Espacios. Vol. 37 (Nº 23) Año 2016. Pág. 2

Cenário prospectivo em uma empresa de transporte rodoviário do Estado do Paraná

Prospective scenario in a road transport company of the Parana State

Dayanne Marciane GONÇALVES 1; Fabricio Baron MUSSI 2; Jansen Maia DEL CORSO 3

Recibido: 02/04/16 • Aprobado: 04/05/2016


Conteúdo

1. Introdução

2 Referencial teórico

3 Estudo de caso

4 Descrição do contexto e análise da empresa

5 Considerações finais

Referências


RESUMO:

O propósito deste trabalho consistiu em construir um cenário prospectivo, com base nas informações de serviço/mercado dos anos de 2010 a 2015, de uma empresa de transporte rodoviário, por meio do método Ghemawat (2007). Os determinantes do cenário foram: (a) no transporte rodoviário de passageiros, a priorização de linhas rentáveis e redução de custos; (b) a continuidade do transporte de cargas e encomendas, ampliando a área de atuação e estabelecendo parcerias; (c) a ampliação dos serviços de fretamento. Observou-se que as estratégias adotadas alteraram a composição do faturamento e as perspectivas de atuação de forma coerente com as interferências ambientais.
Palavras-chave: Planejamento estratégico; Prospecção de Cenários; Método de Ghemawat.

ABSTRACT:

The purpose of this study is to build a prospective scenario, based on service/market information from 2010 to 2015, for a road transport company, using the Ghemawat (2007) method. Determining factors of the scenario were: (a) in road passenger transport, the prioritization of most profitable lines and reduction of costs; (b) the continuation of the cargo and package transport, expanding the operation area and establishing partnerships; (c) the broadening of charter service. It was observed that the strategies adopted have changed the composition of revenues and the prospects for future performance of the organization consistently to environmental interference.
Keywords: Strategic Planning; Prospecting Scenarios; Ghemawat Method.

1. Introdução

É reconhecida a relevância do planejamento estratégico para as organizações que atuam na economia globalizada, fundamentada em tecnologia e disseminação rápida de informações.  A quantidade de informações a serem monitoradas cresce exponencialmente, tornando cada vez mais difícil a definição de estratégias que assegurem a sobrevivência das empresas. O novo ambiente competitivo e o volume de informações geram incerteza ambiental, causando obsolescência das metodologias de definição de estratégias baseadas em análise de tendências.

Possuir recursos não assegura às empresas garantia à vantagem competitiva em ambientes dinâmicos, razão pela qual as empresas precisam desenvolver a capacidade de se adaptar ao ambiente em constante mudança (TEECE; PISANO, 1997) ou apresentar a capacidade de alterar os recursos de forma dinâmica (EISENHARDT; MARTIN, 2000). Esse contexto leva as empresas a anteciparem e/ou construirem o futuro desejado (PRAHALAD; HAMEL, 1995).

Diante disso, as ferramentas de planejamento estratégico e análise de cenários constituem formas relevantes de a empresa atuar com vistas a melhorar seu desempenho. Estas análises subsidiam as ações da organização, bem como a maneira como os recursos (financeiros, humanos, tecnológicos e outros) serão alocados. Reconhece-se que, independente do setor e da velocidade de mudanças ambientais, o planejamento é necessário. A análise de cenários serve como apoio ao planejamento estratégico mediante o estudo de possíveis ocorrências no contexto estratégico. O cenário pode ser definido, segundo Porter (1999) como uma visão de futuro consistente, baseado em suposições plausíveis sobre os importantes temas que podem influenciar um setor.

A presente pesquisa é realizada no setor de transporte rodoviário de passageiros e transporte de cargas e encomendas. Trata-se de um setor substancialmente balizado por normas reguladoras regionais e nacionais, que interferem em diversas possibilidades de atuação das empresas deste ramo. Face a natureza dos serviços de transporte, são inúmeras as forças macroambientais e setoriais que, à primeira vista, deveriam ser monitoradas ante a necessidade de definição da estratégia. Quanto à representatividade destas atividades, pode-se afirmar que o transporte rodoviário representa o principal modal de locomoção de passageiros e de cargas no país 65% (ANTT, 2015).

Nesse contexto, o estudo visa responder a seguinte questão de pesquisa: Como ocorre a análise de cenários para uma empresa de transporte rodoviário de passageiros e de cargas no período de 2010 a 2015, com base nas diretrizes do método Ghemawat (2007)? Buscando uma resposta à questão de pesquisa, definiu-se como o propósito deste trabalho construir um cenário prospectivo, com base nas informações de serviço/mercado de 2010 a 2015, para uma empresa de transporte rodoviário, por meio do método Ghemawat (2007).

O artigo inicia-se com a apresentação do referencial utilizado e dos procedimentos metodológicos. Na sequência, apresenta-se a descrição do contexto e da empresa que representou o objeto de estudo, a análise ambiental, os resultados alcançados e as perspectivas futuras. Por fim, são descritas as considerações finais.

2. Referencial teórico

2.1 Planejamento de Cenários

Na discussão a respeito da temática do planejamento estratégico e da análise de cenários, um dos pontos de destaque refere-se à questão de se equilibrar os afazeres relacionados ao longo prazo e ao planejamento com as tarefas imediatas, aquelas que – por vezes – acabam sendo priorizadas pelos gestores apesar de não serem as mais relevantes. Essas intercalações geralmente não implicam em efeitos negativos quando o ambiente no qual a organização está inserida atravessa períodos de estabilidade. O problema, ou melhor, o risco, surge em momentos de instabilidade quando são necessárias rápidas ações por parte dos gestores. Neste último contexto, o planejamento de cenários torna-se relevante para assegurar uma resposta rápida da organização face às alterações ambientais.

