Espacios. Vol. 37 (Nº 24) Año 2016. Pág. E-2

Ensino de física: A interação social como favorecedora da evocação do pensamento metacognitivo

The interaction process as achiever of as an activator of metacognitive thinking in classes of experimental

Cleci T. Werner da ROSA 1; Álvaro Becker da ROSA 2

Recibido: 17/04/16 • Aprobado: 11/05/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Referencial teórico

3. Metodologia

4. Análise dos dados coletados

5. Considerações finais

Referências bibliográficas

Agradecimentos


RESUMO:

O estudo descreve uma investigação sobre o processo de interação entre estudantes do ensino médio no momento em que realizam atividades experimentais em aulas de Física. O foco é a avaliação do processo de interação que ocorre entre os estudantes durante as atividades experimentais e o modo como a evocação do pensamento metacognitivo aparece em virtude do diálogo que ocorre no grupo. Como resultado, obteve-se indícios de que a interação favorece momentos explícitos desse tipo de pensamento e de que ele possibilita a identificação dos sujeitos de seus próprios conhecimentos e suas limitações, fundamentais na aprendizagem, especialmente em situações experimentais.
Palavras-chave: Ensino de Física, interação social, metacognição, atividade experimental.

ABSTRACT:

The study describes an investigation of the interaction process between high school students at the time they perform activities of experimental in Physics classes. The focus is the evaluation of the interaction process between the students during the experimental activities and how the evocation of metacognitive thinking arises because the dialogue that takes place in the group. As a result, this study showed indications that the interaction favors metacognitive thinking explicit moments of evocation and that this makes possible the identification of the subjects of their own knowledge and their limitations, fundamental in learning, especially in experimental situations.
Key-words: Teaching of Physics, Social interaction, metacognition, experimental activity.

1. Introdução

O homem é único animal que internaliza objetos, fatos e acontecimentos advindos do meio externo criando suas representações mentais. Essas, por sua vez, não são meras fotografias desse meio externo, mas sim construções (ou reconstruções) a partir de estruturas já existentes, influenciadas por aquilo que o aprendiz vivencia em seu entrono social e cultural, mas também por aqui que ele já apresenta em sua estrutura cognitiva. Vigotski (1999, p. 64) menciona que o processo de internalização consiste em três momentos, assim especificado por ele: na reconstrução e ocorrência interna de uma operação que inicialmente representa uma atividade externa; na transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal; e, esta transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento.

Nesse entendimento, o papel da escola, na voz de seus professores, passa a ser o de estabelecer relações entre os significados pessoais dos seus alunos e os culturalmente estabelecidos, proporcionando situações de aprendizagem e de desenvolvimento. Esse modelo pedagógico busca superar a concepção de que o professor é um transmissor de conhecimento, como apregoado na escola tradicional, mas como alguém que oportuniza a construção dos saberes. E ainda, como aquele que proporciona situações didáticas a seus alunos de modo que esses aprendam a aprender, a reconhecer seu próprio modo de pensar e agir.

A interação, pelo qual se tem particular interesse nesta pesquisa, representa a oportunidade de estabelecer diálogo com o outro, professor ou  colega, de forma que que se possibilite a construção de cada estudante construa seus conhecimentos escolares e não apenas os aceitem passivamente. Nesse contexto, a metacognição surge como alternativa para que o aluno aprenda a estruturar seu pensamento no sentido de promover a autorregulação que, por sua vez, está relacionada à identificação por parte dos sujeitos dos mecanismos que estão sendo ativados e, também, à forma como controlá-los durante as atividades de aprendizagem (DOLLY, 1999). Portanto, a interação pode ser considerada ativadora do pensamento metacognitivo, que, por sua vez, é responsável pela identificação por parte dos sujeitos de como aprender e do que precisam para essa atividade. Esse entendimento leva a que se investigue a forma como as atividades didático-metodológicas orientadas pela metacognição são potencializadas quando desenvolvidas de modo a privilegiar a interação entre pares, no modelo de uma aprendizagem colaborativa.

Rosa (2011), ao investigar a viabilidade de uma proposta didático-metodológica de atividades experimentais de orientação metacognitiva, analisou como os estudantes se portavam frente a esse modelo durante as atividades. Sua investigação centrou a atenção no comportamento dos alunos durante as atividades, avaliando a presença de elementos metacognitivos previamente identificados no estudo. Apesar de as atividades propostas serem desenvolvidas em pequenos grupos, em que o diálogo entre os estudantes é facilitado pela proximidade física, o estudo não avaliou como a interação entre os estudantes e entre esses e o professor infere na evocação do pensamento metacognitivo. Dessa forma, a presente investigação se ocupa de reproduzir tais atividades experimentais, procedendo à análise com base na fala dos estudantes da forma como se dá essa interação e como a aprendizagem colaborativa atua na evocação desse pensamento.

Para tanto, o estudo apresenta como objetivo a análise das falas dos estudantes durante a realização de atividades experimentais na orientação metacognitiva, de modo a identificar a potencialidade da interação entre os estudantes e entre eles e o professor para a evocação desse tipo de pensamento. Adota-se como referencial o entendimento de metacognição apresentado no estudo de Rosa (2011), bem como se estabelece as mesmas categorias de análise apontadas no trabalho desse autor. A distinção entre os estudos está na identificação da presença dos elementos metacognitivos na fala dos estudantes, em uma abordagem que busca a aprendizagem colaborativa.

2. Referencial teórico

O estudo adotado como referência é desenvolvido por Rosa (2011), no qual define-se metacognição como sendo o conhecimento que o sujeito tem sobre seu próprio conhecimento acrescido de uma dada capacidade de regulação dos processos executivos somada ao controle e orquestração desses mecanismos.  Nesse sentido, o conceito compreende duas componentes: o conhecimento do conhecimento e o controle executivo e autorregulador. A componente conhecimento do conhecimento é subdivida em três variáveis: pessoa, tarefa e estratégia. No caso do controle executivo e autorregulador consideram-se três operações executivas: planificação, monitoração e avaliação.

