ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 44) Año 2017. Pág. 5

Castelos de Lama: uma proposta de valoração ambiental da Praia do Cassino, Rio Grande do Sul, Brasil

Castelos de Lama: An environmental value proposition for Casino beach, Rio Grande do Sul, Brazil.

Cassius Rocha OLIVEIRA 1; Gabriel Costeira MACHADO 2; Rodrigo da Rocha GONÇALVES 3; Kelen Denise Simões FERNANDES 4

Recibido: 06/05/2017 • Aprobado: 02/06/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Praia do Cassino e o Problema da Lama

3. Método e aplicação

4. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Este trabalho propõe a criação de um mercado hipotético para mensurar monetariamente a Praia do Cassino, localizada no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, a qual sofre da degradação gerada pelos depósitos de lama decorrentes, em grande parte, da atividade portuária no município. Para tanto, utilizou-se o método de valoração contingente. Os resultados, influenciados principalmente pela escolaridade e renda, indicaram que existe a percepção da necessidade de preservação da praia e, sobretudo, dos malefícios atrelados a sua degradação.
Palavras-chave: economia ambiental; métodos de valoração; método de valoração contingente; recursos naturais.

ABSTRACT:

This paper proposes the creation of a hypothetical market to measure monetarily the Cassino Beach, located in the state of Rio Grande do Sul, Brazil, which suffers from the degradation generated by the mud deposits due, in part, to the port activity in the municipality. So that, the contingent valuation method. The results, influenced mainly by schooling and income, indicate the perception of the necessity of preserving the beach and, moreover, of the harms relate to its degradation.
Keywords: environmental economics; valuation methods; contingent valuation method; natural resources.

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1. Introdução

A Praia do Cassino está situada na porção leste da planície costeira do Rio Grande do Sul, no município do Rio Grande, iniciando logo ao sul do estuário da Lagoa dos Patos. O balneário tem grande representatividade no litoral sul, atraindo uma grande quantidade de turistas nos períodos de veraneio. No entanto, por ficar localizado próximo ao porto do Rio Grande, o balneário vem sofrendo com depósitos de lama decorrentes em parte do processo de dragagem do canal de acesso ao porto.

Assim, o objetivo deste trabalho consiste na possibilidade de valorar monetariamente a disposição a pagar dos usuários pela preservação e conservação do balneário diante do processo de poluição e condensação de grandes depósitos de lama em sua costa, o que compromete aproximadamente sete quilômetros de sua extensão e impede o pleno aproveitamento da praia por banhistas e demais frequentadores – além de comprometer o ecossistema local, como destaca Reed et al. (2009) – dessa forma, os resultados serviriam ainda como uma mensuração do bem-estar gerado pelo seu usufruto.

Entende-se que o processo de acúmulo de lama possui decorrência natural, todavia, intensificado pela atividade portuária, a qual experimentou uma forte expansão na última década e representou um grande aumento da renda e consumo no município por se tratar de uma indústria motriz capaz de retroalimentar os demais setores econômicos em seu entorno. Com isso, surge uma contestação que revela, implicitamente, um trade-off: os benefícios da exploração dos terminais portuários isentam-se dos prejuízos causados ao ecossistema natural da Praia do Cassino, bem como de impossibilitar o seu pleno aproveitamento? Ao responder este questionamento, responde-se, por conseguinte, a um segundo: existe interesse em preservação e conservação deste local?

Para os fins deste trabalho optou-se pela implementação do método de valoração contingente para a mensuração monetária do recurso natural, neste caso, a costa da Praia do Cassino, localizada no município do Rio Grande, litoral-sul do estado do Rio Grande do Sul. De forma geral, o método consiste em capturar a disposição a pagar dos indivíduos através de questionários bem estruturados. Intuitivamente, diferentes indivíduos possuem diferentes disposições a pagar por um mesmo bem ou serviço, baseado na premissa de que o consumo gera níveis de utilidade/satisfação distintos, assim, através destas informações extraídas cuidadosamente seria possível estimar as medidas de bem-estar hicksianas. Quanto à aplicabilidade deste método, segundo Pearce (1993), é indicado para uso de recursos de propriedade comum ou bens cuja excludibilidade do consumo não possa ser feita, recursos de amenidades ou situações em que os dados sobre preços de mercado estejam ausentes.

