Espacios. Vol. 37 (Nº 36) Año 2016. Pág. 15

Potencial de Mandevilla clandestina J. F. Morales (Cipó-de-leite) no artesanato de Parnaíba-PI, Brasil

Mandevilla clandestine J.F. Morales (morningglories) potential in the craft of Parnaíba, Brazil

Mariane G. SILVA 1; Maria Gracelia Paiva NASCIMENTO 2; Renata Brito dos REIS 3; Maria Francilene Souza SILVA 4; Ivanilza Moreira de ANDRADE 5

Recibido: 01/07/16 • Aprobado: 03/08/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados e discussões

4. Conclusão

Agradecimentos

Referências bibliográficas


RESUMO:

A Etnobotânica é um elo entre o saber popular e o científico, resgatando o conhecimento tradicional e a conservação dos recursos vegetais. Sendo assim, objetivou-se evidenciar a importância de Mandevilla clandestina J. F. Morales na produção de artigos artesanais no Município de Parnaíba, Piauí, Brasil. O presente estudo foi realizado junto a 16 artesãos, durante o período de janeiro de 2014 a maio de 2016. Foram realizadas entrevistas com utilização de questionário para obtenção dos dados. A maioria dos artesãos é do sexo masculino, com idade variando de 31 a 77 anos, ensino fundamental (incompleto), e tempo de trabalho artesanal de 2 a 50 anos. Os artesãos utilizam o caule da espécie como matéria prima principalmente para confecção de cestas e outras peças ornamentais, variando em suas formas. A maioria dos entrevistados (68,75%) retiram sua renda mensal exclusivamente da fabricação de artesanato. A espécie é coletada em seu estágio adulto, garantindo a preservação da espécie. A utilização da espécie, portanto, se destaca como como matéria prima para a confecção de artesanato e como fonte de renda para artesãos do município de Parnaíba. Desta forma, o manejo desta espécie caracteriza-se como extrativismo sustentável, tendo seu principal objetivo à obtenção de renda para as famílias e levando em consideração a conservação da espécie.
Palavras-chave: Artesanato, Etnobotânica, Parnaíba, Recursos naturais.

ABSTRACT:

Ethnobotany links popular and scientific knowledge, rescuing traditional knowledge and providing focus for conservation of plant resources. In this context, we aimed to demonstrate the importance of the species Mandevilla clandestina in the production of craft handmade articles in the municipality of Parnaíba, Piauí, Brazil. This study was conducted with 16 craftsmen between January 2014 and March 2016. Interviews were carried out with a questionnaire to obtain the data. Most craftsmen are male, aged 31-77 years old, with incomplete elementary school education, and with careers of 2 to 50 years in the craft industry. The craftsmen use the stem of the species as raw material, mainly for making baskets and other ornamental pieces, in a variety of forms. Most respondents (68.75%) derive their monthly income exclusively from craft production. The species is collected in its adult stage, which ensures its preservation. This species is conspicuous as a raw material for making craft products and as a source of income for artisans in the municipality of Parnaíba. The management of this species is therefore characterized as sustainable harvesting, its main goal being to generate income for families, while taking account of the need to conserve the species.
Key words: Craftsmen, Ethnobotany, Natural Resources, Parnaíba.

1. Introdução

O Brasil é um dos maiores países em biodiversidade (Ming, 2009), onde diferentes grupos sociais utilizam o conhecimento tradicional, alguns dos quais são utilizados de forma sustentável, priorizando a conservação dos recursos biológicos muitos dos quais são utilizados pelas populações como forma de subsistência (Albuquerque, 1999; Hamilton et al.,2003).