De forma sintetizada, pode-se dizer que a variável pessoa relaciona-se ao conhecimento que os indivíduos têm sobre si mesmos; já a variável tarefa está relacionada às suas demandas e o que ele reconhece sobre elas; por sua vez, a variável estratégia representa o momento em que o sujeito se questiona sobre o que precisa ser feito e quais os caminhos a serem seguidos para atingir o objetivo almejado. Em termos das operações, entende-se por planificação o momento em que o sujeito procede à previsão das etapas envolvidas na ação, definindo as estratégias. A operação de monitoração é responsável pelo controle e pela verificação da ação, exercendo uma avaliação constante do realizado frente ao objetivo pretendido. A avaliação, último elemento do processo de evocação do pensamento metacognitivo, possibilita o confronto entre os resultados atingidos e o objetivo estabelecido.

Somada à compreensão do termo metacognição, Rosa (2011) enfatizou a importância de que o professor considere em seu planejamento a necessidade de contemplar nas atividades didáticas tais elementos, uma vez que eles atuam como favorecedores do pensamento metacognitivo. Este tipo de pensamento tem sido considerado o que diferencia um estudante expert em Física de um novato, conforme evidenciado em estudos como os realizados por Chi, Glaser y Rees (1982), Chi, Bassok, Lewis, Reimann y Glaser (1989), Lakin (1993), entre outros. Devido a isso, e considerando que essa forma de pensamento poderá ou não ser espontânea nos sujeitos, ressalta-se a importância de que o professor possibilite sua explicitação, principalmente nas disciplinas em que os estudantes apresentam maior dificuldade de compreensão.

De fato, se o pensamento metacognitivo é um mecanismo ativador da memória e do autoconhecimento, contribuindo para a aprendizagem em Física, o papel do professor passa a ser de criar situações e de estabelecer estratégias que facilitem a evocação desse pensamento. Além disso, a presença desse tipo de pensamento proporciona a autonomia dos estudantes, contribuindo para que sejam independentes na busca pelo conhecimento e aprendam a aprender.

A utilização explícita em sala de aula dessa forma de pensamento é reconhecida como uma estratégia de aprendizagem e poderá ocorrer mediante a utilização de diferentes ferramentas didáticas, dentre essas - e relacionadas ao ensino de Física - destacam-se: os mapas conceituais, o V epistemológico de Gowin, a estratégia POE (Predizer, Observar e Explicitar) e os Questionamentos metacognitivo. Tais ferramentas se adequam às diferentes ações didáticas, sejam essas resolução de problemas, leitura e interpretação de textos, atividades experimentais, aulas expositivas ou mesmo processos de avaliação. 

No estudo de Rosa (2011), a proposta didática utilizada referia-se na realização de atividades experimentais, na qual foram empregados a como ferramenta os questionamentos metacognitivos. Os roteiros-guia, elaborados para as atividades experimentais, apresentavam três questionamentos metacognitivos em que os estudantes deveriam, em seus grupos de trabalho, refletir individualmente sobre seus conhecimentos, ou com seus colegas acerca da ação em execução. Cada questionamento foi inserido em momento específico e estratégico de modo a possibilitar que os elementos metacognitivos elencados anteriormente pudessem ser acessados. 

Uma das características presentes nas atividades experimentais realizadas em grupo, conforme proposto pela autora, é a interação entre os pares ou entre alunos e professor. De forma distinta das demais ações didáticas, as experimentais favorecem a liberdade de diálogo e de ação, que aliada à manipulação de equipamentos, possibilita que os estudantes sintam-se livres e desinibidos para testar, perguntar e questionar conhecimentos. Muitas vezes, em sala de aula, diante dos colegas, os alunos deixam de questionar o professor por se sentirem constrangidos, o que nas atividades práticas é amenizado.

A interação que ocorre nos grupos de trabalho conduz a trocas que favorecem a aprendizagem. Trata-se de um momento no qual os alunos interferem nas ações dos seus colegas, são influenciados por eles e têm a oportunidade de rever e de expor seus conhecimentos. Além disso, o trabalho em grupo favorece a formulação de hipóteses e o confronto entre elas, o que, na perspectiva da construção do conhecimento, representa a possibilidade de modificações no pensamento. Portanto, as atividades experimentais na concepção apresentada no estudo de Rosa (2011) valorizam a aprendizagem colaborativa decorrente do processo de interação social.

Essa interação assume papel de grande relevância no processo de desenvolvimento cognitivo do sujeito, conforme mostra Vygotsky. Para ele, o desenvolvimento pleno do ser humano vai depender do aprendizado que o sujeito realiza num determinado grupo cultural, a partir da sua interação com os outros indivíduos. Nessa perspectiva, a interação social é enfatizada com base na dialética estabelecida entre indivíduo e sociedade, por meio da linguagem e da cultura, sendo, pois, fundamental para a interiorização do conhecimento, ou para a transformação dos conceitos espontâneos (cotidianos) em científicos – pelo processo de tornar intrapessoal o que antes era interpessoal. Em Vygotsky, a interação permeia todos os seus conceitos, de tal modo que atividades consideradas como componentes do mundo interior do homem passam a ter caráter social e cultural; os processos intrapessoais são, antes, obrigatoriamente, interpessoais, ou seja, adquiridos pela interação social.

Conforme Rego (1996), o desenvolvimento cognitivo é influenciado pelas experiências do indivíduo, de modo que cada um dá significado particular às suas vivências. O modo de cada um apreender o mundo é individual e o papel do outro na construção do conhecimento é de relevância ímpar, já que o que o outro diz é constitutivo de conhecimento.

Nesse processo de interação social, situado na perspectiva vygotskyana, a metacognição pode ser identificada como mecanismo autorregulatório do pensamento, representada pela capacidade do sujeito de retomar suas ações de forma consciente e buscar alternativas que possibilitem controlar sua ação ou seu pensamento. Dessa forma, a utilização do pensamento metacognitivo por parte dos sujeitos, pode ser ativada por meio de suas interações.

