ISSN 0798 1015

logo

Vol. 38 (Nº 29) Año 2017. Pág. 4

A produção do espaço urbano pela igreja católica em Uiraúna – PB/Brasil

The production of urban space by the catholic church in Uirauna - PB / Brazil

Maria Alanya da Costa OLIVEIRA 1; Antônio Carlos Leite BARBOSA 2; Edivânia Maria de MELO 3; Augusto Albuquerque SANTOS Neto 4

Recibido: 09/01/2017 • Aprobado: 28/01/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Revisão bibliográfica

3. Metodologia

4. Resultados e discussões

5. Considerações finais

Referências


RESUMO:

A Igreja católica no Brasil destacou-se pelo caráter religioso, ideológico e urbano, sendo responsável pela fundação das cidades como é o caso de alguns municípios do sertão paraibano. Este trabalho versa sobre a produção do espaço urbano no município de Uiraúna no século XIX, onde os registros históricos ultramarinos revelaram a relação das Igreja e cidades como elementos chaves para o entendimento dos agentes fundiários e acumulação do patrimônio na realidade brasileira. Objetivo é entender como a Igreja católica interferiu no processo de desenvolvimento urbano na cidade. A metodologia parte da pesquisa histórica com vistas aos resultados esperados e conclusão.
Palavras-chave: Núcleos urbanos. Sesmarias. Municípios. Freguesia.

ABSTRACT:

The Catholic Church in Brazil stood out for the religious, ideological and urban character, being responsible for the founding of cities, as is the case of some municipalities in the backland parabian. This work deals with the production of urban space in the nineteenth century municipality of Uiraúna, where overseas historical records revealed the relationship of the Church and cities as key elements for the understanding of land agents and accumulation of patrimony in the Brazilian reality. Objective is to understand how the Catholic Church interfered in the process of urban development in the city. The methodology starts from historical research with a view to the expected results and conclusion.
Keywords: Urban nuclei. Sesmarias. Counties. Parish.

PDF Download

1. Introdução

A forte presença da Igreja católica no Brasil enquanto colônia evidenciou-se nos diversos campos além do religioso, como político e social e na formação do espaço urbano, servindo em muitos casos como referência paisagística nas cidades coloniais e que perdura até hoje, além de ter sido responsável pela fundação de muitas vilas e povoados como é o caso de alguns municípios do sertão paraibano. A história de Uiraúna está relacionada com o desenvolvimento do cultivo da cana-de-açúcar no litoral paraibano, devido à concorrência com as Antilhas a pecuária extensiva tornou-se a base econômica do sertão favorecendo sua ocupação com a criação de rotas e feiras de gado. Outro fator importante para a sua colonização foi o espírito expansionista da família D’ávilla que fixaram seus domínios as terras banhadas pelo Rio do Peixe (Sousa, São João do Rio do Peixe, Uiraúna), que provinham da Casa da Torre na Bahia e exploraram grande parte do Nordeste brasileiro com o intuito de acumular capitais através da pecuária e agricultura.

Nesse período vigorava o sistema de sesmarias, onde terras eram doadas com fins de ocupação e exploração. Uma característica especial recai sobre as ordens religiosas, que conseguiam acumular um grande patrimônio de terras e imóveis através das doações de fieis motivados pelo espirito religioso e como forma de pagamento por determinados serviços como celebração de missas, enterros de entes queridos nas igrejas entre outros se confluindo em agentes econômicos e determinantes no parcelamento do solo urbano e conformação das cidades.

 Em Uiraúna, as primeiras construções eclesiásticas, datam do período de 1874 com a construção da capela em honra a Sagrada Família, padroeira local. A modesta capelinha tomou formas tornando-se a majestosa matriz Jesus Maria e José, em torno da qual a cidade floresceu. Consta nos documentos históricos do município registros da doação de terras para o patrimônio da capela, com área de quatrocentas braças quadradas sendo equivalente a 732 metros (no SI sendo 1 braça ≈ 1,83m). A determinação da localização deu condições à Igreja em decidir sobre o desenvolvimento da pequena Vila, predominantemente no seu entorno tornando-se posteriormente o centro da cidade, tendo tempos mais tarde o início da freguesia. Com efeito, entende-se a exemplo de Uiraúna, que as doações de terras no entorno dos núcleos urbanos abriram os caminhos da expansão urbana, através dos serviços pastoris, religiosos, e, sobretudo pelo caráter ideológico e dominante da fé católica ao longo da historiografia urbana.

