ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 32) Año 2017. Pág. 3

Redes e parcerias tecnológicas no setor petrolífero brasileiro: o caso da Petrobras

Technological networks and partnerships in the Brazilian oil sector: de case of Petrobras

FERREIRA, Marta Lucia Azevedo 1; RAMOS, Ricardo Rezende 2

Recibido: 01/02/2017 • Aprobado: 03/03/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Sistemas setoriais de inovação e cooperação universidade-empresa

4. Origem e funcionamento das redes e parcerias tecnológicas: a visão da Petrobras

5. Avaliação das redes e parcerias tecnológicas: a visão da Petrobras e das ICT

6. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Este artigo discute o tema da cooperação universidade-empresa no setor petrolífero brasileiro por meio de um estudo de caso. Apresenta-se o modelo de redes e parcerias tecnológicas criado pela Petrobras SA visando o cumprimento da obrigação contratual de investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) e o atendimento de suas demandas tecnológicas. Os antecedentes da cooperação são abordados, bem como os aspectos positivos e negativos do modelo e os resultados e impactos alcançados. Mas para que o ambiente de pesquisa na fronteira do conhecimento gerado possa trazer benefícios de longo alcance para o país, alguns desafios precisam ser enfrentados.
Palavras-chave Cooperação Universidade-Empresa; Redes e Parcerias Tecnológicas; Setor Petrolífero; Petrobras

ABSTRACT:

This paper discusses the research topic ‘university-industry cooperation’ in the Brazilian oil sector based on a case study. It presents the technological networks and partnerships model created by Petrobras SA to comply with the Research, Development and Innovation levy and to attend its technological demands. The background of cooperation is discussed, as well as the positive and negative aspects of the model and its results and impacts. However, some challenges still need to be confronted so that the country could benefit in the long run from the frontier knowledge generated by the research environment.
Key-words: University-Industry Cooperation; Technological Networks and Partnerships; Brazilian Oil Sector; Petrobras.

1. Introdução

O tema das redes e parcerias tecnológicas vem recebendo atenção crescente no campo dos estudos sobre inovação desde os anos 90 (BRITTO, 2013; TIGRE, 2014). Estes arranjos vêm sendo configurados segundo programas de cooperação específicos e interdisciplinares entre atores com competências distintas que interagem para a geração de inovações como universidades e empresas, constituindo importantes elementos dos sistemas de inovação em diversos níveis. No Brasil, o sistema de inovação petrolífero e a Petrobras como operadora dominante constituem campos privilegiados para o estudo do tema, dada a utilização crescente de estratégias cooperativas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para a geração de inovações em equipamentos, sistemas e instalações, também estimulada pela Cláusula de P&D presente nos contratos de concessão desde 1998, mas regulamentada pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em 2005. 

Devido à dimensão geopolítica e estratégica do setor para o desenvolvimento econômico do país, tratava-se de criar uma política para a geração e transferência de conhecimentos científico-tecnológicos de fronteira e incentivar a inovação. No mínimo, a metade dos investimentos correspondentes a 1% da receita bruta advinda dos campos de petróleo com grande volume de produção que pagam participação especial deveria ser direcionada a Instituições Científicas e Tecnológicas (ICT) credenciadas pela Agência, ou seja, universidades e institutos de pesquisa nacionais. As Resoluções ANP nº 33/2005 e nº 34/2005 aprovaram os Regulamentos Técnicos ANP nº 5/2005 e nº 6/2005 norteando os investimentos e despesas em P&D. Em 2015 a Cláusula de P&D foi substituída pela Cláusula de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) presente nos contratos de concessão, partilha da produção e cessão onerosa, ainda que o regime de concessão prevaleça para a maior parte da área total de bacias sedimentares brasileiras.

A Resolução ANP nº 50/2015 e o Regulamento Técnico ANP nº 3/2015 redefiniram  as diretrizes e normas para aplicação obrigatória de recursos pelas empresas petrolíferas nas atividades de P&D, bem como as regras de comprovação da sua execução e das despesas realizadas. A Nota Técnica nº 01/2015, por sua vez, abordou os critérios e penalizações nos casos de descumprimento das obrigações contratuais. Vale acrescentar que a Resolução ANP nº 47/2012 e o Regulamento Técnico ANP nº 07/2012 já haviam estabelecido regras, condições e requisitos técnicos para o credenciamento das ICT aptas a participarem dos projetos financiados com os recursos previstos na então Cláusula de P&D. De 1998 a 2016 os investimentos obrigatórios em P,D&I referentes aos contratos de concessão das empresas petrolíferas somaram R$ 11,3 bilhões dos quais R$ 10,7 bilhões foram aplicados pela Petrobras, representando 95% do total (ANP, 2016). A empresa responde pela grande maioria de contratos, acordos de cooperação tecnológica e principalmente de convênios firmados com ICT brasileiras, sobretudo com universidades.