A interação entre os pares, na perspectiva de uma aprendizagem realizada em colaboração, favorece discussões e possibilita que os estudantes exponham seus pontos de vista e suas concepções de forma mais livre. O diálogo sem o medo de errar permite que os conhecimentos prévios ou as concepções alternativas sejam expostas e revistas de modo a ampliar e confrontar os conhecimentos na direção da formação conceitual objetivada pelo professor.

3. Metodologia

O presente estudo caracteriza-se como uma investigação de abordagem qualitativa e teve como instrumento de coleta de dados a gravação de áudio que apresentou por objetivo registrar os diálogos e as manifestações verbais dos estudantes durante as atividades experimentais.

O estudo foi desenvolvido em uma escola estadual do município de Passo Fundo-RS no ano de 2013. Foram convidados a participar do estudo doze estudantes do primeiro ano do ensino médio (faixa etária entre 14 e 16 anos), que, por livre adesão, compareceram a três atividades desenvolvidas em horário alternativo a suas aulas. Tais estudantes foram divididos em quatro grupos de trabalho.

Diante da amostra a ser pesquisada, procedeu-se, no segundo semestre de 2013, à realização de três atividades experimentais integrantes da proposta de organização didático-metodológica de abordagem metacognitiva já apresentada em estudo anterior de Rosa (2011). Tais atividades foram estruturadas e desenvolvidas pela pesquisadora seguindo os conteúdos previstos pela professora da turma, a saber: movimento retilíneo de velocidade constante; construção dos gráficos do movimento de velocidade constante; movimento retilíneo de aceleração constante.

Em cada um dos quatro grupos de trabalho, denominados de G1, G2, G3 e G4, foi posicionado um gravador para registro das falas do respectivo grupo. Situação que se repetiu nos três encontros, tendo sido inclusive mantidos os estudantes nos mesmos grupos. Dessa forma, ao final de cada uma das atividades havia quatro gravações das aulas de cada grupo, perfazendo um total de doze gravações. Tais gravações buscaram captar o contexto das aulas em que se observou o desenvolvimento do o diálogo entre os estudantes , de modo que se pudesse  verificar as manifestações verbais e a forma como as interações estavam ocorrendo. Foram registradas as conversas entre os estudantes do grupo, entre eles e a professora, incluindo as falas paralelas. Os gravadores utilizados foram no modelo digital, sendo que em um dos grupos, além do áudio, foi possível registrar imagens com o uso de um tablet Sansung. Para a transcrição, foi necessário recorrer à utilização de um programa de edição e produção de áudio  para melhoria da qualidade do som.

Todas as gravações foram consideradas no estudo e constituíram material de investigação, contudo, foram transcritas apenas quatro delas, referindo-se sempre ao mesmo grupo nas três atividades, o qual foi selecionado aleatoriamente. A exceção que levou a incluir a quarta gravação ocorreu na terceira atividade, devido à interrupção ocorrida ao final da gravação. Ou seja, na última atividade experimental, o grupo escolhido para a transcrição das gravações sofreu uma interrupção, próxima ao final, levando a que fosse suprimida parte importante do trabalho - como o terceiro Questionamento metacognitivo. Desse modo, julgou-se pertinente acrescentar a transcrição de outro grupo como forma de mencionar tal parte do trabalho, sem, contudo, deixar o grupo referência de fora da transcrição. Com isso, busca-se que as gravações de áudio revelem o contexto da aula e as trocas verbais entre os componentes do grupo, de modo a fornecer elementos para que seja discutida a importância de um trabalho em grupo e do quanto a metacognição pode ser beneficiada por esse processo de interação social e cognitiva. As gravações envolvendo imagens contribuíram para a análise das interações, possibilitando a resolução de dúvidas decorrentes da fala dos participantes.

4. Análise dos dados coletados

O estudo de caráter exploratório objetivou analisar a fala dos estudantes no momento de interação em seus grupos de trabalho, investigando a potencialidade dessa interação para a evocação do pensamento metacognitivo. As três atividades experimentais foram guiadas pela pesquisadora que assumiu a condição de professora da turma. Sua ação foi estruturada de modo a permitir que os alunos participassem da aula, conduzindo um processo de ação didático-metodológico que levasse à evocação do pensamento metacognitivo, não limitando esses momentos aos questionamentos presentes nos roteiros-guia. Buscou-se manter os estudantes atentos e orientados em relação ao trabalho em desenvolvimento, mas oportunizando os momentos  de reflexão acerca de seus conhecimentos e sobre como deveriam proceder em suas ações. No decorrer da atividade os estudantes eram levados a exporem seus pensamentos e a expressarem como iriam desenvolver a tarefa proposta.

A análise dos dados coletados na pesquisa refere-se à fala entre os estudantes e ao diálogo deles com a pesquisadora, apresentando-se extratos que mostram momentos da ativação dos recursos metacognitivos pelos estudantes e da forma como eles estruturam seus pensamentos e organizam suas ações, por meio da interação com o outro.

Para a apresentação e análise dos dados coletados adotam-se as mesmas categorias do estudo anterior, ou seja, os seis elementos metacognitivos enunciado no trabalho de Rosa (2011). Por questões de estruturação do texto, optou-se por organizar tais elementos em três grupos, assim divididos: no primeiro estão alocados os elementos metacognitivos pessoa, tarefa, estratégia e planificação; no seguinte, estão os dados do elemento monitoração; e, ao final, o elemento avaliação. Ainda de maneira análoga ao estudo anterior, os dados a serem apresentado seguem os itens presentes nos roteiros-guia, inferindo-se as falas dos estudantes. Tais falas foram transcritas e estão identificadas pela utilização de letras, assim especificadas: "P" para identificar o momento em que a pesquisadora falava e "E" ao tratar-se de estudantes. Esses estudantes foram identificados ainda pelos números 1, 2 e 3. E, também, quando se refere à leitura do roteiro-guia utilizou-se a frase entre aspas.

4.1 Pessoa, Tarefa, Estratégia e Planificação

As atividades experimentais foram acompanhadas por roteiros-guia, estruturados de forma a dialogar com os estudantes nos quais havia momentos específicos de questionamentos de natureza metacognitiva, os questionamentos metacognitivos.