Nesta perspectiva, considerando os anos iniciais da conquista do território brasileiro e o processo de conformação, constituição e consolidação das cidades, este trabalho traz uma breve explanação da produção do espaço urbano no município de Uiraúna, sertão paraibano no século XIX, época em que registros históricos ultramarinos revelaram que a relação da Igreja e cidades foram elementos chaves para o entendimento dos agentes fundiários no contexto brasileiro. Desta forma o objetivo maior é entender como a Igreja católica interferiu no processo de desenvolvimento urbano na cidade, uma vez que, foi em torno dela que floresceu e se desenvolveu, analisando e mapeando o parcelamento do solo e extensão de terras urbanas eclesiásticas que ainda perduram até os dias atuais na conformação do espaço.

1.1. Uiraúna, enfim uma cidade

As doações de sesmarias da região que pertence o município de Uiraúna começaram por volta da primeira metade do século XIX. Há relatos que mostram que em 1601, o capitão-mor Antônio José da Cunha, vindo de Pernambuco, estabeleceu-se na região, onde hoje está situado o município, organizando fazendas de gado e conseguindo a amizade dos índios Icós que habitavam a região do Rio do Peixe e era tribo dos Tapuias-Cariris. Com a vinda de exploradores e criadores de gado a fim de acumular riquezas para a coroa, vieram também algumas famílias a exemplo de João Claudino de Galiza, Henrique Caetano de Galiza, Claudino Coutinho de Galiza, Alferes Alexandre Moreira Pinto e João Nunes Leitão além desses, também veio nessa comitiva o Sr. Joaquim Duarte Coutinho, que era de uma família muito católica e inclusive tinha um filho sacerdote chamado José Joaquim de França Coutinho, popular Pe. França o qual havia se ordenado no Seminário de Olinda. Após o regresso do Seminário de Olinda o Padre França solicitou junto ao seu pai Joaquim Duarte Coutinho à doação de uma área para a construção da primeira capela, atual matriz e cuja dimensão territorial era de 400 braças quadradas (equivalente a 1.337,804 m² no SI) a qual foi inaugurada em 1874 ocasião em que batizou o vilarejo de Belém. Pelo trabalho e amor a terra natal, o Pe. França é considerado o fundador do município, sendo em 1940, erguido uma estátua em sua homenagem na praça e rua que levam seu nome.

Paralelamente a vinda dos criadores de gado ao sertão, nascia no Brasil, sobretudo nos estados do Nordeste e do Sul, uma nova classe de trabalhadores, os tropeiros, que tinham papel de extrema importância para as vilas e cidades do interior, pois na ausência de caminhões (inventado em 1896, mas chegou ao Brasil décadas depois) eles iam à condução das tropas de mulas buscarem em outras cidades produtos que o interior necessitava. Os tropeiros uiraunenses eram conhecidos por Tropeiros do Sertão, os quais vinham de outros lugares como o vizinho estado de Pernambuco e do sertão de Piancó, iam ao Cariri cearense e a Mossoró na busca de rapadura, algodão, sal e de farinha, devido à necessidade de acampamento e de campo para a pastagem dos animais que com eles estavam. Esses tropeiros eram também considerados como comerciantes tomavam posse de terras devolutas e formavam suas propriedades dando início a casas e formando assim povoado, a exemplo de surgimento desse tipo de povoado se encontra o Distrito de Quixaba, Sitio Santa Umbelina, Sitio Moça Branca e Sitio Olho d’agua Seco.

Durante a República Velha o município foi palco de duas grandes rebeliões famosas até hoje, são elas a Coluna Prestes e Lampião. Liderada por Luís Carlos Prestes a rebelião passa pela terra de Padre França, primeiramente pela comunidade de Aparecida, logo após chega a Luís Gomes e depois voltando a terras uiraunenses vai ao Olho D’Água Seco, depois para Santa Umbelina e também para Quixaba, quando então parte em direção ao município de Vieirópolis. Lampião foi o mais famoso cangaceiro da história do Brasil, em Uiraúna suas visitas (1927) foram consideravelmente rápidas e tanto na primeira como na segunda fez o mesmo trajeto.

Nesse período também aconteceu um fato que influenciou a formação cultural do município, foi a Revolta do Juazeiro, que consistia num confronto armado entre as oligarquias cearenses e o governo federal provocado pela interferência do poder central na política estadual, ou seja, em 1911 o prefeito de Juazeiro do Norte o Padre Cícero resolveu não aceitar algumas ordens do governo federal. Em resposta, o governo enviou tropas instaurando um verdadeiro conflito em todo interior cearense, então várias pessoas com medo do que poderia acontecer se refugiaram em outras cidades, por esse motivo quatro músicos da cidade de Missão Velha vieram parar em Uiraúna e em busca de emprego procuraram Padre Costa que juntos tiveram a ideia de ensinar música aos uiraunenses, desse modo nascia em 1914 a Banda Costa Correia, que hoje se chama Banda de Música Jesus, Maria e José e que dá ao município o título de terra dos músicos, a cidade também é considerada como Terra dos Sacerdotes devido à grande vocação sacerdotal que instituiu 40 Padres uiraunenses tendo como um dos principais o Monsenhor Manuel Vieira chefe político da UDN em Patos-PB e aliado ao governo em gestão naquela ocasião além de ser natural de Uiraúna e com seu posto privilegiado foi um dos principais responsáveis pela emancipação do município em questão.