Heijden (2004) apresenta algumas conceituações a respeito da classificação dos cenários, destacando os 'cenários internos' e os 'cenários externos' (sendo que neste artigo são discutidos os cenários externos, compreendidos como aqueles nos quais a organização não possui poder de intervenção) e o ambiente 'contextual' (análogo ao macroambiente) e 'transacional' (análogo ao microambiente), de modo que a contribuição da análise de cenários reside em adequar a organização à transição entre seu ambiente atual e o ambiente futuro. Tal adequação é realizada por intermédio da estratégia que a organização adota. Nas palavras do autor, "a finalidade da estratégia é desenvolver políticas que orientem o comportamento pessoal dos indivíduos na organização de forma que o sistema consiga uma boa adequação" (HEIJDEN, 2004, p.17). 

Andrews (1971) considera o processo de formulação estratégica como um passo relevante e desprendido dos atos de implementação. Embora haja controvérsias sobre esta concepção (MINTZBERG, 2001), é possível observar uma série de contribuições de Andrews (1971) com relação ao processo de formulação. Para o autor, este processo consiste numa atividade racional e objetiva, na qual o executivo (leia-se: "o estrategista") analisa oportunidades e riscos ambientais bem como a capacidade interna da empresa, para então definir – com base nas informações que dispõe - qual seria a melhor estratégia. Nesta análise, variáveis de natureza política, econômica, social, tecnológica devem ser examinadas a partir de seus possíveis impactos na organização, levando-se em conta que cada uma delas pode possuir maior ou menor influência. Do ponto de vista interno, a organização deve avaliar se reúne as condições necessárias para aproveitar determinadas oportunidades ambientais e, concomitantemente, se está relativamente protegida de determinados riscos e ameaças (ANDREWS, 1971).

Aqui, deve-se considerar que a experiência dos gestores no setor onde a organização atua não seria suficiente para eliminar por completo os riscos decorrentes de todas as incertezas. Segundo Heijden (2004), assume-se a existência de uma "incerteza irredutível" fato este que deve ser levado em conta no momento da elaboração da estratégia e da análise de perspectivas futuras. Além disso, outra observação concerne à alusão ao "efeito Ícaro", no qual a organização passa – de tempos em tempos e enquanto recebe feedbacks positivos do mercado – a afunilar suas atividades, concentrando-se exclusivamente naquilo que – no período – é de interesse dos clientes. O problema emerge no momento em que eventuais variações no gosto e na percepção de valor dos clientes, a organização depara-se com restritas opções de se reposicionar, já que até então vinha diminuindo a amplitude das atividades que realizava. Nesse processo, a utilização do planejamento de cenários auxilia no sentido de tornar a organização mais adaptável para as citadas eventuais alterações. Aqui, destaca-se a relevância de se atribuir atenção necessária à execução estratégica (HREBINIAK, 2006). Ressalva-se o desequilíbrio do tempo dispendido entre a formulação da estratégia e sua consequente execução, de modo que convencionalmente os gestores aplicam maior esforço na primeira em detrimento da segunda.

Hrebiniak (2006) defende a necessidade de que todos na organização compreendam qual é a estratégia definida e a ideia de negócio que a empresa possui. O papel da comunicação neste processo de disseminação da estratégia, especialmente nos modelos top-down, torna-se fundamental. A ideia de negócio, enquanto conceito, refere-se à especificação conjunta da criação de valor e da contribuição única (difícil de ser imitada em curto prazo) que a organização faz ao cliente. Entretanto, ressalva-se que a ideia de negócio não é válida indeterminadamente, de modo que, no futuro, o conjunto de competências pode ser copiado ou a percepção de valor do cliente pode se alterar, denotando a necessidade de a organização se adequar ao ambiente que a cerca (BARNEY, 1991).

Destaca-se aqui, novamente, a relevância das ações de planejamento estratégico e a análise de cenários empreendida pelas organizações. Nas condições de incerteza que acompanham as empresas, o planejamento de cenários assume três formas: a) os riscos, estimados nas probabilidades de eventos que um dia já ocorreram; b) as incertezas estruturais, que levam em conta eventos que se apresentam por meio de uma cadeia de raciocínios de causa e efeito; e c) aquelas improváveis de se imaginar. Especificamente com relação às incertezas estruturais, "o planejamento de cenários pode ajudar os gestores a acompanhar o que pode acontecer e a desenvolver um melhor julgamento em relação ao que isso pode significar, determinando as consequências das diferentes maneiras pelas quais o ambiente de negócios pode mudar" (HEIJDEN, 2004, p.76). 

Nessas condições, a amplitude da estratégia a ser adotada varia conforme o grau de incerteza com que a organização se depara, de modo que o horizonte de planejamento tende a ser cada vez mais curto.  Devido ao ambiente fortemente regulamentado, as análises do presente estudo estão restritas ao período de cinco anos. Tal cuidado facilita a ilustração da análise ambiental realizada pela empresa no período bem como as ações estratégicas executadas e os resultados alcançados.

2.2 Prospecção de Cenários

A contribuição do planejamento de cenários concerne em identificar estruturas em uma gama de eventos como: a) analisar a existência de padrões em eventos e regularidades; b) descobrir tendências; c) inferir padrões de causalidade; e d) articular estruturas que se conectam através de ligações causais. Com base nestas estruturas, projeta-se o comportamento futuro, ensejando o exame de múltiplos cenários (HEIJDEN, 2004).