O setor e a empresa têm participação significativa na economia do estado do Rio de Janeiro, que se destaca ainda pela forte presença de grupos de pesquisa em engenharia vinculados a universidades públicas. Tais grupos mantêm interações com este setor e com outros em termos de pesquisa, transferência de tecnologia e consultoria (BRITTO et al., 2011; DE NEGRI et al., 2013; GARCIA et al., 2011; MARCELLINO et al., 2013; RIGHI & RAPINI, 2011; TURCHI & DE NEGRI, 2013). O estado deixou de ser apenas a sede da Petrobras e se tornou o maior centro produtor de petróleo do país, ainda que os efeitos de encadeamento das atividades de refino e de distribuição de derivados sobre a economia fluminense permaneçam limitados, mostrando a necessidade de articulação de políticas de longo prazo voltadas para o fortalecimento dos sistemas setorial, regional e nacional de inovação (FERREIRA, 2015; MELO & OLIVEIRA, 2015; PIQUET et al., 2016).

Para a empresa, os resultados da cooperação envolvem novos produtos, processos e práticas organizacionais que contribuem para a ampliação dos negócios, enquanto para as universidades os resultados representam novos conteúdos, grades curriculares, metodologias de ensino e agendas de pesquisa. Os benefícios ou impactos da cooperação têm em geral natureza menos tangível do que os resultados e se manifestam no longo prazo, significando as novas oportunidades abertas pela cooperação para cada um dos atores (PERKMANN et al., 2011). Os impactos transcendem o âmbito da cooperação, estendendo-se de maneira mais ampla à sociedade brasileira e, em especial, fluminense. Depois dessa breve introdução, apresenta-se na próxima seção a metodología utilizada, a revisão da literatura sobre os sistemas setoriais de inovação e a cooperação universidade-empresa e nas duas seções seguintes o caso mencionado. Na sequencia são apresentadas as considerações finais e referências utilizadas.

2. Metodologia

Este artigo é o resultado de uma pesquisa temática de natureza qualitativa e empírica com finalidade descritiva baseada em um estudo de caso. Segundo Yin (2010), este método abrangente busca a compreensão de fenômenos contemporâneos em profundidade e em seu contexto na vida real ao reunir múltiplas fontes de evidencia e permitir generalizações analíticas, podendo revelar verdades universais, já que nenhum caso é independente do contexto social em que se encontra. Ele também permite iluminar as decisões dos atores envolvidos e as razões pelas quais elas são tomadas, executadas e os seus resultados são ou não atingidos.

Assim, foram utilizadas fontes bibliográficas, documentais e observacionais. Foram realizadas ainda oito entrevistas pessoais em profundidade por pautas com gerentes e especialistas da Petrobras envolvidos em atividades cooperativas de P&D, de modo a guiar e ao mesmo tempo capturar suas opiniões e percepções (GIL, 2011). O modelo de redes e parcerias tecnológicas criado pela empresa foi abordado em termos de origem, funcionamento e avaliação visando contemplar os antecedentes da cooperação, bem como os aspectos positivos e negativos do seu funcionamento e os resultados imediatos e impactos de mais logo prazo alcançados.

3. Sistemas setoriais de inovação e cooperação universidade-empresa

A literatura sobre os sistemas de inovação surgiu na Europa nos anos 80 a partir do conceito de Sistema Nacional de Inovação (SNI) como um conjunto de atores, redes e instituições e suas interações que contribui para o desenvolvimento da capacidade de inovação e aprendizagem de um país e também o afeta. Porém, eles podem ser analisados em outras três dimensões complementares como tecnológica, setorial e regional voltando-se, neste caso, para áreas geográficas específicas, tanto a nível supranacional, como subnacional (CARLSSON, 2006; LUNDVALL et al., 2002). O entendimento da complexa rede de relações que une a produção de conhecimentos técnico-científicos ao sistema produtivo vem se ampliando e a necessidade de estreitamento da cooperação entre universidades e empresas vem sendo ressaltada, de modo a estimular o desenvolvimento de sistemas tecnológicos cada vez mais complexos e favorecer o crescimento e o desenvolvimento econômico dos países.

A dimensão setorial merece destaque no caso de países em desenvolvimento como o Brasil, caracterizado pela construção tardia do SNI e pela heterogeneidade da estrutura industrial (CAMPOS & RUIZ, 2009; SUZIGAN & ALBUQUERQUE, 2011). O setor de atividade explica o ambiente tecnológico no qual as empresas operam por apresentar características particulares (MALERBA, 2002, 2003). O autor assinala a heterogeneidade dos atores e os processos de aprendizagem que resultam dos mecanismos de interação moldados pelas instituições. A dimensão setorial constitui um excelente instrumento de análise, pois permite iluminar especificidades institucionais, tecnológicas e de atuação dos atores em redes e parcerias (MALERBA, 2007). Eis porque a abordagem setorial sobre a cooperação universidade-empresa é relevante, como mostram Britto e Oliveira (2011), Bittencourt (2012), Ferreira (2015), Freitas et al. (2013) e Shima e Scatolin (2011).

