Espacios. Vol. 37 (Nº 13) Año 2016. Pág. 3

Conhecimentos e práticas sobre sustentabilidade: O que o Arranjo Produtivo Local (APL) da piscicultura do castanhão tem aprendido?

Knowledge and practices on sustainability: what the Local Productive Arrangement (LPA) fish farming the castanhão has learned?

Adriana Teixeira BASTOS 1; Fátima Regina Ney MATOS 2; Artur Gomes de OLIVEIRA 3; Odéssia Fernanda Gomes DE ASSIS 4

Recibido: 22/01/16 • Aprobado: 24/02/2016


Contenido

1. Introdução

2. Desenvolvimento sustentável e piscicultura: um frágil equilíbrio

3. Metodologia

4. A história do processo de aprendizagem de conhecimentos e práticas sobre sustentabilidade

5. Apresentação e análise dos resultados

6. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

Partindo da problemática de que os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, com o final do século XX, tornaram-se não só uma base teórica relevante, mas também importante norma social para o desenvolvimento humano aceita em todo o mundo, o artigo tem como objetivo identificar quais foram os conhecimentos e as práticas sobre sustentabilidade que foram aprendidos pelos integrantes do Arranjo Produtivo Local (APL) da piscicultura do açude Castanhão a partir das relações que ocorreram no ambiente da rede inteorganizacional. Partiu-se do pressuposto de que alguns conhecimentos e práticas já tinham sido aprendidos por estes sujeitos, como foi indicado pela leitura do ambiente conjuntural e teórico em que se encontra o estado da arte sobre o tema. A pesquisa apropriou-se da técnica de análise de narrativa, com emprego das técnicas de entrevista, observação e análise documental, que possibilitou a identificação das seguintes práticas e conhecimentos aprendidos: atuar coletivamente na reivindicação de melhorias na condição de vida da população; agir de forma organizada para facilitar a coordenação de esforços, encaminhar adequadamente os resíduos/vísceras e a tratar os resíduos como negócio, reduzir a quantidade de nutrientes lançados no açude, encaminhar adequadamente o lixo e reciclar a víscera, a pele e o peixe morto.
Palavras-chave: Arranjo Produtivo Local. Piscicultura. Análise de narrativa. Desenvolvimento sustentável. Aprendizagem.

ABSTRACT:

Starting from the problem that the concepts of sustainability and sustainable development, by the late twentieth century, became not only an important theoretical basis, but also an important social norm for human development accepted all over the world, this work aims to identify the knowledge and practices of sustainability that have been learned by Local Productive Arrangements - APL - members of the fish farm at the Castanhão dam considering the relationships that occurred in inteorganizacional network environment. It started with the assumption that some knowledge and practice had already been learned by them, as indicated by state of the art on the subject. It was used narrative analysis technique, using interview, observation and document analysis, which enabled the identification of the following practices and knowledge learned: to act collectively to claim improvements in the living conditions of the population; act in an organized manner to facilitate coordination of efforts, properly destination for waste / offal and treat the waste as business, reduce the amount of nutrients released in the dam water, properly route the trash and recycle the viscera, skin and dead fish.
Keywords: Cluster. Fish farming. Narrative analysis. Sustainable development. Learning.

1. Introdução

O presente artigo é parte de uma pesquisa maior que tem como objeto de investigação o processo de aprendizagem de conhecimentos e práticas sobre sustentabilidade no Arranjo Produtivo Local (APL) da piscicultura do açude Castanhão, localizado no estado do Ceará, no nordeste do Brasil.

O que, quem, onde e como são aprendidos os conhecimentos e práticas sobre sustentabilidade são as questões discutidas na consecução da pesquisa completa, mas que em virtude da limitação do espaço, optou-se para este artigo discutir apenas a questão do "o que" foi aprendido nas interações das redes existentes no referido APL.

O contexto que permeia a problemática aqui estudada ressalta o fato de que os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável (DS), com o final do século XX, tornaram-se não só uma base teórica relevante, mas também importante norma social para o desenvolvimento humano aceita em todo o mundo (ROMEIRO, 2001).

O objetivo é identificar quais foram os conhecimentos e práticas sobre sustentabilidade que foram aprendidos pelos integrantes do APL da piscicultura do açude Castanhão a partir das relações que ocorreram no ambiente configurado como rede interorganizacional.

Para tanto, partiu-se do pressuposto de que alguns conhecimentos e práticas já tinham sido aprendidos por estes sujeitos, como foi indicado pela leitura do ambiente conjuntural e teórico em que se encontra o estado da arte sobre o tema.

2. Desenvolvimento sustentável e piscicultura: um frágil equilíbrio

Atualmente, a aquicultura enfrenta o desafio de se harmonizar com o conceito de desenvolvimento sustentável, o que implica em agregar novos valores na produção de conhecimento e nas práticas do setor (ELER, MILLANI, 2007). Vários autores avaliam que considerar as variáveis ambientais, econômicas, sociais e culturais é o melhor caminho para o desenvolvimento da atividade da piscicultura (FERNANDES, GIANNECHINNI, 2011, ELER, MILLANI, 2007).

Em atividade aquícola mais intensiva (com maior produtividade), os indicadores econômicos, como uso da terra, custos e receitas, são mais favoráveis, assim como alguns indicadores sociais (geração de empregos e remuneração). Ambientalmente, no entanto, sabe-se que o processo de eutrofização da água é maior, e pouca informação é obtida sobre o impacto ambiental destas atividades nas populações nativas (FERNANDES, GIANNECHINNI, 2011). A eutrofização é o processo pelo qual as águas de um sistema sofrem enriquecimento de nutrientes e nas manifestações a ele associadas. Uma consequência frequente da eutrofização é o aumento de exuberâncias (macroalgais ou fitoplâncton) (FERREIRA, 2001).