Mandevilla clandestina J. F. Morales, conhecida popularmente como cipó-de-leite, é uma dessas espécies utilizadas como fonte de recursos naturais, por comunidades ribeirinhas. Trata-se de uma espécie endêmica do Brasil, distribuída nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Distrito Federal, São Paulo e Bahia (Morales, 2005). No Piauí, esta espécie é encontrada nas margens de igarapés ao longo do rio Parnaíba, e tem sido utilizada pelos artesãos locais na confecção de artesanato, constituindo-se um recurso natural rentável para as comunidades locais.

O artesanato é uma das mais importantes formas de expressão da cultura e do poder criativo de um povo, representando sua história e a reafirmação de sua autoestima (Programa do Artesanato Brasileiro, 2012). Além disto, se constitui em fonte de subsistência para as comunidades rurais, constituindo-se como uma forma de trabalho, geração de renda e expressão cultural, seja na forma de patrimônio material (produtos, utensílios e demais objetos) e imaterial (significados e conhecimentos) (Pousada, 2005). É considerado uma atividade ativa e criadora, relacionada ao estilo de vida e ao comércio nas comunidades, onde o conhecimento é adquirido pela vivência e pelo manejo de materiais e de ferramentas, que agrega caráter cultural e viés econômico (Alcalde; Le Bourlegat e Castilho, 2007).

No Nordeste, o artesanato é bastante expressivo, com ocorrência registrada em mais de 600 municípios da região, além de seu desenvolvimento ser potencializado pela grande demanda turística (SEBRAE, 2016). A atividade tem exercido no Brasil papel preponderante na ocupação e geração de renda para mais de 8,5 milhões de pessoas (para Conservação, 2007). O quantitativo de artesãos no nordeste brasileiro constitui um contingente significativo de trabalhadores do mercado informal.

No Estado do Piauí o artesanato ocupa o segundo lugar na renda familiar, proporcionando trabalho e renda a mais de 25.000 famílias (Lima, 2015). Esta atividade constitui-se como algo de grande relevância para o Estado por utilizar como uma das fontes de matéria-prima as fibras naturais de plantas nativas da região, dentre as quais se destacam a carnaúba, o buriti, o cipó-de-leite e a madeira para a confecção de artigos artesanais, tais como, cestos, mantas, tapetes, chapéus dentre outros utensílios (Oliveira, 2006; Santos, 2008; Vieira e Loyola, 2008).

Considerando o relevante potencial do cipó-de-leite para a produção de artesanato no Piauí e por constituir-se em fonte de renda para os artesãos do município de Parnaíba, e a não existência de trabalho científico sobre esta espécie, objetivou-se com este estudo evidenciar a importância do cipó-de-leitena produção de artigos artesanais no Município de Parnaíba, Piauí, tendo como base o extrativismo desta espécie, além de contribuir para a sustentabilidade desta espécie, por meio de seu valor econômico, ambiental e importância para as famílias que a utiliza como meio de sustento.

2. Metodologia

2.1. Área de estudo

As amostras foram coletadas em uma extensão do Rio Igaraçu, no município de Parnaíba, Piauí, Brasil, localizado na região do litoral piauiense, dispondo de área irregular de 431 km, sendo ao Norte: o Município de Ilha Grande e Oceano Atlântico, ao Sul: Buriti dos Lopes e Cocal, ao Leste: Luís Correa e ao Oeste: o Estado do Maranhão. A sede apresenta coordenadas 02o54’17’’ S e 41o46’36’’ O, distando 318 km da capital Teresina (Aguiar e Gomes, 2004). Parnaíba contitui-se um dos quatro municípios do Piauí localizados no Delta do Rio Parnaíba, Área de Proteção Ambiental Federal-APA com 362.000 km², criada pelo Decreto Lei n° 98.897 de 28 agosto 1996, com o objetivo de conservar a mata fluvial e o complexo dunar local (IBAMA, 1998).