Vale lembrar que Pavitt (1984) apontou a proeminência das atividades de P&D nos setores baseados em ciência e intensivos em escala onde predominam as empresas de grande porte. No primeiro caso, suas trajetórias tecnológicas são fortemente condicionadas pelos avanços científicos, daí a importância das interações no campo da engenharia, como ocorre no setor farmacêutico. No segundo caso, as inovações são introduzidas a partir de projetos e da criação e operação de sistemas produtivos complexos, a exemplo do setor petrolífero, embora o segmento de exploração e produção tenha alcançado o patamar inovativo dos setores baseados em ciência como o de exploração aeroespacial (MORAIS, 2013). A pesquisa acadêmica tem alta importância nesses setores, cujas atividades são fortemente baseadas em pesquisa básica e aplicada, o que se verifica também no Brasil (SILVA & SUZIGAN, 2014).

 Como afirmam Malerba (1992) e Malerba e Orsenigo (1997), o processo de aprendizagem não é trivial, uma vez que as empresas precisam combinar fontes internas e externas de informações, conhecimentos e tecnologias, o que requer capacidade de absorção (COHEN & LEVINTHAL, 1990). As áreas de P&D constituem a porta de entrada dos processos de aprendizagem tecnológica e de inovação (COHEN & LEVINTHAL, 1989). As empresas precisam ainda construir e acumular capacitação tecnológica (BELL & PAVITT, 1993) e identificar suas capacitações dinâmicas, ou seja, aquelas que alavancam inovações (TEECE, 2007; TEECE et al., 1997). As especificidades empresariais também são relevantes na aproximação entre universidades e empresas.

Segundo Laursen e Salter (2004, 2006), o porte das empresas, a intensidade de seus gastos em P&D e a adoção da estratégia de inovação aberta se associam à utilização de universidades como fontes externas, o que torna sua contribuição direta para a indústria altamente concentrada em um pequeno número de setores e de empresas. De acordo com Hippel (1988) e Chesbrough (2003, 2006), o uso de uma ampla gama de fontes e atores externos amplia as oportunidades tecnológicas e propicia a aceleração do ritmo de geração de inovações, o que é particularmente relevante no setor petrolífero, no segmento de exploração e produção e no contexto brasileiro, marcado pelos desafios do novo paradigma tecnológico do Pré-sal.

Confirmando a literatura, os setores intensivos em escala no Brasil são formados por grandes empresas que realizam atividades internas e cooperativas de P&D, por isso as relações com universidades recebem avaliação superior à média da indústria. Os esforços inovativos tipicamente em processos também se situam acima desta média (SILVA & SUZIGAN, 2014). No setor de petróleo as atividades são complexas, os custos e riscos são significativos e os profissionais são altamente qualificados, especialmente no segmento de exploração e produção em águas ultraprofundas e na camada Pré-sal, cujas condições são extremamente severas e singulares (CARDOSO, 2012; MORAIS 2013). Ao adotar a estratégia de inovação aberta, a Petrobras precisa conciliar diferentes estilos de gestão tecnológica com parceiros externos (DU et al., 2014; FERREIRA, 2015; FERREIRA & RAMOS, 2015).

No entanto, universidades e empresas têm distintas missões e orientações de trabalho como reflexo de culturas em que prevalecem diferentes enfoques sobre confidencialidade, direitos de propriedade intelectual e estilos de gestão, o que significa diferentes motivações para cooperar e atitudes em relação à cooperação. As dificuldades e conflitos são comuns e precisam ser mediados e conduzidos de maneira adequada, pois além do alcance de resultados imediatos, a cooperação também propicia novas oportunidades de aprendizagem para cada uma das organizações, trazendo-lhes benefícios ou impactos de mais longo prazo (PERKMANN et al., 2011). Estes resultados e impactos decorrem da interação de vários fatores (BARNES et al., 2002; MORA-VALENTIN et al., 2004).

A disponibilidade de diferentes tipos de recursos, além da qualificação e motivação dos pesquisadores envolvidos são elementos críticos para o sucesso da cooperação, embora este dependa também de incentivos organizacionais (D’ESTE & PERKMANN, 2011). Eis porque a gestão do processo de cooperação visando assegurar sua estabilidade e continuidade torna-se crítica, exigindo múltiplos canais de interação (COHEN et al., 2002; D’ESTE & PATEL, 2007). Trata-se de reduzir as possibilidades de conflitos minimizando as chances de impactos negativos e de buscar continuamente impactos positivos para ambos os parceiros que são muitas vezes sutis e de longo prazo. A superação de barreiras e obstáculos requer vínculos estreitos e cooperativos (BRUNEEL et al., 2010; D’ESTE & PERKMANN, 2011).

Quando a base de conhecimentos de um setor é complexa e está em expansão, o foco das inovações se desloca das empresas para o âmbito da cooperação interorganizacional por meio de redes e parcerias (HALL, 2004). Tais arranjos são estratégicos e indicados nos seguintes casos: forte interdependência e complementaridade entre os atores; contratos cujos resultados não podem ser identificados e repartidos ex-ante; atividades de P&D de caráter interdisciplinar; inovações cujos direitos de propriedade não estão claramente estabelecidos; conhecimentos de caráter tácito que não são facilmente transferíveis; e contextos de alta incerteza tecnológica e mercadológica que aumentam os riscos e custos dos esforços inovativos (BRITTO, 2013). A maior parte destas condições está presente no setor petrolífero. E quando a cooperação envolve obrigatoriedade, como no caso da Cláusula de P,D&I, a necessidade de acompanhamento e controle é maior para minimizar possíveis conflitos entre os parceiros.

