Espacios. Vol. 37 (Nº 32) Año 2016. Pág. 25

Os modelos estruturais do desenvolvimento e a perspectiva orientada ao ator: Uma reflexão teórica

The structural models of development and actor-oriented perspective: An theoretical reflection

Jaqueline Patrícia SILVEIRA 1; Edson TALAMINI 2

Recibido: 10/06/16 • Aprobado: 22/07/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. As abordagens estruturais de análise do desenvolvimento

3. A Perspectiva Orientada ao Ator: aspectos teóricos

4. Contribuições da Perspectiva Orientada ao Ator para o estudo de mercados da agricultura familiar

5. Considerações finais

Referências


RESUMO:

A necessidade de romper com as limitações das abordagens estruturais nos estudos sobre o desenvolvimento leva à adoção de uma perspectiva orientada aos atores. Assim, este ensaio busca demonstrar como os conceitos básicos da Perspectiva Orientada ao Ator (POA) fornecem instrumentos analíticos que podem contribuir para superar as limitações das teorias estruturalistas. Adicionalmente, procura refletir sobre as possíveis contribuições da POA na análise da construção de mercados e o desenvolvimento rural.
Palavras-chave: Perspectiva Orientada ao Ator, Abordagens estruturais, Mercados, Desenvolvimento rural.

ABSTRACT:

The need for to break with the limitations of structural approaches in the studies of the development leads to the adoption of a perspective oriented to the actors. Thus, this essay seeks demonstrate how the basic concepts of Perspective Oriented to the Actor (POA) provide analytical instruments that can help overcome the limitations of structuralist theories. Additionally, seeks to reflect upon the possible contributions of POA in the analysis of the construction markets and rural development.
Key-words: Perspective Oriented to the Actor, Structural approaches, Markets, Rural development

1. Introdução

As discussões e os estudos sobre o desenvolvimento ao longo dos séculos XVIII e XIX, e meados do século XX, foram amparadas por abordagens estruturalistas e genéricas, principalmente aquelas pautadas pelas teorias da modernização e de cunho neomarxistas. Uma das principais implicações destes modelos de análise é o fato de que os mesmos não consideravam as pessoas e concebiam o desenvolvimento como resultado de forças externas.

Long (2007) afirma que em meados da década de 1980 cresceu o interesse em superar este debate estruturalista, bem como suas limitações teóricas e metodológicas. Uma alternativa encontrada para isso é adotar uma abordagem centrada no ator, que considera as pessoas como participantes ativas nos processos e com capacidade de agência.

Assim, o presente ensaio busca demonstrar como os conceitos básicos da Perspectiva Orientada ao Ator (POA) fornecem instrumentos analíticos que podem contribuir para superar as limitações das teorias estruturalistas. Adicionalmente, procura-se refletir sobre as possíveis contribuições da POA na análise da construção de mercados e o desenvolvimento rural.

Este ensaio encontra-se estruturado, fundamentalmente, em cinco seções. Além desta introdução, são apresentados na segunda seção os modelos estruturais de desenvolvimento, demonstrando, com base em diversos autores, as suas limitações. Na terceira seção procura-se apresentar os aspectos conceituais da Perspectiva Orientada ao Ator, assentando-se principalmente no autor Norman Long. Na quarta seção, faz-se uma breve reflexão a cerca das possibilidades de utilizar a POA para estudar a construção dos mercados da agricultura familiar e, por fim, algumas considerações finais são apresentadas.

2. As abordagens estruturais de análise do desenvolvimento

Os estudos sobre o desenvolvimento, após a Segunda Guerra Mundial, centram suas análises sobre os pontos de vista fundamentados nos conceitos de modernização (nos anos 1950), de dependência (nos anos 1960), e nos anos 1970, de economia política (LONG, 2007). Nota-se assim a predominância de dois modelos estruturais de análise, quais sejam, a teoria da modernização e as teorias neomarxistas.

De acordo com Long (2007), a teoria da modernização prega o desenvolvimento de uma sociedade moderna por meio de um movimento progressivo rumo a formas mais complexas e integradas do ponto de vista institucional e tecnológico. Ainda para o autor, este processo é acionado e sustentado mediante a crescente inserção nos mercados, bem como por meio de diversas ações de intervenção que objetivam difundir tecnologias, conhecimentos, recursos e formas de organização do mundo mais desenvolvido para aquele menos desenvolvido ou atrasado. Desta forma, pouco a pouco a sociedade considerada tradicional adquire os padrões econômicos e sociais da modernidade, incorporando-se assim ao dito mundo moderno.