Observam-se no município formações geológicas de depósitos de Mangues e Litorâneos, Dunas Inativas, Formações de Barreiras e Grupo Serra Grande, além de florestas de tabuleiros, contando com presença de restingas em solo Neossolo Quartzarênico (Santos-Filho; Almeida e Zickel, 2013). A vegetação é constituída por espécies herbáceas recobrindo dunas, além de arbustos encontrados próximos do mangue, com presença de campos herbáceos fechados e abertos, inundáveis a não inundáveis (Santos-Filho, 2010).

2.2. Coleta de dados

Foram realizadas entrevistas com 16 artesãos residentes nas localidades de Chafariz, Pindorama, João XXIII, São Benedito, Planalto Tremembés, no município de Parnaíba, Piauí no período de janeiro a maio de 2016.

As entrevistas foram realizadas com apresentação de formulários padronizados, apresentando questões semiestruturadas, na obtenção de informações e saberes etnobotânicos de acordo com Martin (1995). A pesquisa semiestruturada está concentrada em questionamentos, os quais são elaborados como roteiro, além de questões complementares específicas e situações momentâneas, de acordo com Manzini (1990/1991). Todas as informações coletadas foram previamente autorizadas pelos entrevistados por meio de assinatura dos mesmos.

Utilizou-se formulários contendo 16 questões semiestruturadas, contemplando questões socioeconômicas, importância e utilização da espécie estudada.

Espécimes de M. cladentisna foram coletados em estado reprodutivo (botões florais, flores e/ ou frutos) e herborizadas segundo Fidalgo e Bononi (1984). Para cada indivíduo coletado foi preenchida uma ficha de campo com local de coleta, nome de coletor, nome popular, habitat, tipo de vegetação, e coordenadas geográficas com GPS (Sistema de Posicionamento Geográfico), dentre outras. As coletas foram direcionadas por um dos artesãos participantes da pesquisa. A descrição da espécie foi baseada em observações de campo e laboratório, e os dados de distribuição geográfica estão de acordo com a Lista de Espécies da Flora do Brasil (Mandevilla in Flora do Brasil 2020 em construção).

As amostras foram incorporadas no Herbário HDELTA Campus Ministro Reis Velloso, Universidade Federal do Piauí.

3. Resultados e discussões

O artesanato faz parte da cultura parnaibana, que não somente utiliza o cipó-de -leite, mas como outras plantas para sua confecção, tais como, carnaúba, buriti, taboa, dentre outras.

Todos os entrevistados pesquisados residem na cidade de Parnaíba. Destes, 15 (93,75%) são do gênero masculino, com idade entre 31 e 77 anos e tempo de trabalho artesanal variando entre 2 a 50 anos. Em trabalho realizado na microrregião do Salgado, estado do Pará, Oliveira et al. (2006), registraram a utilização de fibras vegetais para a produção de cestarias também por pessoas do gênero masculino com idade acima de 50 anos. Os autores comentam que esta atividade em algumas comunidades, na microrregião estudada, é restrita a uma pessoa, enquanto que em outras não mais existe a figura do artesão, justificada pela população mais jovem não ter interesse em aprender esta atividade, já que a mesma não traz compensação financeira. 

Em relação à escolaridade, a maior parte dos entrevistados possui o Ensino Fundamental incompleto (Tabela 1). A causa da baixa escolaridade é justificada pela necessidade de obtenção de renda, ainda jovem, para auxiliarem nas despesas domésticas, ou por não terem tido outras oportunidades de trabalho. Baix escolaridade também foram registradas nos trabalhos de Feira (2006) e Vieira e Loyola (2014). Para Freitas (2006), a baixa escolaridade entre as pessoas que trabalham com o artesanato é muito comum, sendo uma das causas que os fazem procurarem o artesanato como recurso em busca de renda.

Tabela 1- Escolaridade dos artesãos do Município de Parnaíba-PI.

Escolaridade

Frequência de Respostas (%)

Não escolarizado

25%

Ensino Fundamental Incompleto

62,5%

Ensino Fundamental Completo

6,25%

Ensino Médio Incompleto

6,25%

Fontes: Dados da pesquisa, 2016.