Em que pese o caráter tardio de construção do sistema brasileiro de inovação e o padrão limitado de interações entre universidades e empresas, o setor de petróleo representa exatamente o oposto desta perspectiva (SILVA & SUZIGAN, 2014; SUZIGAN & ALBUQUERQUE, 2011). A Petrobras seguiu a tendência internacional de cooperação com parceiros externos e é uma das empresas que mais interage com universidades no país, configurando-se como um interessante estudo de caso (DE NEGRI et al., 2013; GARCIA et al., 2011; RIGHI & RAPINI, 2011; TURCHI & DE NEGRI, 2013). Trata-se de um caso bem sucedido de capacidade de absorção, de acumulação tecnológica e de funcionamento nos moldes das redes estratégicas de inovação (DANTAS & BELL, 2009, 2011; FERREIRA, 2015; FERREIRA & RAMOS, 2015). Assim, o modelo de redes e parcerias tecnológicas adotado pela empresa é apresentado a seguir.

4. Origem e funcionamento das redes e parcerias tecnológicas: a visão da Petrobras

A Petróleo Brasileiro SA (Petrobras) foi criada em 1953 e hoje é uma empresa integrada de energia que atua nos segmentos de exploração e produção, refino, comercialização, transporte, petroquímica, distribuição de derivados, gás natural, energia elétrica, gás-química e biocombustíveis. Constituída como sociedade anônima de capital aberto e tendo o governo federal como acionista majoritário, ela é líder do setor de petróleo no Brasil e está presente em mais 18 países. Em 1963 foi criado o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Cenpes), que passou a funcionar em 1966, transferindo-se em 1973 para o campus da Universidade Federal do Rio e Janeiro (UFRJ) na Ilha do Fundão, onde funciona até hoje com o nome de Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello.

As instalações do Cenpes foram ampliadas em 2010 e o transformaram no maior centro de P&D da América Latina. Ele é o órgão responsável pelo sistema tecnológico da Petrobras, que inclui uma ampla rede de ICT e de empresas fornecedoras de bens e serviços no país e no exterior, muitas destas últimas com centros de P&D instalados no Parque Tecnológico da UFRJ (FERREIRA, 2015; PIQUET et al., 2016). O plano estratégico da Petrobras aliado ao estudo de tendências tecnológicas e de cenários se desdobra em projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia (P,D&E) definidos pelo Cenpes em conjunto com as áreas de negócio. A empresa investiu U$ 132 milhões em P&D em 2001, U$ 730 milhões em 2006 e U$ 989 milhões em 2010, passando a investir U$ 1,1 bilhão em 2014 e figurar entre as maiores empresas investidoras em P&D na área de energia no mundo (PETROBRAS, 2015).

Fraga (2010) assinala que os princípios norteadores do processo de gestão tecnológica da empresa são o alinhamento com o negócio, o foco em resultados, a implantação de soluções tecnológicas, a integração com parceiros e a construção de capacidade local. Para colocá-los em prática, os recursos financeiros, humanos e a infraestrutura laboratorial da empresa têm papel de destaque e vêm sendo ampliados por meio das redes e parcerias tecnológicas estabelecidas. Segundo Oliveira e Figueiredo (2013), de 1992 a 2009, o valor investido em contratos e convênios de infraestrutura e de P&D nas ICT foi de R$ 3,329 bilhões, com ênfase na região sudeste (75%) e a seguir nas regiões nordeste (12%), sul (9%), norte (3%) e centro-oeste (1%), resultado que reflete a concentração da produção de petróleo da empresa no estado do Rio de Janeiro (74%).

Os investimentos geraram instrumentos contratuais com 196 ICT, com destaque para as universidades, especialmente a UFRJ e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), tanto em termos do número de instrumentos contratuais, como do valor contratado. Os autores mostram ainda que 35% dos pesquisadores pertencem às áreas de química, geociências, ciência da computação e engenharia (mecânica, química e de materiais e metalurgia). Outro aspecto apontado é o impacto positivo da cooperação com a Petrobras na produtividade média dos pesquisadores, o que pode ser explicado pela preferência da empresa em interagir com profissionais no auge da carreira e já mais produtivos. A UFRJ também é a principal parceira da empresa na publicação de artigos, tendo outras universidades número significativamente menor de artigos em coautoria (NASCIMENTO, 2013).

