Espacios. Vol. 37 (Nº 37) Año 2016. Pág. 26

Implementação de orientação para o mercado e o desenvolvimento de capacidades de marketing: Um estudo exploratório em franquias de alimentação saudável

Implementation of market orientation and the development of marketing capabilities: An exploratory study in healthy food franchises

Marta BAUNGRATZ 1; Guilherme TREZ 2

Recibido: 10/08/16 • Aprobado: 02/09/2016


Conteúdo

1. Introdução

2 Referencial teórico

3 Método

4 Análise de resultados

5 Considerações finais

Referências


RESUMO:

O varejo é um contexto complexo, dinâmico pelo permanente contato com o público-alvo e no qual ainda se necessita conhecer mais profundamente fontes de vantagem competitiva. Este trabalho objetiva compreender o impacto da orientação para o mercado no varejo e explorar o potencial para a obtenção de diferenciais competitivos. Foram pesquisadas três franquias de alimentação saudável para se avaliar a implementação da orientação para o mercado e o desenvolvimento de capacidades de marketing. Os resultados indicam atenção em aspectos táticos e operacionais da estratégia do negócio, assim, dimensões de capacidades de marketing outside-in acabam por se tornar menos percebidas.
Palavras-chave: orientação para o mercado; implementação; capacidades de marketing.

ABSTRACT:

Retail is a complex context, the dynamic permanent contact with the target audience and which still need to know more deeply sources of competitive advantage. This study aims to understand the impact of market orientation in the retail and explore the potential to achieve competitive advantages. We surveyed three healthy food franchises to evaluate the implementation of market orientation and the development of marketing capabilities. The results indicate attention to tactical and operational aspects of the business strategy, thus marketing capabilities dimensions outside-in end up becoming less noticeable.
Keywords: market orientation; implementation; marketing capabilities.

1. Introdução

Atualmente, o maior acesso a informações, o crescimento e desenvolvimento da população economicamente ativa e os incentivos governamentais têm estimulado o ambiente de negócios, que, naturalmente, já é competitivo e, com esses e outros fatores, torna-se ainda mais. As companhias, em sua essência intrínseca de buscar resultados e rentabilidade, enfrentam o desafio de buscar uma diferenciação mais sólida e rica para a percepção do cliente a ponto de influenciar seu comportamento de compra. Dessa maneira, as empresas precisam se desafiar e ir além das alternativas de liderança integral em custo, diferenciação ou foco (PORTER, 1998).

Percebe-se que a orientação para o mercado atende a esses requisitos de diferenciação e tem ganhado destaque como meio de estabelecer vantagem competitiva (Kumar et al., 2011). Segundo Kohli e Jaworski (1990), a orientação para o mercado é definida como a geração organizacional de inteligência de mercado pertencente às necessidades        atuais e futuras do cliente, disseminação de inteligência entre os departamentos e capacidade de resposta da organização a respeito disso. Uma série de pesquisas como a de Oudan (2012) ou a de Homburg, Krohmer e Workman (2004), afirmam uma relação positiva entre a orientação para o mercado e a performance organizacional,            contudo essa inteligência e diferencial precisam chegar na ponta, ou seja, trazer valor no contato e experiência do cliente.

Na prática, para empresas business to business, nas quais o relacionamento com o cliente tem uma parcela significativa no processo de tomada de decisão e compromete mais tempo de negociação, a orientação para o mercado tem espaço para ser exercida pela força de vendas e percebida pelo consumidor final. Diferente de outros mercados e empresas business to customer – como o varejo, mercado típico transacional de contato direto com o consumidor –, em que não existe uma resposta clara se a orientação para o mercado pode ser efetiva.

Olhando para o varejo de característica de mercado mais transacional, identifica-se, que existem algumas lacunas internas nas organizações que contribuem para a ineficiência da estratégia escolhida ou a não sustentação dela a longo prazo. As empresas podem, apresentar dificuldade em encontrar a estrutura organizacional que melhor atenda às necessidades do seu negócio.

Nesse mesmo contexto, a relação de duas áreas importantes para a realização da estratégia, marketing e vendas pode ficar limitada. Entende-se que é em marketing que os esforços para o desenvolvimento de uma inteligência competitiva e de mercado acontece. Entretanto, se esse valor criado não é disseminado para os demais times de trabalho, não existe mais a chance de vantagem competitiva. O peso disso é ainda maior quando se trata da relação com as pessoas que estarão à frente da companhia e estabelecem o contexto direto com os clientes no varejo: os vendedores.

A conclusão de tantos pontos internos de falha, inevitavelmente, acarreta o distanciamento do negócio (oferta) com seu cliente (demanda). A performance então esperada decorrente da escolha de uma estratégia, em princípio, acertada, não foge de um resultado aquém do planejado.

Uma alternativa, já cada vez mais reconhecida e pesquisada, merece atenção por propor uma estratégia mais efetiva. A orientação para o mercado, segundo Day (1990), fomenta o desenvolvimento de capacidades superiores em entender e satisfazer clientes. Deshpandé, Farley e Webster (1993) colocam que é um conjunto de crenças que colocam o interesse do consumidor em primeiro lugar e, também, defendem que a orientação para o mercado é associada positivamente com performance superior. Para que essa orientação aconteça, é necessário avaliar quais capacidades de marketing serão mais trabalhadas e embasarão a proposta de valor diferenciado de cada organização.

Sob a perspectiva de um mercado mais transacional, como o varejo tradicional, mercado Business to Customer (B2C), fica mais desafiador enxergar claramente os benefícios dessa estratégia, implementada e desdobrada através dos times de vendas. Sheth (2011) abre essa discussão ao abordar as características do marketing em mercados emergentes e propor que nesses mercados os esforços de desenvolvimento do mercado, estratégias de criar ofertas acessíveis e opções mais econômicas, teriam uma relação mais forte com performance do que a orientação para o mercado. Ou seja, no varejo tradicional, caracterizado como um contexto de trocas transacionais, pode se verificar uma relação positiva entre a orientação para o mercado e performance?

