ISSN 0798 1015

logo

Vol. 38 (Nº 60) Año 2017. Pág. 17

Compreensão do corpo na perspectiva spinoziana: um olhar sobre a educação infantil

Body understanding in the spinozian perspective: a look at children education

Alessandro PEREIRA 1; Alessandra de Fatima Giacomet MELLO 2; Alexandre VANZUITA 3; Ana Clarisse Alencar BARBOSA 4; Fernanda SOUZA 5; Greissa Leandra DE MARCO 6; Rudnei Joaquim MARTINS 7; Valeria Becher TRENTIN 8

Recibido: 30/08/2017 • Aprobado: 28/09/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Considerações teóricas

3. Considerações Finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

O texto analisa as questões dos afetos na perspectiva spinoziana. Objetiva compreender e desenvolver o problema do corpo na filosofia de Benedictus de Spinoza, relacionando o entendimento do corpo na Educação Infantil, traçando um paralelo entre potência e afetos. Tem-se a ideia que os agenciamentos de diferentes maneiras que o corpo é afetado interferem no desenvolvimento, essa reflexão analisa aspectos que envolvem a Educação Infantil por tratar-se de um espaço de interações, a relação dos afetos se se destaca nesse ambiente. Palavras chave: Afetos, Spinoza, Educação Infantil

ABSTRACT:

The text analyzes the issues of affect in the Spinozian perspective. Objective To understand and develop the problem of the body in the philosophy of Benedictus of Spinoza, relating the understanding of the body in Early Childhood Education, drawing a parallel between power and affections. We have the idea that the assemblages of different ways that the body is affected interfere in the development, this reflection analyzes aspects that involve the Infantile Education because it is a space of interactions, the relation of affections if it stands out in that environment.
Key words: Affection, Spinoza, Early Childhood Education

PDF version

1. Introdução

O objetivo desse trabalho é compreender e desenvolver o problema do corpo na filosofia de Benedictus de Spinoza, expressa em sua obra Ética, relacionando seu entendimento na Educação Infantil traçando um paralelo entre potência, afetos e as relações com que o corpo neste espaço de comoção humana estabelece. Ao contextualizarmos a temática; a resolução de tal problema de estudo implica necessariamente percorrer a teoria dos afetos, a teoria do conhecimento e igualmente a ontologia e a ética spinozista.

Spinoza (2015) diz que somos seres que a todo o momento estamos sendo afetados por outros corpos, nesse sentindo suscitamos nosso olhar para a Educação Infantil, que, concordando com Brasil (1998) é espaço de manifestação natural e de desenvolvimento da cultural corporal da criança.

2. Considerações teóricas

Descartes (1996), escreve que  

E assim ainda, pensei que, como todos nós fomos crianças antes de sermos homens, e como nos foi preciso por muito tempo sermos governados por nossos apetites e nossos preceptores, que eram amiúde contrários uns aos outros, e que, nem uns nem outros, nem sempre, talvez nos aconselhassem o melhor, é quase impossível que nossos juízos sejam tão puros ou tão sólidos como seriam, se tivéssemos o uso inteiro de nossa razão desde o nascimento e se não tivéssemos sido guiados senão por ela. (DESCARTES, 1996, p.74).

A discussão da governabilidade, inicia com as palavras proferidas por Descartes, em seu livro O Discurso do Método (1996), com o intuito de retomar a potencialidade do domínio do corpo. A esse respeito, apoiamo-nos em Spinoza (2015) e concordamos como o autor quando diz que “o corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída”. (SPINOZA 2015 p. 99).

 Esta questão abordada fica evidente na definição dada por Rabelo (2014) sobre potencialidade, quando nos diz que somos corpos em movimento, na qual as relações que o corpo estabelece desenham a composição que o define como tal.  Diante disto, cada corpo é composto por espectros de tais relações, e estas relações são aquilo que vão definindo as partes que compõem o corpo, sempre nos confrontando na reelaboração constante de nossas subjetividades. (SPINOZA, 2015).