Quando questionados sobre o tempo que coletam o cipó-de-leite, o resultado foi de 0 a 10 anos (12,5%), de 11 a 20 (25%), de 21 a 30 (37,5%), de 31 a 40 (12,5%), de 41 a 50 (0%), de 41 a 50 (12,5%). Portanto, a maioria dos entrevistados trabalha com o extrativismo da M. clandestina há mais de 25 anos, demonstrando que esta atividade pode refletir na cultura, ambiente e meio social da própria localidade (Neumann e Hirsch, 2000). Apesar de o extrativismo sempre ter existido como atividade de subsistência, sua função na economia é muito variada, já o que mesmo apresenta alterações de acordo com regiões, culturas e diferentes recursos encontrados dentro da sociedade (Lopes e Noda, 2013).

Dentro dos ecossistemas brasileiros existem várias espécies vegetais que são adquiridas através do extrativismo, trazendo benefícios ao se tornar fonte de subsistência para as comunidades. Entretanto, diante da utilização desses recursos ao longo dos anos, vem surgindo grandes preocupações quanto à preservação das espécies nativas, já que destas podem ser aproveitadas a maioria de suas partes, sendo comercializadas de forma não sustentável (Silva, 2002). Portanto, é evidente a necessidade de se estabelecer um extrativismo sustentável, já que este constitui um importante gerador de renda, além de beneficiar e proteger a diversidade de organismos, nascentes, cursos d’águas e riquezas culturais dentro das populações (Carvalho, 2007).

Hall e Bawa (1993), Boot e Gullison (1995) e Vieira e Loyola (2014) relatam que os benefícios econômicos resultantes da atividade extrativista interferem diretamente nas práticas de manejo, já que os produtos extraídos das florestas alcançam valorização econômica e expansão comercial e podem ter como consequência, à intensificação da exploração que acaba por ultrapassar a capacidade de suporte de regeneração da espécie que está sendo explorada. Portanto, faz-se necessário a diversificação da base produtiva, buscando-se diferentes alternativas para os recursos naturais, como a utilização de outras espécies, bem como realizar outras atividades diferentes do artesanato a fim de conciliar o extrativismo ao equilíbrio ecológico (Carvalho, 2001). Promoção de atividades de educação ambiental é sugerida por Vieira e Loyola (2014).

Sobre os locais de coleta de M. clandestina, os entrevistados responderam que a espécie ocorre ao longo do rio Igaraçu (braço do rio Parnaíba), em áreas de manguezal. Porém, ressaltaram que a planta pode ser encontrada não somente no município de Parnaíba, mas também em outros locais como Araioses, Canárias e Conceição (no estado do Maranhão). Segundo Morales (2005), essa espécie de liana, nativa do Brasil, é crescente em bosques de galeria, áreas pantanosas e abertas, caracterizando o ambiente típico de onde se costuma coletá-las. O autor relata que o período de floração do gênero Mandevilla ocorre no mês de novembro. Porém, na área estudada, a espécie M. clandestina floresce e frutifica o ano todo.

A maioria dos entrevistados (87,5%) sentem-se satisfeitos em relação ao trabalho artesanal com o cipó-de-leite, pois podem programarem seus próprios horários, não são subordinados a patrões, não precisarem alcançar metas de produção, já que estas não são estipuladas, além do trabalho servir de ocupação, terapia e renda mensal extra. Quanto aos insatisfeitos, eles relataram que o serviço é pesado, a espécie é de difícil acesso e em alguns pontos escassos, a atividade não é lucrativa, e há desvalorização econômica das peças produzidas. Baixo valor comercial das peças também é relatado por Vieira e Loyola (2014) como sendo o principal problema citado pelas comunidades que trabalham com o artesanato proveniente das folhas de carnaúba (Copernicia prunifera H.E.Moore).