Analisando a ideia de negócio, deve-se verificar a questão da criação de valor ao cliente e, na sequência, reavaliar as competências organizacionais caso constate-se que a organização não reúne as condições necessárias para atuar em determinados cenários (PRAHALAD; HAMEL, 1995). Aqui, ressalva-se (novamente) a importância de compartilhar essas percepções por todos os membros da organização, apontando a vantagem de se criar modelos mentais e esquemas de linguagens comuns (o papel da liderança e da comunicação organizacional contribuiriam para o alcance destes pontos), reconhecendo que atender tais requisitos é mais fácil quando a construção de cenários se inicia do ponto de onde a organização se encontra, ou seja, de um ponto de partida comum a todos que ali trabalham. Nesse contexto, são critérios de avaliação da análise de cenários (i) o quanto a organização absorveu desta análise e o (ii) quanto foi colocado em prática.

O planejamento de cenários se utiliza de elementos racionais e de cadeias construídas a partir de relações de causa e efeito na avaliação dos potenciais cenários, tornando a organização mais propícia a se adaptar a situações diferentes, ainda que incomuns/novas. Aqui, as previsões tendem a considerar apenas uma seleção de eventos que já ocorreram, trabalhando com uma restrição de possibilidades uma vez que a principal referência do gestor são os eventos passados e sua experiência. Outra restrição de se trabalhar com previsões é que nelas está implícito um julgamento de valor daquele indivíduo que a realiza, tornando-a – de certa forma – subjetiva.

A ênfase desta pesquisa será sobre a reflexão estratégica e prospectiva por meio do método de cenários, o qual adquiriu uma particular notoriedade. Trata-se de um instrumento útil para a análise prospectiva e, portanto, uma ferramenta de apoio à tomada de decisão. Porém, deve-se ressaltar que os instrumentos analíticos, em prospectiva, são apenas ferramentas utilizadas para a análise e prospecção, reduzindo a complexidade dos sistemas reais. Por isso, não podem substituir a inteligência, o sentido crítico e a perspicácia coletiva do grupo de trabalho (GODET, 2011).

Para Boroush e Thomas (2002) os cenários contribuem para que as empresas conheçam suas ameaças, tirem proveito de oportunidades e tomem decisões em longo prazo mais acuradas capazes de criar vantagem competitiva. De forma complementar, Quinn e Mason (1994) afirmam que os cenários prospectivos podem ser igualmente úteis tanto em ambientes onde nunca se teve sistema de planejamento quanto em ambientes em que o sistema já esteja presente.

Para Schwartz (1998) o cenário é uma ferramenta para ordenar as percepções de uma pessoa sobre ambientes futuros alternativos nos quais as consequências de sua decisão vão acontecer.  Hax e Majluf (1996) defendem que os cenários são instrumentos para entender e antecipar tendências do ambiente. Numa definição mais ampla, Godet (2011, p.25) define cenário prospectivo como "conjunto formado pela descrição de uma situação futura e do encaminhamento dos acontecimentos que permitem passar da situação de origem a uma situação futura". No entanto, tal autor afirma que não existe um cenário que apresente uma projeção da realidade futura, mas apenas um meio para representá-la, servindo como suporte para a ação presente, com base em futuros possíveis e desejáveis. Assim, o objetivo da prospecção de cenários não é apresentar a certeza do futuro, mas uma expectativa em torno de possibilidades do futuro, podendo nortear a tomada de decisão com base em dados e informações racionais, ainda que muitas vezes limitada pelas incertezas que circundam o ambiente externo (MARCIAL; GRUMBACH, 2002; SCHWARTZ, 1998).

Schoemaker (1995) destaca que apesar da prospecção de cenários ser mais utilizada em planejamento estratégico, ela pode ser usada em qualquer situação de incerteza. Segundo o autor, a utilização de cenários é adequada nas seguintes condições: i) alta incerteza em relação à capacidade de estudar o futuro; ii) muitas surpresas ocorreram no passado; iii) novas oportunidades não foram percebidas ou geradas; iv) baixa qualidade de pensamento estratégico; v) a empresa necessita de uma linguagem comum sem perder a diversidade; vi) existem várias opiniões divergentes.

Logo, os cenários permitem explorar padrões de negócio sob perspectivas diferentes do futuro, baseados na identificação de aspectos econômicos, sociais, ambientais, científicos e tecnológicos. Razão pela qual, se conclui que a análise de cenários não pretendem apresentar prescrições perfeitas de possíveis ambientes de certeza, mas projetar para o futuro possíveis quadros que permitam às empresas analisar hipóteses plausíveis do que poderá acontecer.

2.3 Método de Ghemawat (2007)

Com relação à prospecção de cenários, existem vários métodos utilizados como suporte entre os quais estão: Porter (1999); Godet (2011); Ghemawat (2007); Schwartz (1998); e, Grumbach (2002). Todos os métodos propõem a utilização de diagnóstico do sistema atual da empresa, apresentando a necessidade de um levantamento retrospectivo de dados. Dentre os métodos apresentados, utilizou-se o método de Ghemawat (2007). Este método foi escolhido em virtude da clara sequencia de etapas e o consequente agrupamento de informações que servirão de subsídio para a definição de estratégias.

Ghemawat (2007) considera importante o ambiente do setor em que a organização opera, o qual tem forte influência sobre seu desempenho econômico. Ele analisa três estruturas, a saber, análises individuais da oferta-demanda de mercado, estrutura de "cinco forças" proposta por Porter para análise de setores e a "rede de valor" apresentada por Adam Brandenburger e Barry Nalebuff. Com base nas cinco forças de Porter é possível verificar a necessidade de um diagnóstico da empresa para localizá-la no atual contexto, para só então analisar possíveis projeções estratégicas de posicionamento no mercado. 