 O que para Spinoza, é nesta relação entre corpos com a natureza, [...] “o corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” (SPINOZA, 2015 p. 99). O que significa que sua relação com a substância maior “em outras palavras, porque somos finitos e seres originariamente corporais, somos relação com tudo quanto nos rodeia, e isto que nos rodeia são também causas ou forças que atuam sobre nós” (CHAUÍ, 2011, p. 88).

Spinoza (2015), considera que os corpos, em suas relações com outros corpos, sofrem constrangimentos ou expansões de potência que são expressos na mente por meio das ideias e esta é a dimensão afetiva da experiência, pois o afeto é entendido por ele (2015, p. 98), [...] “como a substância que apresenta uma potência absoluta e infinita de afetação, enquanto os modos variam, o que significa que experimentam transições, que são chamadas de afetos”.  Esta definição nos remete a pensar a potência dos afetos na área de educação, mais precisamente na Educação Infantil, onde os corpos estão em pleno desenvolvimento e a sede de movimentos, característicos a esta faixa etária, proporciona sobre o olhar de Spinoza, uma afetação dos corpos, e o autor reafirma: (SPINOZA 2015, p. 98).

O fato é que ninguém determinou, até agora, o que pode o corpo, isto é, a experiência a ninguém ensinou, até agora, o que o corpo – exclusivamente pelas leis da natureza enquanto considerada apenas corporalmente, sem que seja determinado pela mente – pode e o que não pode fazer” (SPINOZA, 2015. p. 100).

Ao relacionarmos esse entendimento para a Educação Infantil, entendemos que a criança nesse processo necessita de direcionamento de forma que sua potencialidade seja canalizada para promover o seu desenvolvimento, pois nesta fase a criança está em processo de desenvolvimento e de descobertas.

Se torna importante, neste momento, caracterizarmos a questão de potência no sentido do “ser” potente, como um tributo a sua existência, de acordo com as afirmações de Deleuze:

Atribuímos a um ser finito uma potência de existir como sendo idêntica a sua essência. Certamente, um ser finito não existe através da sua própria essência ou potência, mas em virtude de uma causa externa. Ele também não deixa de ter uma potência que lhe é própria, embora essa potência seja necessariamente efetuada sob a ação de coisas exteriores. (DELEUZE, 1968, p. 60).

Reafirmando esta ideia, para Spinoza (2015), as interações com os corpos não se relacionam de maneira pré-estabelecidas, e afirma que esta potência de um ser finito, na medida em que se considera este ser como sendo a parte de um todo, como modo de um atributo de uma substância (SPINOZA, 2015).

 O entendimento proposto, nos direciona à criança na Educação Infantil, objeto esse de estudo, espaço em que o movimento pode ser considerado como ação de expansão da criança no sentido dado por Spinoza, naquilo que ela consegue produzir por sua vontade. Para reafirmar os argumentos de Spinoza, trazemos Foucault (1998, p. 113), que entendemos caminhar nesta direção quando nos diz que: “De que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece?”

 Embora o corpo interaja com outro, “esse outro sempre se sobrepõe, e que o uso do poder penetra muito mais profunda e sutilmente quando atua na ordem do saber, da verdade da consciência e do discurso” (Foucault 1998, p. 71). O que significa que é um produto legitimador dos discursos que anunciam como quem tem o poder legitima sua verdade, ou seja, o domínio dos corpos, seja ele libertador ou objeto de opressão.

De acordo com Spinoza “a mente humana não conhece o próprio corpo humano e não sabe que ele existe senão por meio das ideias das afecções pelas quais o corpo é afetado” (Spinoza,2015, p.70). A mente humana só conhece os corpos exteriores através do corpo do qual ela tem ideia. Ao mesmo tempo em que só pode conhecer-se enquanto corpo quando se relaciona com os corpos exteriores que se encontram em um regime de afetação recíproca com ela.