Quanto a renda obtida por cada artesão, as respostas foram: R$ 362,00 (12,5%), R$ 363 a R$ 724,00 (56,25%), R$ 725 a R$ 1.087,00 (18,75%), R$1.088 a R$ 1.450,00 (6,25%) e R$ 1.451 a R$ 1.500,00 (6,25%). Diante dessas informações, verifica-se que 68,75% retiram sua renda exclusivamente do artesanato. Dos artesãos que possuem outra fonte de renda, 31,25% afirmaram que o artesanato contribui em menos de um salário mínimo por mês. Assim, é perceptível que o artesanato, apesar de ser a única fonte de renda para a maioria das famílias, ainda é insuficiente para manter as necessidades básicas dos mesmos. Lima (2015), em trabalho realizado na região Norte do estado do Piauí, relaciona a busca de ocupações informais e de baixa remuneração, à falta de emprego formal em localidades com baixo crescimento econômico e a existência de moradores com grau de instrução inferior ao que o mercado de trabalho exige.

Os valores que os artesãos recebem por cada peça produzida ou até mesmo por toda produção geralmente são incompatíveis com o tempo e o esforço que por eles é dispensado para se produzir às peças, já que em comunidades tradicionais o artesanato é produzido pelo seu valor de uso e vendido pelo seu valor de troca. No entanto, o consumidor final, que compra a peça, recebe a mesma por um valor muito superior, pois paga pelo seu valor estético e não pelo esforço do artesão (Ribeiro, 1984).

Esse resultado diferencia-se do apresentado por Vieira e Loiola (2013) com a espécie Copernicia prunifera, em estudo também realizado na cidade de Parnaíba, onde a renda adquirida da venda dos artigos confeccionados permitiu a maioria das famílias dos entrevistados terem acesso aos serviços básicos de saúde, educação, tecnologias e meio de transporte.

Quando questionados sobre o melhor horário do dia para a coleta da espécie, todos os artesãos relataram ser o período da manhã, pois é neste que há presença de poucos insetos (comumente encontrados em área de manguezal, área onde encontram e coletam a espécie), além de permitir uma melhor visibilidade.  Os meses nos quais se encontra a espécie em maior quantidade e melhor tamanho para coleta, segundo os entrevistados, são: março a maio (12,5%), fevereiro a julho (31,25%), janeiro a outubro (50%) e outubro a dezembro (6,25%). Ao analisar os dados é possível observar divergências nas informações fornecidas pelos entrevistados o que impossibilita a determinação precisa do período de maior quantidade da espécie coletada.

Em relação aos instrumentos usados na coleta, todos os entrevistados ressaltaram que fazem uso de faca ou facão, pois, o cipó possui uma fibra bastante resistente para o corte. Foi observado que os mesmos não utilizam objetos de segurança como: chapéu, bota, luva, entre outros. Alguns por não terem condições de adquiri-los, outros por conhecerem bem a área explorada e acharem desnecessário o uso desses objetos.

No que diz respeito às partes da planta coletadas para uso, todos os artesãos responderam utilizar o cipó da espécie. Os cipós podem ser originados de raízes e caules, possuindo estrutura e características que favorecem sua utilização para o artesanato. Estes, fornecem matéria prima importante na produção de cestarias em geral, e ainda na substituição de pregos na atracação de peças usadas na construção de habitações, na produção de peças agrícolas, amarrilhos e na pesca artesanal (Oliveira et al., 2006). No caso da espécie estudada, o cipó é proveniente do caule e utilizado somente para a produção utensílios artesanais.

Utilizando-se de escala pode-se destacar que de 0 a 300 (6,25%), 301 a 400 (18,75%), 401 a 500 (43,75%), 501 a 600 (12,5%), 601 a 700 (0%), 701 a 800 (12,5%), 801 a 900 (0%) e 901 a 1.000 (6,25%) cipós são coletados, havendo assim uma variação nas quantidades produzidas, pois os mesmos relatam que fazem uso de outros materiais como o compensado, além de outros tipos de fibras como o cipó de boi (Fridericia sp.)e a palha do coco (Cocos nucifera L.). Todo esse material é produzido em suas próprias residências, onde variam desde cestas a peças ornamentais.