Genericamente, a literatura de marketing sustenta que orientação para o mercado pode ser uma alternativa atrativa para negócios de característica transacional em contextos de elevada competição (Johnson et al., 2012). Mas é fundamental entender quais processos e iniciativas serão necessários para que seja efetiva a estratégia e, principalmente, mostre uma proposta de valor diferenciada para o cliente. Diferente de companhias Business to Business (B2B), que têm já em seu processo de vendas uma abordagem específica a ser trabalhada no momento de negociação com seus clientes e a oportunidade explícita de mostrar essa proposta de valor.

Esse entendimento se fará importante não só pela necessidade de que se tenha uma estratégia de mercado, mas ainda mais por existir um apelo por parte do mercado para que as empresas desenvolvam vantagens competitivas. Sendo assim, cria-se um ambiente de desenvolvimento mais rico em ofertas para o consumidor e mais sustentável para as empresas. Sabendo, então, da carência de informações que ajudem o mercado B2C a reconhecer os benefícios da orientação do mercado, este trabalho visa a responder a seguinte pergunta: Como as capacidades de marketing de empresas orientadas para o mercado se manifestam na oferta de uma empresa que atua no contexto B2C, de forma a criar um diferencial competitivo reconhecido pelo mercado?

Tendo em vista a competitividade atual, alguns estudos indicam alternativas de negócio para a sobrevivência das companhias em seus mercados de atuação. De acordo com a literatura emergente, a orientação para o mercado, caracterizada por Day (1990) como a apresentação de competências superiores  no que diz respeito a entender e satisfazer clientes, tem-se mostrado uma alternativa mais sustentável. Sendo assim, outros fatores que ajudam a compor esse quadro de sucesso no alcance de vantagem competitiva merecem ser estudados quando identificados em mercados mais transacionais, como o B2C.

Esta pesquisa visa a gerar informações para que se compreenda melhor o impactos da orientação para o mercado e os elementos que impactam positivamente a execução dessa estratégia no contexto de marketing transacional, mais especificamente no mercado varejista de alimentos naturais. Esse segmento de mercado é bem específico e tem apresentado elevados níveis de crescimento, a análise do mesmo se dará a partir da perspectiva da oferta – através dos franqueados – e do próprio consumidor. Essas informações, obtida a partir de um estudo de característica qualitativa atendem aos objetivos deste trabalho além de indicar áreas de oportunidade para pesquisas futuras.

2. Referencial teórico

A “orientação para o mercado”, segundo Oudan (2012), como termo e como processo, cresceu dos termos anteriores “filosofia de marketing” e “conceito de marketing”. Resgatando a história do conceito de marketing, o autor destaca Peter Drucker (1954) que argumentou que criar um cliente satisfeito era a única definição válida do propósito de negócio.

Por anos, se fez do conceito mais uma teoria do que uma prática de gerenciamento (Campbell, 1977; Lewin e Minton, 1986; Reynolds ,1986). Entretanto pesquisas a partir de 1990 vêm retomando o que é a orientação para o mercado e, principalmente, no que ela consiste. Segundo essa literatura, a orientação para o mercado significa competências superiores no entendimento e satisfação de clientes (Day 1990).

Desenvolvendo o conceito de orientação para o mercado, Kohli e Jaworski (1990) propõem uma visão processual composta  da geração organizacional de inteligência de mercado pertencente às necessidades atuais e futuras do cliente, disseminação de inteligência entre os departamentos e capacidade de resposta da organização a respeito disso. Day (1994) ainda agrega dois pontos de grande expressão no conceito de orientação para o mercado: desenvolvimento de capacidades e resultados de longo prazo. Um entendimento superior em perceber as necessidades dos clientes, ações competitivas (estrutura industrial e vantagem competitiva) e tendências de mercado permitem uma empresa orientada para o mercado identificar e desenvolver capacidades que são necessárias e serão superiores, para uma performance positiva de longo prazo (DAY, 1994).

Por fim, a visão de Narver e Slater (1994) enfatiza a questão da cultura interna que se estabelece nas companhias. A orientação para o mercado é uma cultura de negócios com foco externo que faz da criação de valor superior para compradores sua prioridade máxima (SLATER; NARVER, 1994).

Diversos estudos, como Rodney Oudan (2012), encontram a relação positiva da orientação para o mercado com resultados, conforme proposto por Kohli e Jaworski (1990) - quanto maior a orientação para o mercado em uma organização, mais alta a performance do negócio. Nessa trilha de pesquisa, Kirca et al. (2005) sistematizam em uma meta análise  diversos estudos e oferecem sustentação às proposições de Kohl e Jaworski (1990)  e Narver e Slater (1990): que a desempenho superior é resultado da orientação para o mercado.

Kumar et al. (2011) afirmam que o dinamismo no ambiente de negócios causado por uma série de fatores desafia a habilidade de grandes gerentes a compreender e responder às mudanças do mercado precisamente. Com estes recentes estudos de Kumar et al. (2011), foi possível verificar que, no período de nove anos, coberto pelos dados da pesquisa, mais empresas se tornaram orientadas para o mercado durante esse período (1997-2005) e que a orientação para o mercado tem uma influência positiva nas vendas e lucros em curto ou longo prazo. Mais importante: eles mostram que, embora a adoção da orientação para o mercado mais cedo tenha sido a fonte de uma vantagem competitiva única para uma empresa, isso agora se tornou o custo de fazer negócios. Os primeiros a adotarem essa estratégia de criação de valor conseguem ter uma vantagem competitiva superior aos demais seguidores, que absorvem essa necessidade como fundamental para a sobrevivência no mercado.

