ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 26) Año 2017. Pág. 12

Estrutura de Governança em Rede e Competitividade no Agronegócio

Structure of Network Governance and Competitiveness in Agribusiness

Helga Cristina Carvalho de ANDRADE 1; Cassiano de Andrade FERREIRA 2; Ricardo Braga VERONEZE 3; Fábio ANTONIALLI 4; Bruna Habib CAVAZZA 5; Antônio Carlos dos SANTOS 6

Recibido: 13/12/16 • Aprobado: 27/01/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Cooperação, coordenação e governança

3. Aglomerados produtivos locais e a política de indicações geográficas

4. Análise do caso da “Região do Cerrado Mineiro”

5. Considerações Finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

As redes de cooperação compõem uma estratégia eficaz de governança, proporcionando ganhos de escala sem perda da flexibilidade das empresas. O objetivo desse trabalho é analisar o agronegócio a partir das relações verticais e horizontais entre empresas e da escolha da estrutura de governança em rede com vistas ao aumento da competitividade. Para tal, estuda-se o caso da Região do Cerrado Mineiro em uma perspectiva descritiva e qualitativa. Os resultados apontam que a estrutura de governança em rede pode gerar benefícios no agronegócio, como o fortalecimento da região produtora, melhoria da qualidade do produto, acesso a informação estratégica e inovação.
Palavras-chave: Governança, Redes de Cooperação, Agronegócio, Indicação Geográfica

ABSTRACT:

The cooperation networks comprise an effective governance strategy, providing gains in scale without loss of business flexibility. The objective of this work is to analyze agribusiness from the perspective of vertical and horizontal relations between companies and the choice of network governance structure as a mean to increase competitiveness. For this, the case of Cerrado Mineiro Region is studied in a descriptive and qualitative perspective. The results indicate that the network governance structure can generate benefits in agribusiness, such as the strengthening of the producing region, improvement of product quality, access to strategic information and innovation.
Key words: Governance, Cooperation Networks, Agribusiness, Geographical Indication

1. Introdução

Na perspectiva da Nova Economia Institucional, a competitividade de uma empresa não pode ser compreendida suficientemente apenas pela análise das relações que envolvem os custos de produção. Também seria necessário, nessa nova abordagem, considerar os custos envolvidos na escolha das transações realizadas pela empresa e os diversos agentes do seu ambiente organizacional (Williamson, 1985).

Com relação à competitividade, Balestrin, Verschoore e Reyes Junior (2010) afirmam que as teorias sobre estratégia foram utilizadas para a compreensão de como as relações interorganizacionais podem gerar impacto nas empresas, e uma das grandes contribuições desses estudos é o entendimento de que as estratégias das empresas não precisam limitar-se aos relacionamentos competitivos no ambiente, havendo diversas possibilidades de relacionamentos colaborativos.

A temática das relações interorganizacionais pode ser de grande utilidade no estudo da vantagem competitiva das empresas, especialmente no agronegócio. A crescente utilização de termos como coordenação e governança e da visão sistêmica na ordem do dia das principais políticas públicas e privadas voltadas para o agronegócio no Brasil demonstra a importância de estudos que tratem sobre a governança e seu impacto sobre a estruturação do setor agroindustrial brasileiro, permitindo-lhe alcançar níveis de eficiência e garantir sua competitividade e sustentabilidade (Grzybovski & Santos, 2005).

Neste trabalho, busca-se analisar o agronegócio a partir das relações verticais e horizontais construídas pelas empresas, culminando na escolha da estrutura de governança em rede com vistas ao aumento da competitividade. Para tal, realiza-se o estudo de caso do aglomerado produtivo local da Região do Cerrado Mineiro, primeira indicação geográfica a ser estabelecida para o agronegócio café no Brasil, procurando responder a questão norteadora de pesquisa: de que maneira a estrutura de governança em rede pode favorecer a competitividade no agronegócio?

2. Cooperação, coordenação e governança

De acordo com Balestrin, Verschoore e Reyes Junior (2010), a cooperação entre organizações e as redes nunca receberam tanto interesse quanto na atualidade. As redes se apresentam como uma perspectiva útil para estudar as organizações, devido à emergência de um novo padrão de competição nas últimas décadas, que tornou de certa forma obsoleta a firma hierárquica e de grande porte, que internaliza todos os processos produtivos dentro da sua estrutura. (Nohria, 1992). O termo rede é usado para descrever o padrão de organização. Frequentemente se usa essa abordagem para defender como as organizações devem se comportar se desejarem ser competitivas no ambiente organizacional contemporâneo (Nohria, 1992), flexibilizando seus processos (Perrow, 1992).

Para compreender a dinâmica das redes, é essencial tratar do conceito de estrutura da rede: um conjunto de nós ou agentes, sejam estes empresas ou indivíduos, conectados por laços, que resultam em um padrão de organização (Ahuja, Soda & Zaheer, 2012). No nível de análise das organizações, as redes adquirem conceito semelhante, buscando reunir atributos que permitam a adequação da empresa ao ambiente competitivo, proporcionando às empresas vantagens de escala, sem incutir na perda de flexibilidade do porte enxuto.

