Espacios. Vol. 37 (Nº 15) Año 2016. Pág. 22

Conhecimento tradicional de plantas medicinais na comunidade tabuleiro do Mato de Floriano, Piauí, Brasil

Traditional knowledge of medicinal plants in the Community Board of the jungle of Floriano, Piauí, Brazil

Clarissa Gomes Reis LOPES 1; Conceição de Maria Oliveira RODRIGUES 2; Nélson Leal ALENCAR 3; Wilza Gomes Reis LOPES 4

Recibido: 12/02/16 • Aprobado: 15/03/2016


Contenido

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados e discussão

4. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Este artigo apresenta levantamento do conhecimento popular de plantas para fins medicinais pela população da comunidade Tabuleiro do Mato, Floriano, Piauí, Brasil. Foram feitas entrevistas com chefes de família de 33 residências, por meio de questionário semiestruturado com perguntas abertas. Durante as entrevistas, foram citadas 61 espécies de plantas pertencentes a 31 famílias botânicas. As famílias que apresentaram maior riqueza de espécies foram Fabaceae (8), Lamiaceae (7) e Anacardiaceae (6). Não houve diferença no número de espécies exóticas e nativas. A comunidade estudada possui farmacopeia pouco numerosa, que pode ser reflexo de um processo aculturativo que esteja ocorrendo na comunidade.
Palavras-Chave: Etnobotânica; Espécies exóticas e nativas; Componente herbáceo e lenhoso.

ABSTRACT:

This paper presents survey of popular knowledge of plants for medicinal purposes by the population of community of Tabuleiro do Mato, Floriano, Piauí, Brazil. Interviews with 33 residential householders were made through semi-structured questionnaire with open questions. During the interviews, 61 plant species belonging to 31 botanical families were quoted. The families with the highest species richness were Fabaceae (8), Lamiaceae (7) and Anacardiaceae (6). There was no difference in the number of exotic and native species. The studied community has pharmacopoeia reduced, which maybe reflect an acculturation process that is occurring in the community.
Keywords: Ethnobotany; exotic and native species; herbaceous component, woody.

1. Introdução

As plantas medicinais são um recurso que vem sendo bastante utilizado pela população humana desde a antiguidade para prevenir e tratar doenças, tanto em pessoas como em animais. Muitas vezes, o uso deste conhecimento constitui o único meio terapêutico de muitas comunidades. Comunidades do nordeste brasileiro possuem um rico acervo sobre plantas nativas e seus usos terapêuticos. Além disso, é notável o conhecimento de pessoas como os raizeiros, que possuem um papel importante na manutenção e distribuição deste acervo de conhecimento (Agra et al., 2007; Albuquerque et al., 2007). Também chamado de erveiros (Alves et al., 2008), os raizeiros, segundo Tresvenzol (2006, p. 23), são pessoas já consagradas "pela cultura popular, no que diz respeito ao conhecimento sobre o preparo, indicação e comercialização de plantas", sendo encontrados, comercializando com suas ervas, em mercados de várias cidades brasileiras.

As comunidades humanas do nordeste brasileiro estão situadas, em sua maior parte, em regiões com predominância de tipos vegetacionais de Caatinga e Cerrado. Muitos dos esforços científicos de documentar este conhecimento têm focado em populações presentes, principalmente, na caatinga nordestina (Albuquerque, Andrade, 2002; Agra et al., 2005; 2006; Marreiros et al., 2015), porém há poucos registros para o conhecimento etnobotânico em vegetações do Cerrado nordestino ou, até mesmo, em regiões de tensão ecológica, como ecótonos, entre estes ecossistemas.

Embora os últimos anos tenham fornecido importantes registros de conhecimento sobre o uso de plantas medicinais de comunidades do Piauí (Franco, Barros, 2006; Santos et al., 2007; Chaves, Barros, 2012), ainda são escassos os levantamentos, principalmente na região sul do Estado (Oliveira et al., 2010).

Desta forma, o objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento do conhecimento popular sobre plantas medicinais da comunidade de Tabuleiro do Mato, Floriano, Piauí, Brasil. E assim, identificar as plantas medicinais utilizadas por esta comunidade, a sua distribuição geográfica e as principais enfermidades em que a população utiliza estas plantas.

