ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 34) Año 2017. Pág. 9

Planejamento e transformação social: limites e possibilidades de implementação de uma gestão participativa no município Queimadas/Paraíba, Brasil

Planning and social transformation: limits and possibilities of implementing a participative management in the municipality Queimadas / Paraíba, Brazil

Danilo Raimundo ARRUDA 1; Severino José de LIMA 2; Elaine Cavalcante Peixoto BORIN 3

Recibido: 14/02/2017 • Aprobado: 15/03/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Método

3. Planejamento e desenvolvimento no Brasil

4. Experiência do planejamento participativo de Queimadas: Limites e possibilidades

5. Considerações

Referências


RESUMO:

O objetivo deste estudo é identificar e analisar os limites e possibilidades de construção e execução do Plano Diretor Participativo, tomando por base a experiência do município de Queimadas (PB). Este plano se constitui num instrumento de planejamento participativo do desenvolvimento territorial, tendo como eixo o ordenamento da ocupação do espaço urbano e rural. Além da revisão da literatura, esse trabalho se utilizou da pesquisa documental e de entrevistas semiestruturadas. Tais limites são identificados, justamente, na fragilidade dos recursos humanos, na escassez do capital social e numa cultura política balizada em valores antidemocráticos. Esses fatores, quando potencializados, são visto como alavancadores do progresso econômico e social, da construção e execução de um Plano Diretor Participativo. Conclui-se, então, que a natureza de um Plano Diretor Participativo só será alcançada plenamente em uma sociedade onde os recursos e o capital social favoreçam o movimento participativo de aprendizagem social.
Palavras-Chave: Planejamento. Participação. Recursos humanos. Capital Social. Desenvolvimento territorial.

ABSTRACT:

The objective of this study is to identify and to analyze the limits and construction possibilities and execution of the master plan Burned Participativo (PB). This glides she constitute in an instrument of planning strategic participativo of the maintainable local development, tends as axis the ordenamento of the occupation of the urban and rural space. Such limits are exactly identified in the fragility of the human capital, in the shortage of the social capital and in a political culture in antidemocratic values. Those are factors impeditivos to the participation citizen and, for consequence, they are identified as the principal limits for the construction and execution of a master plan Participativo. At the same time, those factors are also seen as alavancadores of the economical and social progress, in other words, they establish the construction possibilities and execution of a master plan Participativo, if the same ones go potencializados. It is ended, then, that the nature of a master plan Participativo will only be reached fully in a society where the human and social capital favors the movement participativo of social learning; participation that understood while I tie of deciding on your future. Therefore, those elements are presupposed and supposed for the existence of a favorable atmosphere to the maintainable local development.
Keywords: Planejamento. Participation. Recursos Humanos. Social capital. Maintainable development.

1. Introdução

A questão urbana ganha, a cada dia, maior visibilidade no cenário econômico nacional, dados os problemas estruturais apresentados em nossas cidades. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 182, e que é regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), estabelece que: os municípios devem fazer seus planos diretores participativos. Esse plano constitui num instrumento de planejamento estratégico participativo para o desenvolvimento local sustentável, tendo como eixo o ordenamento da ocupação e uso do espaço urbano e rural no Brasil.

Muitos são os problemas estruturais enfrentados pelas várias cidades brasileiras. Dentre eles, um dos que mais impacta na população está relacionado com ordenamento e a ocupação do solo nas cidades, sejam elas pequenas, médias, grandes e metrópoles. Esses problemas urbanos, que se avolumam, estão relacionados, principalmente, a questão da regularização fundiária, educacionais, saneamento básico, transporte, saúde, ambientais, mobilidade urbana, e outros.

Seguindo a cartilha do Ministério das Cidades, o município de Queimadas pertencente ao Estado da Paraíba, buscou elaborar o seu planejamento participativo municipal. A partir da experiência de Queimadas é possível refletir sobre os entraves à elaboração e execução de um plano diretor. Também, é importante por dizer respeito à própria expectativa do Ministério das Cidades de que sejam realizadas a elaboração e execução do planejamento municipal no Brasil, buscando incorporar a variável participação cidadã. Ainda, porque se tratar, como centenas de municípios brasileiros, de um pequeno município, com mais de 43 mil habitantes, segundo o Instituto brasileiro de Geografia e Estatística (2015), e que está localizado no Nordeste brasileiro. Região marcada pelos desequilíbrios socioeconômicos.

O que significa a construção e execução de um plano diretor nesse município? Quando se trata de grandes cidades e metrópoles, as quais apresentam experiências de organização econômica e social, reinvindicadoras de reforma urbana, a ideia de um plano, participativo, aparece como algo óbvio e extremamente necessário. Agora quando se trata de um município pequeno, que sobrevive quase que exclusivamente de repasses constitucionais do Governo Federal, um plano desse parece algo inusitado e como grande novidade preste a não ser entendido como necessário pelos próprios gestores locais, e em geral, personas principais de uma cultura política materializada pelo clientelismo, familismo amoral e outras formas autoritárias de lidar com o que é público (PUTMAN, 1996). Portanto, onde essa cultura política se expressa e com maior intensidade nos municípios interioranos, sociedade civil frágil, disforme ou gelatinosa (COUTINHO, 1981), é de se expressar uma ambiência adversa ao planejamento participativo.

O objetivo deste trabalho é discutir e analisar os limites e possibilidades para implantação de uma gestão participativa no município de Queimadas. Para tanto, discute a construção e execução de Plano Diretor Participativo desse município. Para a realização deste trabalho utilizou-se de várias formas e procedimentos metodológicos. Realizou-se uma revisão da literatura que busca discutir o planejamento e o desenvolvimento territorial. Foi feito uso dos documentos do PDPQ (Plano Diretor Participativo de Queimadas). Procedeu-se com entrevistas semiestruturadas com atores representantes das instituições locais.

Este trabalho está assim dividido, além desta introdução e das considerações finais. A segunda seção apresenta a metodologia utilizada na investigação. A terceira seção os limites e possibilidades de construção e execução do Plano Diretor Participativo de Queimadas a partir da visão dos diversos atores locais: na visão de lideranças, personalidades públicas, intelectuais e empresários.

2. Método

Queimadas é um município brasileiro que está localizado no semiárido do Nordeste e no Estado da Paraíba; portanto, o município que está exposto a vulnerabilidades demográficas, sociais, climáticas e hídricas.

Para a análise do Plano Diretor Participativo de Queimadas, optou-se por uma análise qualitativa, portanto, foram utilizados procedimentos de entrevistas abertas com um roteiro pré-estabelecido. Desse modo, o importante para uma análise qualitativa não é o número de entrevistados e a regularidade de fatos por eles abordados, mas sim a diversidade dos conteúdos das respostas.

Para realização deste trabalho foram entrevistadas aleatoriamente 75 pessoas, sendo que 46 ou 61% são homens e 29 ou 39% são mulheres. Quanto à formação escolar dos entrevistados, esta pode ser dividida da seguinte forma: 36 possuem ensino médio; 34 ensino superior; 4 ensino fundamental; e 1 é pós-graduado. Isso mostra que os entrevistados apresentam certo nível de formação e de bagagem cultural para compreender a importância, os objetivos e alcances de um Plano Diretor ou de outros instrumentos do tipo.

Para fins deste trabalho, foram consideradas as visões das lideranças, personalidades públicas, intelectuais, empresários e informantes-chave (representantes de instituições da sociedade civil local). Entrevistas foram distribuídas previamente entre esses grupos, cujo intuito era perceber quem e como as pessoas participaram do processo, que significados atribuem ao Plano Diretor de Queimadas, quais alcances e objetivos este Plano tem em sua visão. Para se analisar as entrevistas, utilizou-se do método de análise de conteúdo (BORDIN, 1997).

3. Planejamento e desenvolvimento no Brasil

3.1. A Constituição de 1988 e o Planejamento Participativo

O processo de industrialização planejado e levado à frente pelo Estado gerou nos últimos 50 anos uma grande concentração de pessoas nas cidades, trazendo consigo uma série de problemas econômicos e sociais. Não se pode deixar de mencionar que esses problemas também têm reflexo no meio rural.