Principalmente as pequenas e médias empresas têm buscado se organizar em relacionamentos cooperativos interorganizacionais como redes, a fim de acessar recursos para o seu crescimento sem as restrições impostas pela integração vertical. Para as pequenas e médias empresas, as redes servem como mecanismo de aprendizado (Provan & Human, 1999).

Chauvet et al. (2011) ressaltam que o enfoque de redes pode contribuir para facilitar a criação e circulação do conhecimento, melhorar a governança das firmas e favorecer o entendimento do processo de tomada de decisões pelas empresas. Já Schmitz e Nadvi (1999) abordam o conceito de eficiência coletiva, definida como a vantagem competitiva derivada das economias externas e ações conjuntas entre empresas. Para alcançar a eficiência, as empresas avaliam diferentes custos e buscam regimes que lhes permitam economias de escala, de escopo, especialização e experiência (Britto, 2002; Grandori & Soda, 1995).

Quanto à coordenação, Cassiolato, Szapiro e Lastres (2004), ressaltam que é necessário um entendimento sobre como ocorrem esses processos nas atividades ao longo da cadeia produtiva e de que maneira se pode induzir sua transformação, e para tanto, estudar a governança é crucial. Governança é um conceito “essencialmente democrático e com foco interorganizacional, uma vez que viabiliza e estimula as práticas cooperativas entre empresas” (Silva, Castro & Antonialli, 2014 p.185). O conceito de governança parte da ideia de práticas democráticas locais, que ocorrem por meio da participação de diferentes categorias de atores (Cassiolato, Szapiro & Lastres, 2004), como instâncias governamentais, empresas privadas locais, organizações não governamentais e outros atores sociais, nos processos de decisão locais.

A estrutura de governança é conceituada pelos economistas considerando três tipos principais: de mercado, hierárquica e híbrida. Na governança de mercado, as transações e os preços são determinados pelo mercado; na governança hierárquica, há uma integração vertical dos processos produtivos, e as trocas econômicas são gerenciadas dentro da firma (Alves Filho et al., 2004; Barney & Hesterly, 2004; Williamson, 1989; 1975). Na governança híbrida, existe uma combinação de trocas hierárquicas e de trocas reguladas pelo mercado, e utilizam de contratos como principal mecanismo de governança (Talamini & Ferreira, 2010). Adler (2001), citado por Talamini e Ferreira (2010), apresenta como terceira forma de governança, em lugar da forma híbrida, a governança “comunitária” ou baseada na confiança, corroborando que a confiança pode ser utilizada como mecanismo de governança. A estrutura de governança é um mecanismo usado pelas firmas com a finalidade de atenuar a ameaça de oportunismo (Alves Filho et al., 2004). Segundo Barney e Hesterly (2004), a pesquisa das formas híbridas de governança tem focado em contratos de longo prazo, joint ventures, franquias e, mais recentemente, as redes de empresas. A forma híbrida apresenta capacidade de adaptação mais forte do que as hierarquias, oferecendo mais controle administrativo do que os mercados, o que é ideal para uma transação que requer uma combinação de incentivos, adaptação e controle (Williamson, 1991).

Zylberstajn (2005) contribui para a literatura com o conceito de sub-sistemas coordenados, que permite o estudo de estratégias compartilhadas entre as empresas, horizontal e verticalmente, e da escolha de estratégias que exijam a cooperação de distintos agentes ao longo do sistema agroindustrial. Para Zylberstajn (2005), são importantes os mecanismos horizontais de coordenação, tanto quanto a coordenação vertical. Existem complexos mecanismos de coordenação vertical em associação à coordenação horizontal, na literatura de redes estratégicas, e o autor ressalta o aumento de estudos evidenciando a importância da estrutura de governança que coordene esses laços em redes de associações de produtores agrícolas.

O conceito de macrohierarquias (Lazzarini, Chaddad & Cook, 2001) também apresenta relevância na compreensão da governança em rede, já que caracteriza hierarquias envolvendo organizações, que conjuntamente coordenam atividades em múltiplos níveis da cadeia produtiva. De acordo com o trabalho dos pesquisadores citados, esse conceito pode explicar as relações interorganizacionais no agronegócio, a partir da articulação de uma cooperativa de produtores que atuam em diferentes níveis da cadeia, denominada federação.

Em uma federação agropecuária, os proprietários são os membros de uma cooperativa local, e cooperativas regionais podem optar, também, por reunir-se em uma cooperativa inter-regional. Em suma, uma cooperativa federada é estruturada por atividades em níveis sequenciais da cadeia produtiva. Consequentemente, os laços verticais entre empresas de diferentes estágios da cadeia produtiva, dentro da estrutura federada, resultam em relações de troca e propriedade. Os laços horizontais no mesmo estágio da cadeia, por sua vez, também produzem interdependências, e a combinação desses laços verticais e horizontais irá originar regulamentos e normas de conduta para os atores que se relacionam na federação. A formação da dependência recíproca entre produtores e suas cooperativas acontece com base nos contatos pessoais que resultam em laços sociais fortes, e são característicos do ambiente de comunidades rurais. O resultado disso é que as transações e os direitos de propriedade dos laços verticais encontram-se enraizados em uma rede de relacionamentos pessoais entre os membros da rede, o que garante níveis altos de confiança, que tendem, por sua vez, a neutralizar possíveis conflitos e comportamentos oportunistas (Talamini & Ferreira, 2010; Lazzarini, Chaddad & Cook, 2001).