A eutrofização dos recursos hídricos talvez seja um dos maiores impactos causados pela aquicultura. Geralmente, seus impactos estão associados ao aumento de fósforo, florescimento de algas potencialmente tóxicas, aumento do material em suspensão, culminando com a mortandade de peixes. A piscicultura também lança os resíduos de produtos químicos utilizados na desinfecção, controle de pestes e predadores, tratamento de doenças, hormônios para induzir a reprodução e a reversão sexual, além de anestésicos para transporte, dentre outros (ELER, MILLANI, 2007).

Conforme Ciegis, Ramanauskiene e Martinkus (2009), a sustentabilidade ecológica deve concentrar-se na busca pela vitalidade geral e saúde dos ecossistemas. A importância de preservar a variedade biológica é enfatizada a fim de garantir um equilíbrio na natureza, a elasticidade dos ecossistemas a nível global e sua capacidade de se adaptar às mudanças na biosfera, e, também, de garantir seu uso no futuro. O critério para medir a sustentabilidade ecológica, embora isso seja tecnicamente impossível, está dado pelo conceito de "integridade" ou natureza sem modificações feitas pelo ser humano.

A gestão ambiental das empresas é um conceito que ajuda os gestores a concentrarem os esforços empresariais para reduzir os impactos ambientais da forma mais econômica e eficiente possível (SCHALTEGGER, SYNNESTVEDT, 2002). Envolve essencialmente a busca de tecnologias limpas e de uso mais eficiente dos recursos disponíveis (SACHS, 1993).

Segundo Foladori (2002), para os economistas ambientais, é fundamental que se corrijam os processos produtivos para obter um desenvolvimento capitalista sustentável. A saída que o autor aponta é a necessidade de diminuição crescente da poluição. E Sachs (1993) ainda lembra que para a ocorrência do desenvolvimento sustentável é necessário a busca de tecnologias limpas e de uso mais eficiente dos recursos disponíveis.

Portanto, como bem lembram Ciegis, Ramanauskiene e Martinkus (2009), a principal tarefa do desenvolvimento econômico é determinar os limites de uso dos sistemas naturais para as diversas atividades econômicas.

Sachs (1986), por sua vez, também pondera que para se alcançar o desenvolvimento sustentável deve-se partir de um planejamento renovado e engajado, com papel central na formulação de estratégias anticrise, cuja escolha de objetivos e meios deve ser revista à luz de seus resultados e dos novos conhecimentos. Para este autor, o planejamento deve ser democrático, político e interdisciplinar, com participação da sociedade civil, no intuito de que essas populações possam educar-se e organizar-se em vista da valorização sensata dos recursos de cada ecossistema, no propósito de atenderem a suas necessidades fundamentais.

Reconhece ainda que "o processo de planejamento exige procedimento institucional flexível" (SACHS, 1986, p.33) e considera que o debate em torno da modelagem de um desenvolvimento mais justo, parte sempre de um mesmo ponto, o das instituições, pois, em última instância, as escolhas, inclusive as relacionadas ao tempo, são definidas por elas. Por esse motivo, reivindica a criação de formas associativas que surjam no contato com o problema vivido, pois se exige que os interessados participem ativamente da identificação dos problemas e da concepção e implementação de soluções. E, numa alusão ao seu posicionamento enquanto institucionalista acrescenta: "Afinal, as comunidades são o que decidem ser" (SACHS, 1986, p.33).

Ainda deixa-se claro que as mutações para empreender as mudanças necessárias ocorrem em nível da mentalidade e do comportamento, o que ressalta a importância da Educação para fazer com que estas mudanças aconteçam. A educação é essencial para o desenvolvimento, pelo seu valor intrínseco, na medida em que contribui para o despertar cultural, a conscientização, a compreensão dos direitos humanos, aumentando a adaptabilidade e o sentido de autonomia, bem como a autoconfiança e a autoestima (SACHS, 2008, p.39).

Segundo Campos (1995), o processo de participação do público no planejamento de obras hídricas é, no Brasil, um processo incipiente, embora no caso do Castanhão tenha sido também exercitada ainda durante o debate que antecedeu a concessão da licença, por parte do Conselho Estadual do Meio Ambiente, para sua construção. Na visão deste autor, o debate público mostrou-se extremamente valioso, não só pela melhoria que proporcionou ao próprio projeto, mas também, e principalmente, pela mudança cultural que iniciou.

As experiências em curso vão reforçando as ações seguintes. Como diz Sachs (1986, p.72), "a sociedade civil já se procura a si mesma e uma das primeiras tarefas que se apresentam é a detecção, análise e difusão das experiências em curso".

Abaixo, no Quadro 1, são sumarizados alguns consensos sobre o que é um empreendimento aquícola sustentável, a partir da revisão de trabalhos que analisam as relações entre desenvolvimento sustentável e piscicultura.

Quadro1 – Piscicultura e desenvolvimento sustentável

Dimensões

Categorias analisadas

Autores

Social

Geração de emprego e renda

Eler e Millani (2007); Fernandes e Giannechinne (2011), Araújo e Sá (2008)

Econômico

Medidas que melhoram a produtividade: tanques-rede etc

Fernandes e Giannechinne (2011), Araújo e Sá (2008)

Medidas que impactam no aumento das receitas

Fernandes e Giannechinne (2011)

Medidas que impactam na diminuição dos custos

Fernandes e Giannechinne (2011)

Informações sobre mercado

Araújo e Sá (2008)

Informações sobre crédito

Araújo e Sá (2008)

Ambiental

Medidas de preservação da abundância e diversidade da biota

Eler e Millani (2007)

Medidas de redução do escape das espécies em cativeiro

Eler e Millani (2007)

Controle de lançamento dos resíduos de produtos químicos

Eler e Millani (2007)

Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

Sachs (1993) lembra que o uso dos recursos disponíveis não tem apenas que proporcionar lucros, mas, também, não pode trazer prejuízos para as comunidades próximas ou provocar desequilíbrio ao meio ambiente.