2. Metodologia

2.1. Área de coleta

As coletas foram realizadas na comunidade de Tabuleiro do Mato, no município de Floriano, Piauí, localizado à margem do Rio Parnaíba, distante 240 km da capital do estado, sob as coordenadas S06° 46' 24" Sul e W43° 00' 43" a 140 metros de altitudes do nível do mar com clima tropical semiárido (IBGE, 2010). Sua vegetação é típica de área de transição com a presença de espécies da Caatinga e, principalmente, do Cerrado.

A comunidade Tabuleiro do Mato está situada a, aproximadamente, 15 km do centro da cidade de Floriano. A localidade é composta por 39 famílias residentes, com 164 habitantes, dos quais 77 são do sexo feminino correspondendo a 46,95% da população e 87 são do sexo masculino, o que corresponde a 53,05%. A comunidade é banhada pelo Rio Itaueira que apesar de não ser perene, possibilita a realização de algumas atividades agrícolas, no período seco (vazantes), e pecuária, por garantir água para o consumo animal. Há alguns anos, a água destinada ao consumo humano e animal era proveniente do olho d'água Buritirana e do Rio Itaueira. Hoje, toda a comunidade tem três poços artesianos, sendo que um desses abastece o chafariz, que distribui água a todos os domicílios de Tabuleiro do Mato. Todas as residências da comunidade são atendidas por rede de energia elétrica.

A comunidade possui um campo de futebol, um clube de festa, uma sede da associação, duas igrejas, sendo uma Católica e a outra Evangélica, um telefone público e duas escolas que dispõem de ensino fundamental e médio.

Embora a comunidade não disponha de posto de saúde, a equipe do Programa Saúde da Família (PSF), composta de médico e enfermeiro, atende a população no prédio da Escola Municipal, uma vez por mês. Além disso, são realizadas visitas domiciliares aos moradores, uma vez por mês, por agentes de saúde.

A maior fonte de renda da população é a agricultura de subsistência, por meio da plantação de milho, arroz, feijão, melancia, abóbora, além da criação de animais como: galinhas, caprinos, suínos e bovinos. Há alguns aposentados, pensionistas, pedreiros, ajudantes de pedreiro e, ainda, os que executam trabalhos temporários informais, mas que, também, vivem da agricultura para complementar a renda. E os habitantes desta comunidade não possuem trabalho em Floriano.

2.2. Coletas de dados e análises

Foram realizadas entrevistas em todas as residências da comunidade, com um dos chefes de família, que se encontravam em casa no momento da visita. Foram realizadas entrevistas em 33 residências, não tendo sido possível entrevistar as outras seis famílias restantes, pela impossibilidade de encontrá-las, durante o período do trabalho, que se deu entre Maio de 2013 a Janeiro de 2014, ou, também, por se recusarem a serem entrevistadas. Dos 33 informantes, 19 eram do sexo feminino e 14 do sexo masculino, com idade entre 21 e 77 anos, com uma idade média de 49 anos. Todos os informantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), de acordo com as recomendações do Conselho Nacional de Saúde (Resolução N º 466/12).

As entrevistas foram realizadas utilizando-se questionário semiestruturado, com a pergunta inicial: Quais plantas de uso medicinal o(a) senhor(a) conhece? Posteriormente, foi questionado sobre a indicação de uso, a forma de preparo, a parte da planta utilizada e o local de coleta. Ao final de cada entrevista, os informantes participavam de turnê guiada, fazendo uma caminhada nas imediações de sua casa, buscando o registro e o reconhecimento das plantas medicinais citadas no momento da entrevista, segundo procedimento indicado por Albuquerque et al. (2010).

Para avaliar as espécies mais importantes da comunidade, foi calculado o Índice de Importância Relativa (Bennett, Prance, 2000). As indicações terapêuticas citadas nas entrevistas foram agrupadas segundo dados da OMS. Para classificar as espécies em nativas e exóticas, foi utilizado como referência as informações contidas na Lista de Espécies da Flora do Brasil (Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2014). As espécies classificadas como cultivadas e naturalizadas foram consideradas como exóticas neste trabalho. Para verificar diferenças entre número de espécies nativas e exóticas foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson (Zar, 1996).

3. Resultados e discussão

Foram citadas, durante as entrevistas, 61 espécies pertencentes a 31 famílias botânicas (Tabela 1). As famílias que apresentaram maior riqueza de espécies são Fabaceae (8 espécies), Lamiaceae (7 spp) e Anacardiaceae (6 spp).