O fato é que esses 50 anos de intervenção estatal na economia foi a principal causa que levou o País à condição de uma sociedade urbano-industrial bastante complexa e que se coloca no cenário global como uma das maiores economias do mundo. No entanto, caracterizada por fortes desigualdades sociais. Estas desigualdades foram os principais motivos da emergência de conflitos e lutas sociais de perfil movimentalista, não só de cunho trabalhista, mas também e, principalmente identitários. Este remete à diversidade social cultural da própria sociedade brasileira. 

Fruto das lutas sociais, a Constituição de 1988 marca uma nova forma de pensar o planejamento e o desenvolvimento do país, sendo a participação um elemento novo nesse processo. As lutas sociais que culminaram com a Constituição Democrática de 1988 começaram a se intensificar na década de 70, justamente no seio da Ditadura Militar. E é diante disso, dessas forças sociais atuantes no interior das cidades, que o próprio governo militar na época, general Geisel, coloca como um dos objetivos do seu governo o aperfeiçoamento da democracia e a abertura lenta e gradual.

Assim, pode-se afirmar que os movimentos sociais de reivindicação urbana e rural tinham o objetivo de fazer o poder público voltar seus olhos para uma série de problemas decorrentes do processo urbano-industrial conduzido pelo Estado, alocando os recursos para fazer frente aos problemas históricos da cidade e do campo. Então, os movimentos sociais tiveram um papel fundamental na deslegitimação desse Estado autoritário e na reabertura democrática culminada com a Constituição de 1988.

Ao olhar o caso específico do Nordeste, pode-se afirmar também que essa região teve um papel decisivo para a democratização do país. E, nesse caso, destaca-se todo um processo de lutas políticas partidárias. Segundo Leal (2003), a eleição do prefeito Jarbas Vasconcelos, em 1985, inseriu-se num momento de grande importância no processo de democratização do país, na medida em que foram as primeiras eleições para as capitais, depois do golpe militar de 1964. Esse governo é caracterizado pelo diálogo estabelecido com os movimentos populares, sendo aberto um amplo canal de participação na administração pública [4].

Destaca-se, ainda, em termos de lutas o Movimento Muda Nordeste, que era congregado por várias organizações da sociedade civil e, sem dúvida, teve um papel de extrema relevância não só nas lutas por melhores condições de vida no campo nordestino, mas principalmente, pelo fim do Regime Ditatorial e a reabertura do processo de democratização com o estabelecimento da Constituição Democrática de 1988.

Então, é nesse contexto que se inicia a discussão em torno da Constituição promulgada em 1988. De acordo com Bonavides (BONAVIDES, apud SILVA, 2006), a Constituição é “o conjunto de normas permanentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo e aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”. Assim, essa nova Constituição nasce no seio da luta popular por melhores condições de vida nas cidades e, também no campo, mas principalmente, pelo direito à liberdade negada durante décadas pelo regime opressor que se instalou no Brasil com o golpe de 1964.

Assim, a Constituição se voltará para os municípios brasileiros, estabelecendo normas e, ao mesmo tempo, solicitando dos municípios a elaboração de suas leis, de seus Planos Diretores. Isso é fundamental, pois a concepção de planejamento e de desenvolvimento sai do plano macro, para alcançar os municípios brasileiros com a ideia de Desenvolvimento Local Sustentável. Sendo que, “O município é o espaço territorial e de governo mais próximo do cidadão, assim, a difusão das políticas públicas fica mais frequente para as intervenções voltadas ao desenvolvimento local” (SILVA, 2006)

Então, de acordo com o Título III, capítulo IV e Inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal do Brasil, “compete aos municípios: (...) promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.

Ainda, segundo a Carta Magna: Capítulo II, artigo 182, que trata da Política Urbana:

A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixados em lei têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Assim, observa-se que com a Constituição Federal o foco da questão muda, ou seja, o planejamento e o desenvolvimento dos municípios devem ser promovidos, principalmente, pelo poder executivo local, com cada município elaborando a sua política de desenvolvimento local de acordo com os “interesses” da coletividade. Nesse caso, a população deve ser chamada a fazer e a tomar parte desse processo. Porém, não se pode deixar que essa participação seja praticada enquanto um mero instrumento normativo, isto é, por ser imperativo lei.

O planejamento participativo não pode ser entendido como mero objeto de amenização dos conflitos sociais, porém, deve ser visto como meio efetivo de alocação de recursos e fundos públicos, a fim de que a cidade não seja só um espaço de reprodução do capital, mas também um espaço de reprodução de seus cidadãos e cidadãs. Isto é, para que a cidade cumprindo sua função plena, o planejamento deve ser não apenas um instrumento de ordenamento físico-territorial, deve garantir também ao individuo a liberdade, sem restringi-la. De acordo com Amartya Sen (2000):

(...) o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento como crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social (...) as liberdades dependem também de outros determinantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo, os serviços de educação e saúde) e os direitos civis (por exemplo, a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas).

Ainda segundo Sen (2000)

O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privações de liberdades: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos.

Nesse sentido, a cidade deve ser um espaço físico-territorial que assegure aos seus munícipes a liberdade plena, conforme nos mostra o eminente economista Amartya Sen (2000). E, para isso, faz-se necessário não haver restrições ao pleno desenvolvimento ou à plena liberdade do capital humano e do capital social para que se desenvolva em cada município. Esses capitais são entendidos como elementos impulsionadores dessa liberdade.

Outro fator a ser observado é que, com a Constituição Federal de 1988 começa a ocorrer o processo de descentralização tanto do planejamento como da gestão dos fundos e políticas públicas. Ou seja, começa a ser dada ao município autonomia, principalmente financeira, de executar as suas políticas, fortalecendo, nesse caso, a gestão participativa local. Isto é, o planejamento atingiu os mais variados locais e passa a ser instrumento e prática de vários municípios onde os conflitos são mais visíveis e próximos, onde eles nascem – nas cidades.

Essa prática de planejamento com respaldo constitucional desce a menor escala possível, ou seja, procura através da participação amenizar os conflitos sociais surgidos no âmbito do território local (o município), sem esquecer a política de planejamento formulada dentro de um contexto de política econômica nacional, as macro-políticas do governo. Não se pode pensar o local fora do contexto, sem levar em consideração os aspectos globais, principalmente quando esse local depende quase exclusivamente de recursos externos.

De acordo com Buarque (2002) “a descentralização facilita significativamente a participação da sociedade nos processos decisórios e, pode, portanto, constituir um passo muito importante para a democratização do Estado e do planejamento”. Nesse caso, a Constituição abre uma nova forma de pensar o local, enquanto espaço político-administrativo, conferindo-lhe a efetiva autonomia de poder e de decisão para atuar sobre o seu território. Citando, mais uma vez Buarque (2002) observa-se que “a escala municipal e comunitária cria uma grande proximidade entre as instâncias decisórias e os problemas e necessidades de população e da comunidade, permitindo maior participação direta da sociedade”. Nesse sentido, a população passa a interagir, a dialogar com o poder local no sentido de construir uma agenda comum a ser seguida, ou seja, para elaborar o Planejamento Estratégico Participativo.

Então, pode-se concluir que a Constituição, ao descentralizar os poderes de decisões, passou para os municípios a incumbência de assumir ou resolver os conflitos sociais nascidos em seu interior, chamando a sociedade para participar da democratização do processo decisório, sendo esse processo democrático um espaço de aprendizagem social. Em síntese, a Constituição institucionaliza no país o processo decisório de tomada de decisão coletiva, o Planejamento Estratégico Participativo. Isso será visto mais à frente, detalhadamente, com a regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal – o Estatuto da Cidade.

3.2. Desenvolvimento Sustentável e participação: a vez dos planos diretores

A crise do petróleo levou à ruptura, na década de 1970, do modelo keynesiano-fordista de acumulação, caracterizado pelo planejamento centralizador do Estado e pela produção em escala ocorrida nas grandes fábricas (produção em massa). Essa crise pôs em xeque os limites do crescimento, passando a originar novas formas de organização econômico-social. Quanto às fábricas, tem-se a adoção do modelo flexível ou pós-fordista (Toyotismo). Quanto ao planejamento passa a configurar-se o chamado planejamento participativo. Nesse período surge a nova forma de se pensar o desenvolvimento, antes entendido puro e simplesmente em sua dimensão econômica, ou seja, aumento da produção e da produtividade, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), desenvolvimento tecnológico e industrialização. Além disso, nesse contexto, surgem às primeiras discussões em torno da problemática ambiental, originando o conceito Desenvolvimento Local e Sustentável nos fóruns e conferências mundiais. Ressalta-se que todo esse movimento está inserido dentro de um processo de globalização.

