ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 06) Año 2017. Pág. 4

Proposta conceitual da confiança e do comprometimento como eixos ordenadores dos estados de redes

Conceptual proposal of trust and commitment as axes computers network States

Nilson César BERTÓLI 1; Ernesto Michelangelo GIGLIO 2; Gabriela BELTRAME 3; Felipe da Silva RAVANELLO 4

Recibido: 17/08/16 • Aprobado: 22/09/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Base teórica

3. Método

4. Análise dos resultados

5. Considerações finais

Referências


RESUMO:

O objetivo do trabalho é apresentar e defender a proposta conceitual de que as categorias confiança e comprometimento são eixos organizadores das configurações das redes e, somadas à categoria governança, caracterizam os estados de redes. Para a coleta de dados foram criados três instrumentos e a análise de conteúdo resultou na sustentação da proposição. As três categorias foram capazes de indicar um estado específico de configuração de cada rede e as categorias confiança e comprometimento apareceram como eixos organizadores dos processos coletivos. O benefício teórico é oferecer um modelo de análise de redes que se distingue das análises históricas ou estruturalistas.
Palavras-Chave: Confiança; Comprometimento; Eixos Organizadores.

ABSTRACT:

The objective of this research is to present and defend the conceptual proposal that the categories trust and commitment are organizing axes of network configurations, and together with the governance category characterized the states of networks. For the fieldwork were created three instruments collection and content analysis resulted in support of the proposition. The three categories were able to indicate a specific status of each network configuration and the categories trust and commitment appeared as organizers axes of collective processes. The theoretical benefit of the work is to provide an analytical model of networks that distinguishes the historical or structuralist analysis.
Keyword: Trust; Commitment; Axles Organizers.

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1. Introdução

Entre as temáticas do campo de redes, a questão da estrutura, do formato, da organização, do desenho das redes é uma das mais relevantes, pois tenta encontrar os eixos sob os quais as relações se organizariam. Segundo Watts (2003), existe uma dinâmica das redes, ocasionada pelas trocas de conhecimento, flutuações do comprometimento e presença de inovações e novas parcerias.

O estudo está inserido no campo de questionamentos sobre estrutura, dinâmica, estágios e estados de rede, e eixos ordenadores, surgindo então à proposta de buscar as categorias que contribuem ou são essenciais à organização das redes. Por motivos detalhados no decorrer do trabalho, utiliza-se a expressão estados de redes.

Entende-se como estados de redes a configuração das relações entre os atores, no sentido de espaço social, em desenhos de sistemas que se modificam continuamente. O eixo pode ser entendido como ponto de referência, em que todas as partes se unem a ele; ou como campo energético, onde as partes orbitam, e vão sendo atraídas não as deixando sair; ou como ponto de sustentação, sobre a qual os objetos se ordenam. O trabalho segue mais de perto este último conceito.  A ideia de estados de redes tem como base teórica os argumentos da sociedade em rede, conforme Castells (1999), e os argumentos das organizações em rede, conforme Nohria e Ecles (1992). A base teórica dos constructos de confiança e comprometimento são as afirmativas de Granovetter (1985). Além desses dois construtos básicos, elegeram-se a assimetria e a governança como as categorias que caracterizam o estado de rede.

Como trabalho de campo, escolheram-se negócios da agricultura da região sul do Brasil, principalmente banana e uva. A proposição orientadora, seguindo afirmativas de Grandori e Soda (1995) e Larson (1992), é que a confiança e o comprometimento são eixos organizadores dos estados de redes. A proposição secundária é que as duas categorias, somadas à governança caracterizam, ou configuram, os estados de redes, nas suas manifestações, que incluiriam desde configurações latentes, pouco organizadas, até estados bem organizados do grupo, com poucos conflitos.

O presente trabalho apresenta dois problemas de pesquisa: como se configuram os estados de redes quando se colocam as relações de confiança e comprometimento como eixos organizadores das redes? As três categorias são capazes de indicar estados de redes?

Utilizando os argumentos das relações sociais como pano de fundo para a organização das redes e considerando o campo de investigação, o objetivo geral do trabalho é investigar a possível interface entre as relações de confiança e comprometimento e os estados de redes, quando as categorias sociais são colocadas como eixos ordenadores essenciais para a configuração do estado de uma rede.