Tabela 1. Lista das espécies com indicação terapêutica utilizadas na comunidade Tabuleiro do Mato, Floriano (PI),
com seus nomes vulgares, porte, distribuição geográfica (DG), indicação terapêutica e importância relativa (IR).
Legenda: Porte: Av: Árvore, Er: Erva, Subab: Subarbusto, Ab: Arbusto, Trep: Trepadeira. DG: Distribuição geográfica, N: Nativa, E: Exótica

Nome científico/ Família

Nome vulgar

Porte

DG

Indicação terapêutica

IR

Acanthaceae

 

Justicia pectoralis Jacq.var.stenophylla

Trevo

Er

E

Pressão alta, coração

0,43

Amaranthaceae

 

Chenopodium ambrosioides L.

Mastruz

Subab

E

Inflamação, cicatrizante, gripe, febre

1,29

Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze

Penicilina

Subab

E

Dor de cabeça, febre

0,55

Amaryllidaceae

 

Allium sativum L.

Alho

Er

E

Febre

0,28

Anacardiaceae

 

Myracrodruon urundeuva Allemão

Aroeira

Av

N

Inflamação, gripe, rins, afinar sangue

1,54

Anacardium occidentale L.

Caju

Av

N

Dor de dente

0,28

Spondias purpurea L.

Siriguela

Av

E

Dor urinária, diarreia

0,55

Spondias tuberosa Arruda

Umbu

Av

N

Abrir apetite, sangue pisado

0,28

Spondias mombin L.

Cajá

Av

E

Sangue, esquentamento

0,55

Mangifera indica L.

Mangueira

Av

E

Gripe

0,28

Annonaceae

 

Annona squamosa L.

Ata

Av

 

Diarreia

0,28

Aristolochiaceae

 

Aristolochiaceae 1

Milone

Er

 

Pneumonia, inflamação

0,55

Asparagaceae

 

Asparagus sp.

Milindro

Er

E

Pressão baixa, estômago

0,78

Boraginaceae

 

Heliotropium indicum L.

Crista de galo

Subab

N

Intestino de bebê

0,28

Bromeliaceae

 

Ananas comosus (L.) Merril

Abacaxi

Er

N

Tosse

0,28

Caricaceae

 

Carica papaya L.

Mamão

Er

E

Intestino

0,28

Combretaceae

 

Terminalia brasiliensis (Cambess.) Eichler

Catinga de porco

Av

N

Intestino

0,58

Convolvulaceae

 

Operculina macrocarpa (L.) Urb.

Batata de purga

Trep

N

Gripe, bronquite

0,35

Crassulaceae

 

Bryophyllum pinnatum (Lam.) Oken

Folha santa

Er

E

Gripe, febre, rins, fígado, inflamação.

1,57

Dilleniaceae

 

Curatella americana L.

Sambaíba

Av

N

Rins

0,35

Euphorbiaceae

 

Croton campestris A.St.-Hil.

Velame

Subab

N

Gripe, cicatrizante

0,35

Fabaceae

 

Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan

Angico

Av

N

Gripe, inflamação, rins

1,62

Caesalpinia pulcherrima (L.) Sw.

Maravilha

Av

E

Gastrite

0,28

Copaifera sp.

Podói

Av

N

Dores musculares

0,28

Fabaceae sp1

Pau de rato

Av

-

Dor de barriga

1,17

Hymenaea courbaril L.

Jatobá

Av

N

Anemia

0,35

Libidibia ferrea (Mart. ex Tul.) L.P.Queiroz

Pau ferro

Av

N

Gripe, hepatite

0,63

Mimosa caesalpiniifolia Benth.

Sabiá

Ab

N

Intestino

0,28

Senna alata (L.) Roxb.

Maria mole

Er

N

Gripe

0,28

Krameriaceae

 

Krameria tomentosa A.St.-Hil.

Carrapicho de boi

Er

N

Desmantelo

0,28

Lamiaceae

 

Hyptis sp.

Alecrim

Subab

E

Gripe

0,63

Mentha arvensis L.

Hortelã vick

Er

E

Gripe

0,28

Mentha X villosa Huds.

Hortelã

Er

E

Gripe, febre, dor de garganta

1,57

Ocimum basilicum L.