 A ideia que a mente tem das afecções do corpo é um conhecimento imaginativo, embora esta forma de conhecimento não deva ser subestimada, já que constitui a base para os outros gêneros do conhecimento, (Ramacciotti, 2014). Nesta perspectiva, Chauí (2011) afirma que:

[...] o corpo não é uma unidade isolada que entraria em relação com outras unidades isoladas, mas é um ser originária e essencialmente relacional: é constituído por relações internas entre os corpúsculos que formam suas partes e seus órgãos e pelas relações entre eles, assim como por relações  externas com outros corpos ou por afecções, isto é, pela capacidade de afetar outros corpos e ser por eles afetado sem se destruir, regenerando-se, transformando-se e conservando-se graças às relações com outros. (CHAUI, 2011, p. 73).

A referência de Chauí, pauta-se na afetação desse corpo em detrimento ao outro, essa relação perfaz a condição do corpo entorno do ambiente que se está interagindo, é, portanto, uma ação não conclusa dos afetos. Quando transpomos essa relação para a Educação Infantil, é possível perceber a maneira de sermos afetados e ao mesmo tempo que afeto este alguém possibilita ao interagir com o outro.

Embora a pesquisa esteja entrelaçada nas questões dos afetos, é interessante lembrar que, ao se constituir como docente na Educação Infantil, tem-se a breve relação da escola em si. Essa relação é complexa e atribuímos esse contexto a uma célebre frase de Jean-Jacques Rousseau (1992, p. 394), “a instrução das crianças é uma profissão em que é preciso saber perder tempo para ganhá-lo”. E, pensando na criança, isto significa que o brincar é tão importante para o processo de construção da criança, por vezes, negligenciado pelos profissionais que atuam na educação infantil. O autor afirma: “Amai a infância; favorecei seus jogos, seus prazeres, seu amável instinto. Quem de vós não se sentiu saudoso, às vezes, dessa idade em que o riso está sempre nos lábios e a alma sempre em paz? ” (ROUSSEAU, 1992, p. 302).

É fato que necessitamos de diretrizes no que se refere a escolarização na Educação Infantil, e nesse aspecto, as reflexões levantadas conduzem a interação profunda com o universo da criança. Neste sentido o perder tempo não significa não fazer nada, mas interagir com o mundo que a cerca e afetá-la de maneira positiva.

Vale lembrar que a valorização da escola para crianças surge com a institucionalização da educação da infância e o responsável por isso foi Rousseau, no século XVIII. Foi através dele que a criança começou a ser vista de maneira diferenciada. Rousseau propôs uma Educação Infantil sem juízes, sem prisões e sem exércitos.

Neste entendimento, as contribuições de Bracht (2013) pautam-se na “dimensão que a cultura corporal ou de movimento assume na vida do cidadão atualmente é tão significativa que a escola é chamada não a reproduzi-la simplesmente, mas a permitir que o indivíduo se aproprie dela criticamente” (BRACHT, 2013 p. 101).

A partir dessas reflexões entendemos que ao se trabalhar com o corpo na Educação Infantil há de se ter claro que relações com o corpo queremos atingir, o que se deseja alcançar com este trabalho e isso parte de uma reflexão profunda do papel do profissional em articulação com a realidade da criança e apropriação do conhecimento necessário para isso. Como aponta Spinoza (2015), o corpo vai se definindo, sendo moldado pela sua capacidade de afetar e ser afetado por outros corpos, pela sua capacidade de compor essa relação e o que se evidencia nela. Portanto, adentrar nos espaços escolares e intervir de maneira que afetemos o outro, numa relação que legitima a mobilização de diferentes fontes de saberes, principalmente o saber docente dos professores que atuam na Educação Infantil, é uma maneira deste profissional afetar este ambiente.

