Espacios. Vol. 37 (Nº 17) Año 2016. Pág. 20

O Discurso Organizacional: Constructo Sedutor para Apreensão de Talentos

Organizational Speech: Seductive Construct for Apprehension of Talents

Carlos César RONCHI 1; Nehemias BANDEIRA 2; José Samuel de Miranda MELO Jr. 3; Ricardo Daher OLIVEIRA 4

Recibido: 25/03/16 • Aprobado: 02/04/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. A organização como constructo performático: ressonância onipotente e dominante

3. O ato ilocutório da organização: uma instância narrativa de sedução

4. Discurso organizacional: paradoxo da mãe protetora?

5. Metodologia

6. Análise do discurso

7. Considerações finais

Referências


RESUMO:

O objetivo deste artigo é analisar o discurso organizacional e a modelagem de apreensão de talentos. O estudo delineia narrativas disseminadas a partir da área de recursos humanos das empresas transnacionais. Para consecução dos objetivos, partiu-se do referencial dos estudos organizacionais e da análise dos discursos presentes no processo de contratação de pessoal. Com posterior levantamento, interpretação e categorização desses discursos com destaque para a linguagem contida nos instrumentos de comunicação das empresas. Trata-se de uma pesquisa exploratória multidisciplinar e descritiva, com abordagem qualitativa. A imersão constata o discurso sedutor dessas empresas como estratégia de atratividade de profissionais. O estudo solidifica, sem reducionismo, que o discurso é atrativo para criação de vínculos e expõe um grandioso arquétipo centrado na imagem organizacional.
Palavras-chave: Discurso Organizacional. Talentos. Recursos Humanos.

ABSTRACT:

This article aims to analyze the organizational speech and the modeling of apprehension of talents. The study outlines narratives disseminated from the human resources area of transnational companies. In order to accomplish the objectives, it was based on the referential of organizational studies and the analyses of speeches present in the personnel hiring process. With posterior survey, interpretation and categorization of speeches emphasizing the language contained in the companies communication instruments. It is treated of a descriptive and multidisciplinary exploratory research, with qualitative approach. The immersion notes the seductive speech of these companies as an strategy to attract professionals.
Key words: Organizational Speech. Talents. Human Resources.

1. Introdução

É pertinente reconhecer a busca incessante das organizações por melhorias contínuas em processos e estruturas de gestão capazes de atrair e reter talentos humanos. A premissa torna-se ainda mais latente em um mundo permeado pelo sentido do efêmero, do contingente e do volátil. A transitoriedade das coisas dificulta a vida das organizações, sobretudo, na forma da percepção entre o concreto e o imaginário, podendo conduzir a uma justaposição narrativa no ambiente. Essa tônica reelabora as qualidades do homem organizacional, em rever e reinventar suas práticas e comportamentos. Nessa perspectiva, pode-se inferir um reposicionamento no discurso e modelagens de apreensão de talentos pelas empresas.  Em consonância, o trabalhador pode perder sua singularidade diante das exigências das organizações, que prevaricam o conhecimento alicerçado em energias vitais, no sentido da preservação de seus interesses corporativos. As tensões existentes nesse ambiente interacionista impõem dilemas éticos consideráveis, visto que se cria uma 'ética móvel' em que o indivíduo sempre é chamado à luta, a conquista, ou a até mesmo a máxima 'dê o sangue'. A difusão das práticas materiais e estéticas na organização gera uma insegurança que catalisa indivíduos 'paranoicos' pela perda, com medo da obsolescência e da incompetência que imperiosamente está presente no discurso organizacional.

Pode-se inferir que a narrativa de atratividade dos profissionais para ingressarem nas organizações está permeada de intenções, onde prevalece a imagem do heroísmo corporativo alicerçado na excelência e garantia do sucesso de vida. O compartilhamento de aprendizagens e de um projeto dual que privilegie os atores envolvidos para encontrarem sentido e proteção representa a retórica da empresa performática.

A configuração desse fenômeno remete-se a algumas inquietudes: o homem está preparado para levar a extremos vitais as ressonâncias do ato ilocutório organizacional? O indivíduo se coaduna nesse dualismo desenfreado de conflitos substanciosos entre o discurso sedutor e as práticas permeadas no ambiente organizacional? As respostas para as indagações se distanciam do pragmatismo e podem ser conduzidas para o domínio das organizações na vida social dos trabalhadores. Nessa condição este artigo objetiva: (i) analisar o discurso organizacional e a modelagem de apreensão de talentos; (ii) categorizar o discurso da grande empresa no processo de contratação de pessoas; e (iii) Avaliar as categorias de discurso e suas ressonâncias.

A pesquisa tem um caráter exploratório pautado nos discursos apregoados nas empresas transnacionais e com ressonância a partir da área de recursos humanos destas. Para tanto, selecionou-se uma amostra intencional de empresas com relevado destaque no cenário industrial para realizar esse estudo. Por meio da análise de discurso, foi possível apreender a percepção das organizações em relação às categorias propostas. Cabe ressaltar, que essa seleção de discurso expressa uma análise social com foco no contexto atual e considerando um recorte de momentos de produção e reprodução destes discursos.

A relevância deste estudo está em evidenciar as estratégias discursivas disseminadas pelas grandes empresas para atrair profissionais talentosos. Há uma intenção em trazer à pauta de discussões dos estudos organizacionais a modelagem das práticas das grandes empresas e como os indivíduos se inserem nesse processo, nas configurações de sedução e pertencimento das estruturas de poder.