Na perspectiva do contexto competitivo, uma posição vantajosa duradoura é valiosa. Segundo Kumar et al. (2011), a orientação para o mercado deveria ser vista como um recurso para navegar em tempos turbulentos. Fatores externos podem enfraquecer a relação da orientação para o mercado com uma forte vantagem competitiva. Porém uma estratégia estruturada para facilitar a reação versus as mudanças do mercado se faz sustentável, em termos de vantagem competitiva, a longo prazo. Essa posição é alcançada pelas empresas que, ao adotarem uma maior orientação para o mercado, desenvolvem capacidades distintivas de marketing resultantes, e que retroalimentam essa estratégia (DAY, 1994).

Todavia, o desenvolvimento de capacidades de marketing é parte importante e antecedente à vantagem competitiva. Capacidades são conjuntos complexos de habilidades e conhecimento acumulado, exercidos através de processos organizacionais que permitem às empresas coordenar atividades e  fazer uso de seus ativos (TEECE; PISANO; SHUEN, 1991). Segundo Day (1994), capacidades de marketing são manifestadas nas empresas orientadas para o mercado em atividades típicas de negócios como execução da ordem, desenvolvimento de novos produtos e entrega de serviços. As oportunidades de otimização e criação de valor para o cliente estão em diversas áreas e atividades cotidianas de uma organização.

Processos organizacionais e capacidades estão fortemente ligados, já que é a capacidade que possibilita o andamento e fluxo de um processo, por isso uma unidade de negócio terá quantos processos forem necessários para sustentar seu core business, que, por sua vez, é definido a partir de fatores-chave essenciais para o sucesso da operação no mercado (DAY, 1994). Por sua vez, fazendo parte do business as usual das companhias, a gerência pode encontrar dificuldade de identificá-las.

Capacidades se diferem de ativos de uma maneira que a elas não pode ser atribuído valor monetário, como pode a uma planta ou equipamento tangíveis, e são tão profundamente incorporadas nas rotinas e práticas organizacionais que elas não podem ser negociadas ou imitadas (DIERKX; COOL, 1989). Dessa maneira, as capacidades mostram ser uma alternativa de desenvolvimento de valor agregado e vantagem competitiva sólida, que, por não serem copiadas pelos concorrentes, ajudam a alcançar uma posição, de certa maneira, estável no mercado.

Assim como os processos, as companhias deterão a quantidade necessária de capacidades para manter seus processos. Mas, para Day (1994), algumas serão feitas adequadamente, outras precariamente, mas algumas deverão ser superiores se o negócio precisa se sobressair frente à concorrência. Essas são capacidades distintas que suportam uma posição de mercado que é valiosa e difícil de alcançar. Outro atributo das capacidades distintas é que elas são robustas e podem ser usadas de maneiras diferentes para acelerar a adaptação de uma empresa no ambiente de mudanças (BOYNTON; VICTOR, 1991, PRAHALAD; HAMEL, 1990).

Todavia são incontáveis as capacidades que podemos encontrar em cada indústria ou reconhecer em algumas companhias. Porém, para empresas orientadas para o mercado, pode-se classificar as capacidades em três categorias, que, segundo George Day (1994) são:

  1. Inside Out: aquelas que são estabelecidas de dentro para fora e ativadas por requisitos do mercado, desafios competitivos, e oportunidades externas;
  2. Outside In: aquelas cujo ponto focal geralmente está fora da organização com o propósito de conectar os processos que definem as capacidades organizacionais ao ambiente externo que possibilite o negócio competir através da antecipação de requisitos do mercado antes da concorrência, criando-se relacionamento durável com clientes, membros de canais e fornecedores;
  3. Spanning:aquelas necessárias para garantir a integração e sinergia das inside out e outside in.

As organizações orientadas para o mercado têm foco maior nas capacidades outside in, como percepção de mercado e vínculo com cliente. Contudo os processos que suportam essas capacidades são gerenciados com excelência que gera um discernimento de valor para direcionar as demais capacidades (spanning e inside out).

De tantas capacidades, no cenário de orientação para o mercado, a capacidade de perceber o mercado e suas necessidades é a mais fundamental. Para Day (1994), toda discussão de orientação para o mercado enfatiza a capacidade de uma empresa em aprender sobre clientes, concorrência e membros de canais a fim de, continuamente, perceber e agir nos eventos e tendências no mercado presente e futuro.

A orientação para o mercado talvez seja a aspiração de muitas organizações, mas essas nem sempre conseguem sustentar essa orientação por subestimarem o quão difícil é fazer essa mudança de foco para preocupações externas. Para ter alguma chance de sucesso, programas de mudança terão que condizer com a magnitude de uma transformação cultural (DAY, 1994).

Além de continuar olhando para outras capacidades, produtividade e concorrentes, é preciso dar atenção ao contexto organizacional que se formará. Como defendem Narver e Slater (1990), um dos componentes de comportamento de empresas orientadas para o mercado é a coordenação interfuncional, que já aparece no desenvolvimento das capacidades de marketing com a intenção de enfatizar a importância do uso coordenado dos recursos da empresa para criar valor para o cliente.

Atualmente, uma empresa pode ser caracterizada por seus valores e princípios, entretanto, superior a isso, a empresa carrega com sua marca uma cultura organizacional que compreende esses e muitos outros pontos. Para organizações orientadas para o mercado, é mais forte ainda a relação entre o sucesso das iniciativas para a geração de valor e a cultura organizacional que é disseminada. Deshpandé e Webster (1989), e depois Davis (1984), definem cultura como o modelo de crenças e valores compartilhados que dá aos membros de uma organização sentido e fornece-lhes as regras de comportamento.

Se hoje estratégias tendem a ser formadas a partir de um processo mais colaborativo, interativo e dialogado com clientes internos e entendendo clientes externos, a estrutura tende a ser decisiva para que a disseminação de informações e a tomada de decisão aconteçam por toda a organização. Como já foi citado nos conceitos de orientação para o mercado, tanto a disseminação da inteligência competitiva criada quanto a aplicação coordenada de recursos interfuncionais acabam por natureza dependentes da estrutura organizacional (KOHLI; JAWORSKI, 1990; NARVER; SLATER, 1990). E, agora, mais do que nunca antes, é o cliente que orienta a organização (DAY, 1999). Contudo alcançar a estrutura certa não vai por si só assegurar o desempenho da orientação para o mercado, ainda mais porque uma cultura orientada para o mercado, capacidades, sistemas de controle e processos de pensamento estratégico são necessários também (DAY, 1998).