Em se tratando do estudo da coordenação horizontal e vertical, o conceito de netchain, ou cadeia-rede, foi bem recebido pela literatura internacional e tem ganhado força principalmente nos estudos empíricos envolvendo o agronegócio (Zylbersztajn, 2005). A netchain é compreendida como um conjunto de redes que abrange laços horizontais entre empresas de um determinado setor, que estão sequencialmente arranjadas com base nos seus laços verticais entre empresas de diferentes estágios daquele setor produtivo (Lazzarini, Chaddad & Cook, 2001). Esse conceito reúne as vantagens da abordagem de redes, cujo enfoque se encontra principalmente nas relações horizontais, e da abordagem da cadeia de suprimentos (ou supply chain), que prioriza as relações verticais. A ideia de macrohierarquia, associada à ideia de netchain, pode auxiliar na análise da governança no agronegócio.

3. Aglomerados produtivos locais e a política de indicações geográficas

Na busca pela eficiência e pela competitividade por meio de ações cooperativas, muitas empresas optam por se estabelecer em determinados locais estratégicos, de forma a aproveitar a proximidade com recursos do ambiente e com empresas fornecedoras ou clientes. De acordo com Porter (1999), a presença de empresas aglomeradas sugere que boa parte da vantagem competitiva de uma empresa se situa fora da empresa ou mesmo do setor, sendo ligada diretamente ao fator localização. Muitas vezes, o ambiente de negócios proporcionado por uma localidade supera custos como impostos, salários e outros custos operacionais. A dinâmica da localização industrial pode ser explicada por três argumentos: “a) permite a criação de um mercado de trabalho especializado e qualificado; b) favorece a produção de “segredos tecnológicos” de produção e de aprendizagem; e c) melhora a troca de informação (Mendonça et al., 2012, p.236).

Nesse sentido, Porter realiza uma importante contribuição para a teoria de aglomerados produtivos locais, que são os agrupamentos geograficamente concentrados de empresas inter-relacionadas e instituições correlatas numa determinada área, vinculadas por elementos comuns e complementares. De acordo com o autor, os aglomerados geralmente incluem empresas em setores a jusante (clientes) e a montante (fornecedores) de um setor, e as fronteiras de um aglomerado devem abranger todas as empresas, setores e instituições com fortes elos verticais, horizontais ou institucionais (Porter, 1999).

A participação em um aglomerado traz vantagens competitivas, uma vez que a maioria das empresas envolvidas não compete entre si diretamente, mas servem a distintos segmentos setoriais, ao mesmo tempo em que compartilham necessidade e oportunidades comuns. Os aglomerados influenciam a competição na medida em que permitem o aumento da produtividade das empresas, o fortalecimento da sua capacidade de inovação e também pelo estímulo à formação de novas empresas (Porter, 1999).

A produção científica sobre governança em aglomerações produtivas ainda é relativamente pequena, especialmente no Brasil. A governança funciona como meio de coordenação interorganizacional, baseada principalmente nos padrões de interações entre os atores e os fluxos de recursos (Jones, Hesterly & Borgatti, 1997; Silva, Castro & Antonialli, 2014). Suzigan, Garcia e Furtado (2007) entendem por governança em aglomerados, arranjos ou sistemas produtivos locais:

 [...] a capacidade de comando ou coordenação que certos agentes (empresas, instituições, ou mesmo um agente coordenador) exercem sobre as inter-relações produtivas, comerciais, tecnológicas e outras, influenciando decisivamente o desenvolvimento do sistema ou arranjo local (Suzigan, Garcia & Furtado, 2007, p. 245).

De acordo com Lastres e Cassiolato (2003), a governança nos aglomerados produtivos tem a função primordial de fortalecer e estimular as políticas de cooperação, visando à competitividade e a sustentabilidade local ou regional, ao mesmo tempo em que traduz os interesses dos principais atores da rede local (Silva, Castro & Antonialli, 2014). Para tal, é necessária a existência de uma convergência de interesses entre os atores que estabelecem o aglomerado.

No Brasil, é crescente o incentivo ao surgimento de novos aglomerados produtivos locais. Desafios como a segurança do alimento, certificações de qualidade e responsabilidade socioambiental, além da proteção contra descumprimentos contratuais e solução de disputas, e principalmente o ganho de competitividade são algumas das razões que levam as empresas a estabelecerem relacionamentos em rede e o governo a incentivá-los (Zylbersztajn, 2005).

Um dos formatos que recebe forte amparo legal e tem sido adotado principalmente por aglomerados ligados ao agronegócio é a Indicação Geográfica (IG). Surgida no continente europeu com o propósito de proteger os produtores locais contra a utilização indevida de nomes de regiões e marcas (Mafra, 2008), ainda é um fenômeno recente no Brasil. A IG é um mecanismo que, ao mesmo tempo em que assegura ao produtor melhores condições de competir no mercado, também proporcionam maior segurança alimentar ao consumidor, por meio da rastreabilidade do produto que recebe um certificado de origem.