Além desta breve introdução, o trabalho estrutura-se em três outras seções nas quais iremos apresentar o caso da pesquisa – a Praia do Cassino – e a problemática estudada, a seguir; a metodologia empregada e a discussão dos resultados e, por fim; as considerações finais deste estudo.

2. Praia do Cassino e o Problema da Lama

A Praia do Cassino está situada na porção leste da planície costeira do Rio Grande do Sul, no município do Rio Grande, iniciando logo ao sul do estuário da Lagoa dos Patos. De acordo com Barcellos (2000), o balneário Cassino é o primeiro do sul do Brasil. Inspirado em modelos europeus, o balneário fora planejado pela elite industrial e comercial do município para servir ao turismo da região que vivia uma forte expansão econômica ainda no século XIX. Nos dias atuais, o balneário possui estrutura para comportar uma população que, de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento do Rio Grande, varia de 30.000 habitantes em período de baixa temporada para 150.000 habitantes no período de alta temporada, o que impacta diretamente na economia local. Dessa forma, o estado de conservação e preservação natural possui grande relevância para atração de turistas da região, incluindo de países vizinhos como Uruguai e Argentina, dado o seu potencial para lazer, prática de esportes náuticos e contato com a fauna marítima.

Morfologicamente, de acordo com Pereira et al. (2011), a praia é considerada uma das mais dissipativas do sul da costa brasileira, além de servir de grande depósito de lama a qual é transportada eventualmente para praia.

Fine sediments provided by the Patos Lagoon are transported mainly toward the south and deposited offshore as fluid mud. Stormy conditions associated with periodic cold front passages, which occur frequently in the area, can rework and transport the fluid mud from the shoreface to the surf-zone and foreshore of Cassino Beach causing lateral changes in the bottom sediment texture along the shoreface and surf-zone. (Caliari et al., 2007 p. 1)

O lento fluxo das águas da Lagoa dos Patos em direção ao oceano Atlântico favorece a deposição de grandes quantidades de sedimentos da bacia de drenagem no estuário, o que historicamente tem interferido na navegação. Este processo natural tem sido respondido desde 1830 com a dragagem do canal. O fluxo de águas lagunares e de correntes litorâneas continuamente formou e retirou bancos arenosos na estreita abertura da Lagoa, conhecida como Barra do Rio Grande (SEELIGER e ODEBRECHT, 2010, p. 12).

Para a movimentação de grandes navios e plataformas é feita a dragagem do canal Miguel da Cunha, ou canal do Porto, onde são retirados milhões de metros cúbicos de lama que são depositadas a 16 quilômetros da costa e 19 metros de profundidade. A lama fica depositada no mar até a chegada das tempestades de abril (início das grandes tempestades na costa do Rio Grande do Sul). “Essas tempestades têm energia para remobilizar a lama e jogá-la na praia” (ANTIQUEIRA e CALLIARI, 2005, p.3).

O mesmo fenômeno acontece em outros anos em que a dragagem foi feita. Ademais, de acordo com os autores, o volume de lama lançado durante décadas está fortemente correlacionado com a ocorrência do fenômeno de deposição de lama na praia, o qual se observa mais frequentemente a partir da década de 1960, época em que se iniciam os trabalhos de aprofundamento do canal de acesso ao porto.

Tal acúmulo representa riscos ao ecossistema. Conforme Abreu et al. (2010), o principal efeito ecológico das dragagens, apesar de serem realizadas em períodos de vazante, está relacionado com a dispersão de sedimentos finos no estuário. Os sedimentos em suspensão podem atuar como “armadilha”, ou ainda, podem soterrar plantas de águas rasas e marismas, causando elevada mortalidade e maior quantidade de matéria orgânica em decomposição. Calliari et al. (2007) aponta os riscos de vida aos quais surfistas são expostos devido à alta concentração de lama na superfície, além de representar um risco adicional ao tráfico de carros frequente na beira-mar.