2. A organização como constructo performático: ressonância onipotente e dominante

A organização se instaura na ordem das coisas (regulação social), demandando uma série de novos comportamentos e posicionamentos frente ao indivíduo e suas relações de trabalho. O discurso da organização faz uso da narrativa que age como um instrumento de manipulação do comportamento dos indivíduos, que por desejo de alcançar o 'lugar ao sol' ou o medo de perder o emprego, se coopta na armadilha do mundo do trabalho. As organizações valorizam o domínio de indivíduos cooptados e sem referências além dos seus portões organizacionais. Esse constructo posiciona a organização como protagonista da sociedade, que exporta para as outras organizações os seus valores (a competição e o sucesso econômico), sua visão pragmática do mundo, suas normas de eficácia, de combate, de performance (ENRIQUEZ, 2001).

As sociedades onde dominam as modernas condições de produção caracterizam-se pela existência de uma camada ideológica que se concretiza a cada momento vivido e assume o aspecto de um espetáculo. O espaço em que se realiza a dramaturgia está sempre contido em um futuro, que anuncia a posse de um produto apresentado como indissoluvelmente ligado à satisfação e ao gozo instantâneo (PRESTES MOTTA, 1992). Nesse contexto, somente os heróis e guerreiros organizacionais conseguem enxergar o que lhes ameaça (FREITAS, 2006) e conclama para cumprir o seu papel: lutar, salvar, resgatar, conquistar e libertar. Tudo isso, impõe o controle sistemático das relações sociais em que esses heróis e guerreiros nada mais são do que objetos, mesmo que sejam chamados pelo mérito ou quaisquer configurações para fazer a diferença. O ambiente organizacional celebra o mérito pessoal, visto que privilegia os ganhadores em detrimento dos perdedores (GAULEJAC, 2007).

Valendo-se da necessidade de sobrevivência, sob o disfarce de dar autonomia aos indivíduos, a organização moderna ameaça promover um novo, hipermoderno, neoautoritarismo o qual é, potencialmente, mais insidioso e sinistro do que seu predecessor burocrático (WILLMOTT, 1993), sendo que todo indivíduo é com efeito originário de determinado lugar (CHANLAT, 2007). Como espaço do humano, a organização deve também ser entendida como um palco complexo, uma arena onde os indivíduos perseguem interesses diversos e distintos, já que a realidade subjetiva não é um vazio de objetos. Para os indivíduos em noção imperceptiva as ideias hegemônicas se tornam automáticas, instrumentalizadas, mesmo que alguém vê nelas pensamentos com um significado próprio. São consideradas como coisas, máquinas (HORKHEIMER, 2002), que se materializa na ressonância do discurso sedutor da organização onipotente e na necessidade de pertencimento do indivíduo a algo que lhe confira sentido.

As organizações são espaços de controle, que se legitima pela ressonância do discurso estético e seletivo, não se limitando apenas a controles formais, expandindo-se as relações informais. Esses controles indiretos podem ser apontados como as práticas culturais de adesão, de permissão e de persuasão moral (CLEGG, 2007). O discurso organizacional é ideológico sendo sempre falado para alguém, no intuito de gerar uma direção e um sentido implicados em sua estrutura (ALTHUSSER, 2000). "A percepção instantânea das coisas está ligada à ideia de espaço. [...] O espaço físico da organização (com suas qualidades formais, isto é, qualidades sensorialmente perceptíveis) é, portanto, o retrato fiel da sua identidade cultural, e os artefatos constitui uma força vital para a evolução da organização como cultura" (GAGLIARI, 2001, p. 135). O controle das organizações está cada vez mais sútil e envolvente (FREITAS, 2000), seja na atratividade na seleção de pessoas ou nas facetas existentes no bojo da funcionalidade corporativa. A linguagem tornou-se apenas mais um instrumento no gigantismo do aparelho de reprodução da sociedade hipermoderna. A verdade e as ideias foram radicalmente funcionalizadas e a linguagem é considerada como um mero instrumento, seja para a estocagem e comunicação dos elementos intelectuais da produção, seja para orientação das massas (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Esse tipo de linguagem é útil tal como um recurso heurístico, visto que os indivíduos não se dão conta do processo em que foram cooptados ou apreendidos. Então a dinâmica do controle desloca-se do sistema físico para o sistema psíquico, canalizando a subjetividade (GAULEJAC, 2007).

A organização conduz o processo por meio de controlar e conter a carga explosiva que poderia eclodir, caso não se crie o 'habitat para viver'. A sua ênfase na efemeridade se concentra em exprimir ou representar o 'eterno mutável', todavia engendrado na sua teia, fica difícil repudiar tamanha expectativa de viver um ambiente de excelência. Além de serem um ambiente que respira eficácia, não deve-se estereotipá-la como um 'ser' insensível ao psiquismo dos indivíduos (ENRIQUEZ, 2000).

O imaginário dá sustentação às práticas sociais (TAKEUTI, 2002), servindo de ligação entre a realidade interna da pessoa e a realidade externa (LAPIERRE, 1989), traduzida em grande parte pelo fecho magistral do poder exclusivista da excelência corporativa. A fusão amorosa com o ser que fascina, o indivíduo deixa sua dimensão corporal, seu eu se dilata, na natureza imaginária ou mítica da organização. Nessa exaltação do eu, o indivíduo sai de si mesmo (ENRIQUEZ, 1991, p. 249). As idiossincrasias nesse compêndio ideológico do crescer, ter, ganhar e poder preconiza uma fascinação reluzente trabalhada nos discursos organizacionais. Infere-se que para não se sentirem no vazio em suas vidas, tentam preenche-lo adquirindo as coisas 'certas'. Sem as qualidades excepcionais solicitadas no discurso da organização ao 'operário padrão' não há possibilidade de sucesso, porém tê-las não garante a permanência no jardim do Éden. O indivíduo torna-se à mercê da organização, não apenas em termos de sobrevivência material, mas também em termos de sua identidade (PRESTES MOTTA, 1991).