O auge do município ocorreu durante o cultivo do algodão, foram os criadores de gado do século XIX que deram a grande contribuição para os seus desenvolvimentos nessas terras. O ouro branco, como era chamado antigamente se adequou perfeitamente ao solo uiraunense e paraibano, e como houve alta produção várias usinas algodoeiras vieram a Uiraúna, como a SAMBRA e a ALGASA. A cidade vivia do algodão e seu desenvolvimento veio através dele, trazendo até bancos como o PARAIBAN, a Caixa Econômica Federal e o Bradesco, mas um inseto originário da América Central, o bicudo, infestou todo o Brasil trazendo altos prejuízos para a cidade como principal exemplo o fim de todas essas empresas citadas acima e a perda de toda produção, levando Uiraúna e todo o Brasil a uma grave crise.

Até 1970 predominava a produção do algodão arbóreo ao lado do qual se desenvolvia uma atividade policultura alimentar diversificada. A cana de açúcar era também cultivada nas áreas de baixio e voltava-se para a produção de aguardente e rapadura produzidas por engenhocas tradicionais da região, seguido da policultura alimentar com destaque para o milho, o feijão e o arroz. Como todas as regiões sertanejas, a economia primária se dava pelo binômio gado-algodão, mais isso não impediu o desenvolvimento inicial da cidade com a colaboração de algumas pequenas empresas como o do Sr. José Daniel Duarte com a empresa Belém Força e Luz, o qual foi responsável pelo fornecimento da primeira luz elétrica na zona urbana, e que contribuiu muito para a expansão da cidade, além do comercio local que por sua vez teve como fundamentos as lojas “Casa São Francisco” pertencentes a Francisco Euclides Fernandes e “Casa Nova” tendo como proprietário o Sr. Raimundo Daniel Duarte, lojas estas que estão na ativa até os dias atuais.

A vida social do seu povo limitava-se as tradicionais festas religiosas que atualmente ainda acontece no mês de janeiro a qual se refere a festa da padroeira da cidade com missas internas e campal, procissões, reunindo centenas de fiéis, além da presença de alguns circos, bailes promovidos em galpão interno de um antigo grupo escolar Jovelina Gomes e no salão de Antônio Jacinto onde havia as brincadeiras de carnaval. Com a inauguração de um espaço para festas conhecido como Uiraúna Tênis Clube inaugurado em 1968 tendo como empreendedor o Sr. João Bosco Claudino, essas festas passaram a ser celebradas nesse espaço deixando para traz o antigo galpão que ficou apenas na lembrança de quem frequentou.

A vila respirava independência quando o médico Dr. Oswaldo Bezerra Cascudo, norte rio-grandense chefe do PSD no município em questão tomou a frente da luta e garantiu a vitória junto com a contribuição do então deputado estadual Fernando Carrilho Milanez e do Professor e Chefe Político Mons. Manuel Vieira. De acordo com as divisões territoriais de 31 de dezembro de 1936 e de 31 de dezembro de 1937, bem como o Decreto Lei 1.010, de 30 de março de 1938, o território de Uiraúna figurava como Distrito de São João do Rio do Peixe. Em 15 de novembro de 1938 o distrito de Belém passava-se chamar Canaã. A luta pela autonomia política começou por volta de 1942, sendo concretizada somente em 02 de dezembro de 1953, sob Lei Estadual de número 972. Assinada pelo então governador da Paraíba, José Fernandes de Lima, a lei previa a instalação oficial do município a 27 de dezembro do mesmo ano e nesta data foi empossado o primeiro prefeito, o norte rio-grandense Adolfo Rodrigues.

Depois de declarada constitucionalmente uma cidade, o município de Uiraúna só teve a ganhar, principalmente no quesito habitacional onde a quantidade de ruas cresce a cada ano. Embora já tenha se passado o período em que o município vivia sobre o sistema de sesmarias ainda hoje alguns proprietários são obrigados a pagar o foro anualmente e o laudêmio no caso de venda da casa/terrenos para terceiros devido grande parte dos imóveis estarem fixados em locais que, de acordo com os registros da própria paróquia pertencem a igreja local adquirida através de doações por fieis.

As ordens religiosas conseguiam acumular um grande patrimônio de terras e imóveis através das doações de fieis motivados por uma profunda religiosidade e como forma de pagamento por determinados serviços como celebração de missas, enterros de entes queridos nas igrejas entre outros. (MARX, 1987, p. 8).