Ademais, pressupõe-se que existam impactos diretos sobre a economia local, uma vez que o aumento dos depósitos de lama representa uma perda de bem-estar aos usuários do balneário, o qual, como já mencionado, possui forte potencial turístico, sobretudo na alta temporada.

3. Método e aplicação

O método de valoração contingente (MVC) consiste em mensurar o valor monetário que um indivíduo estaria disposto a pagar (disposição a pagar –DAP) pela utilização ou benefício de um recurso natural, ou ainda a quanto o mesmo estaria disposto a receber (disposição a receber – DAR) pela perda deste benefício. Desta forma, como pontua Motta (1997), conseguiríamos estimar valores monetários para esses recursos através das preferências de seus usuários com base em mercados hipotéticos, simulados através de questionários que indagam a valoração contingente diante de alterações na disponibilidade de recursos ambientais.

Formalmente, de acordo com a base metodológica descrita por Motta (1997), tem-se que:

 

A expressão acima apresenta diferentes combinações de renda Y e de provisão de recursos ambientais Q que geram o mesmo nível de utilidade para um determinado agente econômico, isto é, um conjunto de combinações que envolvem mais disponibilidade do recurso natural/ambiental em detrimento de menor renda, representando uma disposição a pagar ou, ao contrário, maior renda em virtude da disposição a receber ao preço de uma menor provisão do recurso natural/ambiental em questão. Como a função de utilidade  é observada, o método de valoração contingente estima os valores de DAR e DAP com base em mercados hipotéticos.

Neste sentido, busca-se simular cenários que apresentem características que estejam o mais próximo possível daquelas existentes no mundo real, de modo que as preferências reveladas nas pesquisas reflitam decisões que seriam tomadas, de fato, pelos agentes caso existisse um mercado para o bem ambiental descrito no cenário hipotético. Ademais, visto que as preferências diferem de usuário para usuário, é importante que seja considerada na entrevista uma série de questionamentos quanto às características socioeconômicas dos entrevistados, tais como idade, gênero, cor, escolaridade, renda etc.

O MVC admite que a variação na disponibilidade de recurso altera o bem-estar das pessoas e, portanto, é possível identificar suas DAP em relação a estas alterações. Uma vez que os entrevistados sejam capazes de entender claramente a variação ambiental proposta na pesquisa e consigam revelar verdadeiramente suas DAP, o método é considerado ideal. Caso contrário, os resultados podem estar suscetíveis a vieses relacionados à implementação dos questionários, tal como elenca Motta (1997).

3.1 Revisão da literatura empírica

No escopo da teoria econômica, a economia ambiental surge como um ferramental capaz de identificar e mensurar o valor econômico de recursos naturais, ora considerados intangíveis. Uma vez que quaisquer tomadores de decisão conduzem sua atuação mediante análises de custo e benefício, entende-se a necessidade de conhecer o valor pecuniário atrelado aos recursos naturais para a existência do desenvolvimento sustentável, deixando de desconsiderar a irreversibilidade que o consumo desenfreado pode acarretar, isto é, a impossibilidade de renovação de um recurso devido a sua exploração de forma nociva. Destarte, a definição de um denominador comum – o preço – para a mensuração de recursos ambientais e os demais bens existentes no mercado constitui uma alternativa de produção ecologicamente consciente. A partir da assunção de que a saúde da atividade econômica e do meio ambiente está conectada se deve traçar formas de incorporar tal elemento às estratégias de produção. Uma tentativa de conciliar ambos os aspectos se dá através da utilização de métodos de valoração monetária dos recursos naturais que criem um indicativo de bem-estar proporcionado por estes.

Entretanto, como pontua Hufschimidt et al. (1983) apud Nogueira et al. (2000, p. 84), em geral, a valoração econômica é o "último passo da análise", pois, "existem aspectos da qualidade ambiental e sistemas naturais que são importantes para a sociedade, mas que não podem ser prontamente valorados em termos econômicos".