Como percebido, a integração entre áreas funcionais da estrutura organizacional é uma premissa para a implementação de uma cultura de orientação para o mercado. A integração dessas das áreas de marketing e vendas é ainda mais presente nas empresas que buscam a orientação para o mercado como alternativa para responder ao ambiente competitivo de negócios. Pois bem, tendo em vista a importância da força de vendas como ferramenta de marketing, claramente, coordenadas, as funções de marketing e vendas  podem melhorar as atividades desenvolvidas por áreas funcionais (ROUZIÈS et al., 2005). Esse componente está presente desde as definições de orientação para o mercado de Narver e Slater (1990)
 e Slater e Narver (1994), que conceituaram a orientação para o mercado como consistindo de três componentes – orientação para o cliente, orientação para a concorrência e coordenação interfuncional. Da mesma maneira, Day, descrevendo organizações orientadas para o mercado, enfatiza que a coordenação interfuncional e o compartilhamento de informações são necessários para trabalhar colaborativamente com clientes (DAY, 1994).

Contudo para Kotler, Rackham e Krishnaswamy (2006), em muitas companhias, a força de vendas e o time de marketing briguem como Capuletos e Montéquios – com resultados desastrosos. Em suas pesquisas, os autores perceberam quatro tipos de relacionamento, que mudam de acordo com a maturidade da companhia em relação às suas funções. São eles: Indefinido, Definido, Alinhado ou Integrado. Essa classificação pode ajudar a cooperação a enxergar seu estágio atual e aonde faz sentido chegar com o relacionamento dessas áreas afins. Independente da posição, fica clara a necessidade de se estabelecer algum tipo de relacionamento. Uma coordenação pobre entre marketing e vendas aumenta os custos do mercado de entrada, alonga os ciclos de vendas e aumenta o custo de venda (KOTLER; RACKHAM; KRISHNASWAMY, 2006).

3. Método

O fato de pesquisas anteriores não cobrirem de forma ampla as questões objetivadas na introdução, no contexto das relações transacionais em contexto de varejo, indica a oportunidade de uma pesquisa exploratória que permita a melhor compreensão do tema pesquisado.

Sendo a escolha dos participantes da pesquisa feita sob o entendimento e julgamento do pesquisador, no caso deste trabalho, teremos uma amostragem não-probabilística definida por cotas, a fim de fazer um levantamento do mercado (GIL, 1989). As três empresas com modelo de negócio de franquia do nicho de alimentação saudável que participaram da pesquisa foram escolhidas mantendo esse critério de julgamento, bem como os três profissionais das suas áreas de vendas, ou seja, os franqueados. Também os consumidores de cada uma das respectivas franquias

A seleção dos consumidores para participação na pesquisa partiu de um critério de compra frequente (classificados como heavy users). O quadro abaixo apresenta as caracterização dos participantes da pesquisa por franquia estudada.

Franquia

Descrição do Negócio

Tipo de Produto

Entrevistado na franquia

N° Clientes Entrevistados

Franquia A

Franquia especializada na comercialização de alimentação saudável

Sucos naturais e/ou terapêuticos, pratos quentes, wraps, lanches

Franqueado e responsável pela operação

4

Franquia B

Sucos naturais, smoothies, pratos quentes, lanches

4

Franquia C

Sanduíches naturais com molhos especiais

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Quadro 1: Entrevistados

Malhotra (2004) já sugeria em seus estudos, para pesquisas exploratórias, um processo de pesquisa mais flexível e menos estruturado, de mostra mais simples, com coleta qualitativa de dados primários, permitindo ao pesquisador usar de sua criatividade e estar alerta a novas ideias que possam atender melhor a seus objetivos. Observando o que foi objetivado para esta pesquisa, os métodos de entrevista qualitativa, em profundidade, e observação se fazem as melhores alternativas para se chegar a dados necessários.

Para esta pesquisa, de modo a garantir que as informações necessárias para análise foram coletadas durante as entrevistas, foram feitos roteiros semi-estruturados para guiar a entrevista. A ordem usada para as entrevistas foi, primeiramente, entrevistar os respectivos franqueados usando um roteiro de 10 perguntas. Estas entrevistas, por precisarem de uma disponibilidade de tempo dos franqueados para a coleta de dados, foram agendadas com antecedência para coleta presencial. Consecutivo a este passo, foram feitas as entrevistas com os clientes das franquias a partir de perguntas igualmente pré-estabelecidas, assegurando que o que mudaria seria a interpretação das pessoas e suas respostas, mas não as perguntas a elas feitas. Também outros dados oficiais dos sites das companhias foram usados para análise, contudo, não demandaram nenhuma metodologia específica. Observa-se que, ao todo, foram feitas 21 entrevistas, todas presenciais, em profundidade. Dentre elas, três franqueados e dezoito consumidores.

Para melhor trabalhar com tais informações, esta pesquisa utilizou da análise de conteúdo como técnica de análise de conteúdo para descrever as informações sob diferentes aspectos com a intenção de otimizar suas interpretações (Berelson, 1952). Bardin (1979) ainda complementa a orientação em relação ao uso da técnica destacando em três fases de desenvolvimento: pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados, interferência e interpretação.

4. Análise de resultados

Os resultados da pesquisa são apresentados a partir das evidências percebidas no contexto das franquias que são relacionadas às características objetivadas com o presente estudo. Dessa forma, a organização do capítulo apresenta a resposta ao problema propostos inicialmente.

4.1. Orientados para o Mercado

Para atender um dos grandes objetivos da pesquisa, entender como a cultura de orientação para o mercado é implementada dentro de organizações que operam em contextos de troca transacionais, primeiro é preciso entender: essas empresas são orientadas para o mercado?