O registro da IG é conferido a “produtos ou serviços característicos do seu local de origem, atribuindo-lhes reputação, valor intrínseco e identidade própria” (MAPA, 2014). Além disso, a IG diferencia o produto ou serviço em relação aos seus similares disponíveis no mercado. Para que um produto em determinada região se habilite ao registro da IG, é preciso que este apresente qualidade única em função do seu território, seja pelas condições ambientais do local em que é produzido, seja pelo fator humano envolvido no processo. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) é quem administra a política de Indicações Geográficas no país, e o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), por meio da Lei nº 9.279/96, regulamenta e concede o registro à região que o solicita, emitindo-lhe um certificado. Existem duas formas de IG reconhecidas no Brasil: a Indicação de Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO): a IP funciona como um instrumento de organização local da produção, e determina a notoriedade de um produto, valorizando-o porque o mercado consumidor o distingue como especial; a DO, por sua vez, é um instrumento de organização qualitativa do processo produtivo, o que significa que aquele produto é diferenciado de todos os seus concorrentes quanto às suas características e superior qualidade, devido a atributos específicos da região onde é produzido, sejam ambientais ou humanos (Caldas, Cerqueira & Perin, 2005).

As IGs protegidas “são formas de organizações locais, que visam à valorização das potencialidades locais, sua organização e gestão territorial” (Caldas, Cerqueira & Perin, 2005, P.5). Para solicitar o reconhecimento da indicação geográfica, faz-se necessária uma governança local que seja representativa dos produtores locais. A partir da coordenação dos agentes locais, é exigida uma pesquisa robusta sobre a região, de forma a comprovar a especificidade e qualidade do produto que será reconhecido e delimitar geograficamente a área de abrangência da IG. A IG oferece vantagens para diversos setores produtivos, mas é no agronegócio que tem demonstrado benefícios mais decisivos.

Na cafeicultura, a primeira região organizada a solicitar o reconhecimento de Indicação de Procedência foi o Cerrado Mineiro, nova fronteira agrícola incentivada pelo governo na década de 1970 e que, pelo perfil dos seus empresários, assumiu caráter pioneiro e estratégico na cafeicultura nacional. Atualmente, já existem outras regiões cafeicultoras que conquistaram o reconhecimento de IG.

4. Análise do caso da “Região do Cerrado Mineiro”

A seguir, apresenta-se um estudo descritivo, de caráter qualitativo, da Região do Cerrado Mineiro enquanto aglomerado produtivo local para o agronegócio café. Como técnicas de coleta de dados, foi utilizada a análise bibliográfica e documental, para reunião de dados oficiais sobre o ambiente organizacional do Cerrado Mineiro.

Também foi utilizada a observação direta, por meio de visitas realizadas a empresas do aglomerado produtivo e participação em eventos relevantes para o agronegócio café na região, com destaque para o Seminário do Café da Região do Cerrado Mineiro, que acontece anualmente e reúne representantes de todos os estágios da cadeia produtiva, além de órgãos de pesquisa ligados ao agronegócio e atores-chave na política para o setor cafeeiro. Durante as visitas foram realizadas entrevistas semiestruturadas com lideranças locais e cafeicultores pioneiros no processo de organização do território para criação do aglomerado produtivo. A utilização dessas técnicas – análise documental, observação e entrevista – é usual e considerada adequada ao estudo de redes (Lemieux, 2008).

Optou-se por lançar um olhar histórico ao aglomerado, a fim de compreender os antecedentes que motivaram a criação do aglomerado, o processo de gestão e coordenação da rede e os resultados alcançados pela cooperação. Destaca-se que muitos estudos de redes apresentam esta abordagem (Oliver & Ebers, 1998; Balestrin, Verschoore & Reyes Junior, 2010).

Para a análise dos dados, procurou-se inspiração no modelo teórico proposto por Silva, Castro e Antonialli (2014), para analisar a trajetória da governança do aglomerado produtivo da Região do Cerrado Mineiro. A governança pode ser analisada por meio de um conjunto de elementos que influenciam a sua estrutura, que os autores denominam fatores facilitadores e condicionantes para a definição de uma estrutura interna local.

4.1 Antecedentes

Até o final da década de 1960, a região do Cerrado Mineiro, compreendida por 55 municípios do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e Norte de Minas, não possuía expressividade na cultura do café. Apesar das histórias contadas pelos produtores locais de um período no início do século XX em que a cafeicultura era uma das principais atividades daquela região, a grande maioria das terras na segunda metade do século se destinava ao gado de corte.

A região do Cerrado Mineiro apresenta temperaturas amenas, com médias entre 18ºC e 23ºC, uma altitude de 600 a 1.300 metros acima do nível do mar nas áreas agricultáveis e um índice pluviométrico médio de 1600 milímetros anuais, com baixa umidade relativa do ar no período do inverno. Apesar das temperaturas amenas, a composição do solo e a indisponibilidade de água em um primeiro momento não atraíram o investimento na cultura do café, commoddity agrícola de grande valor de mercado, mas com muitos desafios na sua produção. No entanto, a ocorrência de geadas que dizimaram os cafezais no Norte Pioneiro do Paraná e da substituição de lavouras de café por culturas como os citros no estado de São Paulo fizeram com que novas fronteiras de produção fossem desbravadas.