Não há uma classificação definitiva quanto aos métodos utilizados para valorar recursos naturais (Nogueira et al., 2000). Contudo, segundo Falco (2010), as principais metodologias encontradas em trabalhos científicos que se dedicam à valoração ambiental são: i) método de valoração contingente (Hildebrand et al., 2002; Obara, 1999; Silva, 2005); ii) método de custo de viagem (Ortiz et al., 2001; Finco e Abdallah, 2002) e; iii) método de preços hedônicos (Teixeira e Serra, 2006; Fávero, 2010).         

Segundo Araújo (2014), valorar o meio ambiente em seus bens e serviços não significa estipular um preço para venda, mas sim o custo de oportunidade social por não o preservar. Trata-se do valor do bem ou serviço ambiental na perspectiva econômica. Sua pesquisa buscou determinar a disposição a pagar da população pela recuperação/preservação do Rio Apodi-Mossoró no município de Mossoró, estado do Rio Grande do Norte. A valoração permite o estabelecimento de parametros técnicos que servem como aproximação de mensuração da importância da preservação do bem, compreendendo ainda a importância deste como fonte de renda para o município.

Na visão de Vasconcelos (2014), que realizou uma pesquisa para averiguar a relação entre a DAP e as variáveis socioeconômicas e bioecológicas percebidas pelos visitantes do Parque Municipal do Itiquira (PMI), aplicou o método de valoração contingente, por meio do qual foram identificados o perfil socioeconômico, o comportamento, atitude e a consciência bioecológica dos 400 entrevistados em relação ao usufruto do PMI, e então estimou a disposição a pagar dos visitantes para ingressarem ao PMI. Como resultado, destaca-se o interesse em desfrutar do lazer e recreação no ambiente como a principal motivação ao pagar um valor para sua manutenção (DAP).

O uso do método de valoração contingente de maneira inédita para atribuir o valor de mercado para a Feira do Livro de Porto Alegre por Stampe et al. (2008) baseou-se nos benefícios que o evento confere àqueles que prestigiam o evento. Do total de 1,7 milhões de visitantes com a cobrança de R$ 7, revelados a partir da DAP dos entrevistados, o valor acumulado seria de R$ 11.900.000, valor que corresponde a 4,5 vezes o custo de realização do evento, o que fora pontuado pelos autores como uma justifica plausível para a implementação da Feira do Livro de Porto Alegre, e o gasto governamental atrelado ao mesmo.

Nascimento et al. (2013) revelou, através de uma pesquisa na qual fora estimada a DAP dos consumidores de energia elétrica da Companhia Energética de Pernambuco (CELPE) para o reestabelecimento imediato do serviço em caso de interrupção, a dependência cada vez mais acentuada da população em relação à energia elétrica, sobretudo em função de aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos e tecnologia em geral, das quais a energia é tida como fonte de alimentação. Fora verificado ainda se haveria ganho de bem-estar considerável a partir da oferta do serviço de reestabelecimento imediato da energia elétrica. Para revelar tais preferências do consumidor, os pesquisadores utilizaram-se do MVC para captar as DAP através do uso de estatísticas descritivas e os métodos de estimação de Mínimos Quadrados Ordinários e o Logit.

Também através do MVC, MacKnight (2008) buscou estimar a DAP da população do município de São Paulo para reduzir a concentração de poluentes no ar e, assim, reduzir o risco de morbidade atrelado à poluição. Para tanto, utilizou a estratégia de perspectiva paterna no MVC para captar os valores de não uso como comportamento altruísta dos pais, ou seja, abrir mão do uso de poluentes para garantir condições ambientais amenas para as futuras gerações, recortando a amostra para indivíduos acima de 40 anos de idade com filhos com idades entre 0 e 5 anos.

