ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 10) Año 2017. Pág. 14

Formação inicial e educação básica: qual o papel do Pibid nesta relação?

Pre-service education and basic school: what is the role of the Pibid in this relationship?

João Roberto Resende FERREIRA 1; Sabrina do Couto de MIRANDA 2; Roberto Barcelos SOUZA 3; José Maria Maia LIMA 4

Recibido: 06/10/16 • Aprobado: 10/11/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados e Discussão

4. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

Este trabalho objetiva divulgar o resultado das análises, ações e práticas pedagógicas vivenciadas pelas equipes envolvidas no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Analisamos o perfil dos bolsistas de iniciação à docência credenciados no programa pelo edital 2014-2018. Para coleta de dados, foi aplicado questionário estruturado contendo 34 perguntas objetivas e duas subjetivas. Dos 621 bolsistas de iniciação à docência, 424 responderam o questionário. Trata-se de um primeiro levantamento e com este será possível diagnosticar os avanços e limitações do programa na UEG.
Palavras Chave: universidade, escola básica, Pibid.

ABSTRACT:

This work aims to present the results, actions and pedagogical practices experienced by the teams involved in the Brazilian grant program to support teaching, called Pibid – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, in Universidade Estadual de Goiás (UEG). We have analyzed the preliminary profile of pre-service education students attempted to our program. We have applied structured questionnaires containing 34 objective and two subjective questions to collect data. Of the 621 fellows from our pre-service program, 424 completed the questionnaires. This is an initial diagnosis that can point advances and limitations and raise important issues for program planning in the UEG.
Key words: university, school, Pibid.

1. Introdução

Nos últimos anos, com o advento das políticas neoliberais e o fenômeno da globalização, ampliou-se o debate sobre a universidade pública e a necessidade de defendê-la como um direito democrático. Essa necessidade está vinculada ao objetivo de prestar um serviço público de qualidade que atenda aos interesses da maioria da população, em todas as áreas do conhecimento e, no que se refere a formação inicial de professores, contribuir com o processo em uma lógica emancipadora do ser humano em detrimento da lógica individualista e excludente do mercado.

Nessa perspectiva, um dos maiores desafios na formação de professores é estabelecer relação entre as reformas políticas, econômicas e sociais. Dentre elas, integra-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) que hegemonicamente está sendo implementada no Brasil desde os anos de 1990. A lei em questão, embora promulgada em um clima de redemocratização do país, de modo a responder legalmente a históricos direitos de luta dos trabalhadores, deu ao governo federal, por meio do Ministério da Educação e Cultura, o poder de formular políticas públicas para a educação, fortemente conservadoras - como pode ser vista, na criação dos fundos de desenvolvimento, os programas de avaliação e sobre a formação de professores .

Este tem sido o contexto em que buscamos desenvolver a temática sobre formação inicial docente e sua relação com a educação básica em um projeto de pesquisa tendo como referência o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) vinculado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes-MEC), da Universidade Estadual de Goiás (UEG), intitulado “Universidade e Educação Básica: fronteiras a ultrapassar” a ser executado entre 2014 e 2018.

A coordenação do Projeto Institucional tem como ponto de partida o entendimento de que tanto a Universidade quanto as escolas de Educação Básica fazem parte da mesma sociedade.

A universidade é uma instituição social. Isso significa que ela realiza e exprime de modo determinado a sociedade de que é e faz parte. Não é uma realidade separada e sim uma expressão historicamente determinada de uma sociedade determinada (CHAUI, 2001, p. 35).

Neste sentido, é necessário esclarecer que a Universidade Brasileira, e dentre elas a UEG, está inserida num contexto que exprime as ideias neoliberais, podendo, a nosso ver, ser resumidas da seguinte forma:

1) aceitação da ideia de avaliação universitária sem nenhuma consideração sobre a situação do ensino de primeiro e segundo graus.[hoje Ensino Médio][...], 2) aceitação da avaliação acadêmica pelo critério da titulação e das publicações, pelo total descaso pela docência [...], 3) aceitação do critério de distribuição dos recursos públicos para pesquisa a partir da ideia de “linhas de pesquisa”, critério que faz sentido para as áreas que operam com grandes laboratórios e com grandes equipes de pesquisadores, mas não faz nenhum sentido nas áreas de humanidades e nos campos de pesquisa teórica fundamental[...] e 4) a aceitação da ideia de modernização racionalizadora pela privatização e terceirização da atividade universitária, a universidade participando da economia e da sociedade como prestadora de serviços às empresas privadas com total descaso pela pesquisa fundamental e de longo prazo (CHAUI, 2001, p. 35-36).