A sociedade vive um cenário onde a aparência triunfa (BAUDRILLARD, 1995), sendo que todo poder é um poder teatral, opulento, suntuoso, extravagante (ENRIQUEZ, 1997). A discussão nessa ordem social transforma-se em uma narrativa profícua de controle e domínio, podendo representar diante das angústias dos indivíduos, a verdade utópica.  

3. O ato ilocutório da organização: uma instância narrativa de sedução

A retórica das organizações pela contratação do 'melhor' capital humano se insere em instâncias narrativas de sedução do fantástico mundo de projeções de riqueza e sucesso. A intenção é de atrair e recompensar aqueles com potencial de movimento fluido do capital. As organizações em uma primeira instância promovem uma narrativa que chama para o trabalho cooperativo, que ressalta as benesses existentes na sua imagem onipresente. Todavia, em instância mais profunda, essa mesma organização na busca pela excelência está sempre a chamar para a luta que significa provar a própria existência, instaurando regras da luta pela sobrevivência, sendo comum o consciente dos indivíduos os aprisionar com muita facilidade (PRESTES MOTTA, 1991). O indivíduo pode fantasiar uma união com a organização que lhe proporcione a ilusão de totalidade ou plenitude, ou seja, o sentimento de uma relação sem falhas, no qual todos os seus objetivos são satisfeitos (FREITAS, 2000). A condição apresentada evidencia-se como espelho sedutor, em um esquema de adesão e modelagens factuais. O entusiasmo em fazer parte daquilo que é e está reluzente indica a ambivalência do discurso envolvente das organizações recrutantes.  

A narrativa revela uma obsessão pela eficácia, pelo desempenho, pela produtividade (CHANLAT, 2007), mas o resultado é a fragmentação do indivíduo, muitas vezes conscientemente adotada como mecanismos de defesa, outras de forma inconsciente. A manipulação do inconsciente está principalmente estruturada em um sistema normativo (valores, normas, regras, linguagem, padrões, papeis) e de ação (interações e comportamentos) que leva o indivíduo a adesão e ao jugo (PAGÈS et al, 1987). O resultado da inserção do homem organizacional no ambiente traz à tona um sujeito fragmentado, que procura se 'achar' nas teias ardilosamente criadas no seio da organização. Nesse contexto, o excesso é permitido já que a organização busca incessantemente o profissional ideal. Esse ideal está centrado em um perfil magnânimo e suntuoso, enquanto o sujeito acredita que está respondendo aos seus objetivos e desejos pessoais (PAGÈS et al, 1987). Os atores não são passivos, entretanto, podem também responder ideologicamente a essa dominação (PRESTES MOTTA, 1984). Na busca pela eficiência verifica-se uma racionalidade que produz a reificação do homem, para o qual o desempenho constitui-se o instrumento referencial (TENÓRIO, 2004).   

O aparato da instância dominante, no ato ilocutório para atrair talentos, retrata a fragmentação do conhecimento singular das pessoas, pois busca incessantemente a excelência e a iminência do ganho material como a 'salvação do universo'. A investigação do conhecimento, a priori internamente nas organizações, pode ser traduzida por uma necessidade de cada época e se consolidar no arcabouço de cooptação dos futuros trabalhadores da empresa. A inserção no processo de trabalho revelar-se em forma de adestramento do 'ser não pensante', na formalização e estruturação organizacional – com modelo ideal e anatômico da estética da organização. Apropria-se um universo que envolve relações de produção, formas de organização do trabalho, inculcação ideológica, repressão, a dimensão social. Em nível não desprezível, um ambiente organizacional é uma invenção arbitrária da própria organização (WOOD, 2002, p. 129). O vínculo mediador deste processo é fornecido pelo conceito de habitus que produz práticas tendentes a reproduzir condições objetivas responsáveis pela reprodução do princípio generativo do habitus (HARVEY, 1989). Esse vínculo mediador desenvolve um credo de conjuntos cooperativos, que reclama a adesão à alma organizacional (ENRIQUEZ, 2000).

O chamado é pela conquista, onde as organizações inscrevem o indivíduo a ilusão do sujeito completo, fornece uma futura identidade, um lugar social, uma referência (PRESTES MOTTA, 2000). Cabe ressaltar que os grupos podem funcionar à base da idealização, da ilusão e da crença (SENNETT, 2004). O indivíduo vê seu desejo e sua existência reconhecidos pelas relações que mantém com o outro no jogo de identificações (CHANLAT, 2007). A narrativa no imaginário da materialização se sobrepõe, superficialmente, a identidade do indivíduo, tornando-se um mito, uma ilusão (BAUDRILLARD, 1995).

A organização nesse constructo narrativo traduz-se em um instrumento indutor de realizações, em que a racionalidade é irrigada pela paixão (ENRIQUEZ, 2000), por isso o sucesso se torna uma obrigação, já que o fracasso não é uma opção, logo todos que dela fazem parte estão condenados ao sucesso para continuar sobrevivendo (PAGÈS et al, 1987; SENNETT, 2006; GAULEJAC, 2007). A organização se instaura, funciona e se estabiliza no interior de um campo pulsional e passional (ENRIQUEZ, 2000), com possível geração de pressão competitiva que alcançam toda a sociedade.

O ambiente organizacional celebra o mérito pessoal, visto que privilegia os ganhadores em detrimento dos perdedores (GAULEJAC, 2007). A premissa está contida na narrativa sedutora da organização hegemônica, que permeia o jogo da excelência e pautada na meritocracia conflagradas nas habilidades e competências inerentes dos profissionais talentosos, chamados polivalentes e grandiosos, concebidos na 'perfeição heroica'. Percebe-se no discurso profético uma falsa verdade, pois o homem é um ser inacabado em que suas facetas extrapolam a padronização e as engrenagens performáticas. A busca pela garantia da previsibilidade competitiva pela organização transforma sua narrativa de sedução como elemento prioritário, podendo aprisioná-la na amálgama idealizada. A organização de excelência é um ambiente seletivo que apresenta uma imagem grandiosa e autorreferente que se mostra humanizada, espelhando o olhar, a voz e o seio protetor da mãe, nessa condição a organização se coloca como o lugar que deve ser merecido (FREITAS, 2000, p. 68). Atraído, o indivíduo passa a canalizar sua afetividade de pertencimento futuro aos anseios da organização, que se selecionado, ora lhe incentivará ora lhe ameaçará. 