2. Base teórica

As teorias de redes se sustentam em campos do conhecimento como Sociologia, Antropologia, Psicologia e Economia (Tichy, Tushman e Fombrun, 1979). A dominância dos artigos sobre redes, conforme revisões (Tichy, Tushman e Fombrun, 1979; Miles e Snow, 1986, 1992; Giglio e Kwasnicka, 2005), indicam o assunto da ação coletiva. O item inicia, portanto, recuperando as afirmativas da lógica da ação coletiva. Em seguida, apresentam-se os argumentos da abordagem social de redes, principalmente os conceitos de imersão (Polanyi, Arensberg e Pearson, 1957; Granovetter, 1985), confiança e comprometimento; e as afirmativas da abordagem da sociedade em rede, principalmente os conceitos de estrutura social em rede (Castells, 1999).

Este trabalho parte do princípio da sociedade em rede, na crença de que é sempre possível encontrar uma rede a partir de uma organização; e utiliza a afirmativa básica do paradigma social-técnico sobre a presença de relações sociais como organizadoras das categorias que definem a rede.

2.1 Perspectiva Social de Redes

A afirmativa básica deste paradigma é que o comportamento dos atores é influenciado pelas relações sociais (Granovetter, 1985; UZZI, 1997). Existe um leque de afirmativas que evidencia a relação social como pano de fundo do comportamento organizacional (Nohria e Ecles, 1992). Para Granovetter (1985) e Uzzi (1997), há indissociabilidade entre fatores sociais e econômicos. A ideia da imersão social e econômica dos atores na rede, originada e desenvolvida a partir do conceito de embeddedness de Polanyi, Arensberg e Pearson (1957) e Granovetter (1985), está estreitamente vinculada ao tema do oportunismo, isto é, quanto mais imerso e comprometido estiver o ator na rede, menos propenso a se comportar de maneira oportunista.

2.2 Confiança e Comprometimento

As categorias confiança e comprometimento estão contidas no conceito de imersão, a qual está descrita como embeddedness no trabalho de Granovetter (1985). Segundo Granovetter (1985, p.482), “a imersão social caracteriza-se pelas diferentes formas de integração econômica que são conectadas por certas condições estruturais e institucionais”. Para o autor, a confiança é um subproduto da imersão social das partes que compartilham uma norma cultural e social comum, pois a confiança é valor traçado pelas normas sociais.

Neste trabalho, portanto, pretende-se utilizar o conceito de confiança expresso por estar na dependência do outro; e o conceito de comprometimento como a disposição de uma pessoa em participar de ações coletivas, sem haver um benefício próprio imediato e sem tirar proveito da confiança depositada (Granovetter, 1985, p. 491). Afirma-se que a confiança e o comprometimento são manifestações complementares de um relacionamento, ou seja, quando a confiança está presente (o ator A mostra sinais de confiança no ator B), a reciprocidade seria o comprometimento (o ator B ajuda o ator A e não se aproveita de sua confiança). Ocorrendo a reciprocidade, o minissistema se realimenta.

Como essas categorias não são diretamente observáveis, a partir deste ponto a confiança será denominada de Sinais de Confiança, e a categoria comprometimento de Sinais de Comprometimento.

2.3 Governança

Na manutenção da existência de um grupo surgem regras que têm a dupla finalidade de incentivar a permanência dos participantes e controlar seu comportamento (Moreno, 1972). Na área de redes, quando existe a consciência da interdependência e a evidência das assimetrias, é essencial criar regras de incentivo para as ações coletivas e de controle dos comportamentos oportunistas. Nesse sentido a palavra governança foi aqui utilizada, embora a expressão tenha outros sentidos na Administração. O conceito de governança como regras de incentivo e controle remete aos relacionamentos entre as partes, pois é possível investigar o nascimento das regras, sua função específica naquele grupo, sua manutenção e as consequências decorrentes das infrações.

Conforme Grandori e Soda (1995), a governança é formal e informal. A formal se refere às regras explicitadas em documentos, como contratos e atas, mais frequentes em redes verticais, nas quais as organizações estão em diferentes pontos de uma cadeia produtiva, com capacidades e recursos que exigem proteção. A governança informal se refere às regras implícitas presentes nas relações sociais, como não trair a confiança. A governança informal está mais presente em redes horizontais de pequenas organizações, em que o comportamento de um líder (na ética) torna-se exemplo a ser seguido, ou no receio de um ator em comportar-se de maneira oportunista, traindo a confiança dos colegas.