Em 1969, o governo lança, por meio do Instituto Brasileiro do Café (IBC), o PRRC – Plano de Renovação e Revigoramento dos Cafezais, estimulando a ocupação de novas áreas agrícolas pelo café. O Cerrado Mineiro se torna, então, uma região prioritária de incentivo à cafeicultura nacional. Nesse período, a cultura do café passava por um momento de inovação, marcadamente pelo desenvolvimento de cultivares adaptados às novas regiões produtoras e pela tecnificação do processo produtivo, como tratamento das lavouras e colheita (Ortega & Jesus, 2009).

A década de 1970 traz ao Cerrado Mineiro os primeiros empresários rurais do Paraná e de São Paulo, atraídos pelo preço baixo das terras e pela ausência de geadas. Estes novos produtores possuíam um perfil peculiar: eram empresários jovens, sem tradições ou vícios na produção do café e, portanto, muito abertos à inovação. Durantes os anos 1970 e 1980, a expansão do café em Minas Gerais contou com o apoio do IBC, e em pouco tempo o estado se tornou o maior produtor de café do país. No entanto, durante os primeiros vinte anos de (re)implantação da cafeicultura no Cerrado, a região não gozava de vantagens comparativas frente ao restante do estado. Até este momento, o IBC incentivava a produtividade das regiões, mas não a qualidade do produto.

No entanto, na década seguinte, o caráter empreendedor dos produtores do Cerrado começa a despontar como diferencial competitivo. Em 1990 inicia-se a proliferação de associações na região (Ortega & Jesus, 2009), demonstrando uma vocação latente para a cooperação entre os empresários rurais. Em 1991 é lançada a primeira edição do Seminário do Café do Cerrado Mineiro, um evento que passa a servir de local para negociação e para a disseminação de informações e tecnologia a respeito da produção do café. O evento também adquire importante caráter político, contando com a participação de representantes de elevadas instâncias de decisão na cafeicultura brasileira.

O IBC, que até então regulava toda a política cafeeira nacional, é extinto e o mercado sofre uma desregulamentação que impacta sobre os produtores com uma grande queda nos preços: em Patrocínio, uma das maiores cidades produtoras do país, o preço pago pela saca de café não é capaz de cobrir os seus custos (Ortega & Jesus, 2009). Com a queda do mecanismo governamental que sustentava uma boa relação entre o preço do café no mercado e sua oferta, começa a surgir entre os cafeicultores mais visionários a percepção de que somente uma estratégia de diferenciação, buscando a valorização da origem produtora e o aumento da qualidade do produto, seria capaz de mudar a realidade desfavorável que se instalava no agronegócio café.

A diretoria da ACARPA, uma das associações de maior peso da região, reconhece essa oportunidade e passa a estimular o foco dos produtores na qualidade, por meio de três estratégias: aumento da tecnologia de produção, marketing da região para o mercado e comércio direto, eliminando os intermediários da distribuição do café e aumentando as margens dos produtores associados. Em 1992, outras associações aderem ao modelo e é fundado o CACCER – Conselho das Associações de Cafeicultores do Cerrado, com o objetivo de promover ações para valorizar a qualidade do café produzido naquela região. O conselho possuía em sua agenda ações estratégicas para o posicionamento do café do cerrado no mercado externo, que pagava melhores margens aos produtores, ações de marketing e assessoramento técnico e comercial para os cafeicultores pertencentes às associações congregadas. O CACCER passou a atuar na região como instância de governança e representante político.

O café é um produto de terroir, o que significa que as condições do ambiente e o fator humano podem interferir em grande medida no resultado final do produto, tornando-o distinto em cada contexto em que é produzido. No Cerrado Mineiro, os avanços tecnológicos relacionados à nutrição do solo e à irrigação permitiram o desenvolvimento de um café de alta qualidade, com uma vantagem comparativa em relação às demais regiões: a qualidade do fruto fornecido pela planta era mantida mais facilmente no seu processamento pós-colheita, já que o período da colheita no Cerrado não coincidia com as chuvas na região. Enquanto áreas de montanha sofriam a perda da qualidade dos seus cafés em função das intempéries, o Cerrado estava imune aos problemas climáticos e possuía condições de entregar grandes produtividades de café por área plantada, com reconhecida qualidade.

O Café do Cerrado se torna então símbolo de qualidade e agregação de valor. Conforme ressalta Ortega (2011), o reconhecimento do diferencial qualitativo do café do Cerrado em muito se deve à instituição do Prêmio Illy para cafés de qualidade no Brasil. A torrefadora italiana Illy, interessada em cafés de processamento natural (secagem sem descascamento dos grãos) para a composição da mistura de grãos ideal para o espresso italiano, reconheceu no Cerrado um grande fornecedor em potencial. Com isso, a vantagem comparativa obtida pelos produtores da região se transforma em uma essencial vantagem competitiva para o mercado externo.

Em 1993, a necessidade de buscar melhores garantias contra ações oportunistas leva ao registro da marca Café do Cerrado, e a instituição de um sistema de certificação oficial para os cafés que utilizariam a marca. No entanto, ainda assim, era difícil coordenar a utilização do nome “Cerrado”, sendo necessário o registro internacional do nome nos principais países compradores.