Com a criação da Lei de Terras em 1850, a lei n° 601 regulamentava por decreto as sesmarias, legalizando assim as posses sem titulação deslegitimando a posse/ocupação como meio de acesso legal à terra no país, sendo a única forma admitida de aquisição da terra no Brasil passando a ser a comprada absolutizando o direito de propriedade e inserindo a terra, sob a forma de mercadoria em um mercado imobiliário urbano nascente.

Como as ordens religiosas era aliada a coroa, e tinha praticamente o controle da vida social dos habitantes, a Lei de Terras passou a introduzir o registro paroquial onde todos os possuidores de terras no Brasil ficaram obrigados a declarar, perante o padre da paróquia local a situação do imóvel.

Muitas dessas terras foram transferidas à igreja pela coroa portuguesa à época da colonização, a fim de dar a elas caráter produtivo e contribuir para o fomento dos costumes e das atividades religiosas, e é o caso de enfiteuse particular no país, onde de fato pode ter um contrato de enfiteuse/aforamento e receber as taxas devidas quando ocorre a transferência de imóveis em que são o senhorio direto.  (UCHOA, 2015, p. 1).

Diante disso, mesmo com as leis posteriores de regulamentação de terras como da citada acima esse “direito” de posse das igrejas católicas é preservado até os dias atuais como mostra os relatórios da secretaria paroquial no município em questão, tornando assim a Igreja Católica como um dos maiores latifundiários nos país, tendo em seu patrimônio, o controle e domínio efetivo da posse da terra ainda remanescente do período colonial e ocupação do território brasileiro.

2. Revisão bibliográfica

A estruturação do espaço urbano se mantinha determinada pela ação principal dos religiosos desde a educação, serviço de saúde, trabalho até o abrigo, sendo este último o mais importante em relação a construção e expansão das cidades, pois os terrenos eram doados com fins de ocupação e exploração, como menciona Marx (1987, p. 181) “As ordens religiosas conseguiam acumular um grande patrimônio de terras e imóveis através das doações de fieis motivados por uma profunda religiosidade”. Diante desse grande acúmulo de terras doado pelas famílias nobres e pela coroa, era necessário que houvesse exploração das mesmas, com isso passou-se a doar esses terrenos dando início a expansão das cidades.

Portanto, do ponto de vista urbano as ordens religiosas tiveram um importante papel na fundação e formação das cidades.

Ao abrirem ruas em troca de terras, fornecerem águas em suas carroças para a população nas invasões estrangeiras, foram responsáveis pela educação, pela saúde e educação dos romeiros nos hospícios e adros das igrejas e acolhia os fugitivos por estarem acima das leis seculares (FRIDMAN, (2006, p. 5)

A participação da igreja na construção e desenvolvimento das cidades deixou marcas tanto no espaço urbano quanto no cotidiano das pessoas uma vez que, as atividades da igreja e sua influência ideológica determinaram também a cultura e o lazer na localidade, como cita Fridman (2006, p. 5) “eram através de Padres e seus temas religiosos, as únicas manifestações existentes em relação ao lazer, como festas referentes à padroeira e as procissões”.  Diante disso, pode-se dizer como Fridman (2006, p. 5), que o papel das igrejas se evidencia quando é percebido, que foram elas os agentes que abriram ruas, dominaram parcelas do território urbano e rural, direcionavam vetores de expansão das cidades, e várias outras determinações que exerciam como consequência de suas atribuições sociais e ideológicas.

2.1. A estrutura fundiária urbana e patrimônio eclesiástico.

A origem da divisão das terras no Brasil teve início com a posse das terras por Portugal por direito de conquista, portanto as terras consideradas sem dono foram repassadas a terceiros da forma que a coroa achasse conveniente, a necessidade de povoamento e de aproveitamento através do cultivo como forma de garantir a posse do território e sua defesa fez necessário implantar um sistema que regeu toda a apropriação de terras no Brasil que foi o sistema sesmarial condicionando a forma de divisão do território perdurando até o sec. XIX. Criada na primeira metade do Sec. XIII como um importante sistema na estrutura econômica medieval foi implantado no Brasil como um meio de fixação da população em terras conquistada afim de não ser tomada por inimigos do reino e pela necessidade de distribuição das terras, foi esse sistema que deu origem a criação de conselhos municipais no qual os sesmeiros eram responsáveis por organizar política e economicamente os territórios uma vez que buscava fixar uma população e expandir a economia local. É importante ressaltar que nos documentos do Sec. XVI que tratam das medidas para o povoamento, o sistema sesmarial era evidenciado como instrumento jurídico que deveria reger a distribuição de terras.

