Espacios. Vol. 17 (3) 1996

A Trajetória Tecnológica da Petrobrás na Produção Offshore 4/6

La Trayectoria Tecnológica de Petrobrás en la producción "Offshore" (Costa afuera)

Petrobras Technological approach in Offshore production

Andre Tosi Furtado


5. A trajetória tecnológica da Petrobrás

A Petrobrás constitui um caso interessante para estudos de capacitação tecnológica em nível da firma de países em desenvolvimento. Além de monopolizar a indústria de petróleo nacional, configura-se na maior empresa do Brasil. Faturava, em 1993, US$ 15 bilhões e investia US$ 118,5 milhões em P&D, o que também lhe conferia a liderança da pesquisa industrial no país. Fruto desses investimentos, direcionados fundamentalmente à implementação de um esforço tecnológico próprio, a empresa tem logrado avanços significativos na produção de petróleo em águas profundas. Tais avanços têm merecido grande destaque e projetado a Petrobrás no âmbito da indústria do petróleo internacional.

O sucesso empresarial na indústria do petróleo se relaciona a um conjunto de fatores associados às estratégias adotadas pela própria firma, endógenos, e a outros tantos que lhe são exógenos, próprios às características gerais da indústria, à estrutura do mercado consumidor, e ao comportamento da economia. Retomando a visão evolucionista (Nelson e Winter, 1982), a trajetória tecnológica da empresa pode ser definida como a interação dos processo de aprendizagem cumulativo realizado pela empresa com o ambiente externo que incentiva e seleciona determinadas rotinas e estratégias inovativas.

O ambiente de seleção externo não se restringe apenas ao mercado. Merecem realce na indústria do petróleo, os condicionantes macro-econômicos, políticas setoriais, os aspectos geopolíticos, aspectos geológicos e de localização das reservas.

5.1 A trajetória da Petrobrás no período que precede o salto para a produção

A Petrobrás adotou desde sua criação uma estratégia no campo da tecnologia que poderíamos considerar de realista no quadro de um país periférico. O país carecia de experiência produtiva na indústria do petróleo; não dispunha igualmente de um tecido industrial de fornecedores. Portanto, o desafio que desde o início se colocava à empresa era de implantar atividades produtivas ao longo da cadeia petrolífera e ao mesmo tempo iniciar e consolidar o processo de implantação de uma rede de fornecedores.

Nesse contexto, a estratégia inicialmente desenvolvida pela Petrobrás consistia em se qualificar como um bom comprador de tecnologia externa. Essa tecnologia vinha na forma de importantes projetos industriais, como as refinarias de petróleo e os serviços industriais, dirigidos à áreas de exploração-produção. O esforço tecnológico da empresa dirigia-se para a formação de recursos humanos. Logo após sua criação constituiu o CENAP (Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisa de Petróleo), em colaboração com a Universidade do Brasil, com a finalidade principal de formar recursos humanos.

A formação de RH tinha, na realidade, duas finalidades principais: dotar os quadros técnicos de uma capacidade de compra de tecnologia; e depois, aprimorar a capacidade operacional dos equipamentos em uso. Mas a própria atividade de formação de recursos humanos levou, em seu bojo, um embrião de pesquisa industrial. Assim atuava dentro do CENAP um setor de pesquisa e análise que realizava tarefas de apoio à produção: testes de petróleo, análise de rochas e águas, os primeiros estudos sobre rendimento e exames para o controle de qualidade simulados em plantas pilotos (Gomes de Freitas, 1993). Em virtude da constituição de um núcleo de técnicos capacitados em desenvolver atividades de P&D, foi se consolidando, dentro da empresa, a vontade de institucionalizar essa função dentro da empresa. Em 1963, ainda no governo democrático, é proposta a criação de um centro de P&D na empresa. Esse centro foi criado institucionalmente em 1966, passando a se chamar de Cenpes. Mas o seu verdadeiro desenvolvimento somente ocorreria na década 70, quando ele foi transferido para a Ilha do Fundão, dispondo a partir de então de instalações de grande porte adequadas às suas necessidades. Durante essa década o centro ampliaria consideravelmente o seu porte. Surgiram as principais superintendências de Pesquisa Industrial (1976), Engenharia Básica (1976) e de Exploração e Produção (1979).