Outrossim,  Ghemawat (2007) considera as 5 (cinco) forças de Porter, sendo a contribuição mais valiosa deste modelo as forças que determinam a atratividade de um setor. Além disso, a rede de valor enfatiza o papel crítico dos complementadores (dos quais clientes adquirem serviços ou produtos complementares, ou para os quais os fornecedores comercializam recursos complementares) (GHEMAWAT, 2007). A prospectiva de cenário propõe uma abordagem para o planejamento e para a ação estratégica. Desse modo, Ghemawat (2007) indica um processo que consiste em seis passos:

  1. Etapa 1 - Coletar informações: mapear cenários de negócios com adequado nível de detalhamento geralmente requer um considerável volume de informações. Essa etapa permite pensar de forma extensa a respeito das fontes de informação, o que enriquece com as mais diversas fontes possíveis (GHEMAWAT, 2007);
  2. Etapa 2 – Estabelecer limites: decidir os limites do cenário a ser estudado (GHEMAWAT, 2007). Existem três formas para definir o escopo: escopo horizontal (produtos e mercados), escopo vertical (cadeia fornecedor-comprador) e escopo geográfico (locais, regionais e nacionais). O autor, no entanto, ressalta a importância da definição clara dos limites e a consistência no tratamento de identificação, do que realmente deve fazer parte dos cenários dos negócios (GHEMAWAT, 2007);
  3. Etapa 3 - Identificar grupos de participantes/atores: trata-se dos concorrentes diretos, entrantes potenciais, substitutos, complementadores, compradores e fornecedores, sem desconsiderar subgrupos de fornecedores e novos participantes;
  4. Etapa 4 – Compreender o poder da negociação do grupo: após cumprir as etapas anteriores deve-se compreender o poder de negociação do grupo;
  5. Etapa 5 - Pensar dinamicamente: Ghemawat (2007) enfatiza a necessidade de se fazer distinção entre dinâmicas de curto e longo prazo. Razão pela qual se analisará os últimos 5 (cinco) anos, o que servirá de suporte para o planejamento estratégico;
  6. Etapa 6 - Adaptar e moldar o modelo de cenário de negócios: nesta etapa, a construção das etapas anteriores permite que os administradores utilizem esse conhecimento para ações estratégicas.

O principal objetivo de se mapear cenários é verificar a possibilidade de as empresas se adaptarem e se moldarem por meio da prospecção realizada (GHEMAWAT, 2007). Em suma, no intuito se avaliar a construção de um cenário prospectivo, com base nas informações de serviço/mercado de 2010 a 2015, para uma empresa de transporte rodoviário, há de se vislumbrar como as forças ambientais influenciaram as ações que a organização investigada desenvolveu ao longo do período estudado e que desdobramentos a receita da empresa sofreu.

3. Estudo de caso

O presente trabalho caracteriza-se como estudo de caso, que é compreendido como a "investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de vida real" (YIN, 2001, p. 32). Esta opção é recomendada quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos a serem investigados (YIN, 2001). A investigação de natureza qualitativa se configura como pesquisa descritiva, uma vez que exibe as propriedades estruturais de determinado fenômeno (VERGARA, 1998).

A abordagem metodológica, de natureza descritiva e qualitativa, teve como foco a análise e discussão acerca das ações de planejamento estratégico e análise de cenários promovidas por uma empresa de transporte rodoviário de passageiros e de transporte de cargas no período entre 2010 e 2015, doravante denominada de empresa alfa. Para a coleta de dados primários, a seleção dos entrevistados foi intencional, buscando captar as interpretações acerca dos processos de planejamento a luz da percepção dos níveis de gerência e diretoria. Foram entrevistados o presidente, a vice-presidente, a diretora administrativa e o gerente de qualidade.

As entrevistas foram realizadas junto ao caso pesquisado entre agosto e setembro de 2015. Para dirimir algumas dúvidas surgidas durante a análise do conteúdo das entrevistas, foi realizado novo contato com a vice presidente e o gerente de qualidade. No tocante à busca por outras fontes de evidências (YIN, 2001), utilizou-se de dados secundários e análise documental: materiais da própria organização; materiais do site da agência reguladora ANTT; planilhas de registro de pesquisas do sindicato das empresas de transporte rodoviário.

Com relação à perspectiva temporal, a pesquisa se enquadra como transversal com aproximação de corte longitudinal, pois foram abordados, durante as entrevistas, temas e fatos passados que melhoraram a compreensão do contexto atual. O nível de análise da pesquisa é organizacional uma vez que foram avaliadas a percepção do presidente, diretores e gerente, e a unidade de análise refere-se à própria organização.

4.  Descrição do contexto e análise da empresa 

A organização investigada atua no segmento de serviços, especificamente no transporte rodoviário de passageiros, transporte de encomendas, cargas e fretamentos. A área de abrangência da empresa constitui o estado do Paraná, Santa Catarina e São Paulo e Bahia. Com 80 anos de existência, a organização, foi a primeira do setor no Paraná a receber a certificação ISO 9002. Sua matriz encontra-se localizada na cidade de Ponta Grossa (PR).

Durante a coleta de dados foi analisado como as forças macroambientais (HEIJDEN, 2004) e setoriais (PORTER, 1999) eram percebidas na organização objeto de estudo, e quais foram suas implicações para a empresa no período analisado. A elaboração de cenários, assim, passa por uma primeira etapa que é a identificação de tendências fortes e consistentes, bem como a identificação de incertezas, as quais Heijden (2004) chama de incertezas fundamentais. A relação entre a elaboração de cenários e a amplitude do planejamento deve estar de acordo com as características do ambiente e da indústria analisada. Assim, o planejamento pode apresentar: prazos mais longos diante de contextos mais estáveis, com mudanças mais lentas; ou prazos mais curtos diante de contextos mais instáveis (HEIJDEN, 2004).