4. Discurso organizacional: paradoxo da mãe protetora?

As facetas do discurso organizacional são multivariadas e podem conter uma ideologia que fascina de forma sútil e intensa, pois se transforma em um fantasma da onipotência. As expressões disseminadas retratam o paradoxo organizacional em suas representações codificadas e imaginárias. A busca é pela perfeição a partir de sua ideologia apregoada de vícios e intencionalidades mercadológica, que se confundem com o discurso de mãe protetora, que governa e ensina o caminho da pretensa verdade. Nesse contexto, abusa-se do uso da racionalidade instrumental em detrimento a racionalidade subjetiva, onde o que importa é a garantia do sucesso da organização, independente das auguras contidas nos movimentos da sociedade. Embora verbalizada, a ideologia da organização nunca é explicitamente dela, mas sim das 'cobranças do mercado' que chama para a prática de combate que deve culminar em constantes melhorias nessa paisagem seletiva.

O discurso organizacional conclama que seus fins são legítimos e colaboram decisivamente para os resultados e manutenção do sucesso. A narrativa professa um perfil de modelo ideal dos indivíduos que se legitimam para fazer parte da 'mãe protetora', com o privilégio de fazer parte do time. A ideologia dominante pressupõe a aceitação majoritária de que seus fins são legítimos (PRESTES MOTTA, 1992). Assim, deseja-se a onipotência individual por identificação com a organização, mas o que se obtêm é a fragilização das certezas de todos (AMADO, 2000), já que tudo se privatiza e se individualiza, não há mais escolhas, somente evoluir (LIPOVETSKY, 2004). A tentativa associativa da organização e o indivíduo reforçam o paradoxo da linguagem libertadora e o padronizado, do performático e o normativo, estabelecendo a noção binária de antagonismos nessa pluralidade de intenções. Os paradoxos organizacionais estão presentes nessa condição, pois são representações polarizadas e socialmente construídas, caracterizadas como discurso e prática; autonomia e conformidade; aprendizagem e mecanização e liberdade e controle; operação e competição; mudança e continuidade (VASCONCELOS; VASCONCELOS, 2004).

A bipolaridade das armadilhas contida na relação empresa e indivíduos engendra um colapso retórico. As contradições se coadunam com a volatilidade das coisas, permeando fissuras estruturais que evidenciam fragilidades nas relações interpostas de modo gestalt. Nessa condição, verificam-se as ambiguidades de representações, posicionamentos, discursos e comportamentos. O discurso organizacional elaborado se dissemina com maior fluidez e volúpia, enquanto as mudanças no sistema de produção é mais lento, provocando um distanciamento entre aquilo que está presente no 'chão de fábrica' na prática e a teorização ambivalente contida na linguagem corporativa. A constatação delineia o distanciamento da personalidade real do indivíduo. A servidão voluntária (ENRIQUEZ, 2008) ou a adesão de todos (AMADO, 2000) faz com que o indivíduo queira ser manipulado pela organização, transformando-se no capital que deve dar retorno (FREITAS, 2000).

A excelência apregoada na gestão das organizações repagina constantemente os objetivos tanto do coletivo quanto do indivíduo, sendo este imputado a desenvolver e buscar uma imagem de si mesmo em conformidade com os padrões exteriores que são postos nesse pragmatismo profético. Trata-se de fazer sempre mais, sempre melhor, sempre mais rapidamente, com os mesmos meios e até menos efetivos (GAULEJAC, 2007). Para merecer o 'colo protetor', o indivíduo tem que ser portador de qualidades e práticas que o tornem o eleito, o escolhido. Esse indivíduo eleito será testado constantemente e chamado a comprovar seu merecimento. A prerrogativa é funcionalista, pois presume que os constructos são relativamente estáveis permitindo comparações atemporais (GIOIA, 1998). O ritmo nas organizações torna-se frenético e dominante, clamando pela eficiência técnica, pela lógica consumista e pela centralidade do indivíduo com foco em resultados. O tempo se torna escasso e não se tem mais tempo, admira-se ao passado em um laço afetuoso, vive-se preocupado com o futuro em um nível de estreita vinculação e consagração do presente (LIPOVETSKY, 2004).

Nesse contexto, interroga-se as vicissitudes ressonantes: seria possível a não concretude dessa amálgama narrativa conturbada? Partindo de uma leitura da contradição existente e do abismo do discurso das organizações e as práticas, e ainda, a percepção de estar centrada na forma analógica em comparação a dinâmica digital na sociedade, o fenômeno contrapõe-se para a possibilidade de uma resposta pragmática, mas, contudo, percebe-se uma fusão entre o indivíduo e as estruturas de poder. As metáforas gritam por um indivíduo tomado pelo desejo de destituir-se do seu lugar e entregar-se a condução da organização, que promete levá-lo ao sucesso e a realização pessoal. A organização então se coloca como um lugar 'sagrado' para o indivíduo se legitimar, identificar e realizar. 