O regime sesmarial vigorou no Brasil durante todo o período colonial somente sendo suspenso pela Resolução nº 76 do Reino, denominada Resolução de Consulta da Mesa do Desembargo do Paço, de 17 de julho de 1822 tendo logo após a edição da citada Resolução do Reino as ocupações se deram, em regra, de forma irregular e sem controle público até a edição da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, denominada Estatuto das Terras Devolutas ou Lei de Terras. (PANIAGO, 2011, p. 6).

Com grande parte do território nacional dividido em sesmarias outorgadas, mas não necessária e efetivamente ocupadas, os latifundiários tomavam quase que por inteiro as zonas populosas, enquanto que os pobres ocupavam os espaços restantes vizinhos aos latifúndios.

O direito as Sesmarias não era para todos, era concedido somente aos “homens de bem” ou “homens de posse” (que possuíam dinheiro) o que impedia os trabalhadores livres de terem acesso à terra, ficando apenas com os terrenos que “sobravam”. (FIALHO, 2010, p. 2).

A Lei de Terras introduziu o registro paroquial fazendo com que todos os possuidores de terras no Brasil fossem obrigados a declarar perante o padre da paróquia local a situação do imóvel. Considerado primeiro cadastro imobiliário do país que além de introduzir o registro paroquial, possibilitou a regularização das sesmarias, legalização das posses e criou a figura das terras devolutas, agregando assim valor econômico à propriedade imobiliária. Segundo Fialho (2010, p. 2), em função do exercício do padroado, tradição mantida no período imperial por força do que dispunha o art. 102, II, da Constituição de 1824, o registro dos fieis organizado pela Igreja foi aceito como oficial pelo Estado. Nesse contexto, o mecanismo adotado para a eficácia de dispositivos da Lei nº 601/1850 foi o registro paroquial, com isso foi delegada também a função dos registros de terras que era lavrado pelo vigário da freguesia.

O Registro Paroquial de Terras é instituído por força do Regulamento para Execução da Lei nº 601/1850, aprovado pelo Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, e contém disposições sobre as informações mínimas e a forma de guarda dos registros, servido como o instrumento de prova da posse mansa e pacífica. (PANIAGO, 2011, p. 10).

Somente mais de uma década depois, com o início da vigência da Lei nº 1.237, de 24 de setembro de 1864, regulamentada pelo Decreto 3.453, de 26 de abril de 1865, é que o Registro Paroquial das Terras começa a ceder importância para o registro civil de imóveis, conhecido à época como Registro Geral e de Hipotecas que passa a transcrever a propriedade imobiliária e inscrever seus ônus reais, iniciando a consolidação do entendimento de que os direitos reais são oponíveis contra terceiros apenas após o registro.

Antes dos dados levantados pelo INCRA o único cadastro fundiário nacional sistematizado com todas as contradições ou inconsistências que possam ser apontadas são os registros paroquiais das terras a partir de meados do sec. XIX, sendo seu estudo essencial na construção de cadeia dominial de terras públicas brasileiras. (PANIAGO, 2011, p. 10).

Discutido acima, o Regime das Sesmarias lançou algumas bases fundamentais para a concentração de terra no Brasil. Esse regime pautado na monocultura da cana-de-açúcar atingiu diretamente a região nordestina, uma vez que durante muitos anos, essa região foi a principal produtora desse tipo de monocultura.

A grande lavoura escravista, que foi a espinha dorsal da economia colonial sempre esteve presa às vizinhanças do litoral, seja pelos custos de transporte, que inviabilizava a produção a longas distâncias dos portos exportadores, seja por sua visceral dependência dos férteis solos da floresta tropical. (BECKER E EGLER, 1994, p. 94).

Porém não só a cultura canavieira no litoral nordestino foi palco de concentração fundiária, o sertão também foi visado devido à agricultura e criação de gado.

É importante registrar que o modelo de distribuição de terras em grandes propriedades não foi exclusivo da atividade açucareira. Outras atividades econômicas como as fazendas de gado, implantadas desde o século XVII em Pernambuco e na Bahia, acentuaram a tendência à formação de imensos latifúndios e sua concentração em mãos de poucos privilegiados (GERMANI, 2006, p. 126).

Um fator importante na colonização do sertão nordestino foi o espírito expansionista da família D’ávilla que fixaram seus domínios em grandes terras banhadas pelo Rio do Peixe (Sousa, São João do Rio do Peixe, Uiraúna), eles provinham da Casa da Torre na Bahia e exploraram grande parte do Nordeste brasileiro com o intuito de acumular capitais através da pecuária e agricultura. Nessa época as ordens religiosas eram principais aliados da coroa com o intuito de catequizar os povos nativos de forma que esses povos fossem submetidos a religião e ao reino. Diante disso as Ordens conseguiram acumular um grande patrimônio de terras e imóveis através das doações de fieis motivados pelo espirito religioso e como forma de pagamento por determinados serviços como celebração de missas, enterros de entes queridos nas igrejas entre outros se confluindo em agentes econômicos e determinantes no parcelamento do solo urbano e conformação das cidades.