Ao referir-se às discussões em torno do desenvolvimento local sustentável, no início da década de 1970 surge o primeiro trabalho publicado pelo Clube de Roma, intitulado “os limites do crescimento”. Esse trabalho irá criticar, justamente, a ideia de que os recursos naturais não são escassos e a natureza é ilimitada. No ano de 1972, é realizada em Estocolmo a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, onde se desenvolve um amplo movimento ambientalista nos países desenvolvidos, abrindo um novo debate ideológico sobre o estilo de desenvolvimento (BUARQUE, 2002).

Após vinte anos, em 1992, foi realizada no Rio de Janeiro mais uma conferência, a ECO-92, a partir dela que se propaga a proposta de desenvolvimento sustentável e que se aprova a Agenda 21. O eixo central desta Agenda 21 é a busca de um modelo de desenvolvimento sustentável e o comprometimento dos países signatários com as gerações futuras. Pensar o futuro das gerações que virão como nosso futuro comum demarca a profunda dimensão ética da Agenda 21 e, por consequência do desenvolvimento sustentável. Assim, a partir dos anos 1990 intensifica-se a discussão da problemática ambiental e os limites ao crescimento econômico local, por consequência do país.

Diante dessa discussão no seio da própria teoria neoclássica existe uma preocupação quanto à problemática ambiental, uma vez que essa corrente define a economia como “a ciência que trata da alocação ótima dos recursos escassos, diante das necessidades ilimitadas dos indivíduos”. Ou seja, para os teóricos dessa corrente a natureza é limitada, é uma fonte esgotável de recursos naturais.

Segundo Silva et al. (2006), a temática do desenvolvimento sustentável “era tratada, até meados de 1980, como uma composição das dimensões econômicas, social e ambiental”. Passando a partir desse momento a serem incorporadas a esse tema, mais duas dimensões: a espacial e a cultural (SILVA apud SACHS, 2006). Observando-se a existência de uma interdependência entre essas dimensões.

Esse novo paradigma tem no território (espaço) o elemento fundamental do desenvolvimento, este visto em suas dimensões físicas, populacionais, econômicas, culturais (costumes, tradições, crenças, valores), ambientais, enfim suas potencialidades e suas vantagens comparativas e competitivas. Nesse sentido, esse paradigma está ligado a uma institucionalidade local, ou seja, o estabelecimento de uma relação entre o poder público, o poder econômico e a sociedade civil, sendo o desenvolvimento local um processo orgânico, um fenômeno humano, portanto, não padronizado (ZAPATA, 2005). Isto é, específico de cada território. Essa nova institucionalidade deve avançar a um modelo de governança local onde haja uma descentralização do poder decisório local, esse entendido como a essência da democracia e da participação, onde a população esteja ciente de que cada direito corresponde a um dever, a uma responsabilidade perante a coisa pública (BUARQUE, 2002).

Assim, o desenvolvimento local sustentável pode ser entendido como “um processo de transformação que ocorre de forma harmoniosa nas dimensões espacial, social, ambiental, cultural e econômica a partir do indivíduo para o global” (Silva et al, 2006: 18).

Nesse conceito os indivíduos são o meio e o fim desse processo que passa a ser discutido com maior ênfase na década de 1990, principalmente a partir da ECO-92, onde pode-se indagar: qual sua função no desenvolvimento, se não para melhorar as condições de vida da coletividade? E, ao se entender que os indivíduos são o fim e o meio do desenvolvimento local sustentável, torna-se imprescindível a participação desses indivíduos no processo de planejar esse desenvolvimento local sustentável.

Dessa forma, o desenvolvimento local sustentável depende da capacidade dos atores e das sociedades locais se estruturarem e se mobilizarem, ou seja, de participar desse processo de desenvolvimento. Além disso, a ampliação da massa crítica de recursos humanos é fundamental para esse processo, isto é, o capital social e o capital humano e sua participação no processo de desenvolvimento local sustentável são elementos fundamentais e imprescindíveis para que seja alcançado (BUARQUE, 2002).

A partir de 2001, com a aprovação da Lei Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), torna-se obrigatória para todas as cidades acima de 20 mil habitantes (dentre outras exigências) [5], a elaboração do Plano Diretor Participativo. Este é um instrumento da política de planejamento participativo e desenvolvimento local sustentável dos municípios cuja finalidade é “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” (ESTATUTO DA CIDADE, ARTIGO 2º). Nesse caso, a participação dos cidadãos é o elemento fundamental para a construção desse Plano. Assim, estabelece o Estatuto da Cidade no seu artigo 2º, inciso II: gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”.

Ainda em seu artigo 40º, § 4º, estabelece:

No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os poderes Legislativo e Executivo garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade.

Nesse sentido, a institucionalização da participação por parte do Estatuto da Cidade rompe com o modelo posto em prática há muitos anos no Brasil, modelo esse de tomada de decisões de forma autoritária, centralizadora, sem a consulta daqueles para os quais o planejamento e a execução das políticas públicas do desenvolvimento são direcionados – a população. Então, é chegada a hora de inverter esse quadro, fazendo com que aquelas pessoas para as quais as políticas públicas para o desenvolvimento são direcionadas sejam incorporadas no processo de sua elaboração, implementação e execução do projeto de desenvolvimento das cidades onde residem.

Desse modo, a participação é fundamental nesse processo, uma vez que ela cria um ambiente democrático e de aprendizagem social imprescindíveis para o desenvolvimento local sustentável. Dessa forma, a participação assegura, de acordo com Bandeira (1999), a eficácia das ações governamentais na elaboração de programas e projetos; a boa governança local, enquanto pré-requisito à promoção do desenvolvimento local sustentável; além de ser de fundamental importância para o desenvolvimento do capital humano e ao acúmulo de capital social. E, por conseguinte, para a mudança da cultura política de uma localidade; fazendo surgir um novo modelo de gestão e de controle social dos fundos e das políticas públicas. Consequentemente, o capital humano e social são elementos essenciais para a promoção do desenvolvimento e para a compreensão dos diferentes níveis de desenvolvimento entre regiões, estados e países.

Assim, esse capital social ao constituir suas bases na solidariedade, na confiança, na cooperação, no associativismo cívico, promove o desenvolvimento local sustentável. Um outro elemento a favor da participação é que ela favorece a competitividade sistêmica. Esta entendida como “um padrão em que o estado e os atores sociais deliberadamente criam as condições necessárias para o desenvolvimento industrial bem-sucedido” (BANDEIRA, 1999). Um último argumento propício à participação, segundo o autor, diz respeito ao estabelecimento de uma identidade regional. E isso é valido, também, para o território local – nesse caso o município. Essa se refere à constituição de um sentimento de pertencimento a uma comunidade territorialmente delimitada.

Outro elemento a ser destacado no Estatuto da Cidade é que os Planos Diretores devem ter como pressuposto e suposto a busca do desenvolvimento local sustentável.

Observa-se, assim, que o desenvolvimento local sustentável é uma meta a ser alcançada com o Plano Diretor. Isto é, o município deve ser um local, um espaço onde as pessoas participem do seu desenvolvimento econômico; vivenciem a cultura local com equilíbrio ambiental e com qualidade de vida. Para isso ocorrer tornam-se necessários investimentos públicos e privados e uma articulação entre sociedade civil, poder econômico e poder público.

Dessa forma, o Estatuto da Cidade traz como elemento novo a participação cidadã no processo de planejamento do desenvolvimento dos municípios. Assim esse mesmo Estatuto, ao estabelecer o controle social como fator inerente ao processo de elaboração e implementação do Plano, cria um ambiente democrático de associativismo cívico de fundamental importância para a promoção do desenvolvimento local sustentável. A participação é um processo de aprendizagem social que traz consigo a ampliação do capital humano e social, por conseguintes, fundamentais para essa nova forma de se pensar o planejamento e desenvolvimento aqui proposto. E que esse não seja apenas um ideário a ser seguido, mas que se concretize de fato.