As atividades iniciaram pela contextualização do conhecimento, cujo objetivo era trazer os estudantes para a situação em estudo. A finalidade da contextualização é ativar o pensamento do estudante de forma a resgatar nele situações vivenciadas e que têm a ver com o conhecimento em estudo. Em termos metacognitivos, pode-se dizer que, nesse momento, busca-se que o estudante identifique em sua estrutura de pensamento momentos que lhe possibilite um reconhecimento. Trata-se de uma aproximação que pode resultar na evocação do pensamento metacognitivo.

Na primeira atividade experimental, no momento em que a pesquisadora questionou os estudantes sobre o que significam das imagens por ela apresentadas, o intuito estava em iniciar nos estudantes um processo de resgate de suas lembranças, tanto em termos de situações vivenciais, quanto em termos de conteúdo. O diálogo que segue, referente à primeira atividade experimental, nesse sentido, ilustra o descrito e a forma como os estudantes do grupo selecionado para transcrição participaram desse momento.

P: […]o que as duas imagens ali  poderiam ter em comum entre elas e ter uma relação direta com o que vocês estão estudando ... o que são aquelas duas imagens ali?

E1: Imagem?

P: Um avião, vamos lá, vamos lá

E1: Um movimento, só.

P: Um avião … em voo.

E1: Não está em voo.

E3: Nunca andei de avião, será que dá medo?

E2: Medo?! Não tem terrorista aqui [risos]

P: E a outra, o que vocês identificaram ali da outra, uma esteira em movimento, levando o quê?

Alunos de outros grupos: Garrafas.

P: Garrafas para ser … enchidas, correto?

E3: Professora estou com sede.

P: O que a gente poderia identificar em comum nestas duas imagens ali? Estão em movimento, perfeito? Nós estamos estudando o movimento, nós identificamos que os dois,  estão relacionados ao movimento. E este movimento está lembrando o que a vocês, o que?

E2: Velocidade?

E3: Como a máquina controla as garrafas? Como faz isso?

E2: Tu nunca viu enchendo garrafa? É uma depois da outra. Tudo andando igual.

E3: É uma depois da outra, a cada minuto, tantas garrafas, he!

Em termos metacognitivos quando se busca uma aproximação do estudante com situações vivenciais, se está proporcionando que ele se conscientize de processos que poderão levá-lo a melhoria de sua aprendizagem. Estes processos podem ser de âmbito metacognitivo, pois a narração de uma situação pelo professor poderá trazer lembranças que lhe sejam favoráveis e poderá mantê-lo atento e interessado na atividade. A interação entre os estudantes e a pesquisadora ou mesmo entre eles, ainda que de forma tímida, já no início da atividade proporcionou que recordassem situações anteriores que poderiam contribuir para a construção do novo conhecimento. Assim, possibilitar a exposição de situações vivenciadas ou conhecidas dos estudantes e permitir que façam suas inferências possibilita resgatar saberes e construí-los de forma mais elaborada, contendo novas informações.

Na continuidade da atividade experimental foi apresentado aos alunos o objetivo (cognitivo) do estudo para que pudessem estabelecer conexão com a situação contextualizada e o estudo.  A partir da discussão do objetivo, foi-lhes apresentado a atividade a ser realizada, descrevendo os materiais que seriam utilizados. O próximo item do roteiro-guia solicitava aos estudantes que estabelecessem as hipóteses de estudo. Ainda no grande grupo, os alunos iniciaram suas falas de modo a fazer suas inferências sobre o que supunham acontecer.

P: Agora eu quero que vocês me digam, tá: para estudar o comportamento da velocidade da bolha de ar dentro do tubo de vidro contendo óleo, vamos pensar em discutir o seguinte: A velocidade dessa bolha de ar se mantém constante … ou ela sofre alteração?

E3 e E2: Sofre alteração.

P: Ela sofre alteração. […] tu vê então porque? […]

E3: Por que tu pode tentar a estabilidade dela.

P: Mas quando ela começar a andar, ela, será que ela vai andar com uma velocidade constante ou ela vai andar com uma velocidade que muda?

E1: Invariável?

P: É?

E2: Será?

Aluno de outro grupo: Eu acho que não por causo que conforme tu mexe ela vai indo.

E2: Tá mais dai se ela […]

P: Bom tem as hipóteses. Nós como grupo temos que assumir uma hipótese. Que vocês acham? Olha o que que o colega disse: ele disse assim oh: quando inclinar ela vai andar.

Alunos de outros grupos: […]

P: Ah bom, vamos considerar que eu vou usar a mesma inclinação. Que vai acontecer? A velocidade dela vai aumentar no decorrer da bolha ou não? Decorrer do trajeto?

E1: Não.

P: Pode colocar, o que que vocês acham? Que é sim ou não?

E1: Não.

P: É interessante ter o sim e o não juntos com os argumentos, gente. Vamos assumir o que? Que ela é constante? Não é isso que vocês estão estudando? Velocidade constante?

E2: É mas como que vai começar a andar? Um carro parado não fica sempre com a mesma velocidade.

E1: Eu disse pai: tu tá andando com velocidade negativa, porque a gente tá voltando.

E2: E ele?

E1: Disse: se o carro vai mais rápido a velocidade é positiva, se vai devagar é negativa.

E3: Tá errado! Isso é aceleração.

E2: É?

E3: Diz lá que a velocidade vai fica igual, só que no começo não.

E2: Professora, professora ...

E1: espera.

E3: Não. É isso mesmo. Aquela bolha vai andar como as garrafas, sempre da mesma forma. Só no começo que não.

A interação entre os estudantes do grupo possibilitou que eles estabelecessem a sua hipótese e ampliassem seus conhecimentos. A liberdade de discussão com colegas e a riqueza das falas no grupo permitiram resgatar conhecimentos e identificar o que se sabe sobre o assunto.  Na continuidade da atividade foram retomados os conhecimentos necessários para a realização da atividade, possibilitando que os estudantes lembrassem e trouxessem a tona seus saberes sobre o assunto em estudo.