Como o presente estudo valoriza o relacionamento social, pretende-se investigar com maior profundidade a governança informal das redes. Por não ser essa categoria diretamente observável, a partir deste ponto a governança será denominada de SFG (Sinais e Forma de Governança).

2.4 Estados de Redes e Eixos Organizadores

Como nas discussões sobre redes aceitam-se os princípios de incerteza, imprevisibilidade e dinâmica das relações (Chandler e Weiland, 2010; Sheth e Parvatiyar, 2000), surge a exigência de os pesquisadores criarem estruturas, ou formas que incluam essa mutabilidade (Parente, 2004). As formas mutáveis são o que se está chamando de estados de redes.

Neste estudo segue-se o pensamento da busca das categorias que configuram as redes. Para configuração dá-se o nome de estados de redes, indicando que a palavra estados significa mutabilidade, portanto, valoriza e busca uma configuração, sem implicitamente reportar a um espaço geográfico e sem a obrigatoriedade do recurso do historicismo; e aceita a mutabilidade do estado encontrado. Como consequência metodológica, ao se apresentar a configuração de uma rede de organizações, está se mostrando uma fotografia instantânea criada a partir da coleta. Qualquer mudança do ângulo e das condições da foto (como utilizar outro referencial teórico, ou modificar as categorias envolvidas) resultaria em uma foto bem diferente.

A ideia do eixo organizador é a do ponto de atração de um fenômeno. Significa que as categorias sinais de confiança e sinais de comprometimento podem ser descritas como eixos, tendo capacidade de explicar as variações da configuração da rede, conforme as interfaces com outras categorias. A ideia está próxima de um desenho de cadeias de DNA (confiança e comprometimento seriam os dois eixos), e a partir deles as demais categorias se organizam, em diferentes estados de configurações. O desenho de um átomo seria outra metáfora da ideia de eixo (as camadas do átomo seriam o estado de rede) e a confiança e comprometimento seriam o núcleo do átomo. Há distintas metáforas: o eixo como ponto de referência, pelo qual todos os processos passam; o eixo como campo energético, no qual as coisas orbitam; e o eixo como ponto de sustentação, em que as partes vão se construindo e se organizando.

Existem diversos conceitos sobre eixos entre as várias Ciências, como na Química (De Andrade et al., 2003), com a afirmativa de ser ela a ciência eixo; na Psicologia (Pinho et al., 2013), com a afirmativa de que rede social e trabalho são eixos para a saúde mental; (Goulart, 2007) afirma que na educação a alfabetização é vista como eixo orientador no processo ensino-aprendizagem; em Economia (Pinto, 2011) cita-se a crise mundial como eixo nos estudos da economia brasileira. Em resumo, eixo organizador é visto como ícone central, e os distintos aspectos estão apoiados no eixo do objeto investigado.

2.5 Proposta do Modelo de Estados de Redes

Neste item apresenta-se a proposta sobre a investigação dos estados de redes, definidos a partir de três categorias. Os critérios para a escolha das categorias foram os seguintes: (A) São as mais frequentemente citadas nos artigos acadêmicos; (B) Consistentemente são colocadas como eixos organizadores da estrutura e dinâmica das redes; (C) São as que mais indicam trocas, reciprocidades e relações entre partes. Sobre os estados de redes, conforme explicitado, procurou-se selecionar preferencialmente aquelas que indicam relações entre partes. Assim, um estado de rede seria caracterizado pelo conjunto das categorias eixo, que são os sinais de confiança e os sinais de comprometimento, e pela categoria governança (SFG).

O Quadro 1 apresenta as categorias. Na segunda coluna está o resumo do conceito teórico dominante, conforme a revisão bibliográfica. Na terceira coluna indica-se o conteúdo a ser observado, a partir do conceito incluído na segunda coluna. Na quarta coluna apresentam-se indicadores, criados a partir de exemplos das pesquisas da revisão bibliográfica e das inferências do pesquisador. As sugestões não pretendem esgotar a lista dos indicadores, mas apenas mostrar a linha geral de questionamento. O quadro por si só é uma contribuição relevante do trabalho, pois pretende sistematizar e agrupar as categorias dispersas na literatura. Entende-se que o esforço é uma contribuição metodológica do trabalho, pois não se encontraram similares na literatura brasileira e internacional. 

Quadro 1 - Conjunto de categorias, com seus indicadores, que caracterizam o estado de organização de uma Rede.

