Espacios. Vol. 37 (Nº 15) Año 2016. Pág. 12

Movimento social: uma categoria de análise

Social movement: a category of analysis

Viviane Nascimento SILVA 1; Mônica Nascimento e FEITOSA 2

Recibido: 15/02/16 • Aprobado: 27/03/2016


Contenido

1. Introdução

2. O paradigma clássico

3. A teoria da mobilização de recursos

4. Os novos movimentos sociais

5. A dinâmica de funcionamento dos movimentos sociais

6. Considerações Finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

Analisar o movimento social enquanto categoria de estudo representa o desafio de observar as diferentes vertentes teóricas, identificar as variações relativas ao próprio conceito, ao conceito de classes, indivíduos, atores, sujeitos e perceber a idéia de ação coletiva e a formação das identidades coletivas. Para tanto, o presente trabalho aborda aspectos alusivos a três dos importantes paradigmas de análise dos movimentos sociais quais sejam: o paradigma clássico, a teoria da mobilização de recursos e a teoria dos novos movimentos sociais.
Palavras-chave: Movimentos Sociais, Paradigma clássico, Mobilização de recursos, Novos movimentos sociais.

ABSTRACT:

To analyze the social movement as an educational category is the challenge of observing the different theoretical perspectives, identify variations on the concept itself, the concept of classes, individuals, actors, subjects and realize the idea of collective action and the formation of identities collective. To this end, this paper addresses alluding to three aspects of the important social movements analysis paradigms which are: the classic paradigm, the theory of resource mobilization and the theory of new social movements.
Keywords: Social Movements, classic paradigm, resource mobilization, new social movements.

1. Introdução

O movimento social enquanto categoria de análise, pode ser interpretado tanto do ponto de vista objetivo, que diz respeito às necessidades materiais e até mesmo imediatas do grupo que se mobiliza, quanto do prisma subjetivo que implica nas questões de identidade, reconhecimento das diferenças, cultura, etc. Isto é, as bases teóricas disponíveis para o estudo dos movimentos sociais, permitem identificar o caráter dos elementos que fundamentam e solidificam determinado movimento.

Por meio da análise dos paradigmas existentes, o conceito de movimento social pode apresentar alterações significativas e, no decorrer da história, ele é reconceituado conforme as mudanças recorrentes nas ações coletivas e nas estruturas sociais, econômicas e políticas.

Neste trabalho, serão explicitados aspectos teóricos acerca de  três paradigmas de análise dos movimentos sociais, a saber: o paradigma clássico, a teoria da mobilização de recursos e dos novos movimentos sociais. O objetivo, consiste em identificar a ênfase que tais correntes teóricas conferem respectivamente às questões relativas às classes sociais, à racionalidade da ação dos indivíduos, à transformação de indivíduos em sujeitos e às identidades coletivas, durante a análise dos movimentos sociais.

Os movimentos sociais observados na perspectiva do paradigma clássico, acontecem no âmbito das motivações das classes e camadas sociais em condição de subordinação ou privação material. As lutas dos movimentos anseiam por mudanças na estrutura social, a fim de provocar uma redistribuição dos bens materiais da sociedade.

Na teoria da mobilização de recursos, os movimentos sociais são interpretados com base na orientação racional da ação dos indivíduos. Em linhas gerais, a idéia central é a de que os indivíduos se associam, se aglomeram em defesa de alguma pauta reivindicatória, observando os possíveis benefícios resultantes de sua ação, no sentido de minimizar suas perdas. Trata-se do efeito dos cálculos envolvidos na escolha da ação a ser adotada.

A discussão acerca dos novos movimentos sociais, enfatiza as motivações de ordem cultural e subjetiva envolvida nos microprocessos sociais. O que norteia as ações coletivas dos movimentos, decorre da identidades dos sujeitos, das motivações da vida cotidiana que impulsionam os questionamentos da ordem social.

2. O paradigma clássico

Até os anos 60, os estudos alusivos aos movimentos sociais são realizados sob o paradigma marxista, em que as condições materiais de existência da sociedade são a base para o surgimento e consolidação destes movimentos. De acordo com Alexander (1998), na perspectiva clássica de análise,

"os movimentos sociais foram identificados segundo o modelo dos movimentos revolucionários, entendidos como mobilizações de massa que visam apossar-se do poder de um Estado antagônico (...) [cujo] objetivo é substituir uma forma opressora de poder estatal por outra voltada para um fim distinto".