No caso desta pesquisa, as franquias como um todo têm, genericamente, uma proposta de valor na oferta objetiva e simples: alimentação saudável. Porém, como os clientes entendem, captam essa proposta? Dadas as informações coletadas, ainda que as Franquias A, B e C tenham relacionamentos diferentes com suas centrais e recebam suportes de marketing diferentes, suas estratégias são comunicadas com efetividade para os maiores interessados: os clientes. Importante observar que o fato de a proposta de valor naturalmente já estar clara não necessariamente significa que os consumidores vão associar a marca e seus produtos a essa proposta. Os consumidores entrevistados, em vários casos, quando questionados do por quê retornam várias vezes ao estabelecimento e não vão a outros, citavam diferenciais totalmente ligados ao que os franqueados acreditam ser seus diferenciais.

Para o cliente da Franquia A, o diferencial é o cardápio variado que dá a oportunidade de sempre escolher algo diferente. Além disso, os sucos e os pratos em geral que vêm com bastante salada e porções que saciam. O depoimento de uma consumidora ajuda a representar alguns deles:

“ É natural, é gostoso e vem em uma porção que satisfaz. Outra coisa é que o frango vem quentinho. Então, tem uma parte da refeição que é quente, porque, às vezes, acho que falta (nos demais restaurantes) e que é só salada. Além disso, os pratos são menos calóricos”.

Considerando o cliente da Franquia B, o que faz a diferença é a praticidade, seja da localização ou dos pratos, que levam o apelo da comida saudável em geral. Uma das clientes, em entrevista, menciona que, ainda que esteja pagando mais caro consumindo esse lanche saudável e pudesse pagar mais barato em outro fast food, vale a pena por ser uma comida mais saudável. Observa-se que os clientes desta franquia foram os únicos que mencionaram preço alto, mas que, nas suas avaliações vale o custo-benefício. Outro cliente ainda se diz cliente regular da franquia e gosta consumir os pratos para se “desentoxicar” um pouco:

“(O diferencial que me faz voltar) É mais esse apelo do natural, sem tanta fritura, sem tanta gordura, que não é tão comum na cidade. A gente está muito acostumado com fast food, e eu gosto, mas chega uma hora que é um pouco demais. ‘Aí tu quer’ dar uma desintoxicada, e parece muito bom vir aqui dar uma desintoxicada”.

Já, para o cliente da Franquia C, poder enxergar os alimentos antes de escolhê-los, bem como acompanhar seu preparo de perto são detalhes que fazem a diferença. Esta, comparada às demais franquias aqui estudadas, é a franquia que apresenta um modelo de negócio muito mais próximo dos tradicionais fast foods no que diz respeito a rápido atendimento, e isto foi um fator citado em entrevista:

“(Considero-me um cliente satisfeito) Pelo frescor dos alimentos e pela rapidez de ser atendido”.

Observa-se que as franquias, apesar de terem a mesma proposta de valor, são lembradas por diferenciais distintos. Retomando o fato de receberem suporte de marketing diferentes, a Franquia A tem agência disponível para fazer as peças e materiais do ponto de venda que precisarem e, também, qualquer franqueado pelo Brasil tem acesso aos materiais feitos para uma franquia específica, viabilizando a troca de práticas. O Franquia B recebe materiais prontos para o ponto de venda e não tem materiais específicos por franquia. Por fim, a Franquia C tem campanhas nacionais e um forte investimento de mídia pelo Brasil. Neste caso, deve-se considerar que o porte da Franquia C é bastante superior às demais, implicando maiores investimentos institucionais relacionados à marca. Contudo, independente do investimento ou de ter mais/menos suporte de marketing, o que está sendo feito por parte das franquias, está apresentando resultados efetivos. Verifica-se que os clientes observam, experienciam e compreendem a proposta de cada uma das marcas.

Outro ponto importante que, segundo Kohli e Jaworski (1990), caracteriza a empresa orientada para o mercado é a capacidade da organização de gerar, disseminar e usar informações sobre clientes e concorrentes. Todavia esse viés apareceu em poucos momentos durante a pesquisa. Observa-se que os franqueados não recebem informações de mercados e concorrência e, ao receberem algum subsídio para análise competitiva (caso da Franquia C), não aparentam ser estimulados a cultivar a inteligência competitiva do negócio. Nesse aspecto se evidencia uma primeira lacuna na forma de implementação da orientação para o mercado e o desenvolvimento de capacidades de marketing nesse contexto: oportunidade por parte das centrais das franquias para que disseminem as informações e ofereçam meios de monitoramento das necessidades e expectativas dos consumidores.

Percebe-se que o entendimento dos franqueados em relação à concorrência é por percepção empírica, intuitiva, a partir da atenção aos movimentos de mercado mais próximos, ou seja,  das outras empresas que atuam no mesmo segmento de alimentação.

Por fim, avalia-se que as empresas aqui estudadas são moderadamente orientadas para o mercado. Entretanto não parece ser o seu marketing, sua inteligência de mercado ou seu esforço de comunicação que justifica o entendimento tão esclarecido do consumidor final.

4.2. Conhecem suas Capacidades Distintas

Como foi apresentado no referencial teórico, capacidades são conjuntos complexos de conhecimento acumulado, são manifestadas em atividades típicas de negócio e têm forte relação com os processos organizacionais (TEECE; PISANO; SHUEN, 1991; DAY, 1994). Pode-se entender, principalmente, a partir das entrevistas com franqueados, que, no caso do mercado transacional, essas capacidades estarão extremamente ligadas aos processos core da empresa. Isso se confirma observando as capacidades distintas mencionadas pelos franqueados das franquias, que giram em torno de: domínio das técnicas-padrão de manuseio e preparo dos alimentos, e atendimento com excelência do cliente. Essas capacidades foram as mesmas citadas quando, posteriormente, os mesmos foram questionados sobre quando acreditam que a força de trabalho do restaurante/lancheria mais vivencia a proposta de valor da empresa no dia a dia. De alguma maneira, isso demonstra o quanto é estreito o vínculo dos processos mais importantes para a empresa com aquilo que acreditam ser seus pontos fortes. Observa-se que não existem diferenças significativas entre as franquias pesquisadas nesse quesito.