Categoria

Conceito dominante

Conteúdo a ser observado

Indicadores

Sinais de comprometimento

 

Colocar-se à disposição para ações coletivas; não tirar proveito da dependência dos outros.

Atitudes e ações para atingir objetivos coletivos, ou ajudar outro ator, mesmo que pouco ou nada se ganhe.

1. Participar regularmente de reuniões e decisões.

2. Ajudar o outro, mesmo sem benefício próprio imediato.

3. Assumir responsabilidades de ações conjuntas.

4. Percepção entre os atores quanto ao cumprimento dos acordos.

5. Existência de promessas de continuidade de relações entre os parceiros.

6. Comportamentos que evidenciam a disposição para continuidade dos relacionamentos.

Sinais de confiança

 

Colocar-se na dependência do outro.

Atitudes e ações nas quais o sujeito se expõe ao coletivo, ou fica na dependência do outro, ou dispõe seus recursos sem recorrer a mecanismos formais de controle.

1. Expor suas fraquezas e dependências aos demais.

2. Assumir responsabilidade cuja execução depende de outro, confiando que esse outro cumprirá.

3. Dispor seus recursos, de qualquer natureza, para serem usados por outros, sem necessidade de salvaguardas.

4. Comportamentos que indicam que o ator segue as regras e metas estabelecidas na rede.

5. Comportamentos e atitudes que mostram que os atores confiam na integridade das pessoas que fazem parte da rede.

Natureza e forma de solução das assimetrias

Diferenças de capacidades e recursos e as soluções para resolver os conflitos originados.

Diferenças de qualquer natureza que sejam relevantes na organização da rede e as formas de solução.

1. Quais as diferenças mais visíveis entre os participantes.

2. Diferença de recursos investidos.

3. Diferença de objetivos.

4. Diferença de valores e ética.

5. Diferença de domínio tecnológico.

6. Conflitos, problemas que surgem a partir das assimetrias.

7. Formas de solução dos conflitos originados pelas assimetrias.

Sinais e formas de governança

Regras de proteção de recursos e de controle do comportamento.

São formais ou informais.

Toda e qualquer regra explícita ou implícita que imponha restrições ao comportamento e proteja os recursos, sejam coletivos, ou individuais.

1. Regras sobre admissão e exclusão de atores do grupo mais fechado.

2. Regras sobre penalidades.

3. Regras sobre hierarquia, liderança e funcionamento.

4. Controle por autoridade ou reputação (de um ator mais poderoso).

5. Controles sociais (existência de blogs, sites comunitários e outros, com informações sobre os participantes).

6. Regras sobre igualdade entre atores.

Fonte: elaborado pelos autores.

Para caracterizar uma situação complexa e sistêmica, ou seja, sem exigência de estabelecer relações causais estritas, construiu-se a Figura 1, tomando-a como desenho básico para o planejamento da pesquisa. A Figura 1 apresenta a unidade estrutural de análise, a tríade de atores, ligados por setas bidirecionais, que indicam interconexão, interatividade, interdependência e interinfluência; e as unidades dinâmicas de análise, ou seja, os conteúdos transacionados, conforme as categorias selecionadas.  

A escolha da tríade como unidade de análise segue as afirmativas de Simmel (1950), Burt (1976) e Krackhardt (1996), já que ela possibilita análises, tais como formação de subgrupos (dois contra um) impossíveis na análise diádica. Significa, na prática da pesquisa, que é preciso coletar dados de pelo menos três atores que mantêm uma ligação mais forte e rotineira.

Sobre as unidades dinâmicas de análise, a proposição orientadora é que as duas categorias sociais, sinais de confiança e sinais de comprometimento, atuam como eixos atratores das categorias que caracterizam os estados de redes. Para este artigo selecionou-se a categoria governança (SFG). A proposição foi construída a partir das afirmativas das perspectivas da sociedade em rede e da perspectiva social de redes (Castellls, 1999; Nohria e Ecles, 1992; Granovetter, 1985), especialmente a afirmativa sobre o pano de fundo social presente nas redes (Granovetter, 1985).

 

Figura 1 - Proposta de modelo de estados de redes, a partir da tríade e das categorias que são os eixos organizadores
Fonte: elaborado pelos autores.