Consequentemente, tanto os cursos de graduação quanto a docência ficaram reduzidos a uma formação rápida e barata voltados ao desenvolvimento de mão-de-obra com diploma universitário. Assim, temos na universidade a reprodução dos traços autoritários e antidemocráticos da sociedade capitalista.

No entanto, passados quase trinta anos do fim da ditadura militar, é preciso admitir que muita coisa está mudando no contexto da sociedade atual. Com a redemocratização, a educação ganhou centralidade na discussão nos anos de 1980 até hoje, seja pelo estado crítico em que se encontrava após o fim do regime militar, nas propostas e discursos governamentais ou de diferentes seguimentos da sociedade civil, ou pela experiência de vários movimentos sociais, proporcionou ao longo dos anos de 1980, uma visibilidade política e criou em nível de senso comum, levando a uma grande base de legitimidade.

Por outro lado,

Os anos 90 delineiam um novo cenário. A sociedade como um todo aprendeu a organizar e a reivindicar seus direitos de cidadania, a partir da constatação da qualidade de não-cidadãos que são na prática. Ela tem sido auxiliada pela nova base jurídico-constitucional construída a partir de 1988 com a nova Carta Magna do país. Entretanto, existe um clima de descrença generalizado na política, nos políticos e nos organismos estatais (GOHN, 1999, p. 8).

No campo da educação, a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em dezembro de 1996 (Lei no 9.394) (BRASIL, 1996), também não apresenta grandes mudanças no cenário brasileiro, principalmente para as escolas de Educação Básica, a não ser pela adaptação a um calendário anual de 200 dias letivos. Mesmo assim, não podemos deixar de apontar como positivo o ingresso dos alunos das classes populares no Ensino Superior. Seja por meio de políticas de cotas, ou destinando vagas para alunos oriundos da escola pública, houve um aumento no número de alunos nesse nível de ensino.

Podemos dizer que as políticas públicas para formação de professores também foram se modificando para atender as novas exigências de reestruturação capitalista. Dentre essas modificações o Pibid pode ser usado como exemplo de uma iniciativa do governo federal para o aperfeiçoamento e a valorização da formação de professores para a educação básica. Lançado em 2007 especificamente para as Universidades Federais e cursos de Licenciatura em Biologia, Física, Matemática e Química, mais adiante, por meio do decreto no 6.755 de 29 de janeiro de 2009, foi instituído como política de Estado vinculada à formação de professores no Brasil. No sentido de consolidar o Pibid como programa de formação de professores em nível nacional, a Lei no 12.796, de 4 de abril de 2013, sancionada pela Presidenta da República, altera o texto da Lei de Diretrizes e Bases (Lei no 9.394/96) para incluir, entre outras questões, no Art. 62 §4 e §5 o texto:

§ 4º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios adotarão mecanismos facilitadores de acesso e permanência em cursos de formação de docentes em nível superior para atuar na educação básica pública.

§ 5o A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios incentivarão a formação de profissionais do magistério para atuar na educação básica pública mediante programa institucional de bolsa de iniciação à docência a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas instituições de educação superior.

O programa concede bolsas a alunos de licenciatura participantes de projetos de iniciação à docência desenvolvidos por Instituições de Educação Superior (IES), em parceria com escolas de Educação Básica da rede pública de ensino. Dentre os vários objetivos do programa, destacamos os seguintes: incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica; contribuir para a valorização do magistério; elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e educação básica; inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem; incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas no processo de formação inicial para o magistério, e contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura (BRASIL, 2010).