Ao se finalizar esse capítulo se pode dizer que, embora a intervenção estatal no país remonte a crise da economia cafeeira, responsável por levar à adoção da política de forma de defesa do café diante da crise com o Convênio de Taubaté, a intervenção estatal tanto no país, como no mundo pela via do planejamento, é filha da crise de 1929 e a sua base teórico-ideológica é o keynesianismo. No país, como no mundo ocidental capitalista, desde então, para além de racionalização sistemática e social, o planejamento, como define Chico de Oliveira (1977), é uma forma de resolução de conflito social; e como tal, um instrumento imprescindível de desativação das lutas de classe na era do capital financeiro (FREITAG, 1986). Numa acepção gramsciana, tornou-se um poderoso instrumento das “revoluções pelo alto”, autoritárias e, ao nosso tempo, modernizantes.

Estas soluções de conflito “pelo alto” próprio da era do capital financeiro inauguradas com a crise de 1929, traduziram-se no fascismo e no nazismo, mas também no americanismo-fordismo e, posteriormente, no Walfare State. No Brasil, essas formas de mudança “pelo alto” expressa-se  historicamente na Ditadura do Estado Novo; em situação de democracia, traduzem-se na experiência de criação da SUDENE, analisada por Chico de Oliveira (1977); também nas ditaduras militares latino-americanas.

Hoje, o planejamento, em sua vertente participativa, logo no início da década de 80 e em outras conjunturas, foi utilizada por governantes e até por partidos políticos que apoiavam a Ditadura Militar de 64 para cooptar o apoio popular frente à movimentação social e política contra o Regime Autoritário. Nestas condições, foi uma espécie de simulacro de planejamento participativo. Continuou, no entanto, sendo utilizado como instrumento de amortecimento dos conflitos sociais, de situação de tensões sociais como o foi no período das grandes greves inauguradas em 1979, época mesmo de ascensão dos movimentos sociais, como o da Anistia e o do Custo de Vida. O movimento Diretas-Já, expressão destas forças e lutas sociais, teve influência direta na eleição de Tancredo Neves à Presidência da República e desatou nos episódios e acontecimentos que marcaram a transição democrática com a Constituição de 1988 e a eleição direta para presidente da República em 1989. Elevado ao estatuto de novo paradigma em alternativa ao modelo tecnocrático e autoritário do período do Regime Militar, pelos próprios movimentos sociais e outras entidades e organizações sociais, o planejamento participativo terminou sendo institucionalizado por essa Constituição.

Nos anos 1990, soma-se ao desenvolvimento sustentável, definido e adotado pelos países signatários da Agenda 21, durante a CMAD-92 (Eco92), no Rio de Janeiro: a afirmação de que não há desenvolvimento local sustentável, se não houver participação é expressão disto. E o instrumento dessa participação é o próprio planejamento capaz de gerar e captar sinergias, de articular e ao mesmo tempo ampliar e potencializar o capital humano e o capital social pré-existente.

Os movimentos sociais nos anos 1990 terminaram consagrando o desenvolvimento sustentável como bandeira de luta e o seu marco é o Movimento Grito da Terra Brasil, que a partir de 1994 conseguiu influenciar o sistema político em favor de milhões de agricultores familiares representados pela Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) e as Federações e Sindicatos de Trabalhadores Rurais; milhões de Sem-Terra acampados, representados por este movimento sindical dos trabalhadores rurais e, também, pelo MST; além de organismos de grande importância na luta pela Reforma Agrária, como a Comissão Pastoral da Terra – CPT – órgão ligado à CNBB; a Comissão Pastoral dos Pescadores; o Movimento Nacional dos Seringueiros; o Movimento Social dos Atingidos por Barragens; redes sociais e temáticas diversas; ONG’s e tantas outras organizações comprometidas com a solução do profundo processo de exclusão social que marcou os anos 90 no país.

O Desenvolvimento Sustentável e a participação popular na luta por políticas públicas e pela Reforma Urbana são também abarcados pelos movimentos sociais e as entidades do meio urbano, como a Central de Movimentos Populares, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia, o Movimento dos Sem-Teto, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, e tantos outros que durante e após a Constituição juridificaram e lutaram pela Reforma Urbana, e até hoje lutam pela democratização das políticas e fundos públicos, pela universalização do acesso aos serviços e bens necessários à realização da cidadania, etc.

Nesse horizonte, o planejamento passa a ser instrumento de luta, como é o caso da constitucionalização das Zonas Especiais de Interesse Social, a partir das lutas populares urbanas da Cidade de Recife (Leal, 2003), posteriormente incorporados como diretrizes nos próprios Planos Diretores feitos atualmente sob os imperativos legais do Estatuto da Cidade. Nesse caso, o planejamento coloca-se na perspectiva de Celso Furtado (1999):

Creio que, hoje, o que se perdeu - e isso é o mais grave – é a idéia de apelar para o planejamento. O homem sempre age a partir de hipóteses. Qualquer um de nós formula hipótese com relação ao futuro de sua vida. Uma empresa precisa mais ainda formular essas hipóteses, e quanto mais complexa é a situação maiores são os riscos.

Segundo Celso Furtado (1999), o planejamento que ele ajudou a criar na CEPAL serviu ao governo de Juscelino Kubitschek para fazer o Plano de Metas, e graças a esse planejamento o Brasil teve, pela primeira vez, uma política industrial deliberada racional e ampla. Nesta direção, conforme a autor, Roberto Campos seguiu as mesmas técnicas nascidas na CEPAL, porém, os objetivos sociais do Governo Militar pós-64 eram bem distintos daqueles preconizados anteriormente. Assim:

Se o Brasil moderno se criou, se teve uma industrialização tão avançada e complexa, foi porque adotou a técnica de planejamento. O BNDES nasceu nesse prisma (...). Um banco de desenvolvimento coleta recursos da sociedade. Portanto, só se justifica se aplicar esses recursos com mais racionalidade que o mercado. Assim, o planejamento aumenta a eficácia do Estado (FURTADO, 1999).

Ainda, segundo Furtado (1999), o Brasil enquanto economia subdesenvolvida necessita de planejamento, e num país como o nosso, com grandes desequilíbrios regionais e setoriais, além de um enorme potencial de recursos não utilizados, abandonar a ideia de planejamento é renunciar à ideia de ter governo efetivo, e pensar que “o mercado vai substituir o Estado é uma ilusão”. Uma parcela desse enorme potencial refere-se ao capital humano e ao capital social, pois seja qual for o nível de desenvolvimento de um país. Assim, “uma sociedade só se transforma se tiver a capacidade para improvisar, inovar, enfrentar seus problemas da maneira mais prática possível, mas numa perspectiva racional” (FURTADO, 1999).

Daí porque, para o eminente economista cepalino, o planejamento é necessário para superar o subdesenvolvimento, já que o mercado não é capaz de resolver sozinho o problema, não é capaz de mudar as estruturas. E para mudá-las o planejamento deve ser aplicado em função do quadro político. Ou seja, os seus objetivos devem ser definidos pela sociedade.

Furtado traça aqui a necessidade de um planejamento com a participação da sociedade, sem deixar de deitar as suas raízes na criatividade e para não perder a sua capacidade de renovação. Portanto, os reflexos sobre o planejamento e a busca do desenvolvimento local sustentável nos anos 1990 continuaram respaldados nesse tipo de argumentação, mas também na ideia de controle social das políticas públicas, de uma nova alternativa política de gestão participativa e democrática de alocação de fundos e de recursos públicos.

Em resumo, o paradigma em construção a partir dos anos 1990 continua sendo desenvolvimentista, até porque, como diz Celso Furtado (1999), o subdesenvolvimento é uma devastação; mas que não acrescenta, que é também uma devastação ambiental e da própria força de trabalho jogada no desemprego estrutural em nível global, e não só na periferia capitalista. Daí porque a necessidade de acrescentar o sustentável. Sustentável, também, porque é participativo, e participativo devido à incerteza e ao próprio quadro político no qual se movimenta o Estado, cuja vulnerabilidade em termos de legitimação associa-se ao solapamento das bases integração social como efeito de organização dos meios sistemáticos do próprio Estado (pacto social) e do mercado (dinheiro).

Quando se estava numa ditadura ou regime político autoritário, se sabia para onde ir. Agora não! Ora, se Celso Furtado (1999) sugere o planejamento como uma técnica capaz de permitir elevar o nível de racionalidade das decisões econômicas tanto nas empresas como nas sociedades organizadas politicamente, e este planejamento deverá ser necessariamente participativo, Franco (2000) afirma que o desenvolvimento deve significar melhoria de vida para todas as pessoas (desenvolvimento social) das vivas hoje e das que viverão no futuro (desenvolvimento sustentável).