3. Metodologia

A abordagem metodológica adotada aponta para a pesquisa qualitativa. Flick (2004, p. 18) ressalta que a importância específica da pesquisa qualitativa para o estudo das relações socais, deve-se ao fato da pluralização das esferas da vida (nova obscuridade, individualização das formas de vida e dos padrões biográficos, dissolução de velhas desigualdades dentro da nova diversidade de ambiente, subculturas, estilos e formas de vida), exigindo, uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões. Para esse autor, a era das grandes narrativas e teorias chegou ao final: "as narrativas devem ser limitadas em termos locais, temporais e situacionais", o que obriga a utilização de estratégias indutivas, ao invés de partir de teorias para testá-las, embora a criação de conceitos sensibilizantes seja influenciada por um conhecimento teórico anterior.

O objeto da presente pesquisa é o processo de aprendizagem de conhecimentos e práticas sobre sustentabilidade nas relações entre os componentes do arranjo da piscicultura do Açude Castanhão, que segundo Souza (2010), é composto por empresas produtoras de tilápia, fornecedoras de gelo, alevinos, juvenis, ração, gelo e gaiola (ou seus insumos) e outros equipamentos; distribuidoras e comercializadoras; consumidores; organizações governamentais e não governamentais voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, informação, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento; cooperativas, associações e demais órgãos de representação.

Documentos mais atuais fornecidos pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Turismo, Aquicultura e Pesca de Jaguaribara (SEDETA, 2013; SEDETA, 2014), apontam para o seguinte número de componentes do APL, assim distribuídos e elencados no Quadro 2 a seguir:

Quadros 2 – Componentes do APL da piscicultura do Castanhão

Componentes do APL sem o mercado consumidor

Número

Piscicultores individuais

Desconhecido

Associação e cooperativas que congregam piscicultores individuais

09

Processadores de pescado

02

Fornecedor de ração

07

Fornecedor de alevino

04

Fornecedor de gelo

02

Fornecedor de equipamentos

03

Instituição de apoio

14

Fonte: Adaptado de SEDETA (2013) e SEDETA (2015)

  1. estórias contadas por participantes de pesquisa (que são, em si mesmos, interpretativos);
  2. relatos interpretativos desenvolvidos por um in­vestigador, baseados em entrevistas e observação de trabalho de campo (uma estória sobre estórias); e, ainda,
  3. narrativas que o leitor constrói após se engajar com as dos participantes e o investigador (Riessman, 2008 apud Zaccarelli e Godoy, 2014).

Para recontar as histórias, o papel das autoras é o de narradora. Nessa forma de apresentação, as falas dos entrevistados foram mantidas como foram ditas, sendo a voz das autoras da narrativa uma voz fora do contexto que conduz e orienta os acontecimentos da história.

Labov (1972; 1982 apud ZACCARELLI, GODOY, 2014, p.28) propõe a existência de uma estrutura comum para as narrativas, em que cada parte dessa estrutura possui sua função específica. Sendo assim, o autor considera as seguintes propriedades formais, cada qual com sua função: um Resumo (Abstract – o sumário da substância da narrativa, muitas vezes, inicia a narrativa resumin­do uma proposição que o narrador quer exempli­ficar); a Orientação (Orientation – o tempo, lugar, situação, participantes); a Complicação (Compli­cation – sequência de acontecimentos que normalmente apresenta o relato central dos eventos que ocorreram); a Avaliação (Evaluation – significado e sentido da ação, atitude do narrador); a Resolução (Result – o que aconteceu, descreve como foi re­solvida a complicação); e a Coda (Coda – que mar­ca o término da narrativa, voltando a perspectiva para o presente).

Para a contação da história, que se constitui na fase de análise e discussão dos resultados propriamente dita, elaborou-se, a partir da orientação de Labov (1972; 1982 apud ZACCARELLI, GODOY, 2014), conforme o Quadro 3, a seguinte estrutura para a narrativa:

Quadro3– Estrutura da narrativa

Estrutura da narrativa

Narrativa criada pela autora

Resumo

Qual a trama? Qual a questão de pesquisa?

Orientação

Qual o contexto da aprendizagem?

Ação Complicadora

Como foi o processo de aprendizagem?

Avaliação

O que aprendeu? O que faltou aprender?

Resolução

Quais as soluções encontradas?

Coda

Como a história da aprendizagem se relaciona com as categorias de análise teórica?

 Fonte: Elaborado pelos autores (2015).

Por fim, para validação da história narrada, Silverman (2009, p.254) aponta que têm duas formas sugeridas como particularmente apropriadas: 1) comparar tipos diferentes de dados (por exemplo, quantitativos e qualitativos) e diferentes métodos (por exemplo, observação e entrevistas) para ver se eles corroboram um com o outro. Essa forma de comparação é chamada de triangulação, derivada da navegação, em que rumos diferentes dão a posição correta do objeto e 2) retornar os achados aos sujeitos que estão sendo estudados. Para a presente pesquisa, foram utilizadas as duas estratégias, pois além de fazer uso de diferentes fontes de dados e métodos, a história foi apresentada ao entrevistado Institucional 1 para corroboração dos dados contidos. A escolha desse entrevistado recaiu sobre o fato de participar ativamente do movimento da piscicultura, não só como agente econômico no arranjo produtivo, mas também como agente público, além de demonstrar disponibilidade, capacidade intelectual e criticidade.