Gonçalves et al. (2011) valoraram o tratamento adequado e reciclagem dos resíduos no município de Carlos Chagas, no estado de Minas Gerais, uma vez que existem impactos ambientais tênues causados pela deposição e acondicionamento indevido de resíduos, sejam eles sólidos, líquidos ou gasosos, que afetam diretamente a qualidade do ar, do solo e da água, representando, destarte, um grande risco à saúde pública. A maioria dos resíduos sólidos gerados no Brasil é depositada em aterros, os chamados “lixões”, um iminente vetor de doenças além de um risco ao meio-ambiente. Os dados foram coletados por meio de questionários, aplicados à população, de forma aleatória, com a finalidade de identificar os aspectos socioeconômicos dos entrevistados.

Oliveira e Touguinha (2003) utilizaram o MVC para determinar o quanto que o Ecossistema do Saco da Mangueira vale monetariamente para a população do município de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, Brasil. Foram entrevistadas 115 pessoas de diferentes bairros e estratos sociais do município, dentre os quais, 90,9% revelaram DAP para a conservação do Saco da Mangueira. Para o mesmo município, Rosa (2009), através do MVC valorou a revitalização da Praça Tamandaré, localizada no centro do município. Os resultados mostraram que 98% das pessoas se dispuseram a pagar algum valor para a recuperação do ativo e obter a partir disto uma melhor qualidade de vida.

3.2 Implementação da pesquisa

A amostra coletada para estimação das DAP conta com 178 observações coletadas em diferentes bairros do município. A condução da pesquisa levou em consideração os bairros mais populosos, ao passo que, desconsiderou as localizações pouco populosas, como distritos, povoados e sítios rurais.

A coleta dos dados originou-se de entrevistas com aplicação de forma pessoal aos moradores dos diferentes bairros. A aplicação do questionário se deu em dois estágios, em que primeiramente aplicou-se o questionário piloto com o objetivo de testar a compreensão e respostas dos entrevistados às perguntas e, conforme sua aceitabilidade, a seguir implementou-se o questionário definitivo.

Para tanto, foi necessário definir o bem a ser valorado, neste caso, a Praia do Cassino, de modo que a possibilidade de contempla-la sem lama constitui o seu valor máximo. Para atribuir a melhor qualidade de informação ao entrevistado, utilizou-se de fotografias e textos que elucidassem os benefícios atrelados às boas condições do recurso natural em questão.

Nesse exercício fora considerado apenas com o valor da DAP dos entrevistados, ou seja, o quanto estariam dispostos a pagar para conservar a praia saudável e razoavelmente preservada, utilizando a estratégia de lances livres, isto é, valores absolutos medidos em reais por ano, o qual irá gerar uma variável discreta definida pela média de DAP dos entrevistados. A DAP é representada em função de variáveis socioeconômicas, como faixa etária (I), renda (R), escolaridade (E) e sexo (S).

A agregação de valores dos resultados se dá conforme a média dos valores das DAP ponderado pela população a qual se sentiu afetada pela alteração da disponibilidade do recurso natural, obtendo, assim, o valor econômico total estimado.

3.3 Análise dos dados e resultados

A partir dos questionários foram obtidos os dados para a realização da estimação da DAP média dos indivíduos.

Uma breve descrição analítica destes dados permite conhecer algumas informações a respeito da amostra analisada. Do total das 178 observações, 99 são do sexo feminino (55,62% da amostra), enquanto 79 indivíduos (44,38% da amostra) são do sexo masculino.

A tabela abaixo apresenta a relação de níveis de escolaridade, em que os indivíduos são atribuídos de acordo com os anos de estudo, respondido no questionário.

Tabela 1: Nível de escolaridade dos entrevistados

 

Frequência

%

Fundamental incompleto

20

11,24

Fundamental completo

19

10,67

Médio incompleto

4

2,25

Médio completo

71

39,89

Superior incompleto

36

20,22

Superior completo

28

15,73

Fonte: elaboração própria.