A modernização da agricultura, segundo Ploeg (1992), segue o caminho da externalização, criando novas relações mercantis e técnico-administrativas, ao mesmo tempo em que separa tarefas do processo de trabalho agrícola e as designa para agentes externos, resultando em uma crescente divisão do trabalho entre agricultura e indústria.

Na agricultura brasileira, essa modernização acelerou-se na década de 1970, muito apoiada pelo crédito rural, o qual permitiu a derrubada da subordinação ao capital comercial-usuário e criou um mercado sólido para o setor industrial produtor de insumos, máquinas e equipamentos para o setor agrícola (GRAZIANO DA SILVA, et al. 1983). Estes autores afirmam que para os pequenos produtores rurais esta modernização representou mais uma imposição do que uma conquista, que os subordinou ao sistema.

A teoria da modernização defendia e pregava veementemente a certeza de que o capital, a ciência e a tecnologia trariam efeitos benéficos às sociedades. Esta convicção sofreu seu primeiro golpe, segundo Escobar (2005), com o surgimento da teoria da dependência, a qual afirmava que as causas do subdesenvolvimento eram encontradas nas ligações entre dependência externa e exploração interna, e não na carência de elementos da modernidade. Assim, para os teóricos da dependência, os problemas encontravam-se mais no capitalismo do que no desenvolvimento em si (ESCOBAR, 2005).

Desta maneira, as teorias neomarxistas e da dependência (anos 1960 e 1970), adicionam elementos críticos às teorias da modernização, denunciando até mesmo o caráter não comunista das políticas de desenvolvimento. A visão marxista era de que o desenvolvimento é desenvolver do capitalismo, porém, o núcleo do desenvolvimento não era questionado. Neste sentido, David Booth (1985) afirma que a perspectiva da dependência está obviamente em desacordo com o núcleo teórico do marxismo clássico e que a teoria da dependência representa apenas uma intrusão de nacionalismo burguês no pensamento marxista. O autor evidencia ainda que a crítica da teoria da dependência em termos de simples oposição ao marxismo tem dois efeitos “negativos”: i) pode parecer que a crítica afeta apenas ou principalmente alguns escritores latino americanos; ii) questiona o porquê, se teórica e empiricamente errada, a perspectiva da dependência tem presença duradoura na tradição marxista.

Long (2007) contribui afirmando que as teorias marxistas e neomarxistas da economia política exacerbam o caráter explorador destes processos de modernização, atribuindo-os as características de expansão intrínsecas ao capitalismo mundial e a sua necessidade constante de abrir novos mercados e aumentar o nível de acumulação de capital.

Neste contexto, a imagem é de interesses capitalistas, estrangeiros e nacionais, que subordinam os modos e relações de produção que não condizerem com o capitalismo, integrando-os a uma parte desigual de relações políticas e econômicas. Assim, os países se unem a outros não porque desejam, mas porque são forçados a isso por determinação de seus parceiros mais ricos e/ou poderosos (LONG, 2007).

Neste sentido, o subdesenvolvimento decorre do tipo de entrada dos países periféricos no sistema mundial, assim, as relações desiguais que acontecem no comércio internacional não ocorrem entre duas classes, mas sim entre países centrais e países periféricos (BOOTH, 1985). O mesmo autor aponta que há um problema básico com a teoria marxista: seu compromisso metateórico em evidenciar que o que ocorre na sociedade na era do capitalismo não é apenas explicável, como também necessário em alguns casos. Em outras palavras isto significa dizer que no regime capitalista é necessário que haja países com estruturas e processos subdesenvolvidos.

O compromisso marxista com a necessidade de padrões socioeconômicos no capitalismo é expresso de duas formas: a primeira concebe a relação entre os conceitos teóricos do modo de produção capitalista, a economia política nacional ou internacional e as análises sob a formação social; já a outra forma envolve uma espécie de teleologia do sistema (BOOTH, 1985). Booth aponta ainda que é preciso ultrapassar a metateoria marxista para assim poder avaliar se o problema dos países periféricos encontra-se nas relações desiguais entre os países ou nas relações sociais internas e inerentes ao próprio país.