4. A história do processo de aprendizagem de conhecimentos e práticas sobre sustentabilidade

Para Jaguaribara a piscicultura era algo desconhecido até o surgimento do Açude Castanhão. A construção do açude, que culminou com a mudança de localização da cidade, em 2001, causou enorme transtorno. Apesar dos beneficios que foram apresentados no campo e na cidade no tocante a infraestrutura, com essa mudança, "a cidade de Jaguaribara foi bastante prejudicada, em sua estrutura social e econômica" (Associação 1). Além de ter que sofrer com o reassentamento involuntário e todas as mazelas históricas, culturais, sociais e emocionais advindas deste, o único conhecimento que as pessoas da região possuíam sobre atividades econômicas aquáticas era a pesca artesanal em águas rasas de rios, riachos e lagoas, só que agora teriam que praticá-la em águas represadas com até 60 metros de profundidade, em um lago artificial de 325 km2 (na cota 100 metros), que parecia mais um pequeno mar de água doce (MATIAS, 2010).

Na realocação das pessoas que foi prevista pelo DNOCS, (cujo cadastramento foi realizado pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário do Estado do Ceará (IDACE), a serviço da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SEAGRI, atual SDA), aquelas que não tinham terras, antes da conclusão da obra do Castanhão, seriam encaminhadas para 17 reassentamentos margeando o açude. Já os fazendeiros, proprietários de terras, seriam indenizados e as pessoas que moravam na cidade receberiam uma casa, seguindo os parâmetros anteriores da antiga cidade (Institucional 2).

Para a construção do Castanhão e o reassentamento involuntário das pessoas do entorno (rural e urbana), constituiu-se um grupo multiparticipativo que envolvia todos os segmentos da cidade, inclusive o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), a Igreja, os produtores rurais, os pescadores, os comerciantes, os moradores da cidade e do campo, as lavadeiras, DNOCS, Governo do Estado, Prefeitura Municipal de Jaguaribara etc.. Portanto, a sociedade civil já estava de certa forma acostumada a apresentar suas reivindicações e cobrar os resultados (LIMA, 2007).

Com a mudança para a nova cidade e para os reassentamentos, muita coisa ainda precisava ser feita do ponto de vista econômico. Portanto, coube ao SEBRAE/CE a elaboração do Plano de Reestruturação Econômica, que foi posteriormente debatido com representantes de todos os segmentos da sociedade. O Plano delineava, no primeiro semestre de 2001, três linhas estratégicas de atuação: a piscicultura, a agricultura irrigada e o turismo (SOUSA, 2007). Com isso, constituiu-se uma rede de instituições para apoiar e mobilizar a sociedade civil do Castanhão em torno de atividades produtivas que lhes possibilitassem melhores condições de vida.

Esse novo começo não foi fácil. Como essas atividades ainda levariam muito tempo para se desenvolver, inclusive a piscicultura, que exigia investimento significativo de capital, algo que os pescadores não possuíam, assim como não dispunham de crédito bancário, sem falar na demora do governo no repasse dos recursos para implantação das atividades produtivas (Institucional 5), a saída inicial foi buscar junto a outros órgãos ajuda para a aquisição de redes e canoas apropriadas para a pesca em lugares profundos. Entretanto, em pouco tempo o grupo logo percebeu que a atividade não lhe rendia o suficiente para o sustento de suas famílias.

Muitos consideram que a história da piscicultura do Castanhão começou com a montagem da estação de piscicultura do DNOCS no final de 2003, quando ainda faltava muito pouco para concluir a obra. Seu papel sempre foi de cuidar para a preservação da tilápia com sua característica genética original e, ainda, manter a diversidade de outras espécies de peixe, além de procurar garantir a reprodução em águas paradas. Como bem lembra um dos produtores: "o DNOCS foi o celeiro não só de trazer a tilápia, mas também de capacitação. A base do nosso conhecimento de tilápia foi o DNOCS" (Produtor 4).  

O DNOCS também foi responsável pela definição da espécie de tilápia utilizada. Conforme os técnicos, a tilápia implantada é de qualidade genética superior e não geneticamente modificada, portanto, é também função da estação de piscicultura manter a "cepa" como veio da natureza, por meio de trabalho de preservação da espécie. Para se ter uma ideia da superioridade dessa espécie, ressalte-se que "a tilápia cultivada antes da importação da Tailândia, durante seis meses de engorda, chegava no máximo a 350g. Com essa espécie, em quatro meses de engorda, chega a 800g" (Institucional 3).

Outra vantagem deste peixe é que apresenta uma conversão alimentar altamente eficiente, pois produz 1 kg de peixe com aproximadamente 1,5 kg (pode chegar até 1,3kg) de ração. Portanto, apenas 0,5kg vai para o meio ambiente. Esses valores de conversão são fundamentais não somente para a redução do custo de produção, mas também pela quantidade de material orgânico que resta e é jogado no ambiente, uma vez que será mais fácil para o ambiente (bactérias, algas e peixes livres) digerir estes refugos, já que são lançados em uma quantidade menor.

Mas para a implantação da atividade, além da estação de piscicultura, foram necessários muitos outros cursos e para que para isso fosse possível, várias instituições como DNOCS, Governo do Estado, SEBRAE e, ainda, prefeitura de Jaguaribara, uniram forças para ensinar tudo que era preciso. "Foram necessárias parcerias entre várias instituições para dar treinamento e capacitação" (Associação 1).

Mas foi só com o sucesso da primeira despesca dos primeiros produtores no final de 2003, que os olhares se voltaram para a piscicultura. Com os resultados alcançados, a Associação dos Pescadores da Barragem Castanhão (ASPBC), que foi fundada para organizar estes poucos produtores, passou a ser demandada por novas iniciativas.