Como destacado por Chauí (2011, p. 88), “[...] os afetos não são simples emoções, mas acontecimentos vitais e medidas da variação de nossa capacidade de existir e agir”, mas pelo fato de ser nossas ações e sentimentos que conduzem as relações que podem afetar e serem afeados, pois de alguma maneira somos afetados positivamente ou negativamente, no sentido do termo, que segundo Spinoza propõe:

Aquele que tem um corpo capaz de muitas coisas, tem uma mente que, considerada em si mesma, possui uma grande consciência de si, de Deus e das coisas. Assim, esforçamo-nos, nesta vida, sobretudo, para que o corpo de nossa infância se transforme, tanto quanto o permite a sua natureza e tanto quanto lhe seja conveniente, em um outro corpo, que seja capaz de muitas coisas e que esteja referido a uma mente que tenha extrema consciência de si mesma, de Deus e das coisas” (SPINOZA, 2015 p. 235).

O sentido posto em relação ao corpo e a maneira como somos afetados, são elementos estruturantes da formação e personalidade da criança, o que torna necessário compreender a maneira que acontece, Garanhani e Naldony (2011), define isto muito bem, quando afirma:

 A criança, desde que nasce, entra em contato com o mundo simbólico da cultura, sendo que a apropriação de conhecimentos e, consequentemente, o seu desenvolvimento, se dão a partir das interações que ela estabelece com as pessoas e com o meio cultural em que está inserida. Assim, as diferentes linguagens, a interação e o brincar são elementos articuladores que favorecem o desenvolvimento infantil e a apropriação de conhecimentos. (GARANHANI e NALDONY, 2011, p. 64).

Neste caso o ser criança, não necessariamente como a definição no sentido literário do termo, mas como proposta de um ser como potência absoluta da Natureza, o que significa dizer enquanto “modos finitos imanentes”, apresentados na definição de Spinoza (2015). Ou seja, somos ação finita que é parte intrínseca da natureza, o que significa que a criança se relaciona com essa natureza, e que na Natureza nada mais há do que a substância e os modos, que ela é causa de si e os modos causados por ela.

De acordo com Spinoza, “[...] o objeto da ideia que constitui a mente humana é o corpo, ou seja, um modo definido da extensão, existente em ato, e nenhuma outra coisa” (SPINOZA, 2015 p.13). O que significa que a mente é uma ideia do corpo, e tudo o que nele se passa, isto é, as afeções, é experimentado por ela como afeto, nesse aspecto, somos seres afetivos e, portanto, o afeto é o ponto de partida para a construção da nossa felicidade (Rocha, 2015).

Spinoza explica que compreende “por afeto as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções” (SPINOZA, 2015. p. 17).

Estabelecendo o diálogo, com Deleuze (1968), na trajetória afetiva, nossos afetos envolvem experiência, vivência e principalmente a maneira como somos afetados. Na trajetória da dinâmica afetiva, nossos afetos envolvem a experiência da contradição: a alegria é aumento de potência, mas sendo passiva, traz consigo a tristeza, diminuição desta mesma potência para agir, pensar e perseverar. “Se uma coisa aumenta ou diminui, estimula ou refreia a potência de agir de nosso corpo, a ideia dessa coisa aumenta ou diminui, estimula ou refreia a potência de pensar de nossa mente” (SPINOZA, 2015, p.11).

Nesse entendimento, significa que o corpo está em constate equilíbrio e desequilíbrio, que ajustar a forma com que ele se constitui depende de fatores de afetação, e a forma com que sou afetado e tendo a minha potência aumentada ou diminuída.  Como compreende Santos (2009),

[...] o corpo está determinado a se movimentar ou repousar; a se juntar a outros corpos formando um indivíduo maior, mais forte e mais ativo; ele está determinado a existir por uma duração de tempo e a lutar para permanecer no seu ser por tempo indefinido; ele está determinado a afetar e ser afetado; ele está determinado a utilizar e a ser utilizado por outros corpos; a destruir e ser destruído por outros corpos; mas nada disso é ruim; pois tudo revela a essência mesmo de Deus, que é ativa e causa de todas as determinações. (SANTOS 2009, p. 158).