São oferecidas pela Capes cinco modalidades de bolsas aos integrantes do projeto institucional: Iniciação à Docência, para os estudantes de licenciatura das áreas abrangidas pelos subprojetos; Supervisão, para professores de escolas públicas de Educação Básica que supervisionam, no mínimo, cinco e, no máximo, dez bolsistas da licenciatura; Coordenação de Área, para professores da licenciatura que coordenam subprojetos; Coordenação de Gestão de Processos Educacionais – para o professor da licenciatura que auxilia na gestão do projeto na IES e de Coordenação Institucional para o professor da licenciatura que coordena o Pibid na IES.

Frente a argumentação exposta, este artigo tem por objetivos apresentar os resultados das análises sobre o perfil dos bolsistas de iniciação à docência que participam do Pibid na UEG, os desafios de estabelecer a relação entre formação inicial e educação básica, a importância do programa no estado de Goiás via UEG, bem como, socializar experiências advindas da gestão deste programa em uma universidade multicâmpus.

2. Metodologia

Para analisar as ações e as práticas pedagógicas vivenciadas pelas equipes envolvidas no Pibid-UEG, usamos como metodologia de amostragem questionário estruturado contendo 34 questões objetivas e duas abertas de cunho subjetivo. Este foi aplicado aos bolsistas vinculados aos 61 subprojetos do Pibid-UEG (Figura 1) virtualmente utilizando a internet e a ferramenta disponibilizada pelo “Google drive”. As questões relacionavam-se ao uso da bolsa; relação coordenador de área, graduandos e supervisores; motivos da escolha da bolsa; contribuições do Pibid na formação docente; dificuldades na realização/condução do projeto; perspectivas futuras; dentre outras.

Figura 1. Distribuição dos diferentes subprojetos vinculados ao
Pibid-UEG por área de conhecimento no estado de Goiás, Brasil.

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3. Resultados e Discussão

3.1. O Perfil do Aluno do Pibid – Uma Análise

A ideia era saber o que os licenciandos aprendem sobre a docência e o perfil dos bolsistas de iniciação à docência credenciados no programa pelo edital 2014-2018. Dos 621 bolsistas de iniciação à docência cadastrados no Sistema da Capes, 424 (68% do total) responderam ao questionário. As discussões suscitadas pelas análises das respostas dos bolsistas são apresentadas abaixo.

O questionário mostrou que os bolsistas de iniciação à docência do Pibid-UEG são majoritariamente do sexo feminino (75%); são novos no programa, pois apenas 15% participaram do edital 2012/2013, são principalmente alunos egressos do Ensino Médio em escola pública (90%); não trabalham (71%); a bolsa não foi o principal motivo que levou o licenciando a participar do programa, mas percebe-se que a bolsa auxilia na realização das atividades, pois a mesma é utilizada para deslocamento nas atividades do Pibid (28%); despesas pessoais (alimentação, por exemplo) (21%), compra de livros (13%) e participação em eventos (10%).

3.2. A Natureza do Trabalho Pedagógico

Partindo do pressuposto de que a docência é uma profissão que exige formação superior para atuar profissionalmente no mercado de trabalho, o professor precisa ser formado e o local para a formação inicial é a Universidade em seus cursos de licenciatura. A direção possível e favorável ao desenvolvimento pleno dessa formação é o entendimento amplo do sentido de educação como fator de humanização. Definimos educação como sendo: “comunicação entre pessoas livres em graus diferentes de maturação humana, é promoção do homem, de parte a parte – isto é, tanto do educando como do educador” (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 14).

Quanto à natureza do trabalho pedagógico, a concepção teórica na qual buscamos nos fundamentar é aquela que considera o trabalho humano como um ato educativo. É por meio do trabalho que o homem transforma a natureza e ao transformá-la, transforma-se a si próprio. Paro (2004), apoiado nos conceitos de Marx, entende que o trabalho é uma característica essencialmente humana que identifica o homem e o separa da natureza. No entanto, quando o conceito é transportado para o trabalho pedagógico, novas especificações precisam ser realizadas. A primeira é a de que o trabalho pedagógico é um trabalho não-material. Ou seja, seu produto não é um objeto tangível. No trabalho pedagógico não pode haver separação entre produção e consumo. A produção e o consumo ocorrem simultaneamente, como por exemplo, o trabalho do ator no teatro, do palhaço no circo e do professor na sala de aula.