A partir dessa retomada, foram distribuídos os equipamentos aos estudantes e solicitado que prosseguissem a atividade, respondendo ao próximo item do roteiro-guia, o qual constituiu-se de itens que objetivaram provocar a reflexão dos estudantes acerca de suas ações antes de executá-las. Esse pensar reflexivo referia-se à identificação de como proceder e do que seria preciso para efetivar a ação. A seguir, estava o primeiro questionamento metacognitivo, ao qual os estudantes eram convidados a responderem individualmente, expondo ao seu grupo suas respostas. Nesse questionamento, o objetivo estava em ativar o pensamento metacognitivo em termos dos elementos pessoa, tarefa, estratégia e planificação, proporcionando a identificação do que e como sabem, sobre si, sobre seus colegas, sobre a ação a ser executada (atividade experimental) e sobre qual a estratégia a ser utilizada. Além disso, buscava averiguar se havia um planejamento sobre como iriam executar a atividade.

As respostas dadas pelos alunos eram as esperadas, apresentando-se de forma curta e direta, sem muitas discussões nos grupos. Salienta-se que o objetivo é fornecer condições para a evocação, se ela de fato irá ocorrer não se pode concluir, pois é uma questão pessoal e interna do sujeito. As gravações de áudio revelaram essas respostas diretas entre os componentes do grupo, conforme mostra o diálogo do grupo três na segunda atividade experimental (estudo do movimento de aceleração constante):

E1: "Qual é o tema em estudo nesta aula? Do que estamos falando".

E3: MRUV, […] [Risos]

P [Grupo]: Ahn?

P [Grupo]: Não, não é MRUV, o que é isso aqui? O "v" o que que é? MRU é quando a velocidade é constante e MRUV quando a aceleração é constante. Tem aceleração aqui?

E3: Tem, porque a medida é variável, […]

P [Grupo]: Ah, é, é variado, mas esse variado é de variar a velocidade, no nosso é não variar a velocidade … ahn, isso é a semana que vem.

P: Ai vão repetir a aula anterior pra ter os dados, tá, ai. Ai podem virar e fazer. … Podem fazer bem direitinho. Os que quiserem fazer uma vez de rascunho e a outra oficial, né. É bom pra ver se tá tudo Ok, né. Depois faz lá […]

E1: "Vocês entenderam a atividade e estão interessados em desenvolvê-la?"

Aluno do grupo: Aham. Aham, responde aqui ó.

E2: Eu não entendi. Tá, eu não entendi. Sabe né, não sou boa em Física.

E1:Você vai largar esse negócio aqui e ai ele vai indo e cada vez andando mais rápido.

E3: Isso é a aceleração?

E1: Sim.

E2"Sentem-se seguros para iniciar ou é preciso rever algum conhecimento, fórmula, conceito, etc. ou procedimento?"

E3: Não, quer dizer sim.

E2: Tá o que é pra fazer? Eu não entendo isso.

E1: Olha aqui ... Assim, tá.

E1: "Lembram da atividade realizada na aula anterior?"

Alunos do grupo: Sim

E2: Tá o que foi feito?

E1: Lembram a bolha de ar andava com a mesma velocidade no tubo de vidro, tipo anda daqui até ali sempre no mesmo tempo. 

E2: Um MRU.

E1: "Desenvolver uma atividade relacionada diretamente à anterior é algo que já tinham feito?"

E3: Hum … não.

E1: "Os equipamentos e materiais de que irão precisar estão disponíveis no grupo?"

E2: Sim. Continua.

E3: Tem mais borracha?

E2: Pra que?

E3: Se não der eu coloco ela de pé.

E1: "Há um planejamento sobre como desenvolver a atividade? Quem vai fazer o quê, por onde começar, como registrar os resultados, etc"

E3:  A XXX anota, a XXX observa e eu olho o cronômetro.

Em termos dos elementos metacognitivos investigados nesse item, relata-se o que segue:

A variável pessoa representa a identificação dos estudantes sobre características pessoais nas quais reconhecem suas convicções sobre si mesmos e sobre seus colegas. É o momento em que identificam como funciona o seu pensamento, como processam as informações que lhes são fornecidas, caracterizando-se pela identificação dos estudantes de suas crenças e de seus conhecimentos, assim como pela identificação dessas características no outro. Extratos das falas demonstram que os estudantes refletem sobre suas particularidades: "Sempre fico com dúvida porque não é zero"; "Nós já vimos gráficos, só que eu não entendi, não sou boa em Física ". "não sou boa, né". "Tá eu li, mas não entendi". Expressões manifestadas pelos estudantes que revelam que identificam características pessoais durante a realização de uma tarefa, apenas precisam estar conscientes de que é essa reflexão que o levará a entender como compreender as atividades ou os conteúdos disciplinares.  

Na variável tarefa, que se refere à dimensão da atividade a ser feita e o que é preciso para desenvolvê-la, percebe-se que os estudantes também manifestam expressões que estão relacionadas à identificação da tarefa e a seu sentimento sobre ela: "eu sou apaixonada por tabelas"; " é igual ao da semana passada, bem legal" ; "já não gostei daquela conta lá" ; "vai ser legal" .

No elemento metacognitivo estratégia, identifica-se quando, onde, como e por que aplicar determinadas táticas para realizar uma tarefa. A presença desse elemento pode ser identificada na fala dos estudantes: "A gente vai ver a posição da bolha aqui de tempo em tempo, ahn, acho melhor de três em três, igual a da outra aula, mas tem que cuidar, é bem rápido"; "Quem vai fazer isso? Eu só gosto de anotar, porque não consigo cuidar direito isso" . "Anota aqui e olha ali ... vai tu que é mais habilidoso" .

É o momento em que os estudantes questionam o professor sobre o modo como proceder na atividade experimental, ou mesmo mostram que entenderam o que deverá ser realizado. Nesse elemento, o que está em discussão é a maneira como a atividade vai ser desenvolvida, encontrando-se muito próxima da planificação, que integra o controle executivo e autorregulador das ações, mas difere desse por apresentar a peculiaridade de estar vinculado ao conhecimento do sujeito sobre os seus conhecimentos.