O modelo sugere que há sempre um estado de rede possível de ser captado (ou desenhado, ou percebido) a partir da investigação da presença/ausência das categorias que o definem, cujos conteúdos estão em fluxos entre os atores. Os eventos críticos, que ocasionaram mudanças na rede, podem ser considerados dando apoio aos diferentes estados da mesma rede.

Resumindo o caminho trilhado, a proposta é que os sinais de confiança e os sinais de comprometimento são eixos organizadores dos estados de redes, e que essas duas categorias somadas à SFG caracterizam o estado de rede.

3. Método

O estudo utilizou múltiplas fontes de coleta, conforme defendido por Yin (2010), como uma das maneiras competentes na explicação de fenômenos que se manifestam de variadas formas.

Para a investigação escolheu-se a região sul do Brasil, mais especificamente o Norte do Estado do Paraná, nos ramos de negócios da banana e da uva, por se tratar de um local com grande concentração de organizações do agronegócio nos setores de viticultura e de bananicultura e pela importância social e econômica na região, pois incluem várias organizações familiares.

A pesquisa foi desenvolvida com atores locais, iniciando pelos atores das duas associações escolhidas, capazes de responder sobre a presença das categorias do problema de pesquisa, e posteriormente incluindo outros sujeitos. Conforme o instrumento utilizado, foram definidos sujeitos específicos. Para as entrevistas os sujeitos são os líderes, atores antigos e ainda participantes dos grupos, pessoas que se destacam no negócio, técnicos de entidades de apoio; para os questionários, são os associados e não associados, fornecedores, secretários(as) das associações ou sindicatos; para as observações e acompanhamento são todos os sujeitos que estiverem nas reuniões, considerando as regras de tamanho e homogeneidade do grupo.

Para a coleta de dados de fontes primárias foram construídos três instrumentos. O primeiro instrumento é um roteiro para entrevista com questões abertas, para ser aplicado em atores de maior relevo, como líderes de grupo e atores mais antigos. O segundo é um questionário com afirmativas numa escala do tipo Likert, objetivando entrevistar o máximo possível de atores dos grupos. O terceiro é um roteiro de acompanhamento, para ser aplicado nas reuniões das associações.

A coleta deu-se por meio de entrevistas individuais, marcadas a partir dos dados cadastrais dos agricultores, os quais já se encontravam disponíveis para os autores. A quantidade de entrevistas seguiu o critério de saturação, ou seja, a coleta terminou quando os dados convergiram de tal forma que novas entrevistas não originariam novos dados.

O acompanhamento ocorreu por meio de participação em reuniões nos dois grupos (bananeiros e viticultores) e foi utilizado o critério de exaustão para o término da coleta. Os dados de fontes secundárias foram coletados nas organizações locais, como sindicatos, secretarias do governo, organizações de apoio, como a Emater, bibliotecas e jornais locais.

Para a análise dos dados das entrevistas, dos acompanhamentos e dos documentos utilizou-se o conjunto de técnicas denominado análise de conteúdo (BARDIN, 2008). Para os dados de questionários realizou-se uma análise de frequências e grupamentos.  

4. Análise dos resultados

4.1 Rede da Uva

O negócio da uva iniciou em 1992, no município de Bandeirantes (PR), localizado no sul do Brasil, com 13 agricultores unidos pela vontade de ampliar o pequeno negócio, surgindo a necessidade de trabalhar em conjunto, pois estavam diante de um mercado cada vez mais competitivo e inovador.

A análise das entrevistas indicou uma convergência expressiva nas categorias sociais investigadas neste trabalho. Amizade, união, companheirismo, dedicação, confiança e comprometimento foram elencados como elementos essenciais para a existência do grupo.

O mapa perceptual das relações entre os atores da rede da uva, gerado pelo software Ucinet, é mostrado na Figura 2. Conforme se verifica, existem alta densidade e dois líderes, que são os sujeitos 3 e 8 das entrevistas, sendo os mais indicados da rede.

Figura 2 - Mapa Perceptual das Relações dos Viticultores de Bandeirantes
Fonte: elaborado pelos autores.

Nos questionários, foram obtidas respostas de 30 sujeitos, de um total de 70 produtores. Os resultados estão apresentados na Figura 3, apenas com as respostas de concordância, pois elas oferecem a base de sustentação, ou não das proposições. Nas linhas encontram-se os totais de respostas de cada sujeito em cada categoria. Para o sujeito 1, o número 7/7 na categoria sinais de comprometimento indica que das sete afirmativas sobre a categoria, o sujeito escolheu as sete com a afirmativa A - “concordo fortemente”, ou a afirmativa B - “concordo”. Portanto, com o resultado de 7/7 se afirma que para o sujeito essa categoria tem forte presença.