Morais (2013) acrescenta que o valor no período assinalado correspondeu ao total de 3.963 pesquisas encomendadas, com crescimento expressivo em 2006, quando foram criadas as Redes Temáticas e os Núcleos Regionais de Competência. A proeminência da UFRJ e da PUC-Rio foi confirmada, pois de 1992 a 2009 foram estabelecidos pelo Cenpes 994 contratos com a UFRJ (R$ 741,1 milhões) e 477 contratos com a PUC-Rio (R$ 417,3 milhões), tendo outras universidades quantidades e valores expressivamente menores. Vale dizer que no estado do Rio de Janeiro a UFRJ participa de várias Redes Temáticas da empresa, enquanto a PUC-Rio e a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) centralizam os Núcleos Regionais de Competência, além de participarem de diversas Redes Temáticas (FERREIRA, 2015).

Segundo os entrevistados na Petrobras, o modelo de cooperação tecnológica baseado em Redes e Núcleos surgiu em 2006, quando a empresa se deparou com a regulamentação da Cláusula de P&D pela ANP em 2005 que, aliada aos recursos já destinados a P&D no período de 1998 a 2004, representavam um volume significativo de recursos que deveria ser investido nas ICT. Seguindo o processo de gestão tecnológica, foram arrolados temas tecnológicos de relevância e interesse estratégico para a empresa, ou seja, desafios a serem superados, ao mesmo tempo em que se verificou a necessidade de construção de um parque laboratorial capaz de atender às necessidades identificadas. Até então os investimentos eram estabelecidos de maneira seletiva e pontual.

As Redes surgiram no contexto do direcionamento tecnológico da empresa a partir dos focos ou temas gerados, orientando os projetos e programas tecnológicos, enquanto os Núcleos surgiram no contexto da gestão da demanda, de modo a atender necessidades tecnológicas específicas do Cenpes e das regiões de operação. A criação da infraestrutura necessária à realização dos demais projetos foi prevista nos dois modelos. A obrigatoriedade de aplicação de um montante expressivo de recursos em curto período de tempo reforçou a necessidade de aproveitamento e gestão de competências e capacitações externas, levando à criação em 2006 da Área de Relacionamento com a Comunidade de Ciência e Tecnologia.

Em geral, a definição de responsabilidades e tarefas é relativamente fluida nas estruturas em rede, acompanhando a necessidade de integração de conhecimentos nos diferentes estágios do processo de P&D. Como os fluxos de informação são complexos, não podem prescindir de mecanismos de estímulo ao estabelecimento de relacionamentos interpessoais e à formação de vínculos que favoreçam a transmissão de conhecimentos tácitos (BRITTO, 2013; TIGRE, 2014). A gestão é um elemento fundamental para que essas redes de cooperação tecnológica facilitem a codificação e transmissão de conhecimentos gerados em ambientes onde prevalecem culturas e referenciais cognitivos eminentemente distintos. Em 2006 havia 36 Redes Temáticas e hoje existem 49 delas envolvendo mais de 100 ICT em todo o país nas quais se destacam as universidades.

No entanto, para o atendimento das demandas tecnológicas do Cenpes e das principais regiões de operação da Petrobras, a opção foi o estabelecimento de parcerias com apenas uma ICT, de modo a centralizar a prestação de serviços tecnológicos e os investimentos em infraestrutura física e laboratorial, a compra de equipamentos, os projetos de P&D e de capacitação de recursos humanos, formando os Núcleos Regionais de Competência. Foram criados sete Núcleos que refletem sobretudo o histórico de parcerias da empresa com universidades brasileiras em regiões de intensa atividade operacional.

Assim, na região nordeste surgiram o Núcleo do Rio Grande do Norte com sede na Universidade Federal no Rio Grande do Norte (UFRN), o Núcleo de Sergipe em torno da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e o Núcleo da Bahia com centro na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Na região sudeste foram criados o Núcleo do Espírito Santo com sede na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o Núcleo do Rio de Janeiro-Norte Fluminense em torno da UENF, o Núcleo do Rio de Janeiro-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro com centro na PUC-Rio e o Núcleo do Rio de Janeiro-Centro Tecnológico do Exército com sede no CTEx.

As Redes funcionam de maneira descentralizada e horizontal no atendimento a demandas tecnológicas de caráter estratégico, enquanto os Núcleos concentram parcerias para o atendimento de demandas tecnológicas específicas, além de direcionadas regionalmente. Estas são as principais diferenças entre estes dois modelos complementares que funcionam como centros de gerenciamento das carteiras de projetos destinados ao cumprimento da Cláusula de P&D que é hoje denominada Cláusula de P,D&I (COSTA, 2010). Os entrevistados no Cenpes afirmaram que essas duas concepções funcionam bem e para viabilizar a cooperação tecnológica existe um gestor para cada Rede e Núcleo que estabelece o modelo de governança e responde pela carteira de projetos.

As Redes têm um mínimo de aproximadamente cinco universidades envolvidas, o que significa ambientes heterogêneos, isto é, com diferentes visões, capacitações e condições de infraestrutura, apesar das equipes se debruçarem sobre o mesmo tema. Os Núcleos englobam projetos conduzidos por uma única universidade, mas de natureza distinta por serem voltados para diferentes Unidades de Negócio (UN) em uma mesma região. Para que cada universidade possa dar conta desta diversidade de interesses de pesquisa, os investimentos em infraestrutura física e laboratorial em geral precisam ser robustos envolvendo, em muitos casos, a construção de prédios, etapa que precede a de implantação e operação de laboratórios por profissionais especializados.