As motivações iniciais das ordens religiosas era ficarem mais próximos aos fiéis de forma que pudesse protegê-los dos hereges, buscar o sustento, e por ser mais abrangente o alcance de pessoas pela ação pastoral – evangelização - encontrando assim nas zonas urbanas terreno de ação comum a esses objetivos. Segundo Marx (1987, p. 29), a função das ordens não era apenas de evangelizar, mais de consolidar o poder religioso nos centros urbanos de forma que contribuíssem para a manutenção da paz entre os cidadãos, coordenação e centralização das distintas partes da cidade contribuindo assim para formar uma nova consciência e imagem tendo como aliados a gestão municipal, sendo, portanto responsável pelo ensino religioso, assistência social e política.

As razões dadas pelos franciscanos para implantação de seus conventos nas cidades era o desejo pastoral de se instalarem o mais perto possível das suas “ovelhas”, as necessidades materiais de sustentação e as necessidades de segurança ao abrigo das muralhas. (MARX, 1987, p. 28)

A localização da Freguesia não era aleatória, sua construção dependia de determinados critérios, era construído geralmente em local mais importante e elevado. Não somente com a coroa portuguesa, mas com os próprios homens ricos e grandes proprietários das cidades, as ordens estabeleceram uma aliança garantindo assim o seu sustento material e consequentemente enriquecimento. Trazendo para o município em questão a ordem religiosa conseguiu não somente o terreno para construção da primeira freguesia doada por um dos principais donos de terras local a qual é a atual matriz, mas vários terrenos aos redores onde foi construída a casa paroquial, uma biblioteca, garagem e uma escola infantil, além de vários terrenos que hoje são ocupados por casas, prédios públicos e privados ocupando uma extensão de 15 a 20 tarefas (no SI é aproximadamente 57.142,86m²).

De todos os principais agentes econômicos como proprietários rurais, comerciantes, artesãos e até escravos responsáveis pelo surgimento e desenvolvimento das cidades pode-se apontar as Freguesias como a mais importante delas, porque ela tinha o controle não apenas religioso e social, mais também o domínio sobre a configuração físico-espacial dos territórios como Marx (1987, p. 62) afirma: “Cabia ao clero secular entre outras funções, delimitar as áreas territoriais correspondentes as paroquias e freguesias, as quais foram fundamentais para a divisão administrativa das cidades e vilas”.

Essa característica era semelhante em todas as vilas, aglomerações e núcleos urbanos, pois para o clero secular, a localização estrategicamente dos prédios eclesiásticos determinavam a estrutura organizacional e espacial dos assentamentos, dando maior fluxo sociocultural ao lugar e consequentemente maior controle do território. Era imprescindível que o local para edificação da capela fosse, em áreas privilegiadas, com visão ampla e acessível, facilitando a relação política com os colonos e nativos, traço marcante do planejamento urbano lusitano no Brasil.

3. Metodologia

Para subsidiar o trabalho, a análise do contexto histórico e atual do uso do espaço urbano apresenta-se como elemento importante na compreensão da relação igreja e espaço urbano na formação da cidade. Como recorte espacial, será estudado o município de Uiraúna na Região Oeste do estado da Paraíba, Figura 1.

Figura 1: Mapa do Estado da Paraíba em destaque o município de Uiraúna

Fonte: Adaptado do Google Maps (2016)

No que se refere à consolidação do referencial teórico, revisão bibliográfica, representação, interpretação, análise dos dados, informações e elaboração do texto, a base conceitual em desenvolvimento da pesquisa foi baseada no método dedutivo de Guerra e Cunha (1997), no desenvolvimento das atividades de campo, com fundamento na observação dos elementos naturais, construídos, históricos e humanos do espaço, de modo subjacente à pesquisa qualitativa com abordagem dialética e crítica. A base metodológica, ainda utilizou a abordagem de cunho dialético e crítico na compreensão e consolidação do trabalho.

No que se refere a produção do espaço urbano na relação Igreja Católica e os agentes na questão fundiária, fez-se necessário a busca de elementos sociais, culturais, políticos e espaciais contidos no momento histórico inicial de analise, considerado a partir da criação da Capela em meados do século XVIII, cuja vila formou-se em seu entorno e com o passar do tempo tornou-se o centro da atual cidade de Uiraúna.  No tocante às técnicas e instrumentos, o uso de manuscritos e mapas cartográficos históricos foi executado concomitante com a pesquisa documental, bibliográfica e pesquisa de campo conforme os seguintes procedimentos: revisão bibliográfica e levantamento de dados; levantamento e aquisição de materiais cartográficos dentre os quais: cartas, mapas, manuscritos; levantamento d e dados históricos junto ao arquivo da prefeitura da cidade e paróquia local.