As somas dos totais de respostas dos 30 sujeitos foram organizadas por categorias e apresentadas em resultados de frequência e percentual da soma das respostas A e B e somente da resposta A. Assim, observa-se um grau de concordância mais forte do grupo sobre cada categoria. Na coluna da categoria sinais de comprometimento, quando somadas as respostas A e B, obtém-se um percentual de 99,5% e frequência de 209 respostas de concordância A e B de um total de 210. Quando somadas apenas as respostas A, obtém-se um percentual de 74% e frequência de 155 respostas de concordância mais forte sobre um total de 210. O que indica que mesmo sendo consideradas apenas as respostas A de concordância mais forte existem sinais expressivos da presença e importância dessa categoria.

 

Figura 3 - Resultados das respostas de concordância dos sujeitos do grupo da uva.
Fonte: elaborada pelos autores.

Os dados sustentam as proposições de que as categorias confiança e comprometimento são os eixos organizadores do grupo dos viticultores, e que essas duas categorias, ao lado da categoria de governança, caracterizam o estado de configuração da rede, tendo uma governança bem estabelecida e resolvida. Portanto, esse negócio se configura em um desenho de rede que se chamaria de amadurecimento ou uma rede mais desenvolvida, com problemas resolvidos em suas diversas manifestações.

4.2 Rede da Banana

O negócio da banana iniciou-se em 1992, quando a Emater apresentou uma proposta aos pequenos produtores do município de Andirá (PR), com o objetivo de gerar nova fonte de renda. No início se reuniram 50 produtores, especialmente aqueles com perfil associativista e que se enquadravam na agricultura familiar. Durante 13 anos (1994 a 2007), a rede se organizou informalmente, chegando a ter 115 agricultores. Em 2008 foi fundada a Associação dos Produtores de Banana de Andirá e Região, Apbana, que começou com 40 associados.

Os dados documentais e relatos informais indicaram que existem problemas a serem resolvidos entre os atores, como vender os produtos de forma mais justa e organizada. As entrevistas convergiram de forma clara (e rápida, com apenas 4 delas já atingindo o critério de exaustão) sobre a importância das categorias sociais investigadas neste trabalho. A união, troca de informação, companheirismo, amizade, confiança e comprometimento foram elencados como elementos imprescindíveis para a existência do grupo.

O mapa perceptual das relações entre os atores da rede da banana, gerado pelo software Ucinet, é mostrado na Figura 4. Conforme se verifica, a densidade é menor quando comparada à rede dos viticultores, mostrando a presença de subgrupos, um ator isolado, com menos ligações, e a existência de dois líderes, que são os sujeitos 1 e 4 das entrevistas, que servem como ligação entre os dois subgrupos da rede.

 

Figura 4 - Mapa Perceptual das Relações dos Bananicultores de Andirá
Fonte: elaborado pelos autores.

Foram coletados dados de questionários de 20 sujeitos bananicultores, de um total aproximado de 50 produtores. Os resultados estão apresentados na Figura 5, apenas com as respostas de concordância, pois elas oferecem a base de sustentação do trabalho, conforme já se explicou na tabela anterior.

Na coluna da categoria sinais de comprometimento, quando somadas as respostas A e B obtêm-se um percentual de 90% e frequência de 126 respostas de concordância A e B de um total de 140. Porém, quando somadas apenas as respostas A, obtém-se um percentual de 77% e frequência de 108 respostas de concordância mais forte sobre um total de 140. O que indica que mesmo sendo consideradas apenas as respostas A de concordância mais forte existem sinais fortes da presença e relevância dessa categoria.

 

Figura 5 - Resultados das respostas de concordância dos sujeitos do grupo da banana.
Fonte: elaborado pelos autores.

Essa rede apresenta a característica que se chama de crescimento, ou uma rede que está buscando superar dificuldades financeiras, mas que mantém um bom vínculo social entre seus membros. A análise dos dados dos acompanhamentos segue a mesma linha conclusiva. União, amizade, confiança e comprometimento se destacaram como significativos elementos entre os sujeitos.  