Já Zapata e Parente (2002) defendem que o “modelo econômico neoliberal” vigente e hegemônico em nível mundial passa a ser hoje

(...) questionado por um novo paradigma de desenvolvimento centrado no ser humano, e que tem como objetivo a ampliação das oportunidades e capacidades, com a presença estratégica do Estado Democrático, como forma de garantir o equilíbrio entre as forças dos mercados e os direitos humanos fundamentais.

Nessa direção está a “nova safra” de planos diretores previstos pelo Estatuto da Cidade. A participação da população na proposta de planejamento e da gestão urbana é o seu elemento novo. No entanto, tal participação para acontecer depende do nível de amadurecimento dos movimentos sociais, do nível de organização da sociedade civil local, das condições políticas e institucionais; da articulação, da participação e do envolvimento da população na sua construção. Ou seja, depende em última instância do grau de desenvolvimento do capital humano e do capital social do local.

4. Experiência do planejamento participativo de Queimadas: Limites e possibilidades

4.1. O Plano Diretor na Visão de Lideranças, Personalidades Públicas, Intelectuais e Empresários

O Plano Diretor foi uma experiência, nas palavras dos membros do próprio Conselho Gestor do Projeto, inédita pela importância de ter dotado o município de um Plano capaz de balizar o seu futuro em longo prazo; foi inédito pela sua forma participativa, pelo envolvimento de pessoas e entidades num processo de aprendizagem e, no entanto, sofrendo uma interdição em sua trajetória na medida em que permaneceu inconcluso, já que havia necessidade de se corrigir a cartografia, de se construir a legislação complementar e outros instrumentos. Também pelo fato de não se ter providenciado a formação do Conselho da Cidade e a constituição de uma Equipe Técnica mínima para dotar-lhe de uma coordenação e gestão satisfatória, competente e eficaz.

Todos se mostraram interessadas e preocupadas em entender, em participar melhor. Algumas ficaram preocupadas com a sua continuidade. A maioria enfatizou a sua dimensão participativa e o processo de planejamento ascendente adotado. Outros apresentaram preocupação com suas áreas, um propôs uma maior ênfase ao turismo e à criação de um Conselho Municipal relativo a essa atividade. Na área de Educação, outro entrevistado e próspero comerciante local cobra maior investimento em educação, investimento em pessoas, visando à qualidade da formação dos jovens, sendo necessários investimentos em infraestrutura e na formação de professores.

Veja de forma resumida o que diz um intelectual entrevistado, ativista político, escritor e professor:

Em termo de importância, o Plano Diretor é extremamente importante para cada município do Brasil, não só para Queimadas, porque a partir dele se pode agir. Você vê, é até uma forma de forçar, vamos dizer assim, os gestores a agirem (...). Então, criaram uma lei determinando tempo. Em virtude desse tempo, se não fosse elaborado e votado esse Plano Diretor, o município iria cumprir pena. Logo, isso foi feito na maioria dos municípios do Brasil, entre eles Queimadas. Esse Plano Diretor é uma coisa extremamente benéfica no nosso município, porque a partir dele vai ficar dito o que se pode fazer na atualidade e o que se pode fazer no futuro, quer dizer, certamente os gestores públicos vão sendo trocados, mas o Plano Diretor fica, pois ele é do município, não de fulano ou de sicrano. Assim, neste aspecto ele é extremamente positivo, até mesmo porque especificamente o nosso município carece realmente de um planejamento bem feito, de alguém com cabeça para mexer onde não foi mexido ainda, onde foi mexido erradamente, para dar uma sacudida nesse município, para realmente organizar as coisas. A gente vê uns desmandos que sinceramente deixa triste quem mora aqui em Queimadas, vive aqui, sobrevive aqui e gosta. O Plano Diretor é importante, mas devemos ter consciência de que ele é apenas um documento escrito. Para que ele possa ser colocado na prática é preciso que eu, você, ‘fulano’, ‘sicrano’ e todos os queimadenses, principalmente quem tem o comando do município, quando falo em comando não estou falando apenas do gestor, do prefeito, mas das pessoas mais influentes, da elite intelectual do município, trabalhemos com esse objetivo. Já que a sua elaboração teve a participação da sociedade organizada, então, que a sociedade realmente tenha essa preocupação de colocá-lo em prática, porque é, sobretudo, um instrumento importante para planejar o município de forma macro e até micro mesmo. (Entrevista/a 01).

Veja também a fala sobre importância do Plano Diretor do outro personagem de destaque e membro do Ministério Púbico:

Quanto a sua importância, eu não tenho dúvida. Aliás, todo município tem que ter o Plano Diretor, é uma lei de grande importância para o município e sem ela o gestor público municipal pode ficar até impedido de governar. No caso específico de Queimadas, nós do Ministério Público representado por minha pessoa, firmamos um termo de compromisso de ajustamento de conduta com o prefeito, estipulando um prazo para ele remeter à Câmara o Projeto de Lei do Plano Diretor. Isso foi cumprido pelo prefeito e hoje já é lei. O Plano Diretor em Queimadas será muito bem-vindo, porque Queimadas é uma cidade urbanisticamente falando, totalmente desorganizada. Tanto é que a feira da cidade funcionava nas ruas centrais, impedindo o acesso de quem chega à cidade para a prefeitura e outros setores de grande importância, além do fluxo de pessoas. Entramos com uma Ação Civil Pública, antes mesmo do advento da chegada da lei do Plano Diretor, e a Justiça determinou recolocação da feira, ou seja, desobstruindo as ruas centrais de Queimadas. O Plano Diretor veio complementar esse nosso trabalho, isto é, reorganizar a cidade de Queimadas. Com relação a Queimadas em particular, é o município com muitos problemas, saneamento, a desorganização urbana, alguns prefeitos do passado fizeram doações de terrenos de forma aleatória, sem seguir qualquer planejamento urbanístico, e a consequência desses atos refletem hoje na cidade. (Entrevista/a 02).

Quando indagado sobre o que se espera do Plano Diretor, esse grupo de personalidades de destaque manifestou-se de maneira bastante positiva: 17 pessoas esperam que o Plano Diretor seja realmente executado, os demais esperam que haja melhorias no município. Assim, “que não fique como um mero documento guardado e que seja seguido à risca senão todo, mas uma grande parte, obedecer ao que está no plano” (Entrevista/a 03).

Mas, para o Chefe de Gabinete do Prefeito e advogado:

Toda mudança gera conflito, mas estamos aí com paciência, sem fugir daquilo que foi decidido e aprovado na Câmara dos Vereadores. Inicialmente houve certa resistência por parte da Câmara municipal, mas graças a Deus foi aprovado e esperamos poder colocá-lo em prática o mais rápido possível (Entrevista/a 04).

Entre as personalidades de destaque entrevistadas quanto às possíveis dificuldades para que o Plano Diretor pudesse continuar e fosse efetivamente executado, as respostas e argumentações foram variadas. Cerca de 8 pessoas atribuíram à cultura política local o principal fator que poderia dificultar o andamento e a execução do Plano. Já 05 pessoas atribuem empecilhos ao Plano Diretor à questão de tipo de gestor público que se tem: à forma de proceder e de administrar a coisa pública, à falta de compromisso, de apoio logístico por parte da administração municipal e à própria falta de uma Equipe Técnica voltada para a sua execução. Ou seja, o contrário do que coloca Buarque (2002) quando destaca a descentralização do poder decisório local, a consciência dos diretos e deveres e a responsabilidade perante o que é público. Já 05 entrevistados atribuíram às dificuldades financeiras, o fator principal capaz de bloquear o Plano Diretor:

As dificuldades são mais, na minha concepção, financeiras; o município, o pessoal muitas vezes não colabora com o que diz respeito a nossa cidade. Eu espero que num futuro bem próximo seja muito bem aproveitado. Pelo menos o esforço da equipe coordenadora do Plano Diretor foi válido, ela trabalhou muito tanto na zona urbana como na zona rural (Entrevista/a 05).