5. Avaliação das redes e parcerias tecnológicas: a visão da Petrobras e das ICT 

Em que pese o apelo conceitual e mercadológico das Redes Temáticas, os entrevistados na Petrobras destacaram o seu desempenho heterogêneo. Algumas vêm funcionando muito bem, de maneira ativa e colaborativa, enquanto outras têm se mostrado dependentes do direcionamento da empresa, funcionando mais como múltiplos relacionamentos em parceria sob a sua coordenação do que propriamente como redes. Esta visão foi compartilhada pelos respondentes da pesquisa nacional conduzida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com um total de 470 pesquisadores de ICT que atuavam como coordenadores de projetos tecnológicos cooperativos com a Petrobras (PORTO et al., 2013).

Os autores afirmam que os pesquisadores apontaram como resultados da cooperação a publicação de artigos científicos, dissertações e teses, além da criação de laboratórios e de sua reforma, melhoria e ampliação. Também foi mencionada a geração de novas tecnologias, produtos, processos e de spin-offs, enquanto a reflexão e o debate propiciaram o levantamento de novos temas de pesquisa em torno de vários campos do conhecimento, bem como a ampliação da rede de cooperação com outras ICT e empresas. Porém, o principal impacto da cooperação foi a criação de um ambiente de pesquisa na fronteira do conhecimento que vem trazendo benefícios mútuos aos parceiros, aspecto favorecido pela adoção da estratégia de inovação aberta pela Petrobras. Contudo, várias dificuldades relacionadas à gestão dos projetos foram mencionadas e as Redes Temáticas foram alvo de críticas em todas as regiões.

As redes são estruturas complexas que pressupõem maleabilidade, capacidade de transformação, certo grau de autonomia e ao mesmo tempo de auto-organização, desafiando os mecanismos tradicionais de gestão, especialmente quando as organizações participantes têm naturezas distintas. Algumas Redes Temáticas têm um grande número de ICT envolvidas, o que aumenta a sua complexidade. Segundo Oliveira e Xavier Jr. (2013), nas regiões nordeste e centro-oeste, alguns pesquisadores afirmaram que as Redes não têm um modelo de governança, que as interações ocorrem pouco e que existe competição por recursos. Outros assinalaram que a Petrobras parece não se apropriar adequadamente dos conhecimentos gerados no âmbito da cooperação ou não divulga se há e quando há esta apropriação, possivelmente em razão da fraca governança das Redes Temáticas.

Por outro lado, Salerno e Freitas (2013) assinalam que alguns pesquisadores na região sudeste afirmaram que a participação nas Redes Temáticas traz notoriedade e auxilia a conquista de novos projetos de pesquisa, especialmente com empresas fornecedoras do setor, enquanto outros destacaram a ausência de um plano de gerenciamento destas redes por parte da Petrobras, por isso elas são heterogêneas Ao analisar a cooperação entre a empresa e universidades do estado do Rio de Janeiro, Ferreira (2015) acrescenta que a hierarquia e a autonomia individual valorizadas no ambiente acadêmico dificultam as interações horizontais comuns no trabalho em rede.

A competição por recursos entre diferentes pesquisadores, grupos de pesquisa e universidades, a multiplicação de esforços e as dificuldades de comunicação também foram constatadas em relação às Redes Temáticas, enquanto os Núcleos foram muito bem avaliados segundo os entrevistados pela autora em razão das expectativas mais realistas geradas e da gestão mais simples. Ainda assim, a cooperação com a Petrobras trouxe resultados e impactos positivos na visão da academia fluminense, tanto em termos da infraestrutura física e laboratorial, como da visibilidade dos projetos e grupos de pesquisa.

Segundo Pellegrin et al. (2013), na região sul os pesquisadores também destacaram a grande diversidade das Redes Temáticas e a necessidade de melhorias na sua gestão, sobretudo no que tange à comunicação entre os participantes, pois muitos não sabem o que os demais estão fazendo e a aproximação depende de recursos financeiros da Petrobras para a continuidade do funcionamento dos laboratórios e o bom andamento das pesquisas. Também foram mencionadas a ausência de um modelo de governança das Redes Temáticas e a disputa entre os participantes por recursos e pelo desenvolvimento autônomo de tecnologias. A percepção é de que a ênfase das Redes Temáticas tem sido a aplicação de recursos em infraestrutura laboratorial e não nas pesquisas propriamente ditas o que, de certo modo, inibe as interações, uma vez que os participantes estão mais voltados para a implantação e as melhorias em seus próprios laboratórios.