Ademais, para as teorias marxistas as ideias são expressas por meio da linguagem, porém, a classe dominante – detentora dos meios de produção e do capital - tem a possibilidade de disseminar as ideias que legitimam os seus interesses e a sua posição de domínio, pois tem os proletários em suas mãos (GIDDENS, 2001).

Para Long (2007), ambas as macroperspectivas teóricas seguem posições ideológicas opostas. Enquanto a teoria da modernização tem um ponto de vista considerado liberal, acreditando nos efeitos benéficos do capital e da tecnologia, as teorias neomarxistas enxergam o desenvolvimento como sendo um processo desigual, que abrange a exploração dos países periféricos e das populações marginalizadas. Além disso, o autor considera que os dois modelos adotam um certo rumo de desenvolvimento, marcado por fases ou pela sucessão de regimes do capitalismo.

Neste sentido, Escobar (2005) complementa ao apontar que as teorias do desenvolvimento com paradigmas liberais são positivistas, focam no mercado, nos indivíduos e no estado, veem o desenvolvimento como progresso e crescimento e ainda, buscam adaptar seus projetos as culturas locais. Já sobre aquelas teorias de cunho marxistas, o autor destaca que são realistas, se voltam para os modos de produção e de trabalho, adotam as transformações sociais, o desenvolvimento das forças produtivas e da consciência de classe como critério para a mudança, bem como, procuram observar como as pessoas resistem às intervenções.

O desenvolvimento e a mudança social que estas teorias pregam é aquele que vem de fora, de forças externas que interveem nas comunidades. Isto para Long (2007) reduz a autonomia das pessoas e acaba com as formas locais de cooperação e solidariedade, resultando em um aumento da distinção social e econômica e concentrando o poder nas mãos de poucos, como grupos de empresas, políticos e instituições.

É necessário romper com as limitações destas abordagens estruturais, sobretudo pela sua incapacidade de explicar os motivos da heterogeneidade social e pela sua tendência em ver o desenvolvimento como resultado de forças externas aos atores sociais (LONG, 2007).

Diante do exposto, nota-se que estes modelos estruturais de análise desconhecem o poder do agente de modificar as estruturas (normas, instituições e estado). Assim, a próxima seção discorre sobre a abordagem denominada Perspectiva Orientada ao Ator, que demonstra a influência que os agentes têm nos processos de desenvolvimento.

3. A Perspectiva Orientada ao Ator: aspectos teóricos

A partir da constatação das limitações das teorias da modernização e neomarxistas, Long (2007) aponta que aumentou o interesse em desenvolver estudos pós-modernistas e pós-estruturalistas. A esse respeito, pode-se recorrer a Escobar (2005) que corrobora afirmando que as teorias pós-estruturalistas são interpretativas e construtivistas, se preocupam com a representação, os discursos, o conhecimento e o poder dos atores, adotam a pluralidade de discursos como elementos de mudança e, sobretudo, preocupam-se em observar e apontar como as pessoas resistem, adaptam-se e subvertem o conhecimento dominante e criam outro conhecimento.

Neste contexto, surgem estudos tentando ultrapassar as limitações das teorias do desenvolvimento anteriormente apresentadas. Assim, segundo Long (2007), uma maneira encontrada foi adotar uma perspectiva orientada aos atores, que pudesse analisar como os atores sociais se enfrentam nas várias lutas por recursos, significados, controle e legitimidade institucional.

Long (2007) afirma que a Perspectiva Orientada ao Ator parte de uma visão construcionista utilizando-se de um olhar e reolhar para a sociedade mediante ações e percepções que, sem interferências, transformam um universo de agentes múltiplos e entrelaçados. Cabe ressaltar que o autor esclarece as diferenças existentes entre construcionismo e construtivismo, no qual, o primeiro termo é mais geral e abrange tanto aspectos cognitivos quanto as dimensões de conduta e prática social, já o segundo se dedica em explicar como as pessoas aprendem e qual a natureza do conhecimento.