Já para a advogada, assessora jurídica entrevistada:

As dificuldades são muitas: falta de capacidade pessoal, de técnicos, de recursos, porque tudo é muito caro e os municípios de modo geral não estão preparados para essa efetivação, ou seja, a realidade socioeconômica do município realmente interfere muito nessa execução. (Entrevista/a 06).

Além das dificuldades financeiras, 06 entrevistados responderam que as principais dificuldades seriam administrativas. Com relação a este tipo de dificuldades encontradas, o quadro abaixo (Quadro 1) identifica que tipos de dificuldades administrativas são essas: 

Especificação

1

“administração não vai bem”

2

Falta de apoio, estrutura ao Plano

3

Depende do gestor e das “posses do município”

4

“Depende da escolha”, “da consciência”, “do compromisso do gestor”

5

Depende do gestor, da população, mas, sobretudo “da intervenção do gestor do município”.

6

Depende do gestor: “O restante cabe ao prefeito agora seguir”.

Quadro 01 - Dificuldades Administrativas Identificadas pelos Entrevistados.
Fonte: Pesquisa de Campo.

Dos entrevistados, cinco pessoas atribuíram a maior dificuldade à participação do povo, à falta de credibilidade, confiança, ao pessimismo e ao individualismo, ao nível de informação do povo. Ou seja, a fragilidade do capital social (PAGNONCELLI; AUMOND, 2004; BOURDIEU, 1998; PUTMAN, 1996; TOCQUEVILLE, 1985):

É, primeiramente têm vários fatores. Eu acho que um deles é o nível de informação do nosso povo, está criando certo pessimismo (...). Está todo mundo no individual, à espera pelo outro. Ninguém toma decisão. Está faltando o companheirismo e acreditar no nosso potencial (Entrevista/a 07).

Longe de atribuir, como é de praxe, ao povo a responsabilidade pelos seus próprios infortúnios e incapacidades, duas falas expressam que a falta de informação, de desconhecimento da necessidade de um Plano Diretor, o fato de ainda não ter adquirido consciência da importância do Plano, está associado à falta de credibilidade (confiança) da população nos políticos, nos gestores públicos. Portanto, são falas sobre falta de credibilidade nos políticos, nos gestores, nos responsáveis por cargos públicos. Assim:

[...] há um descrédito muito grande da população com relação a profissionais responsáveis, e quando lhe é apresentado o Plano Diretor que está sendo puxado por A ou por B, que vem dos gestores públicos, aí a pessoa diz: “Não, isso é coisa de política”. E associa logo a uma coisa que não tem crédito, que não vai de fato acontecer (Entrevista/a 08).

A identificação do Plano com certos grupos políticos ou a sua apropriação como feito de uma administração, nessa fala eleva ainda mais ao descrédito, a não participação, ao mesmo tempo em que há certa desqualificação de tudo que advém da ação política (governo e Legislativo). Tudo isso parece associar-se e reforçar a denominada “cultura política de sujeição”: a descrença, a desconfiança, a aversão ao associativismo e a cooperação, reforçadas pela dependência de certos grupos e personagens populistas e eleitorais, o faccionismo político que desbota qualquer tentativa de se pensar processos participativos de condução de programas e projetos públicos, visando vencer o atraso econômico, a pobreza, a corrupção e mal versação da coisa pública. A outra fala é sintomática com relação aos muitos discursos democratizantes e à promessa redentora que levam à mobilização do povo, mas não lhe trazem respostas palpáveis esperadas. Daí a falta de credibilidade da sociedade.

Não se acredita mais nas discussões que vêm por ai, porque já há muitas discussões e não há mais nada, a gente já discutiu demais. Olha, as demandas sociais que a gente vem discutindo, pelo menos nesses dez últimos anos, não são brincadeira, eu digo isso porque desde 1988 nós participamos de várias discussões do DLIS (...) do PROGER (...) foi feito todo um planejamento de ação, mas não foi executado. Porque nós temos a dificuldade do legislador do município não comprometido, do gestor municipal não participante das discussões e quando se chega exatamente para ele aprovar, ele vem com suas peculiaridades, consequentemente fica tudo aí no papel. (Entrevista/a 09).

Como se pode ver, a maioria das falas coloca a questão da execução do Plano na responsabilidade do Executivo e do Legislativo, na sua incapacidade de descer do “pedestal” e procurar fazer uma gestão e adotar práticas descentralizadas e participativas, na falta de visão e na pobreza cultural, na falta de espírito público do tipo republicano e pautado no universalismo de procedimentos. Associado a isto, estaria a falta de conhecimento, de informação ligada à cultura da não transparência, do clientelismo, da tomada de decisão, em geral, ad hoc.

Esta falta de informação também é cobrada pelos entrevistados. Pelo menos três deles cobraram isto da equipe que levou à frente a discussão do Plano Diretor e dos gestores públicos integrantes do Conselho Gestor. Outro foi o vereador que fala do desconhecimento da necessidade de um Plano Diretor:

(...) acredito que um Plano Diretor para ser implantado deve ter envolvida toda a comunidade, deve ser discutida com a comunidade a necessidade daquele Plano Diretor, e com informações mostrando e evidenciando que o crescimento do município planejado será bem diferente do que quando acontece esse crescimento desordenado (Entrevista/a 10). 

Grande parcela das personalidades com certo destaque público, político, cultural e econômico municipal coloca a maior parte dos limites da execução do Plano Diretor nos gestores públicos, nos políticos que estão nos cargos públicos, técnicos e administrativos municipais. Cobram compromisso com o município e com os seus problemas, informações e conhecimentos em temas e processos de interesse público, como é o Plano Diretor; cobram, inclusive, a sua difusão ampla e o debate de seu conteúdo. Alguns estão dispostos a colaborar, a se envolver naquilo que é de todos. Portanto, o que faltou? O que falta? Gestores públicos comprometidos, sensíveis com os problemas sociais, competentes, empreendedores, com visão estratégica?

Pelo menos uma questão parece ser merecedora de argumentação: as falas mostram, em síntese, uma sociedade interessada na coisa pública e que tem certa identidade com o território municipal: apego e estima pela terra natal e sua prosperidade. Não existiria certo espírito republicano e de comunidade cívica, no mínimo uma semente, ainda que difusa de civismo? Não existiria, portanto, pessoas e entidades que expressam certo capital humano e social que as fazem ascender ao senso comum, ao status quo, às mesmices, a um quadro autoritário, clientelista e de apropriação indevida de coisa pública? Não existiram entidades, instituições, grupos sociais, homens e mulheres capazes de ascender à cultura política “de sujeição” (SANI, 1995): aquela adversa à participação e alimentadora da estagnação econômica e limitadora do desenvolvimento do capital humano e do capital social do município, se não depiladora dessas espécies de valores e investimentos sem os quais o desenvolvimento econômico e social não acontece?

Na verdade, os dados e as informações contidos no próprio Diagnóstico do Plano Diretor mostram que Queimadas, como a maioria dos pequenos municípios brasileiros, sofre certos problemas e o próprio Plano Diretor deve apontar alternativas de soluções concretas, quais sejam: falta ou desorganização dos instrumentos de controle sobre o uso e a ocupação do solo associado à falta de legislação pertinente e à desorganização ou falta de, por exemplo, de Cadastro Imobiliário Urbano informatizado e permanente atualizado, aversão à abertura de espaços institucionalizados de participação e controle social associado à discussão de temas e negócios públicos, à transparência e à democratização da informação, pouca chance de sucesso de uma administração, de Plano, de um Conselho, devido a essa cultura adversa à democracia, falta de integração do município em escala microrregional por falta de uma cultura cívica e uma visão estratégica e de construção de parcerias para discussão e solução de problemas comuns construindo fóruns, agências de desenvolvimento, consórcios, associações municipais e regionais, dificuldades de pessoas qualificadas e de montar um sistema de informação estruturado e informatizado, entre outros.

No entanto, para além desses problemas, parece faltar vontade política para persegui-los em busca de superação. Na realidade local em foco, na verdade, não existe uma Equipe de Governo coordenada, coesa, que debata e esteja sintonizada com os próprios problemas administrativos e financeiros e com os grandes problemas sociais e econômicos do município.