O segundo entendimento é que, no trabalho pedagógico o aluno não aparece unicamente como um consumidor de conhecimento transmitido pelo professor. O aluno é também produto e objeto do trabalho, ou seja, ele é o verdadeiro objeto sobre o qual se processa o trabalho pedagógico. A resposta do aluno se dá de acordo com sua especificidade humana, enquanto ser histórico que aprende e ensina, ele é produtor de conhecimento na atividade em sala de aula. No trabalho pedagógico, está envolvido um saber que não pode ser separado do momento da produção. É o saber enquanto saber “que se passa”, ou seja, do saber historicamente produzido e que é apropriado pelo aluno.

Daí, o entendimento de que a formação profissional, pautada pelas orientações funcionalistas da sociedade, ou por “tipos ideais” de professores, não serem suficientes para dar conta da diversidade em que a profissão de professor está envolta. Trata-se de ampliar as discussões para o processo em que os valores, os hábitos e a dimensão ético e política da profissão estão fundamentadas. Nessa perspectiva, coloca-se ao coletivo de professores e alunos, a construção do entendimento sobre as concepções de educação e de educador, de homem e sociedade e entre as práticas pedagógicas e concepções teóricas que orientam as discussões da educação que se tem, para os rumos de educação e sociedade que se quer. Por isso, torna-se indispensável nos cursos de formação, e em especial nos subprojetos do Pibid, o debate aberto e a participação de todos os interessados na formação de profissionais da educação.

Quando questionou-se sobre “A média da carga horária mensal de atividades do Pibid na Escola e na Universidade” 68% dos bolsistas de iniciação à docência responderam que dedicam 16 horas mensais ou mais com atividades na universidade. De acordo com a portaria 096/2013 da Capes artigo 43, “são deveres do bolsista de iniciação à docência (...) II – dedicar-se, no período de vigência da bolsa a, no mínimo, 8 horas semanais às atividades do Pibid” este quantitativo equivale a 32 horas mensais. Assim, percebe-se que, em metade do tempo de dedicação ao Pibid, o acadêmico permanece na Universidade. Em geral, os coordenadores de área dos subprojetos realizam reuniões semanais que objetivam preparar/discutir as ações a serem desenvolvidas nas respectivas escolas de Educação Básica. A análise das respostas dadas à questão “houve avanços no domínio de embasamento teórico dos bolsistas se comparado com ANTES da participação no Pibid?” mostrou que 93% dos bolsistas entrevistados afirmaram avanços no domínio do embasamento teórico com a participação no Pibid. Isso foi constatado também durante as visitas de acompanhamento onde os bolsistas declararam que nas reuniões semanais efetivamente discutem-se referenciais teóricos sobre a natureza do trabalho pedagógico e em suas falas foram citados autores corroborando a afirmação feita.

Assim, antes de qualquer programa de iniciação à docência, as condições históricas são determinantes das consciências e dos atos dos sujeitos em qualquer profissão. Na atualidade, a importância dada à formação técnica, a ausência de uma formação teórica sólida que possibilite enriquecer a vida com cultura, poesia, literatura, história, sociologia, arte, música e filosofia tem aumentado ainda mais os desafios na formação de professores. A luta política do professor por melhores condições de trabalho, salários dignos, especialmente os das escolas públicas, que atende aos interesses da maioria da população, concordando com Paro (2004), está carecendo de elaborações teóricas mais profundas e rigorosas que apontem caminhos mais seguros na busca de uma educação universal e de qualidade.

3.3. Relação Universidade e Educação Básica

Historicamente no Brasil a formação docente está enredada em um currículo fragmentado dos cursos de licenciatura voltado muito mais para o fazer, privilegiando os conteúdos e as técnicas operacionais e instrumentais em detrimento das ações de reflexões teóricas e críticas embasadas nas desigualdades sociais. Essa racionalidade instrumental é o resultado das políticas públicas educacionais neoliberais, conservadoras, que pesquisadores em educação, Silva, Ferreira e Oliveira, (2014), têm denominado de “quase mercado”, aprovadas a partir de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso e nos governos de Luiz Inácio da Silva até os dias atuais [6].