Até aqui, analisa-se uma forte correlação da realidade com a teoria de Day (1994) estudada. No entanto, a partir do entendimento da classificação existente para as capacidades distintas – outside-in, spanning, inside-out –, o autor afirma que as organizações orientadas para o mercado têm foco maior nas capacidades outside-in, justamente por, teoricamente, ajudarem no desenvolvimento de uma inteligência de mercado. Isso posto, pode-se ver uma realidade transacional a partir das empresas aqui estudadas e suas capacidades distintas previamente citadas um pouco mais próximas das capacidades spanning. Para esse mercado mais transacional, faz sentido uma aproximação entre as capacidades outside in e spanning, traduzindo em processos e rotinas a proposta de estabelecimento de um diferencial competitivo específico.

Algo que pode ser uma dificuldade para algumas companhias, a identificação das suas próprias capacidades distintas, não foi o caso das aqui avaliadas. Tais capacidades foram, inclusive, citadas com muita convicção por parte dos responsáveis pelo negócio das Franquias A, B e C. Destaca-se que os franqueados das empresas foram a fonte de informação para identificação das capacidades distintas, e entende-se que, como seus papéis estão diretamente ligados ao andamento do negócio, isso pode ter tendenciado as capacidades para uma característica mais spanning. Ou seja, existe o risco de as respectivas centrais não terem a mesma visão sobre as capacidades das franquias, todavia o que acontece na prática, que é a informação que deve ser considerada aqui, está sendo avaliado na análise e confrontado com a teoria.

Entretanto, de que vale saber quais capacidades são distintas e não as desenvolver? Como avaliação mais geral, pode-se entender que todas as franquias desenvolvem adequadamente suas capacidades distintas. E isso é fundamental, já que estas precisam ser feitas com singular excelência para que possam complementar possíveis gaps deixados em outros pontos característicos da orientação para o mercado e que não estão maduros nas franquias. É possível concluir, portanto, com as informações recebidas, que as capacidades são desenvolvidas de maneira distinta ao modelo apresentando por Day (1994).

Segundo observação e informações coletadas, o meio usado para fortalecer e manter as capacidades nas franquias pesquisadas são dois: treinamentos e senso de comprometimento. Os treinamentos, uma prática mais profissional nas organizações, são mantidos com recorrência diferentes nas três franquias estudadas, mas, em todas existe um conteúdo focado nas práticas e técnicas usadas para preparo do alimento, e no padrão e na abordagem de atendimento ao cliente. Na Franquia A, são feitas reciclagens moderadas pela central, anualmente, com toda a equipe no local de trabalho, bem como treinamento inicial sobre técnica de atendimento e, fora isso, algumas informações são dispostas no espaço online dos franqueados. Nesse caso, existe a oportunidade de disponibilizar materiais adicionais em algum espaço para todos os funcionários da rede das franquias. Para a Franquia B, são feitos alguns eventos reunindo algumas pessoas das equipes de todas as franquias para ser feita a reciclagem a respeito das técnicas de atendimento ao cliente, e estes participantes se responsabilizam por disseminar a informação na franquia em que trabalham. Conjuntamente, é feito treinamento inicial sobre técnicas de preparo e  mantém-se sistema de auditoria da central (o representante da central pode vir sem agendamento prévio para avaliar uma série de quesitos). Tanto na Franquia A quanto na Franquia B não existem materiais disponíveis a todos os funcionários. Enfim, no caso da Franquia C, a situação já é diferente. Segundo o franqueado entrevistado, os funcionários têm treinamentos, palestras com gerentes e treinamentos online, através da Universidade Online da Franquia C. A franquia local não depende da disseminação exclusiva do franqueado ou das reciclagens das centrais, mas consegue difundir suas práticas e treinar seus funcionários de uma maneira mais recorrente através da ferramenta online.

Do segundo meio usado, senso de comprometimento, observa-se que as franquias com maiores fragilidades no que diz respeito ao desenvolvimento das capacidades distintas da empresa  precisam contar com um grande comprometimento do franqueado em relação à execução do negócio e à orientação dos funcionários. Esse comportamento é trabalhado como uma alternativa e/ou complemento à manutenção do padrão técnico da operação.

Para alavancar o desenvolvimento das capacidades distintas, nestas organizações mais transacionais, será exigida, como Narver e Slater (1990) destacam, diferenciação em coordenação interfuncional, otimizando o processo operacional e integrando a ele a excelência no atendimento ao cliente.

4.3. Relacionamento Central e Franqueado

Neste contexto de franchising, a estrutura organizacional já é bem estabelecida e formada. Entende-se que as responsabilidades de marketing ficam a cargo da central, e as responsabilidades de vendas a cargo do franqueado e seu time. No capítulo anterior, Day (1999) ainda reforça a necessidade de integração entre ambas as áreas – marketing e vendas –, a fim de otimizar a performance do negócio. Portanto escolheu-se justamente um ambiente especialmente sensível no quesito: relacionamento marketing vendas vs performance.

No caso da Franquia C, o relacionamento com a central é organizado, alinhado e colaborativo. Com uma estrutura que conta com “Desenvolvedores de Área”, os franqueados da região conseguem contar com suporte rápido e que atende as necessidades da franquia. No entanto duas franquias em especial, talvez por apresentarem um nível de maturidade com a estratégia de orientação para o mercado um pouco menor, têm relacionamentos classificados como definidos, segundo teoria de Kotler, Rackham e Krishnaswamy (2006), mas com oportunidades. Segundo a franqueada da Franquia A, a franquia teve um pouco de dificuldade de comunicação no início das operações, mas hoje já mantém um relacionamento mais colaborativo com eles.