A amostra apresenta um nível de escolaridade consideravelmente alto, de modo que 77,84% possui, no mínimo, ensino médio completo, enquanto 35,95% iniciou os estudos em uma instituição de ensino superior e deste total, 15,73% concluiu. Embora se reconheça que não exista uma regra que associe grau de escolaridade e percepção ou sensibilidade quanto aos problemas ambientais, como é o objeto de estudo deste trabalho, entende-se que essa variável possa representar o nível de informação quanto aos males envolvidos com a degradação ambiental, bem como melhor compreensão e interpretação das questões e problemática proposta na entrevista.

Para analisar o nível de renda dos entrevistados, optou-se por separá-los em classes de renda que compreendem intervalos delimitados de renda mensal, conforme a tabela abaixo apresenta.

Tabela 2: Nível de renda dos entrevistados.

Nível de renda

Frequência

%

De R$ 600,00 até R$ 1.400,00

41

23,03

De R$ 1.401,00 até R$ 3.800,00

107

60,11

De R$ 3.801,00 até R$ 5.400,00

18

10,11

De R$ 5.401,00 até R$10.000,00

11

6,18

Acima de R$ 10.001,00

1

0,56

Fonte: elaboração própria.

A maioria absoluta dos entrevistados (acima de 60% da amostra) possui renda média entre R$ 1.401 e R$ 3.800, indo ao encontro da renda média da dos domicílios gaúchos que, conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios realizada pelo IBGE, no ano de 2015 foi R$ 1.435.

Quando verificadas as DAP individuais dos entrevistados, 154 indivíduos (aproximadamente 87%) demostraram interesse em pagar algum valor monetário para manter em bom estado de conservação e preservação a Praia do Cassino, disposição a qual varia entre R$ 1 a R$ 480 por ano. Enquanto 24 indivíduos (aproximadamente 13% da amostra) não demonstraram interesse em pagar nenhum valor para tanto. Em suma, a DAP média (DAPm) da amostra é de R$ 35,74 por ano, reproduzindo, assim, uma DAP total (DAPT) de R$ 7.048.928,72 para conservação e preservação do bem em questão.

A seguir, com base nos dados fornecidos pela amostra, estima-se uma regressão com base no modelo de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) tendo como referência a função descrita na equação 2. Tal exercício permite verificar a existência de uma relação entre as variáveis e o quão forte é, definindo o padrão que une duas variáveis com o menor erro possível. Para tanto, fora utilizado o software estatístico Gretl. A equação de regressão múltipla é descrita como segue:

Portanto, fora assumido que a DAP dos moradores do município possa responder conforme suas características de renda, sua idade, o grau de escolaridade e o sexo do entrevistado. Considera-se irrelevante um modelo com constante, pois não se adequa aos dados, isto é, um indivíduo que demostrasse uma DAP mesmo quando as demais variáveis obtivessem valores nulos.

A tabela abaixo representa os coeficientes  estimados, bem como os valores do teste t de Student. Os coeficientes apontam a relação entre a variável independente em questão e a DAP, enquanto os valores dos testes de significância medem o nível de confiança deste resultado, informando se a relação pode ser considerada robusta ou apenas acaso, isto é, se for repetida esta mesma análise em diferentes grupos serão encontrados resultados semelhantes? De forma genérica, quanto menor for a variação dos valores em relação a sua média, maior será a confiança de seu resultado.

Tabela 3: Estimação dos parâmetros da função DAP e testes.

Variáveis

t-Student

 

Renda

0,00528371

2,179**

DW=2,034528

Idade

-0,229343

-1,084

R²=0,336767

Escolaridade

2,31044

2,985***

F=23,2186

Sexo

9,49946

1,174

n=178

   Nota: ***p<0,01; **p<0,05; *p<0,1.

Conforme apresentado na tabela 3, os parâmetros  (renda) e  (escolaridade) obtiveram significância a níveis de 5% e 1% respectivamente, enquanto os demais parâmetros não obtiveram significância estatística.