Assim, num primeiro momento analisou-se as forças macroambientais e setoriais da empresa, com o objetivo de verificar as tendências do mercado e a  influência sobre o seu futuro. Cabe ainda frisar os constantes comentários obtidos nas entrevistas, denotando a compreensão compartilhada pelos membros da organização sobre a necessidade de se reduzir custos e identificar formas de se elevar a receita, sendo essa a delimitação da pesquisa.

Nesse ponto, merece destaque o consenso entre os entrevistados de que o transporte rodoviário de passageiros, por si só, não seria suficiente para a elevação da receita. O quadro a seguir demonstra a análise:

Fatores macro ambientais e setoriais

Informações obtidas nas entrevistas

Implicações básicas para a empresa

a) Fatores econômicos

- Política monetária com vistas a facilitar o acesso ao crédito para que a população adquira seu próprio veículo;

-  Número crescente de alternativas dos meios de transporte para realização de viagens (carro próprio, ônibus, avião);

- Pelo aumento das opções de locomoção, a empresa passou a perder alguns clientes do transporte rodoviário de passageiros;

b) Fatores Sociais

 

- Melhora na infraestrutura das cidades, que passam a contar com maior oferta de viagens;

- Representou uma oportunidade de a empresa ampliar a oferta dos serviços de transporte de cargas;

c) Fatores relacionados à tecnologia

 

- Facilidade nas aquisições de passagens via Internet;

- Evolução tecnológica dos ERP's

- Evolução do conteúdo tecnológico embutido nos ônibus;

 

 

- Ampliação das funcionalidades dos ERP's (Enterprise resource planning) utilizados pela empresa;

- Evolução dos sistemas de informática, considerando as necessidades de um sistema de Informações seguras e rápidas, que facilitem a tomada de decisões por parte dos gestores;

- Criação de soluções tecnológicas adaptadas às necessidades da empresa;

- Implantação de redes Wifi nos ônibus e nas salas de espera nas rodoviárias;

d) Fatores relacionados ao atendimento da legislação

 

- Legislação que prevê isenções do pagamento de passagem para o transporte de pessoas de determinada faixa etária;

- Questões relacionadas à renovação dos contratos de concessões de linhas de transporte rodoviário estadual e interestadual;

- Ampliação fiscalização sobre o transporte;

- Obrigatoriedade de seguir determinados padrões exigidos pela legislação de transporte de passageiros;

- Necessidade de avaliação de novos mercados face o risco de não renovação de concessões;

e) Fatores relacionados ao meio ambiente

 

- Política de Meio Ambiente;

 

- Necessidade de constantes ajustes às normativas do meio ambiente;

- Adequação de Infraestrutura para reaproveitamento de alguns insumos e para destinação correta de materiais e resíduos;

f) Fatores relacionados ao aumento da concorrência

- Aumento da concorrência ilegal, formada por empresas que violam a legislação das concessões e por outras empresas informais.

- Manutenção de idade média da frota;

- Expansão ações de marketing e propaganda;

- Tentativa de reduzir os custos e despesas;

g) Fatores de relacionamento com fornecedores

- Necessidade de agilidade para recebimento de peças e cumprimento de prazos;

- Existência de alguns fornecedores de materiais estratégicos para a prestação dos serviços

- Políticas de Estoque;

- Criação de sistema de controles informatizados para assegurar a disponibilidade de peças;

 

h) Fatores de relacionamento com clientes

 

- Clientes com poder médio de negociação, com custos razoáveis de mudança.

- Potenciais clientes dos serviços de transporte de cargas e encomendas, e de fretamento com necessidades mal atendidas.

- Ampliação do SAC;

- Criação de novas formas de venda de serviços (via utilização de totens, ou pelo site da empresa)

- Pesquisa periódica de satisfação

i) Barreiras à entrada de novos concorrentes

- No setor de transporte rodoviário, existem as barreiras legais.

- Nos demais serviços, as barreiras referem-se ao elevado investimento inicial e à fidelização dos clientes

- Busca por mecanismos de aproximação com os principais clientes, na tentativa de fidelizá-los;

j) Ameaça de produtos/serviços substitutos

- Existência de alternativas para substituir os serviços de viagens

- Busca de mecanismos de fidelização dos clientes

- Oferecimento de facilidades para a viagem

Quadro 1: Fatores macroambientais e setoriais considerados para
que a empresa promovesse mudanças no período de 2010 a 2015.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir da coleta de dados.

O item que trata das concessões de serviços pela ANTT (2010) apresenta-se como importante influência no setor de transporte rodoviário. Ressalta-se que o cenário em que as empresas do setor de transporte rodoviário operam é regulamentado por órgãos estaduais e federais, cujas principais atribuições são:

  1. Estabelecimento de regras a serem adotadas na prestação do serviço: os procedimentos gerais de embarque, desembarque, recolhimento e devolução de bagagens; descrição da rota pelo motorista no início da viagem; o portão de embarque pertencente a cada empresa nos terminais rodoviários; proibição às empresas de venderem serviços ou produtos adicionais nos guichês rodoviários;
  2. Controle do preço das passagens: o valor a ser cobrado pela viagem em cada linha bem como a data de reajuste e a porcentagem de aumento permitido;
  3. Definição das normas de condução do veículo, requisitos e preceitos de segurança: a definição da velocidade máxima consentida, a fixação da obrigatoriedade do uso do cinto de segurança;
  4. Deliberação sobre as linhas que cada empresa atenderá e sobre os horários permitidos para cada linha: determinação via concessão temporária com direito à renovação das linhas a serem atendidas por cada empresa, bem como os pontos de parada (para embarque e desembarque) durante o percurso (ANTT, 2010).