4. Resultados e discussões

O sistema de Sesmarias foi utilizado como instrumento de povoação e fonte de renda no intuito de fixar a população e expandir a área com o cultivo da agricultura. Neste sentido a concessão de terras em sesmarias determinava a obrigatoriedade do seu cultivo para garantir a sua posse, caso contrário seria doado a outro fazendo dessa maneira um instrumento de apropriação.

O aproveitamento da terra através do cultivo deveria ser efetivado em um prazo determinado, variando de seis meses a vários anos, porém em função do sistema de sesmarias terem sido criados a partir da prática e seguindo os costumes, os prazos para o cultivo e o número de sesmeiros aparecem diferenciados segundo as cartas de foral dos conselhos. No município de Uiraúna ficou estabelecido o seguinte, fica de hoje em diante proibido aforamento de terreno desocupado quer dentro ou fora da povoação a não ser o necessário para construção de casas permitindo assim por arrendamento desses terrenos mediante em contrato por escrito por três anos somente terminados os quais será reformado o contrato de ditos arrendamentos se enviarem a ambos as partes por mais três anos, conforme o direito canônico a partir das ordens religiosas atuantes.

O preço do aforamento de hoje em diante seria um tostão C$ 100 por ano e o preço do arrendamento não menos de 15 C$ por tarefa (625 braças quadradas) ao ano, concedendo-se porem que as que já são arrendatários passem a reforma o contrato de arrendamento por C$10 ano a tarefa ao ano. Segundo Marx (1987) a determinação da localização da capela condicionava o parcelamento do solo inicial, portanto a Igreja controlava e determinava o embrião da malha urbana da futura vila ou cidade até o momento da criação do município esse processo de expansão era norteado pela Igreja e com o crescimento da população a capela passava a ser Paróquia ou Freguesia e desta forma ia ampliando tanto a sua edificação quanto a população a sua volta.

Um dos pontos mais influente das freguesias para a estruturação do espaço colonial urbano foi a apropriação que o poder público fez dessa divisão, quando a municipalidade institui os bairros utiliza os limites já estipulados pela igreja, ou seja, a divisão administrativa da cidade está fundamentada na antiga demarcação das freguesias, em Uiraúna a situação não difere desse contexto, a matriz tem um patrimônio de uma quadra de terra de umas 15 ou 20 tarefas (no SI é aproximadamente 57.142,86m²) adquiridas com o passar do tempo e por doações dos fieis onde fica localizada a cidade, cujos foros inclusive a renda dos terrenos (bacia do açude) são patrimônio da igreja.

A Freguesia da Sagrada Família em Uiraúna conseguiu acumular um grande patrimônio adquiridas em sua maioria através de doação de fieis em troca de missas visando a salvação da alma do fiel. Como a cidade foi fundada a partir de uma capela que hoje é Matriz e corresponde a padroeira local, não havia casas, todas as doações foram de terras, no entanto as taxas de foro e o Laudêmio hoje é uma importante fonte de renda para a ordem religiosa local. A partir das informações obtidas na pesquisa em campo na secretaria da paróquia local sobre os terrenos pertencente a Freguesia, foi possível identificar e quantificar esses terrenos adquiridos a partir do século XVIII pelas doações da coroa e das famílias nobres, onde foi encontrado um registro de 1382 imóveis, inicialmente terrenos, sendo hoje casas e prédios, conforme mostra a Tabela 1.

Tabela 1 - Quantidade de ruas pertencentes ao patrimônio da igreja católica local

 

Fonte: Dados retirados da Secretaria Paroquial local (2016)

Com relação aos instrumentos jurídicos que regulavam os negócios dos terrenos, foi informado ao Juiz local afim de que ele faça observar a Lei que determina o Laudêmio para vendas de casa no terreno alheio, sendo nomeado um procurador de patrimônio católico e de honestidade comprovada e que mereça toda a confiança dando 20% das arrecadações que fizer para ser responsável pelo recolhimento dessas taxas.

Com a divisão da cidade em freguesias, a igreja estruturava seu espaço de forma bem marcada e delimitada, antecipando desta forma a divisão administrativa na formação dos núcleos urbanos coloniais. Pela relação e compreensão dos resultados, entende-se que na estruturação e constituição das cidades brasileiras e pelo caráter ideológico dominante da fé cristã, a Igreja Católica contribui significativamente para a formação da cidade, não somente em Uiraúna, mas, sobretudo na cidade brasileira, tendo no período colonial e no sistema de sesmaria, elementos jurídicos e culturais que determinaram e moldaram nosso território.