O corpo humano é uma proporção extensa complexa, constituído por uma variedade de outros corpos, cada um destes igualmente complexos, o qual, de acordo com Spinoza (2015), se caracteriza por uma união de diversificados corpos fluidos, moles e duros. “A dinâmica corporal é caracterizada pela maneira como cada um destes distintos corpos agrega e dispõe as afecções provenientes dos corpos exteriores” (Rocha, 2015 p. 36).

Essa relação estabelecida evidencia-se na Educação Infantil, objeto de relação com a teoria Spinoziana proposta nesse artigo, a menção proposta para tal argumento pauta-se nas questões levantadas de potência no sentido de desenvolvimento e de afetos, relação essa tão presente na Educação Infantil. Portanto, “[...] o corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, enquanto outras tantas não tornam sua potência de agir nem maior nem menor” (SPINOZA, 2015 p. 156). Reafirmando, Rocha (2015), apresenta que:

A constituição de um corpo é equivalente à sua potência para afetar os outros corpos de diversas maneiras. Assim, da relação estrutural e constitutiva corporal com a sua potencialidade, temos condições de conhecer aquilo que um corpo pode. O que ele pode refere-se a sua habilidade e capacidade para afetar e ser afetado: desta maneira cada corpo manifesta sua potência tanto quanto a pode; agimos, pois, graças aos afetos e não contra eles. (Rocha, 2015 p. 38).

Ao estabelecer a dualidade entre potência e afetos, não se tem a experiência previamente da certeza do que o corpo é capaz, apenas uma percepção da maneira como o corpo é afetado. Isto significa que ao adentrar na Educação Infantil, tem-se a percepção da maneira de como afetamos e somos afetados. Spinoza explica claramente este fenômeno, quando afirma: “nossa potência de agir, pode ser determinada e, consequentemente estimulada ou refreada pela potência de outra coisa singular que tem algo em comum conosco, e não pela potência de uma coisa cuja natureza é inteiramente diferente da nossa” (SPINOZA, 2015 p. 29). E acrescenta:

Podemos e devemos conceber todos os corpos da Natureza do mesmo modo que fizemos com o sangue: com efeito, todos os corpos estão circundados por outros corpos e se determinam reciprocamente para existir e operar em relações determinadas, mantendo sempre constante em todos os corpos (isto é, no universo inteiro) a mesma relação de movimento e repouso. Decorre daí que todo corpo, enquanto existe modificado de uma certa maneira, deve ser considerado como uma parte do universo que concorda com seu todo e se vincula com o resto. E como a natureza do universo não é limitada como a natureza do sangue, mas é absolutamente infinita, suas partes são dirigidas de infinitas maneiras e estão submetidas, por esta potência infinita, a infinitas variações. (SPINOZA, 1983 p. 383).

Ao destacarmos essa constatação de Spinoza, percebemos que o corpo tem potencialidades finitas, a sua natureza é de relacionar-se com outro, é interagir com o universo; que desenvolvo minha potência como ser corpóreo que sou. Assim, ao remetermos o discurso de Spinoza para a Educação Infantil, fica evidente a questão de que o trabalho com movimento nesta etapa deve contemplar a multiplicidade das funções e manifestações do ato motor, propiciando um amplo desenvolvimento dos aspectos específicos da motricidade infantil, abrangendo atividades voltadas para a ampliação da cultura corporal de cada criança, bem como a reflexão acerca das posturas corporais presentes nas atividades cotidianas (BRASIL, 1998).

Para isto, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RNCEI), aponta que:

[...] um grupo disciplinado não é aquele em que todos se mantêm quietos e calados, mas sim um grupo em que os vários elementos se encontram envolvidos e mobilizados pelas atividades propostas. Os deslocamentos, as conversas e as brincadeiras resultantes desse envolvimento não podem ser entendidos como dispersão ou desordem, e sim como uma manifestação natural das crianças (BRASIL, 1998, p. 19).