A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) foi criada pela Lei nº 10.233, de 2001, a qual estabelece concessão, quando se tratar de exploração de infraestrutura de transporte público, precedida ou não de obra pública, e de prestação de serviços de transporte associados à exploração da infraestrutura (art. 13), sendo que tanto concessão quanto permissão ocorrem por meio de licitações. Logo, existe forte influência da ANTT, enquanto órgão regulamentador das atividades econômicas relacionadas ao transporte terrestre.

Na segunda fase do método verifica-se a necessidade de limitar o cenário a ser estudado, de modo que o presente estudo limitou a pesquisa de cenários apenas com base no escopo horizontal (produtos e mercados). Pela escassez de informações consolidadas, foi possível obter dados exclusivamente a respeito do transporte rodoviário e metropolitano. A tabela a seguir demonstra a participação da empresa investigada. Considerando que o setor do estado do Paraná possui 48 empresas de transporte (RODOPAR: Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário Intermunicipal de Passageiros do Estado do Paraná), pode-se observar a significativa participação de mercado da empresa investigada.

Tabela 1: Participação da empresa alfa no setor

Transporte Metropolitano

Km percorrida

Passageiros transportados por todas as empresas do setor

35.098.312,00

   39.636.516,00

Participação da empresa alfa

3.878.056,00

9,78%

Transporte Rodoviário

Km percorrida

Passageiros transportados por todas as empresas do setor

87.137.239,00

    15.078.838,00

Participação da empresa alfa

8.088.239,00

53,64%

           Fonte: Elaborado pelos autores a partir da coleta de dados

A tabela 1 apresenta a representatividade da empresa alfa no setor de transporte terrestre, sem no entanto, aprofundar os serviços prestados. Deve-se ressaltar que Ghemawat (2007) apresenta a possibilidade de limitação da abrangência do estudo, por isso balizou-se à verificação da demanda pelos serviços, redução de custos e ampliação de resultados, de modo que para se definir esta limitação, realizou-se o diagnóstico apresentado no quadro 1. Na perspectiva de análise longitudinal, são demonstrados os dados empregados para a delimitação do perfil da empresa, durante o período de análise, conforme a tabela a seguir:

Tabela 2: Perfil comparativo da empresa no período em análise.

Ano

2010

2011

2012

2013

2014

2015

Variação

 Km rodados (média mensal)

2.616.999

2.818.580

2.684.041

2.698.292

2.780.782

2.621.553

0,17%

 Transp. metropolitano: passageiros no ano 

6.110.502

5.996.357

5.450.560

5.071.860

4.739.096

3.878.056

-36,53%

 Transporte metropolitano: média mensal de passageiros

510.169

499.696

454.213,33

422.655

394.924,67

323.171,33

-36,65%

 Transporte rodoviário: passageiros no ano

10.657.483

10.529.911

9.544.202

8.235.992

8.629.385

8.088.239

-24,11%

 Transporte rodoviário: média mensal de passageiros 

914.668

877.492,58

795.350,17

686.332,67

719.115,42

674.019,92

-26,31%

 Frota de ônibus

316

316

310

337

362

375

18,67%

Frota de caminhão

24

21

21

21

21

27

12,50%

Fonte: Elaborado pelos autores .

De acordo com os números apresentados na tabela 2, verifica-se uma mudança nas tendências do setor, tendo em vista a queda no transporte de passageiros (metropolitano e rodoviário), aumentando a quilometragem rodada em 2011, 2012, 2013, 2014. Ou seja,  proporção entre a queda de passageiros e o aumento dos km rodados, leva a compreensão de que houve alterações no setor de transporte terrestre. Não é o objetivo do presente estudo compreender as causas que culminaram nas mudanças de comportamento do consumidor, mas sim a identificação dessas alterações do setor para a análise de cenários. 

A terceira fase do método compreende a identificação de grupos de participantes ou atores envolvidos no setor analisado. No estudo verificou-se que o setor apresenta o aumento da concorrência ilegal, formada por empresas que violam a legislação das concessões e por outras empresas informais. A própria ANTT apresenta a possibilidade de regularizar a situação de turismo, de uma forma mais branda, o que permite que novos concorrentes ingressem no mercado e ofereçam serviços semelhantes.

Quanto aos fornecedores, observou-se que estes possuem materiais estratégicos para a prestação dos serviços e existe a necessidade de agilidade para recebimento de peças e cumprimento de prazos. Já para os potenciais clientes, dependendo da linha que utilizam, podem apresentar influência sobre a qualidade do serviço prestado, pressionando o mercado por meio de sua fidelidade, ou não. A influência do potencial cliente de transporte rodoviário refere-se à sua decisão de viajar de ônibus, ou optar por outro meio de transporte (na maioria das oportunidades, o veículo próprio).

O poder de negociação do grupo em torno da empresa, a qual caracteriza a quarta fase, compreende a existência de alguns fornecedores de materiais estratégicos para a prestação dos serviços. Quanto ao transporte de passageiros e fretamento, destacam-se os fornecedores de peças aos ônibus, ao passo que, quanto ao transporte de cargas, observa-se a relação da empresa com seus parceiros, os quais transportam mercadorias em nome da empresa alfa.

Outras medidas implementadas pela empresa, que complementam aquelas derivadas da análise ambiental, e que foram possíveis em virtude (a) da adequação da estrutura física da empresa; (b) reavaliação da área de abrangência das operações; e (c) implantação de soluções tecnológicas. Com relação à estrutura física, alguns setores de apoio – barracões, garagens de ônibus, agências de venda de passagens sem rentabilidade - foram desativados, com o objetivo de centralizar os serviços (não apenas este, mas em especial aqueles relacionados à manutenção e algumas atividades administrativas) nas unidades maiores, gerando redução de custos e economias de escala.