5. Metodologia

O corpus da pesquisa versa sobre as publicações realizadas nos sites e materiais de divulgação de cinco grandes empresas industriais transnacionais com operação no Brasil (DINHEIRO, 2012). Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva com abordagem qualitativa, pois trabalha com discursos e opiniões, possuindo procedimentos de cunho racional e dialético (PAULILO, 1999) para melhor compreensão da complexidade do fenômeno.  A análise teve como ênfase as estratégias de atratividade contidas nos discursos dessas organizações, na área de Recursos Humanos, para contratação de futuros profissionais talentosos. A amostra foi obtida a partir da seleção de vinte maiores empresas transnacionais, em diversos segmentos da economia. Posteriormente, optou-se de forma intencional pela escolha do setor industrial, considerando sua presença em negócios internacionais. O estudo analisa a linguagem contida nos discursos das empresas transnacionais selecionadas em um recorte temporal, no período de maio 2013 à junho de 2014.

Considerando questões de segurança da informação e a exposição dessas indústrias investigadas, decidiu-se pela não divulgação dos seus nomes, pois o objeto de estudo está parametrado na verificação de fragmentos dos discursos dessas empresas, com constructo do fenômeno que se condensam na atuação organizacional. Para realizar esse intento, estruturou-se cinco categorias de análise crítica com prevalência nos discursos e fundamentada no referencial teórico: (Categ. A) -  compartilhamento ilocutório; (Categ. B) - meritocracia; (Categ. C) - qualidade de vida; (Categ. D) - organização aprendiz; (Categ. E) - espaço de excelência. A aplicação dessas categorias permite identificar as práticas discursivas voltadas para a sustentação ou transformação das ideologias (MISOCSKI, PEREIRA, BREI, 2009), já que o discurso é um lugar de reprodução (FIORIN, 1993). No quadro a seguir, apresentam-se as categorias com as descrições utilizadas:

Quadro 1 – Categorização e suas definições

Categorização

Definição das categorias

Categ.A

Compartilhamento ilocutório

Ideal de ego; idealização vicária; autonomia; gestão 'democrática'; fantasia de poder; espaço performático; fecho magistral, fascínio dual; aliança estética; envelope protetor e justaposição ontológica.

Categ.B

 

Meritocracia

Meritocracia; reconhecimento público da capacidade; valorização da igualdade de oportunidades; possibilidade de mensuração de desempenho; compensação adequada e justa; valorização da competência; oportunidades para o uso e o desenvolvimento das suas capacidades e 'liberdade de ação pelo conhecimento'.

 

Categ.C  

Qualidade de vida

Bem-estar; segurança e ética no trabalho; compensação justa e adequada; integração social na organização; significância percebida no trabalho; condições de trabalho mais humana e saudável; a relevância social do trabalho na vida; satisfação no trabalho; condições salubres e compensação adequada.

Categ.D  

Organização aprendiz

Learning organization; desenvolvimento organizacional; aprendizado e melhoria contínua; gestão do conhecimento; aprender a aprender e a agir; gestão empreendedora; novos padrões de resultados; convergência para novas qualificações técnicas e comportamentais.

Categ.E  

Espaço de excelência

Organização singular e personalizada; inovação; mobilidade sinérgica; culto de referência e competitividade; conquistas contínuas; um capital a dar retorno; empresa-comunidade; clube dos raros; onipresença e onipotência.

Fonte: Adaptado de Arellano (2004); Freitas (2000); Prestes Motta (2000), Nonaka e Takeushi (1997).

6. Análise do discurso

O critério de escolha para o método de pesquisa tem como objetivo de estudo o próprio discurso, visto que sua abrangência atinge diversos campos disciplinares, dentre eles: o materialismo histórico, a psicanálise e a linguística. A análise do discurso é uma síntese que deve focar as maneiras como as narrativas criam, legitimam, reproduzem e desafiam as relações sociais  (VAN DIJK, 2001), através de recortes e fragmentos que podem dar sentido e significados na filiação discursiva (FIORIN, 1993, ORLANDI, 1999). A partir desta verificação buscou-se mensurar a frequência dos discursos em consonância com as referidas categorias. Esse procedimento possibilitou verificar a presença, no discurso organizacional, de estratégias de atratividade de profissionais talentosos e sua forma estrutural de alcançar o público desejado.

Apresentam-se, nas tabelas a seguir, os principais discursos obtidos no levantamento de dados e com indicação das categorias conforme figura 1, utilizando-se em condição aleatória as nomenclaturas do alfabeto grego, para identificação das empresas pesquisadas: Organização Alfa, Organização Beta, Organização Delta; Organização Gama e Organização Ômega:

Tabela 1 – Análise do discurso por categoria da Organização ALFA

DISCURSO – ORGANIZAÇÃO ALFA

Categ.

A

Categ.

B

Categ.

C

Categ.

D

Categ.

E

Já imaginou trabalhar em uma empresa sólida, bem-sucedida e com forte presença global?

X

 

 

 

X

Que tal desenvolver seu potencial com um trabalho desafiador e dinâmico?

 

X

 

X

X

Possibilita aos seus empregados oportunidades de carreira e crescimento profissional.

X

X

X

 

X

Trabalhar aqui é ter a oportunidade de construir não apenas grandes projetos, mas também grandes profissionais.

X

X

 

X

X

Não temos medo de terrenos inexplorados. Pelo contrário, encaramos o desconhecido como oportunidade de aprendizado e evolução.

X

 

 

X

X

Tendo a vida como compromisso prioritário.

X

 

X

 

 

A nossa filosofia de remuneração por desempenho possibilita iguais possibilidades de crescimento aos nossos empregados, independente do tempo de casa.