Porém, mesmo contando com um centro de P&D, a Petrobrás estava longe de ter alcançado uma posição que a habilitasse a inovar. De fato, embora fosse uma importante emanação do processo de aprendizagem tecnológica que se constituía dentro da empresa, o Cenpes estava longe de haver formado os elos com os departamentos operacionais que impeliriam uma sinergia suficiente entre geração e difusão de tecnologia. Na realidade, os departamentos operacionais prosseguiam em sua própria lógica de serem bons compradores e operadores de tecnologia importada, sem sentirem necessidade de recorrer propriamente a geração interna de tecnologia.

As atividades de P&D, que se estabeleceram dentro do Cenpes durante a década de 70, estavam principalmente voltadas para o downstream. As equipes que se expandiram estavam relacionadas à pesquisa química (Diquim), de Refino (Diter) e Petroquímica (Dipol). O setor de engenharia básica, também, orientava suas atividades para a elaboração e prestação de serviços na área de refino e petroquímica. A consolidação dessas atividades permitiu que a empresa melhorasse sua capacidade de negociação de pacotes tecnológicos, resultando num maior domínio sobre o processo de transferência de tecnologia. Por outro lado, ela possibilitou que o Cenpes iniciasse pesquisas visando a desenvolver tecnologias de processo. Todavia, esses desenvolvimentos ocorreram em áreas marginais, como o processo de conversão álcool etílico em eteno para a álcoolquímica.

O verdadeiro entrosamento entre o Cenpes e os departamentos operacionais somente aconteceu com o deslocamento do eixo dinâmico da empresa do downstream para o upstream.

5.2 A guinada para o upstream a partir de 1980

Durante as décadas de 80 e 90, abrangidas pela terceira e quarta etapas da trajetória, a empresa é levada a enfrentar diversos desafios, o mais importante dos quais se relaciona com o desenvolvimento da produção

5.2.1 A produção offshore

O grande salto produtivo que a empresa realizou se deu com o desenvolvimento em grande escala da produção offshore durante a primeira metade da década de 80. Nesse período, a produção de petróleo triplicou, passando de uma média diária de 182 mil bbl, em 1980, para 546 mil bbl, em 1985 (Tabela 3).

TABELA 3
Produção de petróleo (mil bbl/dia)

1980 1985 1990 1992 1995*
Terra 107 154 188 198 190
Mar 75 392 443 455 500
Total 182 546 631 653 690

Os investimentos necessários para o desenvolvimento e implantação de sistemas de produção no mar costumam ser muito elevados (Giraud & Boy de la Tour, 1986). Os sistemas permanentes, constituídos por plataformas, tubulações submarinas, cabeças de poços, entre outros, envolvem investimentos da ordem de centenas de milhões de dólares, podendo ultrapassar a barreira do bilhão como vimos anteriormente. A implantação e operação desses sistemas requer que a empresa detenha um certo nível de capacitação tecnológica.

Sendo a tecnologia offshore de fronteira, o seu desenvolvimento exigiu que as companhias petroleiras e os seus fornecedores realizassem um esforço interno em P&D, consideravelmente maior ao que costumavam fazer. As companhias dos países europeus, especialmente, foram impelidas a desenvolver internamente a engenharia básica dos sistemas de produção marítimos (Bell and Oldham, 1988), uma vez que concentraram seus interesses no Mar do Norte, após o primeiro choque do petróleo.

Na Petrobrás, a prioridade que essa empresa deu a produção de petróleo no mar a partir de meados da década de 70 provocou um efeito semelhante. A empresa necessitou desenvolver um esforço tecnológico interno muito maior ao que realizara até então. Por conta dessa mudança, a atividade de engenharia básica se expandiu e se consolidou na empresa. Os investimento em P&D cresceram consideravelmente ao longo da década de 80, alcançando 0,7% do faturamento da empresa no final da década.

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