Em 1994, os desafios da coordenação da distribuição dos cafés leva o CACCER a se envolver com a comercialização do produto, surgindo a necessidade de que este atuasse como cooperativa. Assim, é fundada em 1996 a EXPOCACCER, uma cooperativa exportadora para atuar em parceria com as associações e cooperativas regionais, eliminando o intermediário exportador. A EXPOCACCER reúne, na sua fundação, as cinco cooperativas regionais existentes na época. Nesse ínterim, em 1995, o CACCER conquista junto ao INPI o registro de Indicação de Procedência (IP) Região do Cerrado Mineiro para os cafés de alta qualidade, o que representou um marco na região e um impacto significativo na política de Indicações Geográficas Brasileiras, que até então só havia registrado a IG do Vale dos Vinhedos. Em 1997, foi instituída a certificação de origem que hoje acompanha os cafés comercializados, desde a sacaria do produto in natura até as embalagens que alcançam o consumidor final.

Atualmente, a IG Região do Cerrado Mineiro reúne 4500 produtores de café em 55 municípios na região noroeste de Minas Gerais. O CACCER, detentor da governança da IG, foi convertido em Federação dos Cafeicultores do Cerrado, e congrega 9 cooperativas, 7 associações e uma fundação, voltada para a capacitação dos cafeicultores e dos profissionais da cadeia do café na Região do Cerrado. A FUNDACCER também é responsável pelo desenvolvimento de pesquisas em parceria com organismos públicos e privados para a cafeicultura, e é gestora do Centro de Excelência do Café, localizado na Fazenda da Epamig no município de Patrocínio.

Em 2011, um dos projetos da Federação lançou no mercado o conceito de “Café de Atitude”. O apelo do novo conceito se baseia no tripé ética, rastreabilidade e qualidade: a produção de um café que respeita princípios éticos, como práticas sustentáveis que geram desenvolvimento e compartilhamento de valor entre os produtores locais; um café rastreável, pelos mecanismos de coordenação que garantem os processos e atributos singulares exigidos para a IG do Cerrado Mineiro; e um café de alta qualidade, diferenciado dos demais e que carrega consigo as características exclusivas da região.

Nos anos recentes, tem sido verificado o foco da Federação dos Cafeicultores do Cerrado nas parcerias com universidades para geração de inovação e estudos sobre a qualidade do café na região e o aglomerado produtivo local, além da criação de um departamento exclusivamente para desenvolvimento de novas plataformas de negócio. Um dos carros-chefe atualmente tem sido o Projeto Amantes do Café, primeiro da Federação que tem como público-alvo o consumidor de café da região. De acordo com os idealizadores do projeto, é essencial educar a população que reside nos municípios do aglomerado para o consumo responsável e crítico do café, pois o aumento da exigência do consumidor interno pode funcionar também como incentivo à busca pela qualidade.

Outra perspectiva inovadora do aglomerado são as pesquisas sobre o potencial turístico da região, com vistas a explorar o turismo de negócios, que já ocorre espontaneamente em função dos contatos comerciais da EXPOCACCER, e também o agroturismo. No dia 31 de dezembro de 2013, a Região do Cerrado Mineiro conquistou, mais uma vez pioneiramente, o reconhecimento do INPI para Denominação de Origem (DO), que qualifica ainda mais o aglomerado produtivo.

4.2 Fatores facilitadores e condicionantes

Conforme sugerido por Silva, Castro e Antonialli (2014), uma reflexão sobre os fatores facilitadores e condicionantes de um aglomerado auxilia na compreensão da sua estrutura de governança. No caso do aglomerado produtivo da Região do Cerrado Mineiro, o contexto social e político favoreceu a ação empreendedora dos cafeicultores. A extinção do IBC fez com que os cafeicultores tivessem que traçar suas estratégias de forma independente, sem contar com apoio incondicional do governo em tempos de crise. No entanto, o contexto cultural não deixou de ser um entrave, na medida em que o trabalho cooperativo se deu na comunhão de autóctones, com costumes próprios daquela região, e alóctones, vistos com desconfiança e mesmo como invasores pelos habitantes locais. Nota-se, pelo sucesso do aglomerado, que as diferenças foram superadas, mas não sem algum conflito.

A localização do Cerrado, em uma região mineira de alto desempenho socioeconômico e com fácil acesso a polos de inovação e instâncias de tomada de decisão (destaca-se a proximidade com o estado de São Paulo e a capital nacional, Brasília), é um dos pontos fortes que favorece o caráter inovativo, devido à sua centralidade geográfica e à proximidade com núcleos de pesquisa e ensino importantes. Entre os parceiros da Federação dos Cafeicultores, podem ser citados como de grande relevância a parceria com o Polo de Excelência em Qualidade do Café, na Universidade Federal de Lavras, o Departamento de Administração da Universidade Federal de Viçosa - campus de Rio Paranaíba e a Universidade Federal de Uberlândia.