Além de merecer destaque o espírito empreendedor desse grupo inicial de sete piscicultores, haja vista o desconhecimento e as incertezas que rondavam à época de implantação dessa iniciativa, é importante também ressaltar a sua forma de organização. Esse grupo inicial, também conhecido como Pioneiro, pressupunha o compartilhamento de atividades em todas as áreas. Como por exemplo, para a produção, foi elaborada uma escala de trabalho em que a cada 24 horas uma dupla de pescadores assume a tarefa de realizar todo o manejo do empreendimento. Eles ficavam responsáveis pelos trabalhos de alimentação e vigilância em todo o projeto. Com isso, constituíam-se em produtores semiautonomos, ligados não somente pelas tarefas compartilhadas, mas também pelo tipo de aval que era exigido pelo banco para o financiamento.

Essa também foi a forma de estruturação e organização pensada para os sete grupos formados com a chegada dos novos 58 sócios à ASPBC, que tinham sido também contemplados com  financiamento do Banco do Nordeste, em julho de 2004.

Com a ampliação da ASPBC, a atividade da piscicultura cresceu bastante atraindo o pequeno produtor local, todos eles organizados no entorno de uma associação de produtores. Uma iniciativa mais ou menos semelhante à ASPBC ocorreu na península de Curupati em que com apoio direto do governo do estado, como fruto de contrapartida ainda pelo deslocamento compulsório da comunidade, foram investidos recursos a fundo perdido para implantação de uma cooperativa de produtores que funciona até hoje e que pressupõe não só o compartilhamento das tarefas entre os produtores, mas também os custos e sobras.

Outras iniciativas que merecem destaque são a Associação dos Criadores de Tilápia do Castanhão (ACRITICA), a Associação dos Aquicultores da Barragem Castanhão (AABC), Associação dos Piscicultores do Jaburu (APIJA), Associação dos Piscicultores do Mineiro (ASPM) e Associação dos Pescadores do Castanhão Novo (APAC).

Em 2005, foi a vez de começar a se pensar no beneficiamento da tilápia. Como a produção já tinha aumentado consideravelmente desde a criação do grupo Pioneiro, a cidade de Jaguaribara passou a despertar a atenção do Ministério da Integração Nacional, que encaminhou técnicos da Secretaria de Programas Regionais (SPR) para a implantação do Projeto Produzir, que, integrado à piscicultura existente, passou a fabricar bolinha de peixe, filé e hambúrguer de peixe (fishburger) e artesanato com a pele, entre outros derivados. Para melhor organizar a atividade, as pessoas que participaram desses cursos fundaram a Associação dos Produtores e Processadores de Peixes de Jaguaribara e Lages (APLAGES) formada por diversos grupos de produção conforme a especialidade de cada um.

Especificamente sobre a questão ambiental, estes grupos receberam orientações quanto a necessidade de tratar a água que sai do curtimento, que culminou com a obtenção, por meio do Fundo do Combate a Pobreza (FECOP) de uma estação de tratamento d'água (ETA). Além disso, ainda receberam orientação sobre a importância de utilizar um tanino que agride menos a natureza: "A gente trabalha com tanino de acácia que também não agride, porque ele é vegetal, ele é de uma madeira, a gente não trabalha com químico" (Associação 2). Ainda cabe salientar que o processo de educação ambiental também ocorreu por pressão da população local, que também demandou do grupo encaminhamento adequado aos resíduos do processamento.

Em 2006, começaram a ser implantados no Castanhão, os primeiros parques aquícolas do país – verdadeiras "fazendas" para a produção intensiva de pescado. Esta proposição de parques aquícolas está baseada na percepção do MPA (2014), de que esses espaços, além de se constituir em um meio para geração de emprego e renda por meio da piscicultura, também se constituem em excelente mecanismo para evitar impactos ambientais indesejados e garantir o uso múltiplo das águas.

Parque aquícola é um espaço físico contínuo em meio aquático, delimitado, que compreende um conjunto de áreas aquícolas afins, em cujos espaços físicos intermediários podem ser desenvolvidas outras atividades compatíveis com a prática da aquicultura (MPA, 2014)

O processo seletivo público, para a cessão das áreas aquícolas delimitadas nos parques, pode ser oneroso ou não oneroso. A seleção de áreas não onerosas tem forte cunho social e são ofertadas gratuitamente, mediante licitação não onerosa observando parâmetros socioeconômicos.

Já a seleção de empreendedores para as áreas onerosas é fruto de processos de licitação em que o vencedor é aquele disposto a pagar mais pelo uso da área. "Além de ser um negócio que pode ser lucrativo, os interessados em cultivar pescados nos parques aquícolas levam uma grande vantagem: as áreas são cedidas já com todos os seus aspectos legais e ambientais de cessão totalmente resolvidos" (MPA, 2014).

Foi por essa época que se intensificaram as promessas do governo (Diário do Nordeste, 2008) no tocante ao oferecimento de infraestrutura (estradas, energia elétrica, unidades de beneficiamento, pontos de apoio em terra etc) para o desenvolvimento da atividade. Essas promessas já tinham sido feitas outras vezes, mas nada tinha sido cumprido. "A atividade era desenvolvida assim mesmo, sem o apoio do governo, sem falar que muitos empresários já tinham até invadido o açude" (Associação 2).

A chegada desses grandes produtores por meio do processo de licitação (ou não) também foi importante para a aquisição de novos conhecimentos, pois por exigência de uma maior profissionalização do negócio, precisavam manter quadro de pessoal qualificado na fazenda, como engenheiros de pesca, veterinários e engenheiros agrônomos, que também contribuíram para a disseminação de conhecimentos sobre outras formas de manejo.