Nesse elemento são enquadradas as manifestações relativas à planificação explícita do que será feito, do procedimento a ser realizado, no qual o estudante busca discutir no grupo a forma como a atividade experimental será realizada. A verificação de que os alunos abordam nos seus grupos possíveis alternativas de desenvolvimento para a atividade experimental, que identificam a estratégia frente aos equipamentos disponíveis ou mesmo o fato de que percebem que estão utilizando uma fórmula errada ou  um procedimento equivocado são  indicadores de que o elemento metacognitivo - estratégia esta presente.

As gravações de áudio fornecem momentos de manifestação oral desse elemento ao longo de toda a atividade desenvolvida, como por exemplo: "Eu acho que nós fizemos errado o cálculo da velocidade"; "Aqui nós tínhamos que ter colocado cinco, dez e não cinco vírgula cinco, por que não dá pra ver esse vírgula cinco" ; "Aqui tem que colocar a fórmula, escrever o valor da posição e dividir pelo tempo que é sempre cinco" . "Precisa de alguma coisa pra erguer o vidro e fazer a bolha andar. Espera aí, ela não está muito grande?". Percebe-se nesses diálogos que as manifestações relativas à estratégia não se limitaram a questões de equipamentos e alternativas para realizar a atividade, mas se estenderam para discussões mais operacionais da atividade, tais como o cálculo de velocidade, a aceleração, a representação em gráficos, etc.

Sobre isso, cabe mencionar que a organização do roteiro-guia não favoreceu a discussão de outras estratégias, já que essa era uma definição dada na atividade, da mesma forma que os materiais e equipamentos a serem utilizados.

 Por fim, tem-se a planificação como responsável pela previsão de etapas, avaliação das estratégias em relação à finalidade e aos resultados da ação, fixando metas sobre como proceder para realizar a ação. Nas gravações de áudio, esse elemento foi percebido em diálogos como: "Eu anoto, tu observa e a XXX cuida o cronômetro.";"A XXX vai anotar as posições, a XXX o tempo, a XXX anotar"; "E aí depois começa, no instante três, quando der três segundos a XXX vai bater na mesa. A XXX bate na mesa e ai tu vê a posição que ele ta, ta no cinco, onde ele ta.". Observa-se que nas duas primeiras colocações dos estudantes, tratava-se de uma definição de papeis e na terceira manifestação, havia uma definição conjunta de quem faria o que na atividade. Em alguns grupos a partir dessa definição de papeis não houve necessidade de discutir novamente ou de detalhar como fazer, mas em outros se observa a necessidade de um detalhamento sobre o como fazer, sendo que em alguns houve, inclusive, a necessidade de trocar de papeis durante a coleta de dados em virtude de limitações pessoais (grupo um na terceira a atividade experimental; grupo três na primeira atividade).

4.2 Monitoração

No prosseguimento da atividade, foi apresentado aos estudantes o item do roteiro-guia denominado "procedimento". Nesse momento, a pesquisadora orientou as atividades para que os estudantes em seus grupos de trabalho tivessem oportunidade de diálogo sobre o conhecimento, o procedimento, os equipamentos e os materiais disponíveis. Além disso, representou momento de significativa importância dentro do contexto da atividade experimental, repercutindo em oportunidade de autonomia, aprendizagem e reflexões.

Essa etapa representou a possibilidade de os estudantes utilizarem seus recursos cognitivos a fim de controlar e regular o desenvolvimento da ação pretendida. E mais, pode e deve, segundo a proposta deste estudo, representar momento de evocação do pensamento metacognitivo, sendo para isso oportunizado a eles o questionamento metacognitivo II, o qual foi inteiramente elaborado com o propósito de explicitar a evocação do elemento monitoração. 

A monitoração executiva representa a aquisição de informação sobre os processos de pensamento do pensar da pessoa durante uma atividade, envolvendo decisões sobre a tarefa a ser executada, como se está executando, os progressos obtidos, o processo de evolução dessa execução e sobre a possibilidade de êxito. É uma avaliação do pensamento durante o fazer, permitindo regular a ação executiva.

Essa monitoração permite que os estudantes se mantenham atentos à atividade experimental, de modo que possam alterar o curso da atividade em tempo. As gravações de áudio foram ricas nesse sentido, mostrando que a organização da atividade propiciou uma interação entre eles com momentos de discussão, de retomada e de reformulação dos saberes, na busca por atingir o objetivo da atividade. A monitoração parece ter estado presente durante toda a atividade, podendo ser exemplificada pelas expressões do tipo: "Tá, vamos deu? 85, 175, 290, 480, ai acho que está muito estranho" ; "Acho que vamos ter que repetir, tá muito alto este trilho, eu vou diminuir um pouco" .

Nesses exemplos, percebe-se que, ao realizar a atividade, os estudantes monitoram suas ações, entretanto, essa monitoração precisa ser de âmbito metacognitivo, ou seja, ela precisa fornecer as condições para que ele entenda por que pensa e procede de tal forma e, principalmente, avaliar se, agindo dessa forma, chegará a atingir o objetivo. Esses dois aspectos parecem estar presentes, porém encontraram-se dificuldades para identificar, na fala dos estudantes, se de fato tais colocações estavam associadas a uma evocação do elemento metacognitivo monitoração, ficando na sugestão da existência dessa evocação.

Entretanto, no momento de responder ao segundo Pit stop, elaborado inteiramente com o propósito de ativar explicitamente esse elemento metacognitivo, obteve-se respostas curtas e diretas a exemplo do primeiro Pit stop, indicando a evocação desse elemento metacognitivo. O diálogo entre os estudantes mostrou que eles responderam as questões, mas o nível em que elas atuaram dentro do pensamento de cada estudante ficou aquém de suas falas. Evidentemente, esse questionamento metacognitivo apresentava o propósito, assim como o anterior, de favorecer condições explícitas de evocação para aqueles que ainda não o tinham alcançado. Nesse sentido, julga-se que, mesmo com as respostas limitadas, muitos estudantes devem ter alcançado tal objetivo metacognitivo.