Por outro lado, as condições edáficas e climáticas da região do Cerrado exigiram dos produtores investimento em tecnologias como a irrigação, prática generalizada na região e essencial para a sustentabilidade da cafeicultura. Nesse caso, uma dificuldade terminou por gerar uma vantagem competitiva, já que a irrigação torna os produtores menos suscetíveis ao clima e permite altos níveis de produtividade, em comparação com outras regiões produtoras.

Exercendo sua função de prover capacitação ao produtor, a Federação dos cafeicultores atua junto a organismos como a EMATER-MG e o SEBRAE-MG, desenvolvendo ações de extensão rural voltadas para o melhor desempenho das propriedades rurais, gerenciamento da propriedade e da produção. A Federação ainda atua influenciando nas instâncias federal e estadual de políticas para a cafeicultura, inserindo dentro das comissões estratégicas representantes da região. Um exemplo disso foi a participação do presidente da Federação em reuniões do Conselho Nacional do Café (CNC) em 2014.

4.3 Governança e coordenação do aglomerado

A estrutura de governança adotada na Região do Cerrado Mineiro pode ser compreendida sob a perspectiva teórica das netchains. Quando observados os laços horizontais, verifica-se que a atuação colaborativa das associações e cooperativas que representam os produtores da região é a principal responsável pela existência de uma Federação sólida e pela convergência dos interesses em torno da valorização da origem e da qualidade do café produzido. A reunião de esforços para a criação de uma exportadora e eliminação dos intermediários permitiu às cooperativas da região ganhos de escala para acessar mercados mais distantes e mais exigentes. O relacionamento com esses mercados funciona como um incentivo constante à melhoria do produto, visando a manter o relacionamento frutífero e ampliar a plataforma de negócios do aglomerado.

O fim da pesquisa oficial, realizada pelo extinto IBC, levou as empresas do aglomerado a buscarem acordos de pesquisa e cooperação técnica, evidenciando o caráter empreendedor das lideranças locais. O mesmo fenômeno não é observado em outras regiões cafeicultoras ou somente foi observado tardiamente, o que denota alguma relação entre a capacidade inovativa do aglomerado e o perfil dos empresários.

O aglomerado inclui associações e cooperativas formadas por produtores de grande, médio e pequeno porte, apresentando, portanto, diferentes níveis de interesse e de benefícios oferecidos para as empresas participantes. Muitos produtores participam de mais de uma cooperativa e/ou associação, conforme a microrregião onde se localiza, a produtividade e a qualidade do seu café. Na Federação, observa-se uma tentativa de oferecer benefícios para os distintos públicos, promovendo a melhoria das condições dos produtores familiares e, ao mesmo tempo, atuando junto aos mercados mais exclusivos e promovendo os produtores com melhores condições competitivas.

Do ponto de vista das relações verticais, observa-se que as ações focadas diretamente no público consumidor são de grande importância para estabelecer um vínculo deste com a marca “Café do Cerrado”. Ao permitir o uso da marca pelas empresas compradoras dos cafés do Cerrado, a Federação agrega valor ao produto, o que resulta em uma melhor remuneração tanto ao produtor quanto à empresa torrefadora. Dessa forma, estabelece-se um vínculo entre as empresas compradoras e produtoras, que estimula o comércio direto pelo benefício da rastreabilidade do produto. Uma das tendências observadas é a utilização da história do produtor e da região como apelos de marketing, “pessoalizando” o produto.

O reconhecimento da IG Região do Cerrado Mineiro teve papel fundamental para legitimar as ações da até então CACCER, e torná-la conhecida frente ao mercado. No caso do Cerrado, a IG facilitou o acesso ao mercado e corroborou, juntamente ao produto e ao saber-fazer da cafeicultura do Cerrado, também uma forma de gestão, que serve de inspiração para diversas regiões produtoras. Exemplo que confirma isso são as inúmeras visitas técnicas e missões empresariais que frequentam a região, buscando aprender sobre as boas práticas locais ou estabelecer parcerias comerciais. Esse fluxo de visitantes tem sido analisado com interesse pela atual gestão da Federação, que tem no turismo uma de suas frentes de trabalho para os próximos anos, inspirados no caso de sucesso do Vale dos Vinhedos, que associa o agronegócio à atividade turística.

4.4 Resultados alcançados pelo aglomerado

A Região do Cerrado Mineiro obteve inúmeros ganhos para as empresas participantes do aglomerado produtivo, entre os quais podem ser ressaltados:

  1. Fortalecimento da origem produtora: a criação da marca Café do Cerrado fortaleceu a identidade da região frente ao mercado consumidor, agregando valor ao produto, ampliando as margens de lucro dos produtores da região e promovendo a proteção dos cafeicultores contra ações oportunistas e uso indevido do nome, por meio da rastreabilidade do produto e coordenação via Federação dos Cafeicultores do Cerrado;
  2. Melhoria da qualidade global do produto: a assistência prestada ao produtor permite a melhoria dos processos produtivos, facilitando o acesso a certificações ligadas à qualidade do produto e à responsabilidade socioambiental;
  3. Influência nas políticas voltadas ao agronegócio: a participação de representantes da Região do Cerrado Mineiro nas instâncias de decisão estadual e federal tem sido amplificada a partir da conquista da IG;
  4. Democratização do acesso a informação estratégica dentro do aglomerado: a utilização de veículos de ampla comunicação, como redes sociais, realização de eventos e prestação de contas sobre os projetos desenvolvidos pela Federação às associações e cooperativas participantes;
  5. Favorecimento da inovação: ao estabelecer parcerias com universidades e órgãos de pesquisa, a Federação dos Cafeicultores do Cerrado favorece o estudo do aglomerado e, consequentemente, o surgimento de soluções adaptadas ao seu modelo; o relacionamento com empresas compradoras favorece a produção de conhecimento estratégico, o que vem tornando o aglomerado um caso modelo visitado por empresários de outras regiões produtoras;
  6. Acesso a mercados consumidores mais maduros: ao atender exigências de qualidade e rastreabilidade, as empresas do aglomerado promovem o aumento da sua capacidade competitiva, tornando-se capazes de responder com mais rapidez e eficiência às demandas do mercado e estabelecendo mecanismos de confiança dentro e fora do aglomerado.

5. Considerações Finais

O trabalho apresentado buscou analisar o agronegócio sob a perspectiva das relações verticais e horizontais entre as empresas, buscando entender as motivações que levam à escolha da estrutura de governança em rede. Observa -se que o contexto político, econômico e social da cafeicultura, no cenário nacional e internacional, levou os produtores de diversas regiões brasileiras a reagirem com diferentes estratégias, buscando condições para competir no mercado. Na Região do Cerrado Mineiro, devido à característica empreendedora dos seus produtores, conseguiu-se de forma rápida e eficiente a organização coletiva, a partir da existência de interesses convergentes. A constituição do aglomerado produtivo foi essencial para a competitividade dos empresários rurais, e pode ser encarada como uma possibilidade implementável em outras regiões cafeicultoras e também para outras culturas.

A conquista da Indicação Geográfica foi responsável pelo fortalecimento do aglomerado, reafirmando as intenções coletivas em torno do objetivo comum de promover a marca da região e melhorar continuamente a qualidade do produto café. O reconhecimento da IP e, mais recentemente, da DO, permitiu ao aglomerado da Região do Cerrado Mineiro gozar de maior visibilidade frente ao mercado e maior grau de influência nas políticas estaduais e nacionais para a cafeicultura. Dessa forma, pode-se afirmar que a instituição de IGs no Brasil representa um vetor para o desenvolvimento de empresas aglomeradas localmente. Para o agronegócio, em especial, a IG favorece o processo de “descommoditização” de alguns gêneros agrícolas, como é o caso do café. Ao prezar pela diferenciação e criar mecanismos que protejam contra o oportunismo de outros agentes, uma região com IG reconhecida pode alcançar ganhos significativos de valor sobre o produto, o que impacta diretamente na qualidade de vida da região, como efeito multiplicador inevitável.

É importante observar que, no caso da Região do Cerrado Mineiro, o reconhecimento da IG fortaleceu uma estrutura de governança que já era legitimada pelos atores locais, não sendo a primeira responsável pela organização das empresas em rede. Em outras regiões produtoras, ao contrário, a possibilidade de agregação de valor por meio da IG tem servido de motivação para a constituição de governanças no formato de rede, até porque uma das principais condições para pleitear o reconhecimento do INPI é a existência de um grupo gestor que seja verdadeiramente representativo das empresas daquela região.

Este estudo contribui para a reflexão a respeito da política de instituição das IGs no Brasil, sobre o porquê de algumas regiões se desenvolverem de forma plena, enquanto outras enfrentam dificuldades, em geral, devido à fragilidade dos laços entre os atores locais, ações oportunistas e incapacidade das instâncias de governança em representar a totalidade dos atores da IG. De qualquer maneira, o que se observa é que a cooperação interna para a competição frente aos mercados externos é preferível à ação isolada, já que promove acesso a recursos que não estariam disponíveis de outra forma, como inovação, informação estratégica, recursos financeiros e parcerias com entidade de ensino e de apoio ao desenvolvimento rural.

Enfim, considera-se que a estrutura de governança em rede pode favorecer em grande medida a competitividade no agronegócio, conforme observado no caso da Região do Cerrado Mineiro. Como contribuição para a academia, verifica-se a aplicabilidade das teorias de rede, com destaque para a teoria de netchains, que congrega a análise das relações verticais e horizontais entre as empresas no agronegócio. Propõe-se, como agenda de pesquisa, o aprofundamento em estudos comparativos entre os aglomerados produtivos do agronegócio café, em franca expansão, e entre as regiões detentoras de IGs no país, de forma a compreender os efeitos reais dessa política sobre o desenvolvimento regional, principalmente nas áreas rurais.

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1. Master in Business Administration at Federal University of Lavras, Brazil. Email: helga.barista@gmail.com,

2. Doctoral student in Business Administration at Federal University of Lavras, Brazil.

3. Doctoral student in Business Administration at Federal University of Lavras, Brazil.

4. Doctoral student in Business Administration at Federal University of Lavras, Brazil.

5. Doctoral student in Business Administration at Federal University of Lavras, Brazil. Email: brunacavazza@gmail.com

6. Professor of the Graduate Program in Business Administration at Federal University of Lavras, Brazil.


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 26) Año 2017

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