Nesse sentido, os movimentos sociais estão associados à uma lógica de participação que visa a transformação da realidade social em grandes proporções. A participação de classes e camadas sociais em situação de subordinação, em algum no movimento, implica em fatores relativos à crença ideológica, ao desejo de redistribuição e "organização econômica. Dessa forma, o movimento torna-se um instrumento eficaz no processo de redistribuição dos bens materiais da sociedade, transformação das condições existentes, minimização das carências econômicas e opressões sociopolíticas e culturais. (ALEXANDER, 1998)

3. A teoria da mobilização de recursos

A emergência de movimentos sociais com motivações de diferentes natureza provocou em certa medida, um esgotamento das análises sob a perspectiva clássica e deu lugar a novos paradigmas para o estudo dos movimentos sociais.

Outra vertente de análise dos movimentos sociais, posterior aos anos 60, refere-se à teoria da mobilização de recursos, em que os estudos enfatizam a ação e  a intencionalidade dos indivíduos em otimizar recursos, oportunidades e estratégias, e não somente os interesses de grupos coletivos.(GOHN, 2002)

A teoria da mobilização de recursos rejeita a ênfase que o paradigma clássico concede aos sentimentos e motivações das classes e camadas sociais no que se refere às lutas por melhores condições materiais de existência. A variável principal  de análise nesta perspectiva, corresponde aos recursos humanos, financeiros e de infraestrutura variada. Nesse sentido, prevalece a visão economicista baseada na lógica racional da interação entre os indivíduos que buscam maximizar os custos e benefícios e minimizar as perdas das ações, de forma que os interesses coletivos são organizados de acordo com  a perspectiva da escolha racional [3].

Contudo, diferentes críticas realizadas à teoria da mobilização de recursos apontam possíveis lacunas no que diz respeito à explicação da ação do movimentos por meio da teoria da escolha racional. Uma vez que os indivíduos são concebidos como seres abstratos, movidos unicamente por uma racionalidade, automaticamente seriam omitidos ou mesmo excluídos valores, normas, ideologias, projetos pessoais, culturas e identidades.

Entretanto, uma possível defesa para esse argumento revela a dicotomia entre a forma e o conteúdo da ação dos indivíduos no contexto de um movimento social. Embora aconteça que o conteúdo da ação seja orientado por motivações pessoais, subjetivas ou irracionais, a forma como a ação ocorre trata-se de um procedimento racional dotada de intencionalidade objetiva. Isto porque, os indivíduos são seres de vontade, de razão e possuem preferências individuais cuja finalidade consiste em atender suas diferentes necessidades ao mesmo tempo em que maximizam os ganhos adquiridos.  (ARAÚJO, 2001)

4. Os novos movimentos sociais

Em decorrência da incapacidade das teorias supramencionadas em explicar os novos elementos estruturais associados às questões subjetivas, afetivas e culturais para a análise dos movimentos sociais, o paradigma que se instaura, constrói um modelo teórico baseado na cultura, em que a identidade é parte constitutiva da formação do movimentos. Sobretudo nas décadas de 70 e 80, as problemáticas que nortearam os movimentos sociais da época adquiriram novas formas e cenários pautados na defesa da própria identidade coletiva e na busca de reconhecimento.(GOHN, 2002)

Os novos movimentos sociais se apresentam de forma mais descentralizada, cujas estruturas são colegiadas e participativas com hierarquias internas em menores proporções.

Segundo Gonh (2002), o que há de novo no que se refere à teoria dos movimentos sociais, não se trata do paradigma em si, mas sim, do processo de reconstrução de orientações teóricas já existentes, de renovação da teoria da ação social,  a partir de suas matrizes básicas clássicas (weberiana, durkheimiana) e contemporâneas (parsoniana, orientações neomarxistas, idealistas), entre outras. As novas abordagens acerca dos movimentos, privilegiam aspectos relacionados ao cotidiano e à cultura dos participantes da ação. Segundo a autora, "O paradigma dos novos movimentos sociais parte de explicações mais conjunturais, localizadas em âmbito político ou dos microprocessos da vida cotidiana, fazendo recortes na realidade para observar a política dos novos atores sociais". (GOHN, 2002, p. 15)  Numa perspectiva fenomenológica, a consciência e a experiência de vida dos indivíduos torna-se fundamental para os questionamentos cotidianos da vida social, para o gerenciamento dos hábitos e atitudes cognitivas.

A teoria dos novos movimentos sociais recebeu importantes contribuições de autores que mesmo com enfoques diferenciados, conferem importância à ação coletiva e à identidade coletiva.