5. Considerações finais

As cidades coloniais brasileiras sempre estiveram fortemente ligadas à presença da Igreja Católica tanto no aspecto paisagístico urbano quanto da estrutura fundiária, sistema derivado da relação direta com Portugal mediante os descobrimentos marítimos iniciado nas primeiras décadas do século XV. Neste sentido, a aliança entre esses poderes permitiu que a Igreja atuasse além do contexto religioso, como um agente estruturador do território e empreendedor nato por excelência, abrindo caminhos para formação e expansão da cidade brasileira. A implantação das igrejas na área urbana não se deu apenas com o intuito da proximidade a seus fiéis a fim de proteger dos hereges, a sua localização privilegiada, geralmente nos locais mais altos não foi por acaso, as leis eclesiásticas foram muito além das liturgias religiosas, elas tornaram-se definidoras das atividades locais, e dos caminhos da consolidação do cotidiano urbano em muitas cidades coloniais, tendo ainda na contemporaneidade, traços históricos dessa relação.

Na perspectiva do município de Uiraúna, pode-se concluir que a ordem da Sagrada Família exerceu um papel imprescindível no processo de fundação e construção da cidade, chegando a constituição de um patrimônio de 1.382 imóveis em posse do clero secular. Desta forma, o patrimônio teve real contribuição na formação do aglomerado urbano, trazendo para a região, fluxo de pessoas, abrindo caminhos para um cenário fundiário remanescente da época da colonização, repletos de significados socioculturais, ideológicos e históricos, que num plano mais amplo, revela características marcantes das cidades nordestinas e sua relação com a Igreja Católica.

Referências

BECKER, B. K e EGLER, C. A. G (1994). Brasil: uma nova potência regional na economia - mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

COSTA, C. C. V. (1923 -1925). Livro de Tombo. 1ª e 2ª Edição. Maio de 1923, volume 1.Uiraúna, Paraíba.

COSTA, C. C. V. (1970 -1984). Livro de Tombo. 1ª e 2ª Edição. Março de 1925, volume 2. Uiraúna, Paraíba.

FIALHO, A. F. (2010). Leitura sobre a estrutura fundiária para a compreensão da configuração atual do espaço agrário do Nordeste. Recuperado de: http://www.uesb.br/eventos/ixsegeo/arquivos/Leituras/Nordeste.pdf

FRIDMAN, F.; MACEDO, V. (2013) A ordem urbana religiosa no Rio de Janeiro colonial. URBANA: Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, Campinas, SP, v. 1, n. 1. ISSN 1982-0569. Recuperado de: <http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/urbana/article/view/8635109>. Acesso em: 23 dez. 2016. doi:http://dx.doi.org/10.20396/urbana.v1i1.8635109.

GERMANI, G. I. (2006) Condições históricas e sociais que regulam o acesso a terra no espaço agrário brasileiro. Salvador. GeoTextos, n. 2, (vol. 2, pp 115-147).

GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. da. (1997). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

JOSE, O.; GONZAGA, R. (1993). Paraiba Conquista, Patrimonio e Povo. 2ª Edição. João Pessoa. Edições Grafset, sd.

PREFEITURA MUNICIPAL DE UIRAUNA. (2003). Cinquentenário de Uirauna. 1ª Edição, (pp 1-2).

PREFEITURA MUNICIPAL DE UIRAUNA. (2004). 130 anos da Pedra Fundamental da Igreja Jesus Maria e José. 2ª Edição. (pp 11-13).

MURILO, M. (2009) Nosso chão: do sagrado ao profano. Tese (Livre-Docência). 2ª Edição. Editora da Universidade de São Paulo. (Cap 2, pp 8, 41-45).

ROLNIK, R. (1997). A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: fapesp, Studio Nobel, Coleção Cidade Aberta. (pp.21-22).

UCHOA, G. (2015). Taxa é cobrada desde 1831 para terrenos da marinha. Recuperado de: http://www.revistanordeste.com.br/noticia/brasil/materia+exclusiva+taxa+e+cobrada+desde+1831+para+terrenos+de+marinha-9932


1. Estudante do curso Ciência e Tecnologia, Universidade Federal Rural do Semiárido, alanya.oliveira@gmail.com

2. Doutorando em Arquitetura e Urbanismo, UFRN. Professor, Orientador; Universidade Federal Rural do Semiárido, antonio.leite@ufersa.edu.br

3. Bacharel em Administração, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, edivaniameloadm@gmail.com

4. Estudante do curso Ciência e Tecnologia, Universidade Federal Rural do Semiárido, augusto.albuquerq@hotmail.com


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 29) Año 2017

[Índice]

[En caso de encontrar algún error en este website favor enviar email a webmaster]

revistaespacios.com