“Nós temos refeições grandes e o público parece que não enxerga. Estas problemáticas nós passamos para eles e a gente começa a ver a melhor maneira de divulgar. É fundamental o apoio e o diálogo.”

Percebe-se, ainda, que a central tem uma tolerância e flexibilidades quanto às diferentes necessidades de cada franqueado, já que a demanda é diferente inclusive dentro de filiais do mesmo Estado. A franqueada fala que outra filial aqui do estado vende mais saladas do que ela, que vende mais wraps em sua filial. A importância da central em tentar integrar essas influências multiculturais é diretamente ligada ao conceito de Kumar et al. (2011), estudado na fundamentação.

O relacionamento entre a central e a franqueada entrevistada da Franquia B também tem oportunidades, mas um pouco mais, talvez, que as demais franquias. Observa-se que é importante não generalizar para a rede como um todo, já que foi estudado o caso de uma filial apenas. Porém o material coletado é valioso para análise neste trabalho. Segundo a franqueada entrevistada, o relacionamento com a central é “desgastado”. As informações coletadas mostram que as tentativas de aproximação da realidade dos franqueados por parte da central acabam não se concretizando, o que dá margem para as reclamações. Um exemplo trazido na entrevista foi sobre o novo cardápio que terão. Inicialmente, a central trouxe a oportunidade de cada franquia poder escolher o que ter no cardápio, já que tem domínio do seu público. A ideia foi bem aceita, entretanto, posteriormente, os franqueados receberam e-mail avisando que teriam de vender toda a gama de produtos. O franqueado não tem nem poder de decisão sobre os produtos que são expostos nas testeiras – painéis luminosos internos com fotos de alguns produtos – da franquia. Observa-se que o ponto do exemplo não é identificar quem está certo, mas, sim, salientar o perceptível desalinhamento que prejudica o relacionamento, não engaja as partes e afasta o ambiente colaborativo necessário entre central e franqueado.

Essas oportunidades precisam ser devidamente identificadas e esclarecidas para todas as partes, para que se tome ação em cima disso, com o intuito de prevenir que tais fatores não agreguem mais complexidade e desafios no ambiente transacional. Ou pior, prejudiquem a percepção de valor do cliente. A central das franquias, nesta situação, precisa enxergar o papel de engajar mais os franqueados, dando o devido suporte e migrando para um relacionamento alinhado e, posteriormente, integrado. A probabilidade de uma maior cooperação gerar resultados efetivos para a empresa é significativa.

4.4. Vantagem Competitiva

Tendo avaliado diferentes perspectivas, evidenciando um fato – as empresas são relativamente orientadas para o mercado –, vendo as semelhanças e as oportunidades entre as franquias, pode-se assumir que: por mais que esse negócio seja transacional, por mais que existam grandes e representativas oportunidades, os clientes entendem a proposta de valor que todas as empresas pesquisadas oferecem e seus diferenciais, manifestam-se satisfeitos. O objetivo de atender as necessidades dos consumidores é alcançado, mesmo que a Franquia A, B e C estejam em estágios diferentes de adoção e maturidade da estratégia de orientação para o mercado.

Em outras palavras, comprova-se a proposição de Kumar et al. (2011), em que, independente do estágio de adoção da orientação para o mercado, existe vantagem competitiva, ou seja, perspectiva de performance positiva do negócio. Porém é o gerenciamento dos fatores ambientais (turbulência tecnológica e do mercado, intensidade da concorrência) ao longo do tempo que é facilitado pela adoção da estratégia. Esse modelo também indica que quanto antes a empresa aderir à estratégia de orientação para o mercado, mais cedo construirá com uma vantagem competitiva em relação às demais companhias. O autor coloca a adoção da estratégia como fator de sobrevivência no mercado, o que realça a orientação para o mercado como estratégia atraente de sobrevivência e ganho de vantagem competitiva para o mercado transacional.

Nesse sentido, nos casos estudados, e, talvez, nos mercados mais transacionais, faça sentido desenhar algo diferenciado, dado o fato de que os gaps das companhias que não têm adoção completa da orientação para o mercado podem agravar os fatores ambientais. E, além disso, podem colocar em risco o ganho de performance e vantagem competitiva como um todo.

Mas que gaps são estes? No presente trabalho, estuda-se que a orientação para o mercado não é uma variável única. É, sim, resultado de uma série de fatores correlacionados como: identificação e desenvolvimento de capacidades distintas de marketing, estrutura organizacional e relação e dispersão de influência entre marketing e vendas. A partir dessa combinação de fatores, é maximizado o potencial de ganho de performance e criação de vantagem competitiva no mercado. Portanto, para as empresas que não aderem internamente a todos os fatores citados e não os gerenciam de forma coordenada, pode-se enxergar um ganho ou vantagem que não será sustentável ao longo do tempo. E são as lacunas de uma adesão parcial da estratégia que, além de a empresa não poder contar com estes recursos para melhor gerenciar os fatores ambientais já naturalmente existentes e fora do seu controle, podem repercutir de tal maneira, interna e/ou externamente, a ser por si só uma complexidade adicional a gerir.

Distinto do modelo teórico de Kumar et al. (2011), propõe-se que, além de estar em um estágio não completo da adoção da estratégia de orientação para o mercado e/ou ter aderido a ela tardiamente e, por isso, estar menos madura para que tal estratégia ajude a empresa a gerenciar os fatores ambientais, a companhia precisa gerenciar os gaps que ainda têm internamente. Sendo assim, a companhia nos estágios inicial e médio tem fatores ambientais externos, já previstos por Kumar et al., e fatores ambientais internos.

Essa perspectiva ora proposta, expõe que os gaps, na formação da estratégia para orientação para o negócio, destaca a necessidade de esforço de gerenciamento que se reduz à medida que a empresa adere mais ao conjunto de fatores da estratégia.

As empresas pesquisadas, embora o tempo de mercado de cada uma seja variado, enxergam que a proposta de valor da sua empresa e o que oferecem permitem que alcancem resultados diferenciados combinados à satisfação do seu público alvo. Sendo assim, acreditam que têm vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes.