De acordo com as entrevistas realizadas na Petrobras, o que se verifica hoje é o amadurecimento deste modelo, pois em 2006 não havia muita clareza quanto à quantidade de ICT efetivamente aptas a atuar em estreita colaboração com a empresa, eis porque algumas Redes foram bem sucedidas e outras sofreram um processo de esvaziamento, ao lado do desenvolvimento dos Núcleos. A contribuição da academia acabou sendo identificada mais no escopo de cada projeto coordenado pelo Cenpes do que no escopo da carteira de projetos de cada Rede Temática. As Redes foram estruturadas para atender às exigências legais e dar continuidade às pesquisas que vinham sendo conduzidas para melhorar os processos da Petrobras e, neste sentido, o modelo de governança é voltado para os coordenadores dos projetos tecnológicos.

Apesar da complexidade e heterogeneidade das Redes Temáticas, de modo geral, o seu funcionamento foi considerado muito bom e o dos Núcleos Regionais de Competência foi considerado bom. Os gerentes e especialistas entrevistados afirmaram que a pesquisa realizada pelo Ipea foi útil ao permitir o conhecimento dos principais resultados e impactos gerados pela cooperação tecnológica na ótica das ICT, além de ter impulsionado a reformulação do modelo de governança das redes e parcerias. Assim, o objetivo atual da empresa é obter sinergia entre os projetos, identificar competências na academia em cada tema e evitar a concentração de recursos em determinadas universidades, aproveitando o ciclo do processo de gestão tecnológica iniciado em 2014.

Em relação aos resultados para a Petrobras, os entrevistados afirmaram que a cooperação tecnológica gerou softwares e spin-offs que, em sua maioria, são empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras indiretas da empresa, pois a indústria é intensiva em capital. Eles assinalaram a importância da criação de mecanismos de inserção destas empresas na cadeia petrolífera, de modo a contrabalançar a expectativa de investimentos crescentes em P&D nas universidades que, hoje, estão atuando no limite de sua capacidade. Para que elas tenham melhores condições de absorver tais investimentos, é necessário também melhorar suas estruturas de suporte e suas capacitações, de modo que elas possam gerir com mais facilidade o volume crescente de recursos e de instrumentos contratuais firmados com a Petrobras e com outras empresas do setor.

Em termos dos benefícios para a empresa, os entrevistados assinalaram a melhoria das condições de infraestrutura física, laboratorial e de pesquisa nas universidades que, apesar da heterogeneidade mencionada, ampliou as possibilidades de atuação do Cenpes. Embora os casos de fracasso tenham sido poucos à luz dos investimentos realizados, persistem alguns desafios como mitigar os efeitos negativos sobre as Redes Temáticas da competição por recursos entre os diferentes grupos de pesquisa e estimular a comunicação formal e informal. O estabelecimento de relacionamentos interpessoais e a formação de vínculos através de múltiplos canais de interação auxiliam a estabilidade e continuidade das redes, sobretudo quando se leva em conta as diferenças na infraestrutura laboratorial e no estágio de andamento das pesquisas, ainda que elas sejam em torno do mesmo tema.

Os entrevistados assinalaram ainda que o foco da Petrobras hoje é resolver alguns problemas e pendências existentes nas carteiras de projetos. O modelo de cooperação tecnológica adotado encontra-se em estágio maduro, tendo alcançado resultados e impactos positivos para a academia e a empresa, apesar da necessidade de melhor aproveitamento da infraestrutura laboratorial e de pesquisa dos parceiros. Qualificar estes ganhos é mais fácil do que quantificá-los, sobretudo em uma indústria dinâmica como a petrolífera que se desenvolve incrementalmente a partir de experiências anteriores. Portanto, o desafio é medir os ganhos diretos e indiretos obtidos pela Petrobras ao aplicar volume tão significativo de recursos para cumprir a obrigação contratual e promover a inovação, de modo a subsidiar decisões e ações futuras.

Neste sentido, o mapeamento realizado pelo Ipea com 1.760 laboratórios contribui ao revelar o crescimento de 37% da infraestrutura de pesquisa externa à empresa no período de 2000 a 2009 contra apenas 6% de 1970 a 1979 e 19% de 2010 a 2012 (DE NEGRI & SQUEFF, 2016). A Petrobras é o elo forte do sistema setorial de inovação e vem influenciando de modo preponderante a sua expansão, especialmente com o advento das Redes Temáticas. A criação de uma rede nacional de pesquisa vem permitindo à empresa e ao país significativos avanços tecnológicos. O crescimento do número de laboratórios, a variedade de serviços tecnológicos prestados aos diversos segmentos da cadeia petrolífera e a melhoria na qualificação dos recursos humanos envolvidos foram os principais resultados identificados (MORAIS & TURCHI, 2016).

Como assinalam os autores, os laboratórios das ICT vêm prestando serviços de pesquisa na área de extração de petróleo e gás natural, nas atividades de apoio e de fabricação de derivados. As pesquisas vêm sendo conduzidas de maneira contínua na grande maioria dos casos e o repertório de serviços tecnológicos oferecidos envolve assessoria e consultoria técnico-científicas, aperfeiçoamento e desenvolvimento de produtos e processos, desenvolvimento de protótipos e ainda calibração e metrologia. Entretanto, para que o sistema setorial de inovação se consolide, as redes e parcerias tecnológicas precisam incorporar o elo fraco representado pela indústria nacional de fornecedores.