Deste modo, Long adota a perspectiva do construcionismo que está preocupada em compreender os métodos pelos quais os atores individuais e as redes de atores se comprometem e juntos criam seus mundos sociais particulares, interpessoais e coletivos. Para o autor, muito se ganha observando as diversas formas com que as pessoas organizam e conhecem elementos novos e velhos, tem experiências e como reagem a cada circunstância utilizando a imaginação e o conhecimento.

A Perspectiva Orientada ao Ator se baseia na convicção de que, ainda que admiráveis mudanças estruturais sejam decorrentes de intervenções externas, não é suficiente fundamentar as análises no conceito de determinação externa. Long (2007) argumenta que por mais que sejam intervenções e forças de fora, elas entram na vida cotidiana das pessoas e são moldadas e transformadas a partir do olhar de cada ator social e suas estruturas.

Estas análises centradas nos atores se tornaram conhecidas nas áreas da sociologia e antropologia no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, apresentando a vantagem de explicar as diferentes respostas dos atores diante de estruturas e situações semelhantes (LONG, 2007). A Perspectiva Orientada ao Ator visualiza os indivíduos como participantes ativos dos processos, não como simples receptores de informações que apenas as acatam sem questioná-las.

Neste sentido, a agência humana se apresenta como conceito central da Perspectiva Orientada ao Ator, a qual é apontada por Long (2007, p. 48) com base em Giddens (1984):

[...] La noción de agencia atribuye al actor individual la capacidad de procesar la experiencia social y diseñar maneras de lidiar con la vida, aun bajo las formas más extremas de coerción. Dentro de los límites de información, incertidumbre y otras restricciones (por ejemplo, físicas, normativas o político-económicas); los actores sociales poseen “capacidad de saber” y “capacidad de actuar”. Intentan resolver problemas, aprenden cómo intervenir en el flujo de eventos sociales alrededor de ellos, y em cierta medida están al tanto de lãs acciones propias, observando cómo otros reaccionan a su conducta y tomando nota de las varias circunstancias contingentes.

A agência humana diz respeito ao fazer, isto é, a capacidade das pessoas de realizar as coisas (GIDDENS, 2003). O autor alerta ainda que a agência não refere-se à intenção que os indivíduos têm ao agir, mas sim ao ato de agir propriamente dito. Assim, a agência está ligada ao poder, visto que são as pessoas que tem a capacidade de atuar e de interferir no curso dos eventos. Contudo, apesar de parecer estar ligada a cada ator individualmente, a agência não quer dizer que as pessoas sozinhas consigam receber e processar informações e realizar as mudanças no ambiente no qual estão inseridas.

Nesse sentido, Long e Ploeg (2011) alertam que a agência acontece quando ações particulares alteram um estado de coisas e para isso ocasiona relações sociais e interações permanentes entre atores, podendo ser eficaz somente através de tais relações. Complementando o conceito de agência, Long (2007) afirma que a mesma depende do surgimento de uma rede de atores, que ao envolverem-se com mundos e projetos outros, têm a possibilidade de absorver, mediar e construir ou reconstruir suas percepções, ideias e seus próprios projetos.

Dentro deste contexto, é necessário considerar que os atores sociais trazem para os debates as suas experiências de vida e os seus distintos conhecimentos acumulados, moldando assim os diferentes tipos de discursos. Conforme Long (2007), a vida social não é unitária para ser construída com base em somente um tipo de discurso. O autor aponta também que os atores, mesmo com opções restritas, encontram maneiras distintas de formular seus objetivos e encontrar meios para alcançá-los.

Long (2007) aponta que o reconhecimento dos diferentes tipos de discursos desafia a noção de que a racionalidade é propriedade intrínseca do ator individual, revelando que as formas particulares e culturais como cada sociedade vive, molda a racionalidade dos seus membros, de modo que na busca de seus próprios objetivos eles reafirmem, conscientemente ou não, essa característica dos discursos e da construção social de suas comunidades.

Assim, é imprescindível analisar o modo como as noções de agência são estabelecidas de forma diversa, conforme a cultura de determinada sociedade e como afetam as relações entre as pessoas e os tipos de controle que um ator tem com o outro. Na área do desenvolvimento, isto denota avaliar como as diferentes visões de poder, influência, conhecimento e eficácia podem aparecer e inclusive balizar as respostas e estratégias dos diferentes atores sociais (LONG, 2007).