 

X

X

 

 

Total

5

71,42%

4

57,14%

3

42,85%

3

42,85%

5

71,42%

O discurso presente na Organização ALFA obteve maior frequência nas Categ. A e E com percentual aproximado de 71,50%. Pode-se inferir que o discurso dessa empresa baseia-se na disseminação de construir um imaginário performático, com aliança estética que pressupõe referência hipermoderna. Também centrada em expressar um espaço de excelência que traduz conquistas contínuas, com onipotência e onipresença. A Categ. B com frequência de 57,14%, o que sinaliza um discurso centrado na ideia de um processo de seleção permeada na competência e com igualdade de condições para escolha do talento. De forma geral, esse resultado foi a segunda maior frequência dentro da amostra avaliada. As categorias qualidade de vida e organização aprendiz obtiveram aproximadamente 43%. O resultado apesar de apresentar a menor frequência, na organização, considera-se representativo. Quando se analisa o conjunto de discursos do RH, nessa empresa, constata-se homogeneidade e variância nas frequências nas categorias. Isso pode representa que o discurso tem um padrão sistêmico que permeia a ressonância da narrativa com alto poder de atratividade. Nesse contexto, infere-se que o discurso tem consistência na abstração de forças transdisciplinares e envolventes no processo de seleção de profissionais talentosos.     

Tabela 2 – Análise do discurso por categoria da Organização BETA

DISCURSO – ORGANIZAÇÃO BETA

Categ.

A

Categ.

B

Categ.

C

Categ.

D

Categ.

E

O desenvolvimento profissional contempla três dimensões pessoais: Desafios, Capacitação e Coaching.

 

X

 

X

X

A organização investe na capacitação e no desenvolvimento de seus profissionais.

X

 

 

X

X

Incentivar ainda mais o crescimento profissional dos colaboradores, sempre que surgem novas vagas é priorizado o recrutamento interno, valorizando assim os recursos internos da empresa.

 

X

 

X

 

Os profissionais da organização são incentivados a ter atitude empreendedora e visão de futuro. Em toda a companhia, os colaboradores têm liberdade e autonomia de gestão sobre seus próprios projetos.

X

X

 

X

X

As pessoas são valorizadas por suas iniciativas e capacidade de trabalhar em time, por ter visão sistêmica da organização e dos mercados, foco no cliente e por buscar aprendizado contínuo.

 

X

 

X

 

A organização busca colaboradores que tenham paixão pelo que fazem e trabalha para que todos se sintam comprometidos e realizados.

X

 

X

 

 

Total

3

50%

4

66,66%

1

16,66%

5

83,33%

3

50%

A Categ. C, qualidade de vida na Organização BETA, representou o menor resultado verificado em toda a amostra, com 16,66%. Infere-se que a estratégia de atratividade dessa empresa não prioriza seu discurso pautado na pessoa e sim nas suas qualidades corporativas e de diferencial do conhecimento e na competência requeridas do profissional, pois as Categ. D e B com 83,33% e 66,66% foram as de maior relevância, respectivamente. A condição estruturada da categoria organização aprendiz localiza uma vertente de cunho empreendedora em aprendizagem, ou seja, reforçando a gestão do conhecimento. A categoria meritocrática registrou o maior percentual se comparada com as demais empresas pesquisadas. Essa verificação delineia a possibilidade de mensuração de desempenho e compensação pautada nas competências individuais. As Categ. A e E tiveram resultado expressivo com 50%. Argumenta-se que a empresa tem um discurso conciso diante de seus diferenciais para o profissional talentoso, podendo indicar uma ressonância propositiva em abstrações de forças de sucesso no imaginário do indivíduo. 

Tabela 3 – Análise do discurso por categoria da Organização DELTA

DISCURSO – ORGANIZAÇÃO DELTA

Categ.

A

Categ.

B

Categ.

C

Categ.

D

Categ.

E

A administração de nossos recursos humanos é realizada de forma transparente, meritocrática, com foco na valorização de lideranças, talentos individuais e coletivos.

X

X

X

 

 

O capital humano é parte essencial na estratégia da Organização.

X

 

 

X

X

Incentivamos talentos, valorizamos a experiência e promovemos uma gestão de pessoas baseada na transparência e na ética.

X

X

X

 

 

Viver Bem é o programa de qualidade de vida para os colaboradores da organização.

X

 

X

 

 

Na organização desenvolve-se iniciativas que objetivam melhorar as condições de saúde dentro e fora do ambiente de trabalho.

 

 

X

 

 

A promoção da diversidade e o respeito ao ser humano são marcas da organização.

X

 

X

 

 

A seleção de candidatos segue os mais altos padrões de excelência em recursos humanos.

X

X

 

 

X

Total

6

85,71%

3

42,85%

5

71,42%

1

14,28%

2

28,57%

A organização DELTA dissemina um discurso pautado na categoria qualidade de vida, com frequência aproximada em 71,50%. O referido resultado foi o maior índice dentre as empresas pesquisadas, nessa categoria. Outro fator relevante diante dos resultados dessa empresa associa-se a Categ. D, organização aprendiz, com 14,28% de frequência, representando o menor índice verificado na categoria e em todos os demais indicadores avaliados. A constatação pode expressar uma artificialidade na gestão do conhecimento e em novos padrões de aprendizagem e resultados por parte da organização. Também, infere-se que a gestão da organização DELTA está centrada na personificação de seu CEO (Chief Executive Officer), distanciando-se de uma gestão empreendedora, com valorização do saber permeado no aprender a aprender e a agir coletivamente, com configurações em práticas narcíseas. Quando observada a Categ. E, espaço de excelência, o percentual de 28,57% é o menor dentre todas as empresas pesquisadas e estando representativamente abaixo da média geral (61,29%) nessa categoria. O discurso apregoado pela área de Recursos Humanos na categoria analisada pode estar associado a fantasias de poder e ensejando eloquência onipotente, visto que, a narrativa organizacional privilegia o imaginário de poder exclusivista. Quanto à Categ. A, compartilhamento ilocutório, reforça o contraditório diante dos resultados anteriores, pois verificou-se a frequência com 85,71%, sendo a maior incidência dentre as categorias da organização. Conforme Figura 1, essa categoria exprime o ideal de ego e de espaço performático. A evidência encontrada pode representar a ressonância da influência das características narcíseas do CEO na empresa.