Esta relação fica evidente em Bracht (1992), quando trata da importância da dimensão que a cultura corporal ou de movimento assume na vida do cidadão atualmente, que se torna tão significativa onde a escola é chamada não a reproduzir simplesmente, mas a permitir que o indivíduo se aproprie dela criticamente, para poder de forma efetiva exercer sua cidadania. Introduzir os indivíduos no universo da cultura corporal ou de movimento de forma crítica é tarefa da escola e especificamente da Educação Física (BRACHT, 1992 p. 82).

Lembrando que esse movimento é tratado no RCNEI (1998); onde as instituições de Educação Infantil devem favorecer um ambiente físico e social para que a criança se sinta protegida e acolhida, e ao mesmo tempo seguras para se arriscar e vencer desafios. Quanto mais rico e desafiador for esse ambiente, mais ele lhes possibilitará a ampliação de conhecimentos acerca de si mesma, dos outros e do meio em que vivem, (BRASIL, 1998). Essa relação, desvela-se no comentário de Deleuze, quando nos diz que:

É ele (o corpo), portanto, que se esforça para extrair encontros do acaso e, no encadeamento das paixões tristes, organizar os bons encontros, compor suas relações com relações que combinam diretamente com a sua, unir-se com aquilo que convém com ele por natureza, formar associação sensata entre os homens; tudo isso, de maneira a ser afetado pela alegria […] o homem livre e sensato, identifica o esforço da razão com essa arte de organizar encontros, ou de formar uma totalidade nas relações que se compõem” (DELEUZE, 1968, p 180).

É fato que a questão do corpo se torna evidente e remete ao movimento como processo de aprendizagem, principalmente quando falamos de Educação Infantil. Segundo Breton (2016, p. 16), “[...] o corpo parece evidente, mas definitivamente, nada é mais inapreensível, ele nunca é um dado indiscutível, mas o efeito de uma construção social e cultural [...]”. Ou seja, ao ser afetado por outro corpo estou sendo modificado ou modificando esse corpo que se relaciona comigo, definição essa sustentada por Spinoza e ancorada na perspectiva do movimento.

3. Considerações Finais

Ao engendrarmos por caminhos desconhecidos, estamos desbravando trilhas, o corpo é moldável embora essa relação defina a maneira como é afetada por relações que muitas vezes não são previsíveis. A Educação Infantil é um ambiente sensível e de grande afetividade, a imersão nesse ambiente nos permite afirmar que o movimento é intrínseco à criança, porém, é a maneira que se relaciona que afeta esse corpo que está em constante transformação, “a estrutura de um corpo é a composição da sua relação. O que pode um corpo é a natureza e os limites do seu poder de ser afetado” (Deleuze,1968 p.147), e no entendimento de Spinoza (2015), tem-se que:

[...] não desejamos uma coisa por julgá-la boa, mas ao contrário, dizemos que é boa porque a desejamos. E, consequentemente dizemos que é má a coisa que abominamos. Por isso, cada um julga ou avalia, de acordo com seu afeto, o que é bom ou mau, o que é melhor ou pior e, finalmente o que é ótimo ou péssimo. Assim, o avaro julga que o ótimo é a abundância de dinheiro e o pior, a sua falta. O ambicioso, por sua vez, nada deseja tanto quanto a glória e nada teme tanto quanto a vergonha. Ao invejoso, enfim, nada é tão agradável quanto a infelicidade de um outro e nada tão desagradável quanto a felicidade alheia. E assim, cada um, de acordo com o seu afeto julga uma coisa boa ou má, útil ou inútil. [...]. (SPINOZA, 2015 p.124).

O que significa que a forma de relacionar-se com o outro nos afeta, não sendo bom ou mal, mas sim algo que pode ser bom para mim, conforme o entendimento de Spinoza.

Nesse contexto, Spinoza nos instiga a pensar questões relevantes a respeito dos afetos e a maneira que isso se relaciona. Portanto, o diálogo estabelecido com as teorias Spinozianas, nos permite reflexões em torno da criança como ser corpóreo no sentido de movimento, e que, a todo o momento está sendo modificado e, ao mesmo tempo, que afeta é afetado por esse outro.