Na tentativa de ampliar a relação entre Universidade e Educação Básica estão sendo executadas nos subprojetos ações que privilegiem a articulação entre as diferentes áreas do conhecimento e a integração dos mesmos. Partindo do pressuposto de que a Escola Básica não é uma instituição isolada, mas sim, uma instituição social e, portanto, situada em um contexto mais amplo da sociedade capitalista. Tal relação não pode ser um conjunto de ações externas a serem implantadas de fora para dentro na Escola Básica, como tem sido as reformas educacionais.

Sem um estudo prévio, uma fundamentação teórica sobre o sentido da escola, uma colaboração mútua entre a Universidade e a Escola de Educação Básica, as ações desenvolvidas pelos alunos dos subprojetos pode não atingir os objetivos de transformação social. Neste sentido, concordamos com a tese de Bourdieu (1998, p. 41), que: “não podemos mais considerar o sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da “escola libertadora”, quando ao contrário, tudo tende a mostrar que ela, a escola, é um dos fatores mais eficazes de conservação social”. Caso contrário não despertaria o interesse de tantas empresas interferirem nas elaborações de políticas públicas para a educação.

Preservando a autonomia de cada subprojeto, os professores coordenadores de área, os alunos bolsistas e professores supervisores nas escolas tem a oportunidade de lidarem com um espaço de ensino formal, com métodos de ensino sistematizados, conteúdos previsíveis e avaliados constantemente, necessários para o bom desenvolvimento da relação ensino e aprendizagem escolar. Além disso, a reflexão no coletivo amplia a visão sobre a escola e as desigualdades sociais, bem como a trajetória de cada aluno da graduação e os mecanismos que determinam a eliminação contínua dos filhos dos trabalhadores nos bancos escolares.

Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A herança cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as classes sociais, é responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito. (BOURDIEU, 1998, p. 41-42)

A questão “você considera que o Pibid ampliou sua visão sobre...” revelou que para 93% dos bolsistas de iniciação à docência a participação no Pibid melhorou sua percepção sobre a atividade docente, o contexto escolar e a educação. Já o questionamento “As atividades no Pibid contribuem na universidade, para a interlocução entre disciplinas de conteúdo específico e as disciplinas de formação pedagógica?” expôs que para a maioria dos bolsistas (83%) esta interlocução tem ocorrido. Além disso, cerca de 90% dos bolsistas também afirmaram que a participação no Pibid melhorou seu desempenho nas disciplinas de conteúdo pedagógico e de conteúdo específico. Ainda neste contexto, 92% dos bolsistas de iniciação à docência entrevistados afirmaram que o Pibid promove a valorização dos cursos de formação de professores.

Do ponto de vista da racionalidade instrumental, as políticas públicas têm enfatizado o fazer em detrimento de uma concepção de educação como direito social - na medida em que se realize a integração da Universidade com a Educação Básica, valorizando o trabalho docente -, os alunos têm se mostrado preocupados em apontar caminhos e refletir em como melhorar sua perspectiva sobre formação inicial, tendo a escola como futuro local de atuação profissional. Ao participarem de atividades nas escolas, os alunos percebem a quantidade de atividades impostas externamente que os professores têm de cumprir. Em sua maioria, são atividades de gestão impostas pelo PNE e PAR que limitam as ações fundantes da escola, que seria a socialização do saber histórico com os alunos das classes populares.

Pela leitura e análise das respostas dos questionários, foi possível destacar que durante o desenvolvimento do Pibid, em andamento, algumas experiências de inserção dos alunos nas escolas tiveram êxitos. Em primeiro lugar, a maioria dos coordenadores de área iniciam as atividades com a leitura de textos sobre a relação ensino aprendizagem. Depois do estudo nos câmpus foi agendada visita dos alunos e coordenador de área na escola para apresentar o subprojeto. Em seguida os alunos e supervisores realizam um reconhecimento das instalações físicas das escolas, para posteriormente fazerem o diagnóstico sobre as condições de ensino e aprendizagem de suas áreas. Espera-se que a partir desse momento, os esforços de coordenadores de área e bolsistas deixem de ser individuais e isolados para assumirem uma posição coletiva na busca de superar as barreiras entre Universidade e Escola Básica, em ações que superem o paradigma teórico conservador de que somente a prática e a concepção empresarial de planejamento sejam suficientes para um amplo projeto político de formação de professores.