Tabela 4 – Análise do discurso por categoria da Organização GAMA

DISCURSO – ORGANIZAÇÃO GAMA

Categ.

A

Categ.

B

Categ.

C

Categ.

D

Categ.

E

Se você busca oportunidades para desenvolver todo o seu potencial em uma empresa com foco na inovação, alta performance e que valoriza a diversidade, faça parte do time da organização.

X

 

 

X

X

A organização é uma empresa internacional, que investe continuamente em tecnologia, equipamentos e instalações. Mas é às pessoas, que atribui seu patrimônio mais valioso, que a empresa dedica sua mais especial atenção.

X

 

 

X

X

Os funcionários tem acesso aos recursos de desenvolvimento necessários aos mais altos níveis de desempenho e possibilitando que todo o aprendizado esteja vinculado às estratégias da empresa.

X

X

 

X

X

O Programa de Recrutamento Interno tem como objetivos motivar e valorizar os funcionários, proporcionando oportunidades de desenvolvimento e oferecendo muitas possibilidades de ampliação dos horizontes profissionais.

X

X

 

X

 

A empresa utiliza as informações obtidas para alterar políticas, procedimentos e programas, visando manter funcionários engajados e satisfeitos.

 

 

X

X

X

Total

4

80%

2

40%

1

20%

5

100%

4

80%

O discurso disseminado na Organização GAMA reflete a predominância significativa da Categ. D, organização aprendiz, com 100% das análises relatadas. Quando comparada com a média geral (58,06%) constata-se sua hegemonia e situando-se, ainda, como a maior frequência alcançada entre todas as categorias investigadas. Pode-se inferir que o discurso se alicerça na convergência para novas qualificações técnicas e comportamentais, delineando assim, a valorização da educação continuada e o desenvolvimento da organização a partir dessas premissas. As Categ. A e E, tiveram também resultados expressivos, com igual valor de 80%. Essas categorias, compartilhamento ilocutório e espaço de excelência, nesse contexto se complementam, tornando um discurso que materializa o heroísmo corporativo, configurando-se em um imperativo territorial, interpolando a 'venda' do habitat transformador. Seguindo os resultados das demais empresas analisadas com exceção da organização DELTA, a Categ. C, qualidade de vida, teve o menor índice dentre as categorias da empresa, com 20% e estando como a segunda menor frequência em toda a amostra pesquisada. A verificação da Categ. B, meritocracia, revelou um percentual de frequência de 40%, a média mais baixa entre as empresas avaliadas. O resultado induz a análise para o discurso do RH focado nas competências organizacionais como vetor de alinhamento do processo de seleção.

Tabela 5 – Análise do discurso por categoria da Organização ÔMEGA

DISCURSO – ORGANIZAÇÃO ÔMEGA

Categ.

A

Categ.

B

Categ.

C

Categ.

D

Categ.

E

Nosso objetivo é melhorar a vida das pessoas, aprimorando a cadeia de produção de alimentos e agronegócio.

X

 

X

 

X

A organização oferece aos funcionários oportunidades de aprendizado e crescimento para ajudá-los a adquirir as habilidades profissionais e qualidades de liderança necessárias para atingir seu pleno potencial.

X

 

X

X

 

Manter operações integradas e descentralizadas significa garantir o equilíbrio entre a eficiência de uma empresa global e a velocidade de uma empresa local.

X

 

 

X

X

A organização apoia oportunidades de desenvolvimento profissional que fortalecem habilidades já existentes, constrói novas oportunidades e explora formas em que os talentos individuais contribuem para o todo.

X

X

 

X

X

É prioridade global, da organização, prover a empresa, em todos os níveis, com talentos diversificados, motivados e engajados, que tenham habilidades, valores e experiências adequados para o cargo, a fim de entregar desempenho diferenciado e resultados ao negócio.

X

X

 

X

X

Na organização, há muitas oportunidades de carreira e muitos caminhos para o sucesso. Se você compartilha nossos valores, então é provável que exista um plano de carreira para você dentro da organização.

X

X

 

 

X

Total

6

100%

3

50%

2

33,33%

4

66,66%

5

83,33%

Quando se avalia os resultados investigados na Organização ÔMEGA, ressalta-se a significância da Categ. A, compartilhamento ilocutório, expressando o maior resultado das categorizações interpretadas nessa empresa, com frequência constante de 100% nos discursos. Os dados coletados nos discursos nesta categoria também evidencia a maior média dentre as organizações selecionadas para esta pesquisa. Considera-se que esse índice exprime a idealização e fascínio dual contido no discurso, transferindo fantasias de 'fazer parte da empresa grandiosa' aos profissionais talentosos, podendo ser acolhido pelo 'envelope protetor'. Outro resultado registrado na pesquisa e considerado relevante associa-se a Categ. E, espaço de excelência, com 83,33% de frequência. Das empresas avaliadas na pesquisa, esse resultado foi o maior índice alcançado nessa categoria e quando correlacionada com a média geral, 61,29% reforça sua prevalência no constructo avaliado. A inferência nessa condição, pode versar para Organização ÔMEGA, a proposição de se posicionar como o 'clube dos raros' provida de possibilidade de dar retorno em resultados, seja para a organização, seja para as pessoas. As Categ. B e C obtiveram as menores frequências nessa empresa, com 50% e 33,33%, respectivamente. Ressalta-se que esses resultados, nessas categorias, seguem a média geral verificada na pesquisa. A categorização centrada na aprendizagem, Categ. D, teve frequência de 66,66%, ficando acima da média geral de 58,06%, o que representa convergência para a gestão do conhecimento como fundamento como estratégia discursiva de atratividade pelo RH em seu processo de seleção de profissionais talentosos.    