Referências bibliográficas

BARTUSCHAT, W., (2010). Espinosa. Trad. Beatriz Avilla Vasconcelos. 2 ed. Porto Alegre: Artmed.

BRACHT, V. (1992). Educação física: a busca da legitimação pedagógica. In: ______. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister.

BRACHT, V. (2013). Educação Física brasileira e a crise da década de 1980: entre a solidez e a liquidez. In. MEDINA, J.P.S e cols. A educação física cuida do corpo... e ‘mente’: novas contradições e desafios do século XXI. Campinas: Papirus, p. 99-116.

BRASIL, (1998). Congresso Nacional. Lei n. 9696, de 1º de setembro de 1998.

BUJES, M., I., E. (2007). Temas e tramas na pesquisa em educação. Intermeio: revista do Programa de Pós-Graduação em Educação (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), v.13, n.26, p. 163-171, jul. /dez.

CHAUÍ, M. (2011). Desejo, paixão e ação na ética de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras.

DESCARTES, R. (1996). O discurso do Método. Trad. de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes. (Clássicos).

FOUCAULT, M., (2015). Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 42 ed. Petrópolis: Vozes.

_________. Poder (1998) - Corpo. In: Microfísica do poder. 2. Ed. Rio de Janeiro: Edições Graal.

GARANHANI, M, C, NALDONY, L., de F. (2011). O movimento do Corpo infantil: Uma linguagem da criança. UNESP. Acesso em 03/08/2016. Disponível em: http://www.acervodigital.unesp.br/handle/123456789/447

LE BRETON, D. (2016). Antropologia do Corpo. Trad. Fabio dos Santos Creder. 4 ed, Petrópolis, RJ: Vozes.

RABELO, F., (2014). Afetos: A alegria do corpo em atrito na ação performativa.  Revista do LUME: UNICAMP.

RAMACCIOTTI, B.L. (2014). Spinoza e Nietzsche: Conhecimento como afeto ou paixão mais potente?  Cadernos Espinosanos, São Paulo, n.31, p.57-80, jul-dez.

ROCHA, M., C., (2015). A suprema alegria ética em Spinoza.  Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal do Paraná-, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

SANTOS, M., P., dos. (2009). Corpo: Um modo de ser divino. Uma introdução à metafísica de Espinosa. São Paulo: Annablume, p. 158.

SARMENTO, M. J. (2003). Imaginário e culturas da infância. Disponível em:  http:www.iec.minho.pt/cedic/textos de trabalho>. Acesso em: 06 de abril. 2017.

SILVA, A., P., da. (2012). Conhecimento e afetividade em Espinosa: da reforma da inteligência à potência do conhecimento como afeto. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências.

SPINOZA, B., de. (1983). Correspondência. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, p. 383.

____________, (2015). Ética. Trad. Tomas Tadeu, 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica.


1. Mestre em Educação e Doutorando em Educação na Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (2015-2018). Email: pereira_alessandro@yahoo.com.br

2. Mestre em Educação pela UNICS e Doutoranda em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (2016-2019). Email: alegmello@hotmail.com

3. Mestre em Educação pela UNIPLAC e Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali (2016). Email: alexandre@ifc-camboriu.edu.br

4. Mestre em Educação pela FURB e Doutoranda em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI  (2017-2020). Email: ana.alencar@uniasselvi.com.br

5. Mestre em Educação pela FURB e Doutoranda em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (2016-2019). Email: fernandasouza@unidavi.edu.br

6. Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2005). Email:  greissa.ead@unc.br

7. Mestre em Ciências Ambientais pela UNESC e Doutorando em Educação na Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (2017-2020). Email: martinsrudnei@gmail.com

8. Mestre em Educação pela FURB e Doutoranda em Educação na Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (2015-2018). Email: valeriatret@yahoo.com.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 60) Año 2017

[Índice]

[En caso de encontrar algún error en este website favor enviar email a webmaster]

revistaespacios.com