Os problemas ambientais também começaram a chamar mais atenção. Se antes as vísceras e o peixe morto eram lançados no açude ou em suas margens, com o aumento substancial da produção essa prática não conseguia mais passar despercebida, o que levava à necessidade de encaminhamento mais apropriado, embora a fiscalização pelos órgãos ambientais não fosse uma prática corriqueira (Associação 2). A poluição nos pontos de apoio em terra provocada, em grande parte, pelos dejetos humanos, sacos de ração e vísceras provenientes da evisceração nas margens do açude, foram formas de poluição que passaram também a chamar atenção, mas ainda sem uma solução definitiva, haja vista os empecilhos relacionados à complicação da logística em manter banheiros químicos às margens do açude, e os custos e os riscos envolvidos na implantação de plantas de beneficiamento do pescado, bem como a dificuldade de conscientização das mentalidades em encaminhar adequadamente os sacos de ração em vez de queimá-los às margens do açude.

Com o aumento do consumo de ração no local, os produtores e associações não precisavam mais se deslocar para adquiri-las. Os próprios fornecedores passaram a visitar a cidade semanalmente para realizar suas vendas. As fábricas de ração que atuam no Castanhão têm vários engenheiros de pesca e agrônomos nas suas equipes de venda que prestam suporte aos clientes, repassando não somente técnicas de manejo mais eficientes, como também orientando quanto a importância de um ambiente sustentável para garantia da competitividade do negócio. Um ambiente saudável gera maior produtividade e competitividade aos produtores e as fábricas de ração também são beneficiárias diretas.

Outro parceiro que passou a atuar em Jaguaribara em 2009 foi a Piscis. A empresa é fruto de pesquisas realizadas por seu fundador, André de Freitas Siqueira, e apoiada por instituições de pesquisa e tecnologia como CNPQ, FINEP, IEL, INTECE e SEBRAE. A empresa realiza o processamento de resíduos provenientes da produção e beneficiamento da tilápia, coletando, transportando, extraindo óleo a partir das vísceras do peixe e aproveitando os efluentes e resíduos na produção de composto orgânico. "O encaminhamento das vísceras é para a Piscis. Que vem quando solicitado. Tudo é recolhido, antes era jogado no mato, fazia uma vala e jogava lá. A água não ficava boa. Agora é diferente" (Produtor 6).

Além disso, o tratamento desse resíduo também passou a compor a receita dos produtores, haja vista que passou a ser tratado como negócio, conforme a fala do entrevistado Associação 1:

quem está jogando a víscera fora está perdendo dinheiro, está muito desinformado ou houve algum problema pontual de logística. Eu desconheço alguém que não tenha destino para a víscera, pois hoje ela virou negócio. O óleo pode ser comprado por fábrica de ração animal, fábrica de sabão e pela Petrobras, para transformar em biodiesel. Existe hoje em Jaguaribara uma empresa, a Piscis, que recolhe as vísceras e queima para extração do óleo que é vendido para a Petrobras. Outros piscicultores preferem fazer a queima rudimentar, utilizando a madeira que é retirada do açude para fazer a queimada. Ainda resta a borra que entra na compostagem.  

Outra parceira que também tem contribuído com os conhecimentos e práticas do setor da Piscicultura é a ACEAQ. A associação já existia há muito tempo, mas estava muito dispersa e em julho de 2010, como proposta de técnicos da SPA, as atividades foram renovadas e passaram desde aquela época a realizar reuniões periódicas.

Em 2012, a entidade passou por outra renovação quando a ADECE mobilizou a câmara setorial da tilápia, com o intuito de desenvolver ainda mais o setor e o presidente da ACEAQ, o produtor Camilo Diógenes, foi constituído presidente da CSTilápia, o que levou a ACEAQ a se constituir em um dos principais articuladores junto ao poder público. "A ACEAQ também tem a vantagem de trazer o setor público que está inserido no processo da cadeia produtiva. ACEAQ funciona como catalisador de benefícios e de trocas de informações com o setor público" (Produtor 5).

Recentemente também trabalhou na elaboração do manual de boas práticas de manejo que serviu de base para elaboração de uma norma da ABNT. O coordenador da elaboração desse texto, que teve a colaboração de pessoas do Brasil inteiro, foi o secretário executivo da ACEAQ.

A ACEAQ está fomentando, desde meados de 2014, o licenciamento das áreas de apoio à produção no Castanhão. A associação articulou com SEMACE e SEBRAE, através do Programa SEBRAETEC, uma força tarefa para realizar esta tarefa. A meta é fazer até o final de 2015, 36 licenciamentos.

5. Apresentação e análise dos resultados

A seguir serão vistos os principais conhecimentos e práticas sobre sustentabilidade que foram aprendidos e evidenciados ao longo da narrativa. Optou-se, ainda, para efeito didático, segmentar a discussão seguindo as dimensões eleitas para análise.

5.1. Dimensão social

O modelo de desenvolvimento pensado pelo Governo do Estado para efetivar o reassentamento da população rural, pressupôs a agregação das pessoas em comunidades rurais para facilitar a coordenação de esforços. A população (urbana e rural) foi reassentada, a partir de capacitações e discussões sobre qual seria a melhor atividade produtiva que poderia ser escolhida por eles. Portanto, partiu de um planejamento institucional que reivindicava a criação de formas associativas e que, no planejamento de seu modelo, levou os participantes a atuarem ativamente na identificação de problemas e implementação de soluções (ARAÚJO, SENA, 2006).

O processo de aprendizagem em torno da participação social começou com a criação do grupo multiparticipativo, que pressupunha um tipo de planejamento com o emprego de formas associativas. Em seguida, observou-se também a organização das atividades produtivas em torno de associações e cooperativa, em que se destaca a forma de organização interna que exigia o compartilhamento de tarefas e responsabilidade financeira. Outras práticas que também tem contribuído para o encaminhamento de ações coletivas são o instituto do aval solidário e a forma de organização dos grupos de trabalho.