Alan Touraine é um autor que discute a temática dos movimentos sociais a mais tempo e pode ser considerado um dos primeiros teóricos a questionar a concepção clássica e apontar suas lacunas. A abordagem de Touraine estrutura-se a a partir do que se convencionou o paradigma acionalista, em que os sujeitos ganham centralidade na história, haja vista que assumem a condição de atores coletivos em oposição a um determinado adversário no conflito (TOURAINE, 199 ).

Para ele, o conceito de sujeito diferencia-se da condição de indivíduo, uma vez que pressupõe certo grau de autonomia e contestação da ordem social. Os indivíduos são adeptos ao cumprimento de papéis socialmente definidos por seguimentos dominantes. Sua transformação em sujeitos, implica necessariamente na oposição da lógica da dominação social em troca da liberade. Daí, o sujeito pode ser entendido como movimento social, cuja conceito Touraine define da seguinte forma: "movimento social é o esforço de um ator coletivo para apossar dos "valores", das orientações culturais de uma sociedade, opondo-se à ação de um adversário ao qual está ligado por relações de poder" (TOURAINE, 1994).

Nesse sentido, a idéia de movimento social defendida por Touraine,

"se opõe a uma concepção historicista e a uma concepção utilitarista da ação coletiva. A idéia central (...) é que uma sociedade – definida como uma coeltividade empregando certo nível de historicidade, portanto de modernidade – não é nem um conjunto de valores que penetra em todos os apsectos da vida social nem, inversamente, uma guerra civil incubada pela apropriação dos meios de ação da sociedade sobre ela mesma (...) Uma sociedade moderna funciona em torno da luta dos dirigente e dos dirigidos para a execução social da racionalização e da subjetivação." (TOURAINE, 1994,P. 255)

Outra contribuição teórica para a análise dos novos movimentos sociais origina-se dos estudos realizados por Alberto Melucci que enfatiza a identidade coletiva como norte de um movimento social. Ele define a ação coletiva com um conjunto de práticas sociais que envolvem simultaneamente certo número de indivíduos ou grupos com características morfológicas semelhantes.

De acordo com Melucci, os movimentos sociais podem ser classificados em reivindicatórios, políticos e de classe, conforme a natureza e objetivo de suas ações. O que fundamenta os movimentos de reivindicação, geralmente, refere-se ao desejo de mudanças das normas e regras sociais. Enquanto os movimentos de cunho político almejam transformações na arena de decisões, aqueles organizados em classes e seguimentos, lutam por melhorias nas condições de produção da sociedade. (MELUCCI, 1994)

5. A dinâmica de funcionamento dos movimentos sociais

Os movimentos sociais constituem fenômenos peculiares à dinâmica de transformação da sociedade, que se concretizam por meio de uma ação coletiva cujos interesses podem representar a vontade de um grupo. Trata-se da ação do homem na história por meio de  um conjunto de procedimentos e idéias. Entretanto, é importante ressaltar que nem todas as formas de associações e ações coletivas, são caracterizadas como movimento social. [4]

De acordo com a proposta teórico-metodológica para análise dos movimentos sociais elaborada por Gohn (2002), o movimento social pode apresentar diferentes fases em seu desenvolvimento.

Fases de um movimento social

1ª Situação de carêncisa ou idéias e conjunto de metas e valores a serem atingidos.

2ª Formulação das demandas por um pequeno número de pessoas.

3ª Aglutinação de pessoas em torno das demandas.

4ª Transformação das demandas em reivindicações.

5ª Organização elementar do movimento.

6ª Formulação de estratégias.

7ª Práticas coletivas de assembléias, reuniões, atos públicos, etc.

8ª Encaminhamento das reivindicações.

9ª Práticas de difusão e execução de certos projetos.

10ª Negociação com os opositores ou intermediários por meio dos interlocutores.

11ª Consolidação e/ou institucionalização do movimento.

No estudos dos movimentos sociais é preciso considerar basicamente dois ângulos, o interno e o externo. Internamente, os grupos constroem seus repertórios de demandas de acordo com seus valores, crenças e ideologias. A partir disso, são organizadas as estratégias de ação que projeta o movimento para o exterior. Fazem parte desse processo, as articulações e a composição social responsáveis pelas ações coletivas.

Para Gohn, a articulação interna de um movimento social depende essencialmente das bases que emplacam demandas, das lideranças e assessorias à frente da ação. Externamente, as articulações dos movimentos sociais ocorrem por meio das relações estabelecidas entre diferentes redes de movimentos sociais, que segundo a autora, historicamente são compostas pela Igreja, sindicatos, partidos e outras alianças que representam interesses dos movimentos populares. A junção das articulações  interna e externa, possibilitam analisar o cenário do processo político em que o movimento social está inserido e produzem ou fortalecem a força social.