De acordo com relatos dos próprios artesãos, muitos são os municípios de comercialização de peças artesanais no Piauí, tais como: Parnaíba, Luís Correia, Buriti dos Lopes, Campo Maior, Piripiri, Teresina. A maior parte dos produtos confeccionados é vendida por preços muito baixos para atravessadores que levam as mercadorias para algumas cidades citadas acima e também para outras cidades circunvizinhas, repassando-as a terceiros por preços muito maiores. Esse fato é evidenciado pelo SEBRAE (2012), segundo o qual, a venda de produtos diretamente aos consumidores vem a permitir maiores lucros do que a comercialização procedida por intermediários.

Supõe-se assim, que a venda direta ao consumidor não é realizada devido à falta de transportes ou até mesmo de organização e apoio de associações onde os artesãos estão inseridos. Isso acaba por desestimular os mesmos a investirem no exercício da profissão. Sousa e Sousa (2007) descrevem em seu trabalho a desvalorização artesanal, chamando a atenção para o fato de que isto pode tornar-se uma grande ameaça para a produção artesanal.

A maioria dos artesãos declarou que o artesanato é importante, por ser este um meio de sobrevivência para muitos e para alguns uma forma de adquirir uma renda extra. Além de geração de trabalho e renda, o artesanato tem impacto crescente na inclusão social e potencialização de vocações regionais (PROGRAMA DO ARTESANATO BRASILEIRO, 2012).

Behr (1994), comenta que é necessário que as populações tradicionais tenham uma organização social e garantia de seus direitos sobre os recursos naturais e que a criação de Reservas Extrativistas é uma forma de integrar essas populações na gestão de recursos naturais, distribuir benefícios sociais e contribuir para o desenvolvimento sustentável.

Apesar de todos considerarem o cipó de leite de extrema importância para produção artesanal, afirmaram que existe um obstáculo em torno da espécie: a diminuição da mesma na região. A partir de tal declaração, foi questionado o que eles fazem para preservar a espécie. Quinze deles responderam que quando não estava em período apropriado para coleta (período de reprodução) não entravam na área, assim permitem que o cipó jovem cresça tornando a matéria prima disponível para ser utilizada posteriormente. Diante da impossibilidade de utilizar o cipó, outras matérias-primas são utilizadas, tais como, a palha de coco (Cocos nucifera L.), guarimã (Schnosiphona rouma koern), buriti (Mauritia flexuosa) e cipó de boi (Fridericia sp.). Apesar de ser notória a preocupação dos artesãos quanto ao extrativismo da M. clandestina, o mesmo deve ser realizado com cautela, objetivando a sustentabilidade biológica em detrimento do crescimento do mercado, da geração de renda e do emprego (Homma, 2012).

Quanto à técnica de manejo, os artesãos retiram os cipós mais desenvolvidos para a produção de trançados. Estes passam por um processo de raspagem até se tornarem esbranquiçados. Em seguida, são estendidos em varais a fim de secá-los sob o calor do sol. Quando secos, é feita uma seleção, separando-os de acordo com o tamanho (os maiores são utilizados na produção de artigos de maior tamanho), e em seguida são umedecidos, tornando-se maleáveis, e facilitando o processo de confecção das peças artesanais. Este é realizado em local com pouca ventilação para evitar a secagem rápida e manter por algum tempo a flexibilidade da fibra. Após a confecção as peças estão prontas para serem comercializadas (Figura 1).

Descrição: Descrição: E:\fIGURA 03.jpg

Figura 1: Peças artesanais produzidas por artesãos de Parnaíba-PI.
A. cesto em forma de maçã. B. avião. C. cesta.
D. conjunto de cestas. E. mandala. F. peixe. G. moringa.