3.4. Relação Teoria e Prática

Diferentemente de um trabalhador da indústria em geral, o trabalho que o professor exerce na sociedade precisa atingir um nível de consciência e de prática política que contemplem sua articulação com os interesses dos alunos da Educação Básica das escolas públicas (PARO, 2004). A formação do professor necessita estar ligada a uma sólida formação teórica tanto de sua área específica, quanto das disciplinas pedagógicas, planejamento de programas em geral para o ensino e aprendizagem, melhoria das instituições de ensino e tudo aquilo que diz respeito à problemática relacionadas ao ensino e seu contexto.

A ideia aqui defendida é a de que a formação humana é um processo sócio-histórico de objetivação do gênero humano e, portanto de socialização do homem que, embora situado num modelo de sociedade estabelecido (de classes sociais antagônicas), seja capaz de intervir, aceitar ou transformar essa realidade.

A análise do questionário mostrou que para a maioria dos bolsistas de iniciação à docência (83%), a vinculação nas atividades desenvolvidas pelo Pibid contribui para o domínio das políticas, normas e regimentos que mantém o cotidiano escolar. Além disso, 90% dos bolsistas afirmou que durante as atividades do Pibid foram adquiridos conhecimentos que possibilitam ao futuro professor atuar de modo efetivo na melhoria da educação pública. Entendemos que a participação dos acadêmicos no Pibid tem despertado, de certa forma, discussões na direção de superar problemas crônicos da educação básica.

As ações escolares devem ser favoráveis aos interesses da maioria da população, fazendo com que o trabalho de socialização do conhecimento seja o eixo central de tudo que se realiza no interior da escola. Isso

requer ações organizadas no plano dos embates políticos, no plano da formação de quadros altamente qualificados, no plano da produção de conhecimentos sobre a educação e no plano da construção de produção teórica e prática de uma pedagogia que fortaleça o trabalho de produção direta e intencional, em cada aluno e em todos os alunos, do domínio dos conhecimentos necessários ao seu pleno desenvolvimento como seres humanos. (SAVIANI, 2012, p. 3).

As respostas dos bolsistas mostraram que os mesmos têm recebido alta bagagem teórico-prática de como organizar os conteúdos, habilidades e competências didático-pedagógicas e da gestão da sala de aula, domínio de novas tecnologias, a fim de garantir o bom funcionamento da escola. Em geral, o que se observa nas respostas dos questionários são ações formadoras que valorizam os conteúdos de cada área, caracterizando uma formação para bons ministradores de aulas. Faz-se necessário investigar a forma como a base teórico-pedagógica tem sido trabalhada efetivamente nos diferentes subprojetos para que o Pibid contribua também para a formação de pensadores/atores da educação.

3.5. A Gestão do Pibid na Realidade Multicampi

A UEG é uma universidade multicâmpus e os 61 subprojetos do Pibid (Edital 2014-2018) estão distribuídos em 19 municípios (Figura 1) cujas distâncias em relação à Anápolis (município sede da reitoria da UEG) variam de 60 km no caso de Goiânia a 708 km no caso de Campos Belos. Estas particularidades dificultam, mas não impedem, o acompanhamento dos subprojetos. Para transpor tais problemas a equipe de gestão desenvolveu uma metodologia de acompanhamento/avaliação que consiste em: reuniões presenciais com todos os coordenadores de área, duas ao longo do ano sendo uma em cada semestre; visitas aos subprojetos nas diferentes unidades universitárias; e encaminhamentos via e-mail com os coordenadores de área.

Partindo do pressuposto de que a gestão não se faz no vazio, desenvolvemos a gestão denocrática do Pibid/UEG com base nos princípios gerais que orientam a gestão educacional no Brasil, dispostos no artigo 206 da Constituição Federal de 1988, no artigo 3 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, nas regulamentações da Capes, portaria nº 96, de 18 de julho de 2013, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UEG, 2010, 2019 e o Projeto Institucional.

