança mundial em águas profundas.

5.3 Tendências recentes década de 90

Para desenvolver os novos conceitos tecnológicos gerados pelo PROCAP 1000, a Petrobrás teve que superar uma série de dificuldades externas, dentre as quais sobressaiu-se a sua realidade financeira. Os planos elaborados pela empresa demandavam investimentos anuais da ordem de US$ 4 bilhões. Entretanto, apenas a metade desses recursos foram executados nos últimos anos, colocando a empresa numa situação difícil de ter que rever seus planos iniciais (Furtado e Muller, 1994).

A realidade financeira da empresa, que veio se agravando desde a segunda metade da década de 80, não era condizente com essas metas de investimento. O faturamento da empresa caiu aproximadamente da metade, em termos reais, durante a década de 80, comprometendo fortemente sua capacidade de investimento. Note-se que essa queda não teve origem na retração da produção mas, sim, no valor das tarifas fixadas pelo governo.

Frente a esse quadro relativamente desfavorável, a empresa foi levada a dar continuidade a sua estratégia incrementalista na década 90, somente que desta vez alinhando-se com a evolução da indústria internacional. Nesse contexto, até mesmo a estratégia tecnológica elaborada no quadro do Procap 1000 está sendo revista. Os planos de industrializar conceitos próprios de plataformas semi-submersíveis, como a Vitória Régia, para valorizar campos de águas profundas estão sendo paulatinamente deixados de lado, à espera de dias melhores. Aparentemente a Petrobrás XVIII terá sido a única plataforma nova encomendada pela empresa. Agora a empresa está partindo para soluções mais econômicas.

As novas iniciativas voltadas para o desenvolvimento da produção em águas profundas têm se caracterizado pela escolha de soluções mais modestas. De fato, a terceira unidade, a ser instalada no campo de Marlim, com capacidade de produção de 100.000 bbl/dia, deverá ser uma plataforma semi-submersível de perfuração transformada pelo estaleiro nacional Verolme Ishibrás. O custo do empreendimento está sendo avaliado em US$ 165,5 milhões, o qual é bem inferior ao da Petrobrás XVIII que foi de US$ 272 milhões.

Entretanto, as mudanças na estratégia da empresa são ainda mais radicais, já que ela vêm manifestando interesse em abandonar o conceito das plataformas semi-submersíveis para aproximar-se daquele dos FPSO. A Petrobrás está acelerando a transformação de navios petroleiros usados nessas unidades. Os custos estimados situam-se na faixa dos US$ 100 a 160 milhões (Gazeta Mercantil, 8/11/95). Está sendo prevista a instalação de um FPSO no campo de Barracuda que será recorde mundial de profundidade em 840 metros de lámina d’água (OGJ, 8/5/95).

Essa mudança de postura frente à inovação está alterando a natureza dos programas tecnológicos da empresa. O Procap 2000, que é continuação do programa homônimo, pretende permitir que a empresa alcance profundidades de produção de até 2000 metros, posssibilitando a valorização de todo o potencial de reservas existentes na Bacia de Campos, estimado em torno de 8 bilhões de barris. Os projetos desse programa, ao todo onze, podem ser reagrupados em duas categorias importantes: os projetos que são destinados a melhorar o desempenho dos SPF (perfuração e estabilidade de poços horizontais e alta inclinação; controle de blow-outs, de escoamento da produção, etc.); e aqueles destinados a trabalhar com conceitos completamente novos (sistema de separação submarina, bombeio multifásico, bombeio centrifugo, novos conceitos de plataformas com completação seca e molhada). Os esforços destinados ao desenvolvimento de novos componentes dos SPF como ANM, template, risers e plataformas e as técnicas de colocação desses sistemas, que foram tão importantes para o Procap 1000, estão curiosamente ausentes desse programa.

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