Alfavaca

Er

E

Febre

0,28

Ocimum gratissimum L

Manjericão

Subab

E

Gripe

0,43

Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng.

Malva do reino

Er

E

Gripe, tosse

0.66

Plectranthus barbatus Andrews

Boldo

Er

E

Estomago, inflamação, rins

0,86

Malvaceae

 

Gossypium hirsutum L.

Algodão

Ab

E

Inflamação, cicatrizante

1,29

Moraceae

 

Brosimum gaudichaudii Trécul

Inharé

Av

N

Afinar o sangue, esquentamento

0,63

Myrtaceae

 

Psidium guajava L.

Goiaba

Av

E

Diarreia, vômito

0,43

Nyctaginaceae

 

Boerhavia diffusa L.

Pega pinto

Er

E

Inflamação

0,28

Phyllanthaceae

 

Phyllanthus niruri L.

Quebra pedra

Er

N

Rins

0,28

Phytoloccaceae

 

Petiveria alliacea L.

Tipi

Er

E

Gases

0,28

Poaceae

 

Saccharum officinarum L.

Cana

Er

E

Pressão alta

0,51

Cymbopogon citratus (DC.) Stapf

Capim santo

Er

E

Pressão alta

0,35

Rhamnaceae

 

Ziziphus joazeiro Mart.

Juazeiro

Av

N

Gripe

0,28

Rubiaceae

 

Morinda citrifolia L.

None

Ab

E

Cicatrizante

0,28

Rutaceae

 

Citrus X limon (L.) Osbeck

Limão

Av

E

Gripe

0,35

Citrus aurantium L.

Laranja

Av

E

Febre

0,55

Solanaceae

 

Solanum agrarium Sendtn.

Melancia da praia

Er

N

Pneumonia

0,28

Verbenaceae

 

Lippia alba (Mill.) N.E.Br

Erva cidreira

Er

N

Febre, gripe

1,4

Xanthorrhoeaceae

 

Aloe vera (L.) Burm. f.

Babosa

Er

E

Gripe, cicatrização, inflamação

0,91

Não Identificadas

 

Indeterminada 1

AAS

Er

-

Dor de cabeça

0,28

Indeterminada 2

Açoita Cavalo

Av

 

Esquentamento

0,28

Indeterminada 3

Ameixa

Av

 

Inflamação

0,91

Indeterminada 4

Angelim

Av

 

Apendicite

0,28

Indeterminada 5

Custameira

Subab

 

Inflamação

0,28

Indeterminada 6

Mangabeira

Av

 

Febre, inflamação

0,63

Indeterminada 7

Neosaldina

Er

-

Dor de cabeça, febre

0,28

Indeterminada 8

Sete Dores

Er

 

Dor de cabeça

0,28

Indeterminada 9

Vick

Er

-

Febre

0,28

A partir deste levantamento, observa-se que a comunidade pesquisada apresentou uma baixa riqueza de plantas medicinais comparada com outros levantamentos para a região Nordeste (Tabela 2). As causas relacionadas a esta baixa riqueza podem estar associadas aos seguintes fatores: os levantamentos etnobotânicos já realizados na região Nordeste utilizaram diferentes metodologias de seleção de entrevistados, influenciando sobre a qualidade e quantidade da informação coletada nas entrevistas e ao fato da comunidade deste trabalho ser assistida por programas de atenção à saúde, como o PSF (Programa de Saúde da Família), com a visita mensal de médico e enfermeiro, o que contribuiria para a redução do uso de plantas medicinais. Além disso, ocorre a distribuição gratuita de medicamentos industrializados, pelo agente de saúde na comunidade, o que poderia influenciar, a longo prazo, na diminuição sobre o conhecimento e uso de plantas medicinais, devido ao desestímulo sobre este conhecimento tradicional. Além disso, a proximidade de um centro urbano, também, pode reduzir o conhecimento de plantas medicinais, conforme observado por Voeks e Leony (2004) e Vandebroek et al. (2004).

Tabela 2. Riqueza florística de espécies citadas em levantamentos etnobotânicos de plantas medicinais realizados na região nordeste, Brasil

Nº de entrevistas

Nº de spp.