Da narrativa apresentada, portanto, é possível inferir que o planejamento, em grande medida, foi democrático, político e interdisciplinar, com participação da sociedade civil e que contribuiu para educação e organização da população.

Identifica-se, ainda, que a mudança começou, muito antes do início da implantação da piscicultura. Afinal, a população já vinha de um amplo processo de discussão e reivindicações. Como visto em Campos (1995), o debate público, que antecedeu e que ocorreu durante a construção, foi valioso, não só pela melhoria do próprio projeto, mas também, e principalmente, pela mudança cultural que iniciou. Mas que também encontrou durante a implantação e desenvolvimento da atividade mecanismos que favoreciam a educação para atuação em conjunto.

Há ainda que se considerar que o efeito positivo das experiências em curso foi favorável para a continuidade das atividades. A primeira despesca realizada pelo Grupo Pioneiro se constitui em elemento simbólico, chamando a atenção de que era viável desenvolver uma atividade econômica diferente, fazendo com que a grande maioria passasse a acreditar que a mudança era possível. As capacitações, os suportes financeiros (mediante financiamento ou não), as trocas de experiências, a visibilidade. Tudo isso servia de reforço para novas ações que na medida em que iam se avolumando geravam a noção de que a mudança era possível e que estava acontecendo.

O pressuposto por trás das apostas feitas em torno do associativismo também foi baseado na noção de que a mudança de comportamento pode ser possível. Apesar de se reconhecer que muitos são experimentados nas práticas do isolamento, afinal, "o nordestino não gosta de se reunir, gosta de resolver as coisas sozinhos" (Associação 4), existem outros que acreditam que a mudança é possível e que só se aprende a cooperar, cooperando e que surge no dia a dia (Institucional 4). Com isso fica claro que as mutações para empreender ocorrem em nível das mentalidades e dos comportamentos, o que ressalta a importância da Educação para fazer com que estas mudanças aconteçam (SACHS, 2008), assim como a experiência do dia a dia.

Com a história, observou-se um enriquecimento do patrimônio pessoal e social, das regras e dos processos que permitem que as pessoas e as comunidades participem ativamente da definição e conquista de padrões adequados ao seu modo de vida. Emprego, moradia, educação, redução da pobreza e diminuição das desigualdades são exemplos de fenômenos que ocorreram em Jaguaribara após a construção do Castanhão, o que aponta para a consumação de dimensões sociais que conduzem ao DS e que de certa forma constituem-se em impactos positivos frutos do processo de aprendizagem. Houve, com isso, o desenvolvimento do "ser", principalmente no tocante a sua percepção de que as mudanças podem ocorrer, desde que estejam dispostos a atuar conjuntamente e serem capazes de se adaptar às novas demandas.

5.2. Dimensão econômica

Quando se iniciou a implantação da piscicultura, a questão premente das dimensões da sustentabilidade era a econômica. Do ponto de vista das moradias, a população que tinha sido transferida, estava sendo melhor assistida, quando comparada a qualidade das habitações anteriores, com as fornecidas pelo governo, embora as pessoas tenham passado por um grande desgaste emocional e psicológico. Sendo assim, considerando a subjetividade dos elementos da variável social, não é possível afirmar que do ponto de vista social tudo estava resolvido, mas era menos desgastante do que do ponto de vista econômico.

Portanto, é possível afirmar, que pior do que o aspecto social foi a dimensão econômica. As casas e lugarejos tinham sido retirados da população, mas tinham sido colocadas, na grande maioria das vezes, outras em seu lugar, entretanto, as atividades econômicas conhecidas por todos também foram subtraídas, mas nada ainda tinha sido oferecido para substituí-las. Com a mudança, a população já não tinha atividade econômica que possibilitasse a sua sobrevivência.

A sustentabilidade econômica significa a utilização de recursos para que o negócio continue a funcionar ao longo de vários anos, enquanto esse proporcionar lucros que se coadunem com os objetivos estabelecidos. Envolve alocação e gestão mais eficiente dos recursos. Como exemplo de eficiência na gestão dos recursos no Castanhão, vide a qualidade genética da tilápia utilizada, que garante boa conversão da ração em relação ao tamanho do peixe produzido, além da sua capacidade de sobrevivência com baixas quantidades de oxigênio e a qualidade da carne que tem excelente sabor, além da ausência de espinhas em "y", que são consideradas características que estimulam o consumo do produto e a sua preferência em detrimento de outros.

Como visto na narrativa, já existia a noção de que seria bom para os negócios se os piscicultores atuassem de forma responsável e profissional, respeitando a comunidade e o meio ambiente. Esse pressuposto adotado por muitos atende a demanda apresentada por Sachs (1993), de que o uso dos recursos disponíveis não tem apenas que proporcionar lucros, mas, também, não pode trazer prejuízos para as comunidades próximas ou provocar desequilíbrio ao meio ambiente.

Em relação à preocupação com o ambiente, a história contada demonstrou a evolução no encaminhamento dado para as vísceras, que passou a atender o requisito econômico e ambiental, a partir do momento em que virou negócio, pois se tornou fonte de receita e, ainda, reduziu o impacto no ambiente ao dar um encaminhamento mais apropriado para estes resíduos.