4.3 Avaliação

Ao término do procedimento da atividade experimental, o roteiro-guia conduziu os estudantes a buscarem  a discussão e sistematização dos resultados encontrados. No nível de escolarização em que os estudantes sujeitos da pesquisa se encontram, pode-se dizer que o enceramento de uma atividade com discussões e reflexões é uma tarefa difícil.  Os estudantes julgam a execução da tarefa como a etapa de encerramento dessa, não valorizando a organização e a discussão dos resultados obtidos. Nesse sentido, pode-se dizer que a atividade experimental proposta pretendia valorizar esse momento, oferecendo condições para estabelecer discussões nos grupos de trabalho referente à organização dos resultados e à forma de apresentá-los ao grupo. 

A avaliação antecedida pela monitoração apresenta a possibilidade de que os estudantes, ao organizarem seus resultados, o façam de modo a já ter refletido sobre como procederam na atividade, questionando se tudo funcionou conforme a expectativa ou se algo precisou ser revisto. Em termos metacognitivos, a monitoração fornece a possibilidade de ter em mente os processos que o levaram a agir de determinada maneira ou de outra. Assim, ao iniciar a etapa de avaliação, pretendia-se que os estudantes estivessem cientes de qual caminho estavam trilhando tendo clareza de suas opções.

Avaliar significa retomar, julgar, verificar o que foi realizado. É uma autoavaliação, no sentido de promover uma revisão sobre o realizado e verificar se de fato entendeu o que foi feito. Essa autoavaliação requer momentos de pensar sobre o que aprendeu e sobre como aprendeu. Nada melhor que ter que explicar a alguém o que realizou e como o fez, assim como relatar o resultado encontrado, para verificar se de fato se apropriou do conhecimento. Nesse momento, o estudante opera cognitivamente de modo a reestruturar seus pensamentos e a verificar os meios que o permitiram chegar a ele. É uma forma de estruturar sua compreensão.

Os roteiros-guia elaborados para as três atividades experimentais buscaram proporcionar momentos de evocação de pensamento metacognitivo como os explicitados nos parágrafos anteriores, cuja manifestação dos estudantes ocorreu de forma significativa. As gravações de áudio revelam falas que permitem inferir que a avaliação estava presente, entretanto, sua dimensão em termos metacognitivos requer ponderação constante, pois são difíceis de serem verificadas nas falas. A seguir, transcreve-se o diálogo do grupo em uma terceira atividade em um momento anterior ao terceiro Pit stop e que se encontrava vinculado à avaliação da atividade. Esse momento tinha, igualmente, o propósito metacognitivo de fazer os estudantes entenderem como haviam desenvolvido a atividade:

E2: "Depois de preencher a tabela retome [...] o comportamento da velocidade ao longo do trecho. A partir disso, o que vocês podem afirmar sobre a velocidade?"

E1: A velocidade foi aumentando

E2: Foi aumentando no decorrer

E1: [Risos] A velocidade foi aumentando durante o tempo.

E2: Diz ai que tem velocidade e ai

E1: A gente escreve chique.

E2: "Considerando essa mesma tabela, o que vocês perceberam de diferente no ocorrido com os valores da velocidade e da posição ocupada pelo nosso Audi?"

E1: Que os valores da velocidade […]

E4: Que a posição foi aumentando e que a velocidade também.

E4: A velocidade permaneceu de 3 em 3.

E2: Não o tempo de 3 em 3. Óh, o tempo de 3 em 3. […] Olha só no 3 ela foi pra 70, depois do 70 pra 95. […] Ela tá aumentando. De 310 pra 400, ela aumentou 90. Daqui pra cá ela aumentou 105. […] Só um pouquinho que nós vamos terminar agora, prô. Mas do que a outra.

E4: É isso que eu estou me referindo, mas eu to errando o nome.

E2: As posições foram variando em uma proporção maior do que a no (horário), né. Tá vamos fazer isso. Que as posições foram variando em uma proporção maior que a velocidade.

E2: Como?

E3: Que as posições variam […]

E2: Numa proporção maior que a velocidade.

E3: Pro .. proporção.

O extrato da fala anterior mostra que as questões presentes no roteiro-guia levaram à evocação do elemento metacognitivo avaliação, entretanto, sua explicitação ficou por conta do terceiro Pit stop. Para os estudantes que ainda não haviam atingido tal evocação, este questionamento representou a oportunidade explícita para isso. Nesse questionamento estavam presentes questões para trazer à tona o desenvolvimento da atividade e a forma como ela foi desenvolvida, possibilitando pensar sobre o realizado, de modo a identificar como tinham efetivado a tarefa, se havia outra forma de proceder, se os objetivos propostos seriam atingidos e se as hipóteses definidas no início da atividade seriam confirmadas. As respostas dadas pelos estudantes ao terceiro Pit stop ilustram que houve essa possibilidade e que os estudantes responderam ao questionamento de forma simples e direta, ficando implícita a questão mais específica da evocação, conforme pode ser observado na transcrição do diálogo do grupo três na segunda atividade:

E1: "Tendo que contar a alguém sobre a aula, vocês se sentiriam em condições  de descrever o que foi feito e o resultado encontrado?" Não.

E3: Sim. [Risos]

E3: Hoje estava todo mundo meio parado, por isso foi difícil, […] eu? Acho […]

E1: "Tudo funcionou legal na atividade?"

E3: Sim.

E1: "Na opinião de vocês, algo poderia ter sido feito de forma diferente? Utilizando outro procedimento, por exemplo?"

E3: Não. Não sei acho que não.

E1: Não. "Os resultados encontrados permitem responder ao objetivo da atividade?"

E2: Sim.

E3: Sim.

E1: "Qual o significado do resultado? Era o esperado pelo grupo?"

E3: Sim. Foi sim, então, [Risos] Foi. Esperado pelo grupo. Qual era o significado? […] O significado é que deu certo. [Risos]

E1: Mas estava de acordo com o que foi previsto.

Conversas no grupo

E3: Foi previsto sim.

Alunos de outros grupos: […]

Alunos do grupo: […]

E1 [Paralela a P]:  A bolha graficamente […]

E3 [Paralela a P]: Então põe.