Tabela 6 – Frequência resumo por categoria

 

Categ.A

Categ.B

Categ.C

Categ.D

Categ.E

Fragmentos de discursos analisados – Total

31

31

31

31

31

Frequência numérica por categorias

24

16

12

18

19

Frequência percentual por categorias

77,41%

51,61%

38,70%

58,06%

61,29%

Os resultados das frequências por categoria foram consolidados na Tabela 6. A parametrização desses dados evidencia o total de fragmentos de discursos analisados, bem como as frequências numérica e percentual por categorias.

7. Considerações finais

A perspectiva crítica de observação nos estudos organizacionais permeia o distanciamento da lógica racionalista, condicionada ao pragmatismo e redundância previsível e padronizada. Os pressupostos do pensamento enunciam a compreensão da epistemologia da complexidade, semeada no inconformismo e na dinâmica da descontinuidade que transforma os sistemas voláteis, geralmente de difícil compreensão. Nesse constructo de ressonâncias múltiplas, analisar o discurso organizacional e a modelagem de apreensão de talentos nos processos de seleção, representa a tentativa de desmistificar essa ordem pré-estabelecida pelas organizações transnacionais, detentoras de uma unilateralidade nas suas lógicas processualísticas em atrair uma nação de homens desejosos de emancipação e sucesso.

A pesquisa enuncia que o discurso disseminado pelo RH das empresas transnacionais está centrado nas competências organizacionais, tornando os atributos individuais de competência à mercê da modelagem estabelecida em uma estética singular de poderio corporativo onipotente. A estética instaurada no discurso das organizações investigadas procura regras que possibilitem a veiculação de verdades 'eternas e imutáveis' em meio ao turbilhão da 'mudança constante'. A categoria compartilhamento ilocutório, descrita nesse trabalho, como fecho magistral de ambivalência, reafirma o desejo dessas empresas, em tornar ressonante a idealização vicária e a aliança estética com o profissional talentoso, ou aquele que almeja esse fascínio de cooptação. Esse discurso organizacional é resultado do fetichismo que causa um obscurantismo que se disfarça com a exibição de um cunho progressista e de excelência. Nesse lugar, o trabalhador é chamado para o 'palco' para desfrutar dessas possibilidades de conquistas e sucesso. Mas, a dramaturgia que prevalece, conforme os dados analisados na pesquisa assemelha-se a organização como protagonista da excelência, pelos seus atributos essenciais descritos no arcabouço hegemônico. Essa constatação formulada nos discursos dessas empresas se coaduna com sua identidade de marca e moeda social. O sujeito é a própria empresa, com suas competências e expertises, posicionando o modelo ideal indivíduo que possa ter o privilégio dela fazer parte.  

Paradoxalmente, ao propagado conceito de qualidade de vida ao trabalhador, o estudo da análise dos discursos das grandes empresas, na sua área de RH, verificou-se que dentre as categorias pesquisadas, a de qualidade de vida foi aquela que obteve o menor índice de disseminação nos discursos corporativo, como estratégia de atratividade de pessoas talentosas. Embora presente nos discursos, essa categoria foi a de maior variância entre as empresas, sinalizando que a política de contratação de pessoal não se fundamenta essencialmente nessa variável. Por outro lado, o estudo ratifica a valorização da era do conhecimento, preconizado com relevância em nossos tempos. A organização aprendiz torna-se, nessa perspectiva, o local de recrudescimento da aprendizagem, de desejo de manutenção de status quo, epodendo efetivamente influenciar o realinhamento no planejamento de carreiras. De forma intangível e imperceptível revestindo-se da linguagem dominante.

As práticas empresariais não são vazias de sentido, mas sim representações que se consolidam, geralmente baseadas em discursos de sedução. Apreende-se na narrativa das organizações transnacionais a função de dominação e estereótipos, utilizando esforços deliberadamente empreendidos para a captura do 'capital intelectual'. O fenômeno não é condição singular dessas empresas, pois se tornou o modismo dominante na seara do mundo corporativo. Nessa arena, o espelho organizacional é por definição um princípio de unidade e de coesão estrutural, que oferece possibilidades de realização e conquistas. A linguagem das organizações é de controle, predizendo euforicamente em suas estruturas e processos, possibilidades de alcance do futuro, mediante previsões que narrem às expectativas de crescimento profissional. As nuanças do compartilhamento ilocutório, meritocracia, da qualidade de vida, do aprendizado e da excelência, categorizados neste estudo, amalgamam um constructo do sucesso. Percebe-se que as configurações factuais são suficientemente elaboradas e os repertórios bastante consideráveis, pois são constituídos para que se queira fazer parte daquele 'mundo', onde as narrativas indicam um lugar de conquistas e realização de sonhos. Nesse contexto, como as fronteiras são permeáveis e as interações diversas, o discurso organizacional clama por indivíduos que tenham características magnânimas, constituindo uma matriz de competência que 'beira' a irracionalidade, tornando-os verdadeiros seres míticos. Em contraponto, compreende-se o fenômeno como aprisionamento dessa armadilha alienante, em um arcabouço de cooptações, podendo tornar a vida das pessoas uma solidão, um conformismo presente na dedicação à empresa.

De modo conciso, a narrativa extrapola o objetivo restrito a contratar e atrair talentos, pois engendra uma significação para além do uso funcional presente na relação organização e as pessoas. O estudo solidifica, sem reducionismo, que o discurso é atrativo para criação de vínculos e expõe um grandioso arquétipo centrado na imagem organizacional. A simbiose está presente no fenômeno, sendo imputável ao indivíduo a 'inocência consciente' de participe dessa dinâmica empreendedora, marcada pela confluência de interesses e pelo universo simbólico da sociedade organizacional.

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1. Universidade CEUMA
2. Universidade CEUMA
3. Universidade CEUMA - UEMA

4. Universidade CEUMA. Email: Ricardo.daher@hotmail.com


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 17) Año 2016

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