Nº de famílias

Localidade

Fonte

91

107

51

Caruaru (PE)

Albuquerque et al. (2008)

84

86

42

Águas Belas (PE)

Albuquerque et al. (2008)

30

75

31

Alagoinha (PE)

Albuquerque e Andrade (2002)

80

76

36

Cocal (PI)

Chaves e Barros (2012)

33

82

41

Esperantina (PI)

Franco e Barros (2006)

20

167

59

Oeiras (PI)

Oliveira et al. (2010)

As espécies que apresentaram maior valor de Importância Relativa (IR) foram Anadenanthera colubrina (1,62), Mentha X villosa (1,57), Bryophyllum pinnatum (1,57), Myracrodruon urundeuva (1,54), Lippia alba (1,4) Gossypium hirsutum (1,29) e Chenopodium ambrosioides (1,29). Estas espécies também apresentam elevado IR em outros levantamentos (Albuquerque, Andrade, 2002; Oliveira et al., 2010; Sousa, 2010), demonstrando, assim, sua importância em outras comunidades do nordeste brasileiro.

De acordo com a lista florística de espécies citadas pela comunidade de Tabuleiro do Mato, 25 são árvores, seis são arbustos (31 espécies para o componente lenhoso), 19 são ervas, nove subarbustos (28 espécies do componente herbáceo) e duas trepadeiras. Não existe diferença significativa entre o número de espécies do componente lenhoso e herbáceo. Em Albuquerque e Andrade (2002), houve um maior uso de espécies lenhosas, e acredita-se que isto está relacionado ao fato das espécies herbáceas nativas serem efêmeras na Caatinga.

Segundo as espécies identificadas até o nível específico, que foi possível classificá-las quanto a sua distribuição geográfica, observou-se que foram utilizadas 25 espécies nativas e 25 exóticas, não havendo diferença estatística entre elas.

Em relação ao conhecimento sobre uso de espécies, não teve diferença entre as indicações terapêuticas de exóticas (85 indicações) e nativas (80 indicações). Esses dados diferem dos resultados encontrados por Albuquerque et al. (2008), na Caatinga, que tanto na comunidade rural, quanto indígena eram conhecidas mais espécies exóticas do que nativas. Contudo, em outros levantamentos realizados no estado do Piauí, as plantas medicinais mais utilizadas são oriundas da vegetação nativa (Oliveira et al., 2010), o que mostra a relação da comunidade com o meio em que vivem.

Ao analisar diferenças entre nativas e exóticas, segundo os diferentes tipos de portes, pode-se observar que, apenas, houve diferença estatística para o componente herbáceo, que apresentou mais espécies exóticas do que nativas (Tabela 3).

Tabela 3. Número de espécies exóticas e nativas em relação aos diferentes portes das plantas
citadas com indicação terapêutica pela comunidade Tabuleiro do Mato, Floriano, Piauí

Porte

Exóticas

Nativas

χ2

P

Árvore

08

12

0,80

 

Arbusto

02

04

0,67

Trepadeira

00

01

1,00

Subarbusto

03

05

0,50

Erva

12

03

5,40

p< 0,01

O fato de em farmacopeias de comunidades tradicionais apresentarem muitas plantas herbáceas exóticas, já é conhecido (Voeks, 1996; Albuquerque et al., 2008). Dentre as herbáceas exóticas, pode-se destacar Mentha X villosa, Bryophyllum pinnatum, Plectranthus barbatus, Plectranthus amboinicus, Asparagus sp. como espécies com maiores números de indicações terapêuticas.

A aroeira (Myracrodruon urundeuva), por exemplo, necessita de uma atenção especial, pois é uma das espécies com maior valor de IR por esta comunidade, e por muitas outras comunidades do nordeste brasileiro (Albuquerque, Andrade, 2002; Albuquerque et al., 2008; Oliveira et al., 2010; Marinho et al. 2011), além de ser utilizada para fins madeireiros, como lenha e construção (Albuquerque, Andrade, 2002; Monteiro et al. 2005), o que aumenta, ainda mais, sua pressão de uso (Oliveira et al., 2007). Diante deste cenário, esta espécie encontra-se ameaçada de extinção na Lista Oficial da Flora Brasileira Ameaçada de Extinção, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA; Portaria Nº 37-N, de 3 de abril de 1992).