Desta forma, além da multiplicidade de atores sociais, Long (2007) aponta que se lida também com a multiplicidade de realidades, onde há conflitantes interesses sociais e normativos, conhecimentos diversos e descontínuos, e que assim, é necessário identificar de quem são e quais são os modelos que prevalecem sobre os demais.

Estas múltiplas realidades podem ser interpretadas também como arenas de luta, na qual visões de mundo e diferentes tipos de discursos se encontram. Carneiro (2012) destaca que uma arena não é um local geográfico, mas sim um lugar de confronto entre atores sociais heterogêneos motivados por interesses materiais e simbólicos.

O poder e o conhecimento são levados para estas arenas de luta, os quais, para Long (2007), surgem dos próprios processos de interação social e são resultados dos encontros e das fusões de horizonte. Em relação ao poder, Giddens (2001) aponta Weber que o define como a probabilidade por parte de certo indivíduo de conseguir realizar seus próprios objetivos. Já Riutort (2008) ao tratar do poder nas organizações sugere que o mesmo é produto de negociações e de confrontações.

Por fim, Long (2007) destaca que uma Perspectiva Orientada ao Ator tem como tarefa fundamental identificar e caracterizar as distintas práticas e estratégias dos atores, as condições sob as quais elas brotam, o modo como se organizam e sua viabilidade na resolução de problemas sociais.

Ademais, ao reafirmar que esta abordagem procura explicações para as diferentes respostas que são dadas frente a conjunturas estruturais semelhantes, parece ser possível aplicá-la ao estudo dos mercados e das organizações da agricultura familiar. Isto será abordado na próxima seção.

4. Contribuições da Perspectiva Orientada ao Ator para o estudo de mercados da agricultura familiar

As diferentes formas sociais que existem, nascem devido ao fato de que os atores adotam diferentes perspectivas ao lidar, cognitiva e organizacionalmente, com as situações, problemas e oportunidades que surgem (LONG e PLOEG, 2011). Assim, valoriza-se, na perspectiva orientada ao ator, a forma como os próprios atores moldam seus espaços, seus mercados e o desenvolvimento.

Ao se voltar para os estudos do desenvolvimento rural, Long e Ploeg (2011) afirmam que, mesmo diante de restrições, os agricultores não são receptores passivos, tampouco vítimas de mudanças externas e planejadas. Os autores destacam que os agricultores procuram estabelecer ambientes nos quais sejam possíveis atender aos seus interesses e objetivos, e ainda, defender-se de intervenções externas.

Deste modo, os agricultores se articulam e organizam-se socialmente para enfrentar os possíveis problemas, criar alternativas e desenvolver seus próprios projetos e interesses. Esses projetos são geridos como respostas as situações criadas por outros, situações estas que os agricultores transformam, aceitam, contestam e/ou alteram.

Segundo Long e Ploeg (2011) é exatamente neste momento, de elaborar, adaptar e reproduzir projetos que o poder se apresenta e, se torna ainda mais notável, a partir das inter-relações que ocorrem ao unir ou distanciar seus projetos dos de outros. Para os autores, nestas inter-relações entre projetos é que a agência se manifesta, tornando efetivos os planos e criando, transformando ou reproduzindo variadas formas sociais.

A ideia de agência pode ser utilizada para estudar os mercados agrícolas, no sentido de analisar as diferentes maneiras pelas quais os atores sociais criam os mercados para comercializarem seus produtos (GAZOLLA e PELEGRINI, 2011). Ademais, para os autores, a noção de agência admite que os mercados da agroindústria familiar sejam vistos como consequência das ações dos agricultores, bem como da constante interação, interfaces e transformações de seus mundos e projetos.

Nesta linha de pensamento, diversos estudos vêm demonstrando como os vários atores – agricultores familiares – se organizam em torno dos problemas de comercialização e como os resolvem, e ainda, como desconstroem muitos processos de intervenção planejada ao revelar que os projetos podem ser os mesmos, mas cada grupo/ator reage de forma diferente.