As empresas do mercado transacional apresentam características mais voltadas a execução do negócio (em relação a outras que enfatizam a proximidade e o relacionamento com o cliente)  e, por isso, precisam “tangibilizar” as ações estratégicas para que consigam avaliar de alguma forma o retorno.

Aparentemente, sem muito esforço e coordenação, as empresas pesquisadas já conseguem provar dos benefícios da utilização das diretrizes de orientação para o mercado como estratégia proposta pelas franqueadoras. A análise sugere que nem todas as iniciativas da orientação para o mercado são adotadas pelas franquias. Sendo assim, qual seria o resultado caso essas empresas aumentassem e alinhassem seus esforços para tal estratégia? Quais outros complementos na teoria deveriam ser feitos para atender este mercado? Quais seriam suas vantagens competitivas? De fato, este trabalho deteve-se à sua característica exploratória, mas o caminho para estudos futuros existe.

5. Considerações finais

Tendo em vista o objetivo traçado para este trabalho – de analisar como as capacidades de marketing de empresas orientadas para o mercado atuam para construção de diferencial competitivo no ambiente transacional –, observa-se que foi alcançado através das entrevistas feitas com franqueados e consumidores, e demais informações coletadas.

A clareza em identificar as capacidades distintas de marketing por parte dos franqueados, de acordo com as entrevistas, já é parte fundamental para que as mesmas sejam bem desenvolvidas na equipe de trabalho. As capacidades citadas (domínio das técnicas padrão de manuseio e preparo dos alimentos; e atendimento com excelência do cliente) têm profunda relação com os principais processos internos da empresa. Tal fato pode ser considerado característico do ambiente transacional, no qual o produto tem papel indispensável e dominante, e, por isso, as capacidades se apresentam tão próximas dele. Por outro lado, deixa clara a oportunidade de que as franquias estudadas trabalhem as capacidades mais intrínsecas das empresas orientadas para o mercado, como a geração de inteligência de mercado a partir do monitoramento das necessidades dos clientes.

A integração entre áreas, para as Franquias A e B, é suficiente para que isso não se torne um complicador e afete a experiência do cliente. Esta relação poderia ser fator chave para as empresas, tornando ainda mais intangível ainda mais sua vantagem competitiva.

O relacionamento entre central e franqueado, de modo geral, pode ser a variável mais sensível neste modelo de negócio. Porém, por outro lado, é a variável que pode fazer mais diferença na “profissionalização” da orientação para o mercado como estratégia para tal mercado, uma vez que pode direcionar os esforços das áreas para maximizar o desenvolvimento das capacidades distintas, geração de inteligência de mercado e disseminação dessa informação. No caso desta pesquisa, comprova-se a necessidade da orientação para o mercado sob um olhar mais processual – no qual o resultado depende de alguns outros pontos – para ganhar força. Isto é, se com uma ligeira avaliação já se identificam as franquias como orientadas para o mercado, embora internamente ainda haja aparentes espaços para ajustes, entende-se que, caso estivessem a estratégia completamente consolidada internamente, haveria resultados também mais consolidados.

A maneira com que a estratégia é coordenada ou, ainda, como acontece o processo de desenvolvimento de uma cultura orientada para o mercado, de acordo com as entrevistas, não é claro para os franqueados e empresas e/ou não acontece de maneira articulada. No entanto, sob o ponto de vista dos consumidores, a proposta de valor de todas as companhias são comunicadas e, mais importante, compreendidas. Os clientes entrevistados em sua totalidade consideram que suas necessidades são atendidas e estão satisfeitos. Sendo este o resultado da principal estratégia estudada neste trabalho, podem-se julgar orientadas para o mercado as empresas igualmente aqui pesquisadas.

Conforme as entrevistas feitas com franqueados, estes enxergam que tem vantagem competitiva no mercado em que atuam. Seja essa vantagem oriunda de um esforço específico direcionado para a estratégia de orientação para o mercado ou por outros meios, o fato é que sua proposta de valor idealizada e entregue ao cliente atinge o público-alvo que se propõe a trabalhar e gera aceitação e fidelização. O fator ‘mercado B2C’, que gera mais complexidade sob os fatores ambientais, já usualmente diversificados e desafiadores, faz com que esta vantagem competitiva ganhe valor.

Conclui-se que de fato a estratégia de orientação para o mercado pode ser considerada meio de sobrevivência para as empresas, ainda mais no ambiente transacional, no qual a prática parece ter um fit ainda maior e fazer mais sentido. Os objetivos postos para este trabalho são exploratórios e, para sua continuidade, novos estudos precisariam de uma pesquisa e amostra mais robustas para chegar a conclusões que possam representar este ambiente transacional aqui representado em três franquias. De qualquer maneira, a análise feita sugere que é válido o tempo investido para entender como a orientação para o mercado pode impulsionar a performance e vantagem competitiva das empresas que a aderirem. As conclusões desta pesquisa não podem ser generalizadas, justamente por caracterizarem uma amostra específica de estudo.

Para estudos futuros, sugere-se a integração de entrevistas com representantes das centrais e especialistas do mercado, contando com mais pontos de vista de uma mesma organização e tornando os resultados mais assertivos para futura tomada de decisão por parte das empresas. Recomenda-se, também, uma maior investigação para o esquema conceitual apresentado na análise. Por mais que pesquisas que estão por vir possam avaliá-lo e concluir que ele não faz sentido, fica a provocação para que a estratégia de orientação para o mercado seja mais estudada sob a perspectiva do mercado transacional. Também um bom próximo passo a esta pesquisa seria incluir franquias ainda com viés B2C, mas de outras verticais para que se tenha uma melhor perspectiva deste mercado como um todo. Finalmente, observa-se a oportunidade de continuar-se pensando em alternativas que melhorem a performance de negócios tão desafiadores quanto os do mercado transacional. Isto é de interesse acadêmico e, por que não mais, de líderes das organizações.

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Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 37) Año 2016

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