O angico (Anadenanthera colubrina), embora não se encontre ameaçado de extinção, também, merece uma atenção especial, sendo necessário conhecer o impacto do seu uso, pois, também, é uma espécie que apresenta forte pressão de uso, sendo tanto utilizada para fins madeireiros, como para combustível e construção, além de ser empregado para curtir couro (Monteiro et al., 2005; 2006).

Dentre as espécies vegetais citadas durante as entrevistas, foi observado que da imensa maioria das plantas são utilizadas as folhas (124 citações), para o preparo dos medicamentos, seguida pelo uso da casca (52), das raízes (12) e de outras partes (8).

O modo de preparo acontece por infusão, que é abafar as folhas com água quente e por cocção, que é o processo de cozimento da planta. O uso de folhas em larga proporção em comunidades tradicionais, inseridas em formações vegetacionais como caatinga, é difícil de ser observado, visto que, neste perfil, espera-se que devido à sazonalidade irregular de disponibilidade de folhas, as populações tendem a basear seu repertório de plantas medicinais sobre o uso de partes, que estejam disponíveis durante todos os dias do ano, como cascas e raízes (Albuquerque, Andrade, 2002; Albuquerque et al., 2008; Marinho et al., 2011).

Entretanto, numa vegetação de cerrado, muitas espécies lenhosas não perdem as folhas durante o período de estiagem, devido à presença de raízes bastante desenvolvidas que alcançam o lençol freático (Rizzini, 1997). Dessa forma, essa proporção pode ser diferenciada neste tipo de vegetação. Em outros levantamentos no Piauí, que ocorreram em áreas de cerrado ou transição cerrado/caatinga, as folhas foram as partes das plantas mais utilizadas (Franco, Barros, 2006; Oliveira et al., 2010).

A população entrevistada de Tabuleiro do Mato faz uso de plantas medicinais para tratar de 22 indicações terapêuticas distintas. Dentre as indicações (Figura 02), as mais associadas ao tratamento por plantas são gripe (28 citações), febre (22 citações), inflamações (22 citações), problemas no intestino (15 citações) e diarreia (8 citações). Tais indicações são semelhantes ao trabalho de Aguiar e Barros (2012). A importância destas indicações terapêuticas na farmacopeia da comunidade pode ter justificativas baseada na carência de serviços de saneamento básico, visto que estas indicações estão fortemente relacionadas a condições sanitárias.

Figura 2. Número de citações das indicações terapêuticas da
comunidade de Tabuleiro do Mato, Floriano, Piauí, Brasil.

A gripe foi a principal indicação terapêutica, tratada com 18 espécies vegetais distintas, e é umas das indicações terapêuticas com maior diversidade de plantas para o tratamento. A segunda indicação terapêutica mais importante para a comunidade foi febre, com 11 espécies, associadas ao tratamento (Tabela 1).

Esta grande diversidade de espécies associada ao tratamento destas importantes doenças na comunidade pode estar relacionada à segurança de tratamento, visto que pode tratar-se de doenças recorrentes na comunidade. E, portanto, seria importante possuir um repertório de plantas mais diversificado para tratar destas doenças ao longo de todo o ano.

4. Considerações finais

A riqueza de espécies medicinais nesta comunidade é menor que em outros levantamentos já realizados na região, o que sugere que a comunidade se apoia em um pequeno grupo de plantas para os seus tratamentos de saúde.

As plantas medicinais são utilizadas nesta comunidade para os mais diversos sistemas corporais, e destes, são citadas várias indicações terapêuticas demonstrando a importância que as plantas medicinais possuem na farmacopeia local para curar e prevenir doenças.

Referências

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1. Bióloga, Doutora, Professora do Departamento de Ciências da Natureza e do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Piauí, PRODEMA/UFPI, Brasil E-mail: claris-lopes@hotmail.com
2. Bióloga, formada no Campus Amílcar Ferreira Sobral, da Universidade Federal do Piauí, Floriano, Piauí, Brasil E-mail: ceicarodrigues2010@gmail.com
3. Biólogo, Doutor, Professor do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Petrônio Portela, Teresina, Piauí, Brasil E-mail: nelsonalencar@hotmail.com

4. Arquiteta, Doutora, Professora do Departamento de Construção Civil e Arquitetura e do Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Piauí, PRODEMA/UFPI, Brasil E-mail: izalopes@uol.com.br


Vol. 37 (Nº 15) Año 2016

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