Alunos do grupo [paralela a P]: […]

P [Outros grupos]: Tem que saber voltar e corrigir […]

As respostas apesar de diretas e, por vezes, negativas revelam a validade da oportunidade ofertada aos estudantes, de rever o que foi feito e de discutir no grupo as ações e a forma de entender a atividade desenvolvida.

Na fase anterior ao terceiro Pit stop, apresentou-se duas questões, as quais buscaram que os estudantes expressassem suas percepções gerais da atividade realizada.. Na primeira, ofertou-se a oportunidade de dar um título à atividade, cujo objetivo estava em que eles, de forma sintética, procurassem exprimir o que haviam feito e qual o entendimento dessa. As respostas foram as mais criativas "Experimento de verificação de velocidade média constante"; "Construção de gráficos S x t e V x t"; "Descobrindo a velocidade e a posição de um corpo"  O que mais chama a atenção é o fato de que  todas demonstram  um entendimento acerca do que fora realizado.

A avaliação representa o momento de rever o executado e de ponderar sobre os resultados. O caráter metacognitivo desse processo revela a necessidade de que ao final, o estudante não apenas avalie seus conhecimentos cognitivos, respondendo ao objetivo da atividade, mas que esse retome e identifique a estrutura que o levou a compreender e a executar a atividade. É o momento de identificar e retomar as estratégias utilizadas, tanto as de ordem cognitiva como as de ordem metacognitivas.

A avaliação metacognitiva permite ao aluno a identificação de seus erros, de seus acertos e de suas dificuldades, ultrapassando o caráter de julgamento, chegando as suas  possibilidades de avanços, de progressos, de mudanças e de redefinição das ações. A oportunidade de identificar erros remete às ideias de Piaget e de Bachelard, discutidos nos capítulos iniciais. Para Piaget essa possibilidade estaria associada ao progresso, ao desenvolvimento, no que o erro representa a situação de desequilíbrio na estrutura cognitiva do sujeito, sendo que a busca pela equilibração promove o avanço cognitivo. O erro é decorrência das respostas dadas pelo sistema cognitivo às perturbações decorrentes do meio. Para Bachelard, o erro seria mais uma questão de possibilidade de retificação, etapas a serem superadas na construção do conhecimento, entendido como algo desejável, positivo na aprendizagem. Tanto em uma como em outra perspectiva, o erro viabiliza a retomada dos pensamentos e das ações, permitindo que o sujeito identifique os caminhos que o levaram a errar, entendendo a estrutura de seu pensamento que no caso precisa ser reorganizado.

Nesse sentido, ao findar esta discussão dos resultados obtidos por conta da proposta deste estudo, revela-se que é na avaliação que os estudantes mostram ter aprendido ou não, podendo proceder a uma autoavaliação dos conhecimentos adquiridos. Esse processo identifica-se com a tomada de consciência sobre os mecanismos utilizados e as modalidades de pensamento que ensejam a elaboração do conhecimento, permitindo que essas sejam transferidas a novas situações de aprendizagem. O que por certo representa uma das situações mais significativas da aprendizagem em Física: a possibilidade de transferir os novos conhecimentos a situações diferentes das que originaram a sua construção.

5. Considerações finais

O exposto tomou por análise a importância da metacognição como mecanismo diferencial de pensamento entre os estudantes e sua potencialidade frente a um processo interativo de trocas entre sujeitos. Os resultados apontam para o entendimento de que a metacognição precisa ser coadjuvante dos objetivos educacionais cognitivos. A inserção de momentos explícitos de evocação do pensamento metacognitivo somada ao trabalho em grupo possibilita que os estudantes recorram a essa forma de pensamento desenvolvendo a capacidade de autorregulação da aprendizagem que se manifesta como capacidade de planejar as atividades mentais.

 A tese de que favorecer o pensamento metacognitivo contribui para a aprendizagem e, portanto, influencia o desenvolvimento cognitivo dos estudantes baseia-se na premissa de que a metacognição favorece o desenvolvimento da tomada de consciência concebida por Vygotsky como atividade da mente. Em especial situa-se na perspectiva do pensar antes de agir, no identificar e traçar caminhos para a ação, na avaliação do progresso frente a um objetivo almejado e, especialmente no fato de que é o pensamento metacognitivo que proporciona o conhecimento do que se sabe sobre si.

Frente ao conhecimento científico tal possibilidade representa a reflexão e a identificação dos significados atribuídos pelos sujeitos ao universo, auxiliando-os de forma reflexiva a buscar respostas as situações de mundo que lhes são constantemente apresentadas.

Mesmo que se trate de um estudo particular, cuja amostra é restrita a um universo específico de estudantes, acredita-se que os resultados encontrados, tanto em termos da viabilidade da proposta, como das contribuições do processo sociointeracionista, poderão servir para a estruturação de novas questões (problemas de investigação) ampliando os limites deste estudo.

Referências bibliográficas

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Chi, M. T., Bassok, M., Lewis, M. W., Reimann, P., & Glaser, R. (1989). Self-explanations: How students study and use examples in learning to solve problems. Cognitive science, 13(2), 145-182.

Doly, A. (1999). Metacognição e mediação na escola. (pp 17-59). En: M. Grangeat, (Coord). A metacognição, um apoio ao trabalho dos alunos. Porto, Portugal: Porto Editora.

Larkin, J. H. (1981). The role of problem representation in physics (pp. 75-98). Pittsburgh, PA: Carnegie-Mellon University, Department of Psychology.

Rosa, C.T.W. (2011). A metacognição e as atividades experimentais no ensino de Física.(Tese de Doutorado em Educação Científica e Tecnológica). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

Vigotski, L. S. 1999a. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999a.

Vigotski, L. S. 1999b. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes.

Agradecimentos a Fundação de Amparo a Pesquisa do Rio Grande do Sul pelo incentivo a pesquisa.


1. Doutora em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina/SC/Brasil; Professora do Curso de Física, do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade de Passo Fundo/RS/Brasil. Email: cwerner@upf.br
2. Doutorando em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina/SC/Brasil; Professor do Curso de Física na Universidade de Passo Fundo RS/Brasil. Email: alvaro@upf.br


 

Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 24) Año 2016

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