Outro aspecto considerado por Sachs (1993) como relevante para o alcance da sustentabilidade econômica é a existência de um fluxo regular de investimento público e privado, o que é claramente possível de ser observado na história da aprendizagem de prática de sustentabilidade no Castanhão. No início, os bancos estiveram dispostos a investir na atividade, mesmo sendo essa desconhecida para os candidatos a piscicultores, além de não existir o respaldo legal necessário. Sachs (1986) ressalta que não interessa o montante da aplicação da poupança e do investimento, mas sim, a forma como serão investidos e por quem, e quais serão os beneficiários e qual será a eficácia social do investimento, por isso que se considera salutar participação dos bancos nesse momento inicial para o preenchimento dos requisitos que conduzem à dimensão da sustentabilidade econômica. Há ainda que ressaltar o emprego do instituto do aval solidário facilitando o acesso aos recursos para investimento, bem como a dinâmica de cooperação e controle social que exige dos seus membros participantes.

Com a implantação dos parques aquícolas, o que se observou também foi a atração de novos investidores, desejosos também de usufruírem das águas do Castanhão. No tocante aos investimentos públicos, não é possível deixar de citar os investimentos feitos diretamente em projetos produtivos como o Projeto Cururpati-Peixe e na APLAGES. Entretanto, a infraestrutura de energia elétrica, estradas, pontos de apoio em terra fundamentais para o desenvolvimento da atividade sempre foram relegados para segundo plano e muitas vezes supridos pela iniciativa privada e a força de vontade dos empreendedores locais. 

O acesso à ciência e à tecnologia também é fundamental para que as exigências da sustentabilidade econômica sejam atendidas (SACHS, 1993). No Castanhão, destaca-se a necessidade de estudos mais detalhados sobre a qualidade do composto orgânico formado pela mortandade de peixes, sem falar do imperativo para implantação de um biodigestor capaz de tratar os resíduos de maneira menos rudimentar.

5.3. Dimensão ambiental

O emprego de uma tilápia com uma conversão alimentar mais eficiente minimiza os efeitos de eutrofização que está associada ao aumento dos elementos em suspensão e pelo aumento do fósforo (ELER, MILLANI, 2007).

Observou-se com a narrativa que a presença da estação de piscicultura do DNOCS é fundamental para a preservação da tilápia com sua característica genética e, ainda, para manter a diversidade de outras espécies de peixe, além de procurar garantir a reprodução em águas paradas. Seu papel é fundamentalmente trabalhar para o equilíbrio do ecossistema, inclusive utilizando técnicas naturais para a convivência com os predadores que também povoam o açude. Portanto, ator fundamental na busca pela vitalidade geral e saúde dos ecossistemas (CIEGIS, RAMANAUSKIENE, MARTINKUS, 2009).

No Castanhão, o desenvolvimento de novos produtos mais ecológicos, como o aproveitamento das vísceras e da pele para o artesanato, constitui-se em ações que além de representarem oportunidade de mercado, resolvem problemas ambientais e ainda há a possibilidade do aumento da receita dos produtores (SCHALTEGGER, SYNNESTVEDT, 2002).

Como recomendado por Foladori (2002), no tocante a necessidade de redução da poluição, observa-se que com o tempo os atores passaram a dar um melhor encaminhamento às vísceras e à mortandade. Para isso, foi importante a chegada da Piscis que profissionalizou a produção do biodiesel, que antes era totalmente artesanal, sem falar que não era praticada pela grande maioria. Entretanto, o tratamento correto para evitar a poluição causada pelos dejetos humanos, sacos de ração e sobras do processo de evisceramento, que acontece na grande maioria nas margens do açude, ainda precisa de atenção sistemática.

Cabe destacar que, no relato, identificou-se que as preocupações ambientais que existem hoje são mais fruto de um processo de conscientização, do que propriamente de determinações legais e fiscalizações, haja vista os procedimentos pontuais que ocorrem no local.

Sendo assim, percebe-se que a sociedade civil, por meio da educação, contribui para a sustentabilidade ambiental, social, econômica. Os elementos que importaram na aprendizagem de práticas que influenciam no desenvolvimento sustentável da região, como visto, estão presentes em todas essas dimensões, observando que em alguns casos em maior ou menor grau de conformidade com o estabelecido pela literatura escolhida para fundamentar as análises.

6. Considerações Finais

Em relação ao objetivo apresentado na introdução (o que?), a pesquisa evidenciou os seguintes conhecimentos e práticas que foram aprendidos ao longo da evolução do APL e que atendem aos requisitos das dimensões da sustentabilidade:

  1. Dimensão social – a) participar de forma organizada e coletiva na identificação de problemas e implementação de soluções; b) atuar coletivamente na reivindicação de melhorias na condição de vida da população; c) agir de forma organizada para facilitar a coordenação de esforços e d) perceber que as mudanças podem ocorrer, desde que estejam dispostos a atuar conjuntamente e serem capazes de se adaptar às novas demandas.
  2. Dimensão econômica – a) encaminhar adequadamente os resíduos – vísceras; b) tratar os resíduos como negócio; c) gerir eficientemente os recursos – qualidade genética e mercadológica da tilápia, conversão alimentar, manejo etc.; d) relacionar a competitividade com preservação do ambiente e e) atuar de modo empreendedor.
  3. Dimensão ambiental – a) reduzir a quantidade de nutrientes lançados no açude; b) encaminhar adequadamente o lixo; c) reciclar a víscera e o peixe morto; d) reciclar a pele do peixe; e) respeitar o ambiente em cumprimento às leis mesmo sem fiscalização sistemática.

Referências

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1. Professora da Universidade Estadual do Ceará e Doutora em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza. Email: adriana@ead.euece.br
2. Professora colaboradora da Universidade de Aveiro e Professora auxiliar do Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra, Pós-doutorado em Estudos Culturais pela Universidade de Aveiro
3. Professor do Instituto Federal de Sergipe e Doutor em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza

4. Graduada em Psicologia pela Universidade de Fortaleza e aluna do Mestrado em psicologia



Vol. 37 (Nº 13) Año 2016

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