Reconhecendo o estreito relacionamento com alguns fornecedores, aliado as oportunidades observadas de determinadas demandas mal atendidas, a empresa expandiu sua área de abrangência na prestação dos serviços de transporte de cargas e encomendas, e nos serviços de fretamento. Neste último, destacam-se os fretamentos relacionados ao atendimento de demandas específicas (feriados religiosos, passeios de final de semana) e de demandas que se tornaram permanentes (transporte de funcionários de fábricas instaladas na região até o local de trabalho). Salienta-se, aqui, a percepção avultada por um dos entrevistados a respeito do potencial das atividades de fretamento: "passamos a encarar o fretamento como outro negócio e não mais como aproveitamento da frota".

Com relação ao desenvolvimento de opções para redução de custos e minimização de riscos na prestação dos serviços de transporte rodoviário e serviços de fretamento (centros de faturamento que representam os maiores custos da empresa), foram implementadas algumas soluções tecnológicas na forma de programas computacionais que deram origem ao que a empresa denominou de "sistema de frota". Com o suporte da diretoria e da alta gerência, foram criados sistemas técnicos complementares que gerenciavam os principais itens de custos. Segundo relatos de um dos entrevistados: "na impossibilidade de repassar nossos custos ao preço das passagens, a solução era desenvolver mecanismos de controle visando reduzir os custos nas fases anteriores à prestação dos serviços". O quadro a seguir detalha a solução tecnológica desenvolvida:

Criação do módulo de cadastro dos ônibus

 Principais atribuições- registro da documentação dos veículos, de suas características técnicas, controle de quilometragem e cronograma de manutenção.

Criação do módulo de abastecimento de frota

Principais atribuições- controle da média de gasto de combustível em tempo real. Por meio desse módulo, desenvolveu-se um programa com o objetivo de promover a economia de combustível, o qual constitui o principal gasto da empresa.

Criação do módulo de pneus

Principais atribuições- controle de todas as atividades relativas a eles, desde a sua aquisição até sua venda, abrangendo atividades como: registro dos pneus, localização dos veículos em que cada pneu se encontra, os recapes, os valores e a parte relativa à engenharia de manutenção. A criação deste módulo justifica-se principalmente pela necessidade de contenção de gastos com pneus, que atualmente representam o segundo maior dispêndio da empresa.

Quadro 2: Implantação da solução tecnológica.
Fonte: Elaborado pelos autores.

Como consequências específicas derivadas da implantação do "sistema de frota", conforme declaração dos entrevistados pode-se citar: redução dos custos de manutenção dos veículos, diminuição do consumo de pneus, redução da taxa de erros nos processos de escala e venda de passagens, otimização do abastecimento dos veículos, diminuição do gasto com horas extras. Como resultados mais gerais destacam-se a economia de recursos materiais e financeiros, a agilidade na tomada de decisão em razão da disponibilidade de informações em tempo real, tanto em termos de quantidade quanto de qualidade, além da rapidez no processo de solução de problemas e melhorias na comunicação.

4.1 A composição do faturamento

Face às ações empreendidas pela empresa objeto deste estudo no período de 2010 a 2015, verificaram-se quais foram as alterações na composição de seu faturamento no período, além do impacto causado na variação da receita.

 

Gráfico 1: Composição aproximada do faturamento
Fonte: Elaborado pelos autores.

A respeito do desempenho de cada atividade da empresa alfa, pode-se afirmar que no tocante ao transporte rodoviário de passageiros, o propósito das ações empreendidas consistia em reduzir seus custos e preservar suas receitas: reconhecendo a tendência de queda do fluxo de passageiros, a empresa adotou uma postura de rever os processos nas etapas anteriores à prestação dos serviços, objetivando localizar pontos de melhorias que implicassem em redução dos custos.

Quanto ao transporte de cargas e encomendas, e as atividades de fretamento, o objetivo sobre versava a redução de custos e aumento das receitas. Aponta-se ainda, que o transporte de cargas e encomendas era realizado com frota própria (15%) e frota terceirizada (85%). Entre os desdobramentos necessários para o aumento da receita, salientou-se o estabelecimento de parcerias com empresas de transporte de cargas como ação necessária. A gestão das parcerias, dada sua representatividade, tem sido objeto de atenção de um diretor em especial, cargo denominado de diretor de transporte de cargas e encomendas. De acordo com declarações dos entrevistados, nestas frentes de faturamento ainda há espaço para crescimento. Por fim, cabe mencionar que a receita da empresa alfa, no período em análise, sofreu elevação  em 49%.

Observa-se que a empresa objeto de estudo apresentou resultado considerado positivo durante o período analisado, de modo que – segundo declaração dos entrevistados – a participação do setor de transporte de cargas e encomendas foi fundamental para a elevação da receita. Quando questionados sobre o percentual do aumento da receita, os entrevistados salientaram que se tratava de um aumento considerado "bom" quando se compara com as demais empresas do setor.