A constituição deste sistema sob a direção da Petrobras e não do Estado brasileiro teve como consequência o frágil perfil da indústria nacional de fornecedores, diferentemente do que ocorreu em países como a Noruega. Com efeito, “as estratégias e modelos de desenvolvimento que emolduram as políticas públicas têm no longo prazo o seu horizonte e no Estado o seu centro, de modo a ultrapassar distintos mandatos governamentais” (FERREIRA, 2015, p. 55). A capacidade de planejamento de longo prazo envolve uma estratégia articulada a partir de setores e atividades prioritários que possam servir de base para o desenvolvimento econômico e social do Brasil (SZAPIRO et al., 2015).

6. Considerações finais 

Distinguindo-se da característica de baixa interação entre universidades e empresas que prevalece em países com SNI imaturos como o Brasil, o sistema de inovação petrolífero se alinha à tendência internacional de formação de redes estratégicas de inovação. O desenvolvimento contínuo de tecnologias pela Petrobras conta com a participação ativa de parceiros externos, em consonância com a estratégia competitiva, o processo de planejamento estratégico e a estratégia tecnológica ofensiva que é dirigida a segmentos de negócios. Em geral, esta estratégia é adotada por empresas que buscam a liderança tecnológica nos setores e segmentos em que atuam a partir de atividades de P,D&I típicas de engenharia, correndo os riscos do pioneirismo por contarem com a elevada qualificação do seu corpo funcional, que lhes permite a adequada interlocução com os colaboradores externos.

A realização de projetos tecnológicos cooperativos com universidades brasileiras foi um elemento constitutivo da trajetória de sucesso da Petrobras, acompanhando os processos de evolução tecnológica do setor e de sua consolidação no país a partir da produção de combustíveis para o mercado interno e do avanço na exploração e produção terrestre e marítima em águas cada vez mais mais profundas. O resultado foi a conquista da autossuficiência declarada em 2006 e as descobertas no Pré-sal anunciadas em 2007, que colocaram a empresa e o país em posição de destaque no cenário mundial. Assim, os investimentos decorrentes da Cláusula de P,D&I representam o fortalecimento do modus operandi da Petrobras, em que pese a escala significativamente maior dos investimentos realizados, que levou à criação de uma estrutura operacional e de controle mais robusta no Cenpes, mas também à ampliação de suas fronteiras de atuação. 

Seguindo a lógica estritamente econômica, a empresa seleciona os melhores parceiros para o atendimento de suas demandas tecnológicas. Mas os investimentos realizados fazem parte do retorno que ela dá à sociedade brasileira, não só do ponto de vista da responsabilidade social, mas por tratar-se de uma empresa estatal. Assim, a modernização das universidades vem trazendo benefícios econômicos e sociais à empresa e ao país. Porém, o sucesso desse processo de cooperação depende da continuidade do fluxo de investimentos para a manutenção da infraestrutura laboratorial e de pesquisa construída e ampliada, de modo a evitar a obsolescência de equipamentos e garantir o bom andamento e a evolução das pesquisas. Ao mesmo tempo, é preciso considerar que o setor é fortemente influenciado pela dimensão geopolítica, sofrendo redirecionamentos estratégicos constantes em função do preço do petróleo, cuja queda vem ocorrendo desde 2014. Exatamente por isso, é preciso levar em conta a dimensão estabilizadora das políticas de longo prazo necessárias à consolidação do sistema setorial de inovação. Do contrário, todos os investimentos e esforços que vêm sendo realizados poderão significar um grande desperdício de recursos.

O modelo de cooperação tecnológica em Redes e Núcleos adotado pela Petrobras encontra-se em estágio maduro e trouxe e resultados e impactos positivos para a academia e a empresa, em que pesem as dificuldades decorrentes de ambientes onde prevalecem culturas e referenciais cognitivos distintos e da heterogeneidade das redes e parceiros em relação ao grau de desenvolvimento dos laboratórios e grupos de pesquisa. A criação de um ambiente de pesquisa na fronteira do conhecimento pode trazer ainda repercussões positivas de longo alcance para o país na trajetória de enfrentamento dos desafios tecnológicos do Pré-sal, ratificando sua posição na vanguarda da exploração e produção em águas ultraprofundas e gerando, tanto riqueza, como bem-estar social. Porém, a continuidade dos investimentos obrigatórios em P,D&I por parte da Petrobras e demais operadoras requer melhorias significativas na capacidade de suporte das universidades brasileiras. Enfrentar este desafio e afirmar o setor como um dos eixos estruturantes do desenvolvimento econômico nacional é uma questão estratégica, ou seja, de Estado e não de governos.

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1. Doutora em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ). Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ). Rio de Janeiro. Brasil. E-mail: marta.ferreira@cefet-rj.br

2. Doutorando em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ). Rio de Janeiro. Brasil. E-mail: ricardo.ramos@pped.ie.ufrj.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 32) Año 2017

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