Os métodos de governo são conservadores e ultrapassados, limitando-se a “empurrar com a barriga” as atividades e os problemas de rotina administrativa. Cada secretaria municipal funciona como se fosse uma “pequena prefeitura”. Não se tem um Plano de Governo e há um descontrole generalizado dos gastos e receitas do município. Então, como algumas entrevistas apontaram anteriormente, não se trata das “posses” do município, como falou alguém; trata-se de uma gestão eficiente e eficaz dessas “posses” ou dos recursos humanos e financeiros municipais, de melhor gestão de seu próprio capital físico, de saber avaliar o seu capital natural e descobrir alternativas de prosperidade econômica. Entre elas, desenvolver, investir nos recursos humanos e sociais pré-existente, ‘arrumar a casa’ e gerenciar a riqueza do território municipal e aproveitar as oportunidades. E uma delas é o próprio Plano Diretor. Ele permite visualizar o hoje e o amanhã com mais clareza, e com base nisto permite captar e mobilizar recursos para além das fontes convencionais e constitucionais.

4.2 O Plano Diretor na Visão dos Informantes-Chave

Esse grupo soma, portanto, os representantes de instituições da sociedade civil local, além de representar o que se tem de ‘melhor’ em termos de recursos humanos, de “massa crítica” ou capacidade intelectual e ascendência ético-moral, aberta a inovações e à investigação, entre outras competências e habilidades. Também em termos de capital social como valores cívicos que presidem a capacidade de mobilização e articulação em torno de interesses e resultados benéficos ao grupo ou à coletividade ou mesmo à entidade, movimento ou instituição de pertença e suporte a identidade coletiva.

Do grupo de informantes-chave que deram uma imprescindível colaboração na construção do Plano Diretor, foram entrevistadas 14 pessoas, entre elas, um agente fiscal da Prefeitura, um estudante de Comunicação Social participante da sistematização de documentos do Plano, um artista plástico, um empreendedor com experiência na área de coleta e destinação final de resíduos sólidos, um agricultor familiar sindicalista, uma pessoa formada em Farmácia e com experiência em Vigilância Sanitária, uma informante com curso superior e experiência em Saúde Preventiva e Comunitária (enfermeira), um estudante de Engenharia Agrícola e morador da zona rural, estudioso dos impactos ambientais e alternativas viáveis, entre outras.

Todos os entrevistados evidentemente participaram da construção do Plano Diretor a partir de suas experiências e vivências profissionais, fornecendo valiosas sugestões e informações. Sem elas, provavelmente, o Plano Diretor perderia muito em conteúdo, em termos de análise da realidade e das propostas formuladas e consensuados.

Alguns desses informantes foram abordados no mais das vezes em grupo, participando, portanto, os colegas de trabalho e auxiliares próximos, daí porque propostas consensuadas, inclusive com a participação dos entrevistadores. Destes entrevistados, pelo menos, 05 pessoas participaram do processo de construção do Plano, para além de suas condições de informantes-chave, isto é, convidados para colaborar com informações, documentação e propostas temáticas e sobre questões que tinham acúmulo em termos de experiência profissional e vivência.

A coordenadora de Vigilância Sanitária colocou-se à disposição do Plano e de sua equipe não só dados do órgão público que coordena, mas provavelmente nomeou alguém para substituí-la nos eventos e espaços de discussões orquestrados pela equipe técnica do Projeto. É tanto que outro informante-chave da vigilância sanitária falou:

A necessidade desse Plano Diretor já vem de muitos anos. A Vigilância Sanitária precisa muito de um Plano Diretor. Esse trabalho é realizado há uns dois anos em Queimadas, mas agora eu tomei conhecimento, através da Secretaria de Desenvolvimento e de Infraestrutura, da necessidade de conversar sobre as questões pertinentes (Entrevista/a 11).

Já um funcionário com experiência na área tributária da Prefeitura tomou conhecimento do Plano Diretor por meio de uma reunião que “houve no clube abordando os temas limpeza urbana inclusive o Plano Diretor” (Entrevista/a 12). Os informantes-chave tomaram conhecimento da importância do Plano. É tanto que, quando indagados sobre o que sabem sobre o Plano Diretor, apenas uma entrevistada falou que não sabia muita coisa. Um deles, com desenvoltura, falou:

O Plano Diretor de Queimadas traz em seu corpo todo o planejamento estratégico feito de forma participativa junto com a comunidade, onde você encontra toda informação no tocante à economia, ao social, ao ambiental, todos esses aspectos estruturados de forma estratégica e planejada para vinte anos, em cima dos anseios das comunidades tanto rurais quanto dos segmentos da zona urbana. (Entrevista/a 13). 

Outro entrevistado funcionário da Prefeitura Municipal de Queimadas e também professor no município falou que:

O Plano Diretor é um documento que foi exigido pelo governo federal para os municípios com mais de 20 mil habitantes e Queimadas se insere neste contexto. Além do mais, o Plano Diretor traz em si uma visão holística de como se encontra o seu município. Então ele é dividido em setor econômico, social, ambiental e administrativo. O Plano Diretor traça um perfil de todo município sobre esses vários ângulos (Entrevista/a 14).    

Mais à frente, informa:

Sem sombra de dúvida, a equipe responsável pelo Plano Diretor teve muito trabalho, foram feitas várias reuniões, sensibilizações, mobilizações para que o pessoal estivesse adentrando a essa consciência da importância deste documento. Então eu participei através de reuniões, palestras, leituras de documentos e, sobretudo, levantamento de informações que serviram para implementar o Plano Diretor (Idem, ibidem). 

Faz jus salientar que o informante fala duas vezes que o Plano Diretor é um “documento”, porque na sua cultura, do interior do Nordeste, o documento, o escrito, o documentado é uma prova, um valor da existência das coisas, dos seus propósitos e passível de ser cobrado, vigiado.

Com relação a sua participação específica no Plano, esse mesmo colaborador falou que:

Sendo biólogo, o que me ficou incumbido foi fazer um levantamento sobre o atual quadro ambiental do município. Para isso, estudamos várias monografias de estudantes de Biologia e Geografia do nosso município e fizemos um diagnóstico usando esses documentos sobre a questão ambiental de Queimadas (Idem, ibidem).

Já outro informante-chave declarou que:

Minha contribuição foi pouca, porque eu sabia dos problemas da educação. Então, além da análise que fiz da parte do rural, pois nasci e me criei na zona rural... eu tinha uma habilidade muito grande de escrever sobre o campo... minha experiência como pessoa oriunda da zona rural e professora ajudou muito a construir tanto a parte de educação quanto a parte de análise dos dados da zona rural (Entrevista/a 15).

Outro informante-chave teve contribuição fundamental na área de administração:

Minha contribuição no tocante à área de Administração foi entender, no que diz respeito ao setor político-institucional, o Executivo. Onde a gente mostrou e demonstrou as receitas e também as despesas do município, tentou mostrar o ponto de equilíbrio entre estas, uma vez que o Código Tributário da Cidade de Queimadas existe no papel, mas na prática não. Pois este é uma fonte de receita para o município. Apontou também a dependência dos rapasses do governo a nível federal, mais uma vez dizendo que esses repasses sustentam a máquina administrativa municipal, uma vez que a arrecadação que deveria existir dos impostos da cidade é praticamente inexistente e também não cobre as suas despesas com erário público. (Entrevista/a 17).

Como se pode ver, e esses depoimentos já parecem ser suficientes para demonstrá-lo, não se trata aqui de uma participação qualquer, mas de uma participação qualificada, esclarecida, crítica, propositiva, rica em termos de saberes, de conhecimento, de informações. E é esse tipo de informação, de esclarecimento que é cobrado, que as outras entrevistas cobram. Cobram também a participação consciente do povo, a sua participação ampla e por meio de vários espaços, canais, instrumentos. Portanto, longe de qualquer intenção manipulatória ou de tipos de participação onde camadas populares e outros segmentos sociais são mobilizados em certas ocasiões para uma participação apenas de forma plebiscitária: aplaudir o dito e aprovar, acreditar que vai ser feito. E se se trata de crença, não haveria, consequentemente, necessidade de acompanhar, de controlar, de cobrar, de reivindicar.