Dentre os elementos que compõem os movimentos sociais, merece destaque um fator responsável por grande parte das relações: a demanda. A existência de demandas numa dada sociedade, permite a aglutinação de interesses e, por conseguinte, possibilita a formulação de uma pauta reivindicatória que norteia o movimento. Entender a natureza das demandas, viabiliza a compreensão das relações existentes no movimento social. Inversamente, também é possível proceder algum tipo de análise:  Por meio da observação das relações demonstradas pelo movimento social, pode-se alcançar o caráter dos seus conflitos, projetos e demandas.(GOHN, 2002)

6. Considerações Finais

O presente artigo buscou demonstrar a importância do estudo do movimento social enquanto categoria de análise, com base em três correntes teóricas.  Na tentativa de compreender as motivações que orientam as ações coletivas, é possível, à luz de cada paradigma, interpretar a natureza, a lógica de funcionamento, o sucesso e até mesmo, as falhas dos movimentos sociais. De acordo com a vertente utilizada, os movimentos são caracterizados objetiva ou subjetivamente. As transformações nas estruturas sociais, políticas e econômicas ora evidenciam as classes e camadas sociais, ora privilegiam a ação racional dos indivíduos, ora enaltecem o sujeito com ator responsável pela construção histórica.

O importante na análise dos movimentos sociais consiste em perceber as variações que o próprio conceito e as demais categorias podem sofrer no decorrer do tempo conforme a emergência de novos paradigmas.

A discussão iniciada neste trabalho possui um caráter introdutório ao debate acerca dos movimentos sociais. Os elementos aqui destacados, as bases teóricas enunciadas servirão de fundamento para desencadear outras abordagens relativas ao tema. Nesse sentido, a intenção do trabalho, consistiu na introdução da aspectos importantes para a análise dos movimentos sociais.

7. Referências bibliográficas

ALEXANDER, Jeffrey C. (1998); Ação Coletiva, Cultura e Sociedade Civil. Secularização, atualização, inversão, revisão e deslocamento do modelo clássico dos movimentos sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais. V.13, n°37, São Paulo: Junho.

ARAÚJO, Paulo Magalhães. (2001); Sobre a Racionalidade, a Ação Coletiva, as Instituições e a Estabilidade das Escolhas Sociais. UFMG: Belo Horizonte.

GOHN, Maria da Glória. (2002); Teorias dos Movimentos Sociais: Paradigmas Clássicos e Contemporâneos. 3ª. Edição. São Paulo: Edições Loyola.

MELUCCI, Alberto. (1994); Movimentos sociais, inovação cultural e o papel do conhecimento: uma entrevista de Leonardo Avritzer e Timo Lyra com Alberto Melucci. In: AVRITZER, L. Sociedade Civil e Democratização. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora: p. 183-211.

OLSON, Mancur. (1999); A lógica da Ação Coletiva. São Paulo: Ed. UNESP.


1. Doutoranda e Mestre em Desenvolvimento Social / PPGDS / Unimontes. Professora de Sociologia do Trabalho do Instituto Federal da Bahia – IFBA. Email: vnascimentosilva@yahoo.com.br
2. Doutoranda e Mestre em Desenvolvimento Social/PPGDS/Unimontes.Email: monfeitosa@yahoo.com.br

3. Mancur Olson propõe discutir uma teoria da ação coletiva. Para isto, ele leva em consideração que grupos são formados por interesses comuns com base em interesses econômicos. Olson parte da premissa que os membros de um grupo agem por interesse pessoal, individual; a fim de atingir um comportamento ideal, ou seja, racional e centrado nos próprios interesses. Embora não desconsidere a possibilidade de grupos compostos de indivíduos altruístas ou de indivíduos irracionais e centrados nos próprios interesses, realiza uma discussão sobre o tamanho de grupos e quanto isto pode afetar a consecução de objetivos comuns ou coletivos. Segundo ele, os grupos necessitam de maior coerção e incentivos; nos grupos pequenos apesar de voluntarismo, este pode cessar antes de atingir um nível ótimo e ainda está sujeito da exploração do grande pelo pequeno. (OLSON, 1999)

4. Este trabalho não pretende definir o que é o que não é movimento social. A intenção consiste em somente apresentar algumas das bases teóricas possibilitam a análise dos movimentos sociais.


Vol. 37 (Nº 15) Año 2016

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