Como conclusão dos acompanhamentos com os bananicultores, os dados sustentam as proposições de que as categorias confiança e comprometimento são os eixos organizadores do grupo, e que essas duas categorias, somadas à categoria de governança, caracterizam o estado de configuração dessa rede. Sobre o estado de configuração da rede, ela se caracteriza por certa desorganização, o que se chamar de uma rede com problemas a serem resolvidos. Ainda precisa estabelecer certo controle de venda dos produtos.

5. Considerações finais

O objetivo do artigo foi apresentar uma proposta conceitual sobre as categorias sinais de confiança e sinais de comprometimento serem eixos organizadores dos estados de redes. Definiu-se estado de redes como a configuração das relações entre os atores, em desenhos de sistemas que se modificam continuamente; sua base é composta pelas duas categorias já citadas, somadas à categoria dos sinais e formas de governança.

Em resposta à proposição orientadora deste trabalho, de que a confiança e o comprometimento são eixos organizadores dos estados de redes, pode-se afirmar que ela se mantém, pois ficaram expressos nos dados coletados os fortes laços sociais nos grupos, que orientam ações comerciais e técnicas, como na ajuda da colheita de um produtor.

Quanto a resposta à proposição secundária, de que as duas categorias já citadas, somadas à governança, caracterizam, ou configuram os estados de redes, em suas diversas manifestações, essa proposição igualmente se sustenta, pois as três categorias foram capazes de mostrar a configuração da rede, não tendo aparecido nos dados outras categorias, como custos, poder, ou resultados econômicos.

Foi desenvolvida uma proposta de um modelo de estado de redes a partir de uma metáfora com a figura de um átomo, conforme apresentado na Figura 1. O modelo sugere que há sempre um estado de rede possível de ser captado a partir das categorias que o definem. As figuras apresentadas foram construídas no software Geogebra, que permite inserir animação nas elipses, porém ainda não foi possível alimentar esses movimentos, exatamente na ideia de eixos e dos estados de redes deste trabalho. Quando as categorias centrais são mais fortes (os eixos), as categorias representadas nas elipses teriam que se aproximar mais desse centro, apresentando a ideia de eixo atrator e de configuração do estado da rede. Portanto, mesmo sem o movimento entrópico, a ideia do átomo conseguiu representar o eixo e o estado de configuração das duas redes.

O estado de rede dos viticultores está caracterizado por seu equilíbrio e solução de conflitos, por sua dinâmica bem mesclada de formalidade e informalidade, pela união de objetivos sociais e comerciais que se integram (não há conflitos de interesses) e rituais sociais e religiosos que ligam as pessoas de tal maneira que se torna difícil pensar em falta de confiança, ou de comprometimento no grupo. Já o estado de rede dos bananicultores está configurado de uma forma que apresenta certos problemas a serem resolvidos, como a venda da banana sem atravessadores, e que essa rede busca superar dificuldades financeiras. Os participantes mantêm um bom vínculo social, considerando os aspectos sociais como o mais relevante para o grupo.

O trabalho contribui para a ampliação dos conhecimentos sobre as bases das redes, ao lançar o conceito de estado de redes, com categorias que expressam predominantemente o relacionamento. A proposta se distingue dos objetivos de estrutura no sentido de posição na rede e dos trabalhos de história da rede.

Uma proposta para novas pesquisas em redes seria testar o modelo em redes que não fossem do agronegócio, como comparativo e discussão dos aspectos sociais em redes e mesmo em regiões diferentes, como investigar negócios localizados na zona urbana, usando como campo de pesquisa as associações de bairros e cooperativas financeiras, entre outros.  Haveria a possibilidade de nesses estudos surgirem eixos organizadores e categorias atratoras dos estados de redes.

Diante das propostas para futuras pesquisas, deve-se ressaltar que o modelo conceitual do trabalho sobre estados de redes, categorias sociais e eixos organizadores criou discussões, revisões de afirmativas da literatura, contribuiu com possibilidades metodológicas de desenvolvimento de instrumentos, cumprindo seu objetivo de investigar as bases das redes.

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1. Doutorando em Administração - Universidade Federal de Santa Maria- UFSM. Email: nilcamb@hotmail.com

2. Doutor em Administração e Professor da Universidade Paulista - UNIP . Email: ernesto.giglio@gmail.com

3. Mestranda em Administração - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Email:  gabibeltrame@hotmail.com

4. Mestrando em Administração - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Email: feliperavas@gmail.com


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 06) Año 2017

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