Descrição morfológica de Mandevilla clandestina

Mandevilla clandestina J. F. Morales (Figura 02).

Liana, ca. 3m. Folhas opostas; pecíolo 0,8-1,3 cm compr.; lâmina foliar 4,4-12,5 x 1,3-3,5 cm, elíptica estreito-elíptica, ápice emarginado, agudo, arredondado e mucronado, base atenuada, margem lisa, verde mais intensa na face adaxial, membranácea, glabra; nervuras 9-16 pares, proeminentes na face abaxial. Inflorescência 2-flora, cimeira, axilar, glabra; pedúnculo 1,2 - 3,6 cm comp.; pedicelo 0,9-1,7 cm compr.; brácteas 0,01-0,1mm, verde-vináceo; sépalas 2-3,4 x 1-1,7mm, verde-vináceo, ovadas. Corola infundibuliforme 2,6-3,7 cm compr., glabra, alva externamente; tubo da corola 2,7-3 x 0,4-0,6 cm, base do tubo da corola amarelo internamente e externamente branco a vináceo; lóbulos 1-1,3 x 0,5-0,7 cm, obovados, margem inteira. Botão floral verde vináceo, 2,3-3,8 x 0,4-0,6 cm. Estames 5, 2,5 cm compr. Ovário súpero 1,5x 2 mm, Estigma 2,4. Fruto folículo imaturo, 2,5 x 2 cm, verde.

Material examinado: Piauí, Parnaíba, Chafariz, M. G. Silva 02 (HDELTA).

Descrição: Descrição: E:\Fig 03.jpg

Figura 02: A-B. Mandevilla clandestina J. F. Morales. Espécie coletada em área de mangue. A. Hábito; B. Inflorescência.

Espécie coletada em área de mangue, comumente associada a espécies de Poaceae e Cyperaceae. A espécie possui ocorre nos domínios Cerrado e Pantanal, até este estudo não apresentava registro para o estado do Piauí (Mandevilla in Flora do Brasil 2020 em construção).

4. Conclusão

De forma geral, a utilização da fibra da espécie Mandevilla clandestina (cipó- de-leite), dentro da cidade de Parnaíba, é de grande importância no que se refere aos fatores socioeconômicos, o que se justifica pelo fato de ser uma fonte de renda para muitas famílias ou talvez para a maioria que não tenham outra fonte de renda, resultando em um meio de sobrevivência das mesmas.

Este trabalho mostra o potencial etnobotânico da espécie da M. clandestina, em comparação com outras espécies utilizadas para artesanato na região, dessa forma destacando suas vantagens quanto ao uso artesanal, bem como a importância quanto aos cuidados de manuseio (corte), uma vez que dependendo da forma do corte pode haver prejuízo para espécie (morte), assim evidenciando a necessidade de haver mais estudos acerca da espécie e sua correta utilização. Espera-se que estes resultados possam subsidiar estratégias de manejo e conservação das populações naturais desta espécie.

Agradecimentos

Este trabalho teve suporte financeiro com o edital n.º 001/2014 – edital Mac-Doubles Fernandes do nascimento de apoio à ciência, tecnologia e inovação.

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1. Biologa, Universidade Federal do Piauí – UFPI. Email: mariane.garcez@hotmail.com
2. Bióloga, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente- PRODEMA, Universidade Federal do Piauí – UFPI.  Email: grace.lia@hotmail.com
3. Biologa, Universidade Federal do Piauí – UFPI. Email: renata_britoreis@hotmail.com

4. Bióloga, Doutoranda Programa de Doutorado RENORBIO, Universidade Federal do Ceará Email: lenolysilva@hotmail.com

5. Docente do curso de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Piauí- UFPI. Email: ivanilzaandrade@hotmail.com


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 36) Año 2016

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