Mesmo considerando que as ações dos subprojetos estejam vinculadas aos objetivos e pressupostos do projeto institucional é certo que o desenvolvimento concreto das ações se dá no campo individual de cada subprojeto. Por isso, busca-se em reunião presencial com todos os coordenadores de área discutir as formas de gestão pedagógicas que nortearão a condução dos trabalhos ao longo do ano, tendo como referência não os princípios da gestão capitalista empresarial, mas sim, uma forma de gestão que possibilite a participação desde o diretor do câmpus, o coordenador de curso, de área, alunos e professores supervisores.

Em geral, os estudos sobre administração escolar defendem que a gestão aplicada na escola deve equivaler àquela utilizada na gestão empresarial. Ou seja, os princípios da administração capitalista, passam a ter validade universal e poderão ser aplicados em qualquer tipo de organização. Nossa concepção de gestão entende que a escola pública não é uma fábrica que visa o lucro, e sim, uma instituição que visa fins de difícil identificação/mensuração, requer de certa forma, um envolvimento inevitável de juízo e valor em sua avaliação (PARO, 2002, p. 126).

Por conseguinte, muito mais que desenvolver uma gestão enquanto “controle do trabalho alheio”, que assume a coordenação do esforço humano coletivo sob o modo de produção capitalista, nas reuniões coletivas são repassadas informações acerca da disponibilidade de recursos financeiros via planto de trabalho aprovado pela Capes, bem como, calendário de visitas e eventos que ocorrerão no transcorrer do ano, que possibilite ao coordenador de área desenvolver sua função de formador de professores, acompanhar os alunos em suas dúvidas e contribuir com sua formação integral.

Posteriormente, conforme agendamento prévio com todos os atores dos diferentes subprojetos, são realizadas visitas de acompanhamento pedagógico. Nestas ocasiões, o coordenador institucional juntamente com um coordenador de gestão visita os subprojetos por câmpus. Estas visitas visam observar de perto as ações desenvolvidas pelos bolsistas, principalmente sob a ótica dos aspectos pedagógicos e epistemológicos que norteiam a formação docente. Os bolsistas de iniciação à docência, coordenadores de área e supervisores dão depoimentos expressando a participação dos alunos na escola de educação básica, os estudos preparatórios realizados na universidade, o planejamento de atividades, a construção de material didático, o processo de reflexão sobre os conteúdos das diversas áreas a serem ensinados, realização de seminários, o contato com a sala de aula, recursos pedagógicos trabalhados, dentre outros.

Trata-se de um momento de socialização que integra os membros do subprojeto com a equipe de gestão e também com membros dos demais subprojetos que por ventura existam no câmpus. As visitas já realizadas nos mostraram que as ações dos subprojetos têm proporcionado aos licenciados experiências de valorização do magistério, desmistificação da carreira docente, confiança no trabalho e estímulo tanto para os alunos da Educação Básica se interessarem pelos cursos de licenciatura, quanto para os bolsistas em cursar pós-graduação na área.

Atendendo aos objetivos do Projeto Institucional os bolsistas estão desenvolvendo as ações previstas por meio da integração Universidade e Educação Básica, aproximando do ensino formal, elaborando metodologias necessárias para o bom desenvolvimento da relação ensino-aprendizagem escolar. É importante destacar que a relação entre Universidade e Escola Básica tem se revelado de suma importância para o desenvolvimento de ações dos professores universitários com a comunidade escolar, no sentido de promoverem palestras ampliando o debate sobre a qualidade da educação pública.

Também é importante destacar que o Pibid é um programa dinâmico e ao longo do ano os bolsistas podem ser trocados via substituições e inclusões. Assim, no caso de universidades multicâmpus faz-se necessária uma estreita comunicação com coordenadores de área via e-mails institucionais.

4. Considerações Finais

O Pibid vem trazendo contribuições, e poderá contribuir ainda mais, na medida em que as suas ações na universidade têm ampliado a reflexão sobre a formação de professores. No entanto, ele sinaliza também que esta formação não poderá ser obra de um único programa. As ações na universidade e dos professores do Pibid são produtos da sociedade. Em se tratando de uma sociedade dividida em classes, a formação de professores se dá sob a pressão de forças sociais antagônicas que favorecem ou impedem a transformação da sociedade. É certo que os coordenadores de área fortaleçam o capital cultural; discutam as concepções teóricas que possibilitem aos seus alunos enxergarem de forma crítica a realidade política, econômica e social em que estão inseridos; que procurem romper as fronteiras entre educação superior e educação básica, e tenham como referência as demandas da sociedade civil, principalmente as advindas das camadas populares, que lutam por melhoras na qualidade de vida e educação causadas pelas injustiças da má distribuição de renda e da cultura, oriundas da sociedade capitalista. É importante ressaltar que essas mudanças não dependem somente da entrada em vigor do Pibid no campo de formação de professores.