Triches e Schneider (2012), por exemplo, realizaram um estudo que apontou as dificuldades de operacionalização do Programa de Alimentação Escolar no município de Rolante-RS e as respectivas estratégias de superação adotadas pelos atores sociais envolvidos. Neste sentido, os autores destacam três grandes problemas: a burocracia dos trâmites, a organização dos agricultores e a formalização das agroindústrias. Para superar estas dificuldades os autores relatam que, dentre outros fatores, houve muitas discussões entre as lideranças locais e os agricultores em torno da adaptação do programa as suas realidades e que, nesta arena de luta, “as formas como os agricultores ou o local se organizam imprimem um papel crucial no desenvolvimento de novos mercados” (TRICHES e SCHNEIDER, 2012, p. 83).

Em outro estudo semelhante no município de Dois Irmãos-RS, Triches, Froehlich e Schneider (2011) também constataram que embora sob as mesmas normas e legislações de outros municípios, determinados locais alteraram a estrutura existente, denotando que os atores sociais e o local são peças fundamentais nos processos de mudança e na construção de mercados. Os autores defendem que os mercados são construídos de maneira fragmentada, fortuita e combinada, ao invés de simplesmente arquitetados, planejados e impostos sobre as sociedades.

Silveira e Hillesheim (2015), em um estudo realizado com cooperativas da agricultura familiar na região do Médio Alto Uruguai do Rio Grande do Sul/Brasil, destacaram a importância que o Fórum Regional de Cooperativismo tem no processo de articulação e intercooperação das cooperativas que, em rede, tem maiores condições de enfrentar os problemas de comercialização, bem como os grandes varejistas e distribuidores que por vezes dominam os espaços.

Neste sentido, a ideia destas cooperativas era de criar, com apoio de diversas entidades, uma cooperativa central que pudesse organizar a comercialização das cooperativas em rede (SILVEIRA e HILLESHEIM, 2015). Assim, está em processo e articulação uma Central Virtual de Comercialização, organizada pela governança do Arranjo Produtivo Local do Médio Alto Uruguai, que envolve agricultores, cooperativas, agroindústrias, associações, universidades, estado, enfim, uma série de atores empenhados em criar alternativas de desenvolvimento rural para a região.

Isso vem ao encontro do que destacam Conterato et al. (2011) ao afirmar que a perspectiva orientada ao ator ressignifica o papel e o lugar dos mercados, os quais deixam de ser estruturas rígidas e externas para significarem espaços sociais, decorrentes das constantes trocas e diálogos entre os agricultores e os demais atores do desenvolvimento rural, até mesmo não agricultores. Ademais, Long e Ploeg (2011, p. 37) afirmam que “As relações de mercado são, no mínimo, mediadas, se não mesmo ativamente planejadas e construídas, pelos próprios atores.”.

Diante do exposto, parece ser possível afirmar que o poder de agência dos atores é o responsável por fazer com que eles criem condições de subverter as imposições e dificuldades a seu favor, transformando suas realidades e criando novos ou mais apropriados canais de comercialização e mercados.

5. Considerações finais

A teoria da modernização bem como as teorias marxistas tendem a analisar o desenvolvimento como resultado de forças externas. A primeira concebe o desenvolvimento como progresso, entendendo que a adoção de tecnologias e a superação do “atraso” seria a solução para todos os problemas. Já as teorias marxistas enxergam o desenvolvimento como sendo um processo desigual, que abrange a exploração dos países periféricos e das populações marginalizadas e que desenvolvimento é o próprio desenvolver do capitalismo.

Assim, a partir da necessidade de ultrapassar as limitações destas abordagens estruturais surge a Perspectiva Orientada ao Ator buscando analisar como os atores sociais se enfrentam nas várias lutas por recursos, significados, controle e legitimidade institucional. Esta abordagem visualiza os indivíduos como participantes ativos dos processos, não como simples receptores de informações, e, apresenta a agência humana como seu conceito central.

O conceito de agência mostra-se apropriado para estudar os mercados e as diferentes formas pelas quais os agricultores se organizam e criam seus espaços sociais. A partir dos conceitos da Perspectiva Orientada ao Ator é possível compreender porque algumas iniciativas dão certo e outras não, frente às mesmas características conjunturais. O sucesso ou insucesso dos projetos depende do olhar dos atores envolvidos, e esse olhar é marcado pelas suas experiências de vida e pelas estruturas sociais nas quais habitam.

Referências

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1. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. jaquelinepsilveira@hotmail.com
2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. edson.talamini@ufrgs.br


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