4.2 Prospecção de cenários

Foi solicitado aos entrevistados que, com base nos potenciais cenários futuros, sugerissem as perspectivas da empresa com relação a quatro questões:

  1. à continuidade do transporte rodoviário de passageiros: foi sugerido que existe uma perspectiva de crescimento, que poderá ocorrer por meio de incorporações de empresas menores e de ações visando priorizar as linhas mais rentáveis. Salientou-se, neste negócio, a necessidade de análise de rentabilidade das linhas como fator determinante para a alocação de recursos;
  2. à continuidade do transporte de cargas e encomendas: perspectiva de crescimento no mercado, com ampliação da área de abrangência, aumento da carteira de clientes e da capacitação profissional de suas equipes. Este centro de faturamento tem recebido, segundo declaração dos entrevistados, maiores investimentos tendo em vista seu potencial de evolução. Entre os investimentos, pode-se citar: aquisição de barracões, aquisição de novos caminhões, aumento do número de parceiras com outras empresas. A empresa tem procurado novos espaços para aquisição e estruturação de instalações para estocagem de cargas. Salientou-se, durante a coleta de dados, a dificuldade de localizar estes espaços em áreas de interesse, especialmente nas regiões de Curitiba e São Paulo;
  3. à continuidade dos serviços de fretamento: perspectiva de manutenção da carteira de clientes. Trata-se de um serviço que apresenta rentabilidade atrativa (relação faturamento por quilometro rodado), sendo que a preservação dos clientes assegura uma receita com menores custos de execução;
  4. a outras potenciais fontes de receita a médio e longo prazo: perspectivas de atribuir maior atenção ao potencial de crescimento dos serviços de transporte de encomendas expressas (rodoviária-a-rodoviária).

Observa-se que os entrevistados apontaram as variáveis-chave com base nas informações verificadas durante as etapas propostas por Ghemawat (2007), o qual defende que o método é tão somente uma ferramenta de suporte para sistematizar e analisar de forma organizada as informações disponíveis.

5. Considerações finais

O propósito deste trabalho consistiu em analisar um cenário prospectivo, com base nas informações de serviço/mercado de 2010 a 2015, para uma empresa de transporte rodoviário de passageiros e de cargas, por intermédio do método Ghemawat (2007).  Observou-se, inicialmente, que diante de um grande volume de informações, se fez necessário avaliar o ambiente no qual a empresa está inserida.

Em face da análise das informações macroambientais e setoriais, a empresa definiu posturas diferenciadas para cada centro de faturamento, quais sejam:

  1. Transporte de passageiros: priorizar linhas mais rentáveis e reduzir custos, revendo a cadeia de atividades envolvidas nas etapas anteriores à prestação dos serviços, com auxílio de um sistema tecnológico desenvolvido para apoiar no gerenciamento dos principais centros de custos;
  2.  Transporte de cargas e encomendas: aproveitar as possibilidades de crescimento, por meio da utilização de frota própria, estabelecimento de parcerias com transportadoras e aquisição de maiores centros de armazenagem em localizações estratégicas;
  3.  Fretamento: aproveitar as possibilidades de crescimento por intermédio da conquista de novos clientes, predominantemente fábricas da região que se responsabilizam pela locomoção de seus funcionários até o local de serviço, e grupos esporádicos, constituídos em feriados e datas especificas, para a realização de viagens (turismo religioso e de eventos).

Conforme preconiza Heijden (2004), a organização investigada ajustou sua estratégia, durante 2010 a 2015, considerando as forças ambientais e setoriais, de modo que se denotou a coerência entre a leitura do ambiente e as estratégias empreendidas. Como suporte às diferentes ações da empresa, destaca-se o papel desempenhado pelo "sistema de frota" com vistas a gerenciar as principais fontes de custos: combustíveis (abastecimento) e pneus. A figura a seguir sintetiza as ações desenvolvidas pela empresa a partir da análise de cenários.

Figura 1: Síntese das ações da empresa
Fonte: Elaborado pelos autores

Observou-se, ainda, que a empresa não enfrentou o 'efeito Ícaro' (HEIJEN, 2004), uma vez que procurou com base em suas competências essenciais (PRAHALAD; HAMEL, 1995) expandir suas atividades para negócios correlatos (tais como o fretamento) com maior potencial de lucratividade. Cabe acrescer que foram ressaltadas nas entrevistas as constantes mobilizações do contingente de funcionários em ações que buscavam promover a valorização dos profissionais, e que incentivavam o engajamento com os objetivos da empresa. Neste ponto, foi ainda destacada a preocupação da diretoria desta empresa em estabelecer uma comunicação proativa e ágil. O papel assumido pela diretoria para definir e comunicar a estratégia que seria implementada representou um fator determinante. Seguindo a argumentação de Thompson e Strickland (2003, p.1) "sem a estratégia, um gerente não tem um rumo previamente considerado para seguir, não tem um mapa e não tem um programa de ação unificado para produzir os resultados almejados".

A empresa, considerando as variáveis ambientais, em conjunto com uma análise do tipo 'exame de incertezas estruturais' (HREBINIAK, 2006) canalizou investimentos para negócios que – até aquele período – eram vistos como complementares. Embora não seja objeto da discussão aqui empreendida, é válido salientar que outra empresa do mesmo ramo (que em 2010 era considerada a maior do setor), neste mesmo período e empreendendo outro tipo de análise, canalizou seus investimentos para o aumento da frota de ônibus. Como resultado, esta empresa esgotou seus investimentos tendo um aumento quase que irrisório na receita.

Destaca-se, ainda, que no período em exame, algumas ações relativas à governança corporativa também foram desenvolvidas, com a criação de um Conselho de Administração. A investigação do impacto destas ações no desempenho da empresa consiste na sugestão para pesquisas futuras.

Portanto, Heijden (2004), acentua que o planejamento baseado em cenários leva em consideração as ambiguidades e incertezas que envolvem o ambiente no qual a organização está inserida, o que destaca essa abordagem das mais tradicionais. Esse posicionamento leva o autor a concluir que as reações dinâmicas e contínuas às incertezas do ambiente se tornam fator preponderante para o sucesso do planejamento estratégico. 

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1. Doutoranda em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
2. Doutorando em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Email: fabricio_mussi@hotmail.com
3. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 23) Año 2016

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