Não por acaso, quando esse grupo de informantes foi consultado sobre a sua visão quanto ao destino do Plano Diretor, depois de aprovado pela Câmara, a maioria, cerca de 10, respondeu que não sabia do “destino do Plano, do que aconteceu ou que não sabe quando vai ser colocado em prática”. Também que “não tenho informação” e nem sabe “onde procurar informações”. Isto reflete o descaso dos gestores públicos responsáveis pelo Plano, para com o povo de Queimadas, especificamente, com a sua parcela mais esclarecida, com aqueles que contribuíram, mobilizaram-se, “arregaçaram as mangas”, trabalharam, deram tudo de si para sistematizar o Plano até a construção e aprovação da Lei. No entanto, o Plano foi silenciado, não foi divulgado, publicizado, a Câmara não cobra e aprovou uma Lei sob condição de que fossem concluídas as tarefas anteriormente elencadas.

Se os estoques de capital social, como confiança, normas e sistemas de participação tendem a ser acumulativos e se reforçar mutuamente, incluindo aí também os recursos humanos, essa interdição e silêncio em torno do Plano Diretor Participativo de Queimadas impõem àqueles que trabalharam, se mobilizaram e acreditaram/apostaram em algo novo que estava surgindo e que dependia tão somente dos esforços da própria iniciativa local, estar-se diante de um atentado contra o futuro do município e a sua intelectualidade, instituições, entidades e movimentos sociais. Impedindo, que os círculos virtuosos do processo de construção do Plano Diretor passem a se multiplicar em outros círculos virtuosos e que redundem em equilíbrios sociais com elevados níveis de cooperação, confiança, reciprocidade, civismo e bem-estar coletivo (PUTNAM, 1966).

Impedir que, o Plano Diretor tenha continuidade, só faz reforçar os níveis contrários de desordem, deserção, confiança, omissão e própria estagnação econômica, social, cultural e política do município, senão retrocessos difíceis de serem controlados, além de problemas ambientais, como a desertificação que se processa dilapidando o capital natural e ecológico do território municipal.

Para complementar os depoimentos que atestam à parada e o silêncio das Administrações Públicas do município em torno do Plano Diretor e o próprio quadro de argumentação acima, veja-se o que os grupos de informantes-chave afirmam quanto aos possíveis limites à implementação desse Plano:

Síntese das Respostas

1

“a questão política infelizmente. Existência de ameaças por um grupo de oposição”.

2

“Não sei”.

3

“Não há. O Plano não se restringe a administração”.

4

“A burocracia, a política”.

5

“Não sei. Visão de que o Plano se restringe até a lei e a sua aprovação”.

6

A população não está preparada. O limite é grande. Não vai cobrar saída. Não vai buscar saída. Não tem conhecimento.

7

Dois limites: (1) o sucessor e sua capacidade de bom senso; e, (2) que o governante queira implementar e superar os extremismos da divergência política.

8

“Depende do sucessor”.

9

Divergências políticas/ vontade política dos governantes.

10

Vontade política.

11

Vontade Política.

12

Falta de esclarecimento da população.

13

Vontade política.

14

Vontade política do sucessor.

Quadro 02 - Informantes-chaves à Execução do Plano Diretor
Fonte: Pesquisa de Campo.

Como se pode ver, 08 entrevistados em suas respostas identificaram a falta de vontade política como a principal barreira para a execução do Plano Diretor, o que vai reforçar os argumentos anteriores. Como se trata de um contexto de cultura política autoritária e clientelista, portanto, não cívica. Em geral, a figura do executivo e de seus prepostos aparecem na consciência coletiva como os entes sobre os quais se atribuem todas responsabilidades coletivas: públicas e sociais. Por seu turno, estes se alimentam dessa crença e fazem até questão de alimentá-la, reforçando os laços de dependência e sujeição como padrão de relação social entre dirigentes e eleitores, materializado no clientelismo. Daí porque algumas respostas colocaram o limite na população, porque não está preparada e nem organizada para cobrar. Faltaram maior preparação e informação. De fato, ao que tudo indica, a vontade política tem sido o fator principal possível de explicar o “silêncio” em torno do Plano Diretor. Mas, e a camada esclarecida e que até aqui deu sua opinião, identificou a importância do Plano e se pronunciou sobre os seus limites e alcances? Provavelmente, cada campanha eleitoral seja esse elemento motivador para a cobrança e retomada do processo.

5. Considerações

Este trabalho buscou identificar e analisar, a partir da visão de diversos atores, os limites e possibilidades elaboração e execução do Plano Diretor Participativo de Queimadas-Paraíba. Este plano constitui um instrumento de planejamento estratégico participativo do desenvolvimento local sustentável, tendo como eixo o ordenamento da ocupação do espaço urbano e rural.

Do ponto de vista metodológico procuraram-se respostas em elementos econômicos não convencionais, quais sejam: o capital social, os recursos humanos e a cultura política local. Entendendo-se que esses elementos são essenciais, ou seja, são pressupostos e supostos para a construção e execução de um plano diretor como estabelece o Estatuto da Cidade/Ministério das Cidades.

Essas categorias são inerentes a uma boa participação (BORDENAVE, 1994). Esta foi entendida enquanto poder de decidir, de fazer, de construir e usufruir. E também enquanto possibilidades de realizar uma boa governança (PAULA, 2000), gestão democrática e compartilhada estabelecida entre poder público e a sociedade. Assim, o fator humano, o homem enquanto fator de transformação (FURTADO, 1984); o capital social (PUTNAM, 1996) e a cultura política local são elementos essenciais para a participação e para a boa governança. Se o Plano Diretor espelha participação, governança local, pactuação em torno da proposta do planejamento e transformação social, ele não pode ser executado sem que esses elementos estejam presentes e possam ir se consolidando enquanto processo naquele determinado local.

Os limites estão estabelecidos no frágil desempenho dos recursos humanos, do capital social e na cultura política local adversa ao planejamento e ao desenvolvimento territorial. As possibilidades de ele vir a ser construído e executado estiveram e estão também nesses elementos, desde que empoderados, potencializados, fortalecidos. Isto é, o desenvolvimento ou o seu oposto depende do nível de acúmulo de cada um deles e, sobretudo, do capital social em uma determinada sociedade.

Assim, não pode haver desenvolvimento se não forem eliminadas todas as barreiras que restringem a liberdade (SEN, 2000) para esses elementos poderem se acumular, se desenvolver. Ou seja, se os cidadão e cidadãs não estiverem empoderados individual e coletivamente, o planejamento não passará, como afirmou Chico de Oliveira (1997), de uma forma amenizadora de conflitos sociais; nem tampouco participativa, como aqui se procurou analisar. Dessa forma, o planejamento deixa de espelhar o desenvolvimento econômico e na transformação social desejados, protagonizado pelos atores sociais locais, pelos agentes de mudança de uma sociedade (SEN, 2000). Conforme Celso Furtado (1998): “(...) só a vontade política de uma sociedade civil fortalecida poderá colocar a imaginação a serviço desta própria sociedade”.

Referências

BANDEIRA, Pedro. Participação, Articulação de Atores Sociais e Desenvolvimento Regional. Brasília, DF: IPEA, 1999.

BORDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 70. ed. Lisboa: Presses Universitaires de France, 1997.

BORDENAVE, Juan E. D. O que é Participação. 8. ed. São Paulo, SP: Brasiliense, 1994.

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Vozes, 1998.

BRASIL. Câmara Federal dos Deputados. Lei nº. 10.257 de 10 de janeiro de 2001 - Estatuto da Cidade. Regulamenta o Capitulo das políticas urbanas na constituição federal e estabelece as diretrizes para execução de políticas de desenvolvimento urbano, sua principal finalidade é regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, procurando, ainda, do equilíbrio ambiental. Brasília, DF: Senado Federal, 2001.

BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Plano Diretor Participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. Brasília. 2004.

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1. Doutor em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador da Rede de Pesquisa em Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist), Instituto de Economia/UFRJ. E-mail: daniloarruda@redesist.ie.ufrj.br

2. Doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: lima.severino2012@gmail.com

3. Doutora em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ – Brasil – Rua São Francisco Xavier, 524 – UERJ / Faculdade de Engenharia/5º andar– Maracanã – Rio de Janeiro/RJ – CEP: 20550-900. E-mail: elaine.borin@ig.com.br

4. Ainda, de acordo com Leal (2003), o período antecedente à ditadura militar é marcado por dois governos que focalizam essa idéia de atuar junto aos movimentos sociais e de ênfase à participação popular, são eles: o governo de Pelópidas e o de Miguel Arraes. 

5. Estatuto da Cidade, Artigo 41 e incisos: I; II; III; IV e V.


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 34) Año 2017

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