A partir do exposto até aqui, em face do Pibid na UEG, percebemos possibilidades e limites que podem se converter em novas perspectivas no campo da formação de professores. Porém, um novo direcionamento depende do movimento produzido pela contradição que marca a educação e a formação de professores na sociedade capitalista, ou seja, fazer com que o trabalho docente de socialização do conhecimento seja o eixo central de todas as ações que se realizam no interior tanto das universidades, quanto das escolas de educação básica, como forma de dar sentido à formação do ser humano.

No entanto o momento atual aponta para uma crise das instituições e “tudo que é sólido se desmancha no ar”. E a falta de continuidade a programas e projetos, como o que tem ocorrido com o Pibid, gera incertezas e instabilidades que prejudicam o bom andamento de ações executadas no campo de formação de professores. A educação escolar é um processo intencional envolvendo prática imbricada com a teoria e, esse processo, coloca para nós a necessidade de refletirmos cotidianamente a formação profissional.

Isso implica, como nos alertam Saviani e Duarte (2012), a luta por ações organizadas no plano do debate teórico e prático, formação de quadros altamente qualificados para a produção do conhecimento sobre educação, que fortaleça o trabalho de formação direta e intencional do aluno. A luta deve ser no sentido de que todos os alunos tenham o domínio dos conhecimentos necessários ao seu pleno desenvolvimento como seres humanos e não atenderem apenas as necessidades do mercado.

Referências

ALEXANDRE DA SILVA, L. G.; FERREIRA, S.; OLIVEIRA, J. F. “O planejamento educacional no Brasil: políticas, movimentos e contradições na gestão dos sistemas municipais”. In: RBPAE, 2014, vol30, n.1, p. 79-95.

BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e a cultura. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. Escritos sobre Educação. Petrópolis, RJ, Vozes, 1998. p. 39-64.

BRASIL. Capes. Portaria nº 096, de 18 de julho de 2013. Aprova o regulamento do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid). Disponível em: <https://www.capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/Portaria_096_18jul13_AprovaRegulamentoPIBID.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2014.

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______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 24 mar. 2014.

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1. Universidade Estadual de Goiás, Campus de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas de Anápolis-GO. Docente do Mestrado Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias

2. Universidade Estadual de Goiás, Campus Palmeiras de Goiás. Bolsista do Programa de Bolsa de Incentivo à Pesquisa e Produção Científica da UEG (PROBIP); Autora para correspondência. Email: sabrinac.miranda@gmail.com

3. Universidade Estadual de Goiás, Campus Quirinópolis. Doutor em Educação

4. Universidade Estadual de Goiás, Campus de Ciências Exatas e Tecnológicas de Anápolis-GO. Mestre em Ciências Moleculares

5. O fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) substituído em 2007 pelo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), os programa de avaliação da Educação Básica (Prova Brasil, Enem), e superior, “Provão” e o atual Enad. Além da demonstração de forças conservadoras na elaboração do Plano Nacional de Educação tanto de 2001 a 2010, quanto ao atual, de 2014 a 2024. Cf. Alexandre da Silva, (2014).

6. As manifestações de força conservadora na educação foram alcançadas nas discussões pertinentes ao Plano Nacional de Educação (PNE), 2001-2010, Lei nº 10.172/2001, realizado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o Plano Nacional de Educação, (PDE), de 2007, lançado pelo ex-presidente Lula da Silva, o Plano de Ações Articuladas (PAR) e o atual PNE, 2014-2024. O que merece destaque nesse conjunto de políticas públicas para a Educação é o vinculo com diversas representações de empresários, como por exemplo: Grupo Pão de Açúcar, Fundação Itaú-Social, Fundação Bradesco, Fundação Roberto Marinho, Instituto Airton Sena, Banco ABN-Real, dentre outros.


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 10) Año 2017

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