A interpretação dos coeficientes sugere, portanto, que um aumento em R$ 1 na renda do indivíduo causa um aumento de R$ 0,0053 em sua DAP. Factível de assumir tal resultado, uma vez que, quanto maior for a renda maior será a sua capacidade de pagamento. Ademais, o nível de escolaridade representa um impacto ainda maior na DAP individual dos entrevistados, sugerindo que quanto maior o grau de instrução, maior o acesso à informação e, por conta disto, a importância dada à preservação ambiental. É possível supor, ainda, que há uma relação intrínseca entre nível de escolaridade e renda mensal que faz com que esta última tenha um efeito multiplicador e, justamente, por isso, obteve um coeficiente significativamente alto – a cada ano de escolaridade, a DAP aumenta R$ 2,31. Resultados semelhantes são encontrados na literatura, como por exemplo em Hildebrand et al. (2002) e (Obara, 1999).

As variáveis Idade e Sexo não obtiveram significância estatística, logo, não é possível inferir qualquer resultado ao seu respeito. Todavia, são variáveis que não são esperadas a afetar diretamente a DAP dos indivíduos.

O Teste de White aceita a hipótese nula de ausência de heterocestacidade, enquanto o teste de normalidade dos resíduos mostra que o termo de erro apresenta distribuição normal. Portanto, assume-se que o modelo se ajusta bem aos dados, de modo que, é útil para responder ao problema de pesquisa.

Outro resultado importante para a análise é o coeficiente de ajuste global, R². Este termo busca responder de que forma a variável dependente (DPA) responde às variações nas variáveis independentes (renda, idade, sexo e escolaridade), o qual obteve um valor de 33,67%, indicando que, possivelmente, a partir da implementação e incorporação de mais variáveis ao modelo, os resultados poderiam ser mais robustos.

4. Considerações finais

O objetivo central deste estudo foi propor uma análise e reflexão sobre o bem-estar oferecido aos frequentadores da Praia do Cassino e a importância da qualidade de preservação e conservação desta, considerado um recurso ambiental de livre acesso, com naturezas que lhe atribuem a característica de um recurso comum, vulnerável à degradação pela ação humana, bem como tantos outros bens ambientais.

Entende-se que se trata de um primeiro passo para a avaliação desta problemática, um estudo prévio. Percebe-se ainda a necessidade da condução, implementação e aprimoramento deste tipo de análise, através de pesquisas de campo, com entrevistas bem estruturadas, que alcançasse um número maior de usuários do balneário, não tão somente moradores do município, uma vez que, sobretudo em alta temporada, se trata de um local de lazer e bem-estar de pessoas da região e, inclusive, dos países vizinhos, como Uruguai e Argentina, sendo de grande importância a garantia de saúde e preservação da mesma.

Entretanto, este trabalho fornece evidências empíricas de que existe a percepção da necessidade de preservação e, sobretudo, dos malefícios atrelados à degradação – representados através da disposição a pagar dos indivíduos, uma maneira de contribuir monetariamente para garantia do bem-estar de um recurso ambiental. Além disso, a principal contribuição é a constatação de que os anos de escolaridade interferem diretamente neste resultado, pondo de outra forma, pode-se dizer que o grau de instrução dos indivíduos proporciona-lhes uma maior visão de mundo e a reflexão de que cabe a cada um fazer sua parte para garantir que as gerações futuras possam apreciar os recursos ambientais – o que se conhece na literatura como o valor de opção.

Embora os custos com educação formal sejam considerados investimentos de médio e longo prazo, alternativamente, existe a opção de implantar campanhas de divulgação e conscientização da necessidade de preservação por parte do policy maker, como uma forma menos custosa e com retornos mais rápidos, de certa maneira, à sociedade.

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1. Doutor em Economia. Professor Adjunto da Universidade Federal de Rio Grande-FURG. E-mail: oliveiracassius@yahoo.com.br

2. Mestre pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Docente temporário na Universidade Federal do Rio Grande. E-mail: cm.gabriel@live.com

3. Doutorando em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PPGE/PUCRS e Professor da Universidade Federal do Rio Grande-FURG. E-mail: rrochagoncalves@gmail.com

4. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG).


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 44) Año 2017
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