Espacios. Vol. 37 (Nº 08) Año 2016. Pág. 11

Serviços de cabotagem no Brasil: principais vantagens e desafios atuais

Cabotage services in Brazil: key benefits and current challenges

Andréa Leda Ramos de OLIVEIRA 1; Paulo Costacurta de SÁ PORTO 2

Recibido: 08/11/15 • Aprobado: 11/12/2015


Contenido

1. Introdução

2. Sistema de Transporte no Brasil: um panorama geral

3. Potencialidade para o serviço de cabotagem no Brasil

4. Conclusões

Referências


RESUMO:

O objetivo deste trabalho é avaliar os principais pontos positivos e os desafios para se introduzir novos serviços de cabotagem, bem como as possíveis ações futuras para o desenvolvimento deste setor no Brasil. Para tanto, são apresentados um breve panorama da infraestrutura logística no país e da estrutura portuária do setor de cabotagem. Identificou-se claras vantagens quanto da expansão da cabotagem, tais como: o menor risco de roubo de carga, os menores investimentos em infraestrutura rodoviária, o menor impacto ambiental, maior eficiência energética e contribuição para o descongestionamento das malhas viárias e rodoviárias. Entretanto, é necessário resolver questões como: o preço relativamente alto do combustível de navegação, a idade avançada da frota de navios de cabotagem, a dificuldade de contratação de novos navios, o alto custo da praticagem e a falta de mão de obra para tripulação. Há também alguns aspectos que contribuem para a baixa adesão à cabotagem, tais como algumas características particulares dos portos brasileiros, algumas questões legais, a composição da frota, a organização das rotas e a competição com outros modais
Palavras-chave: logística, portos, transporte de carga.

ABSTRACT:

The aim of this study is to evaluate the main strengths and challenges to introduce new cabotage services and possible future actions for the development of this sector in Brazil. Are presented a brief overview of the Brazilian logistics infrastructure and port structure of the cabotage sector. There are clear advantages of an expansion of cabotage, such as lower risk of cargo robbery, reduced investment in road infrastructure, lower environmental impact, greater energy efficiency and the contribution to the decongestion of road and highway networks. However, it is necessary to resolve issues such as the relatively high price of shipping fuel, aging fleet of coastal vessels, the difficulty of hiring new ships, the high cost of pilotage and the lack of labour to crew. There are also some aspects contribute to the low adherence to cabotage, such as the characteristics of Brazilian ports, some legal issues, the fleet composition, the organization of routes and the competition with other modes.
Keywords: logistics, ports, cargo transportation.

1. Introdução

No período atual, a competitividade brasileira em alguns setores econômicos é amplamente reconhecida. Parte desta competitividade deve-se às inúmeras transformações que têm ocorrido no campo econômico, desde o crescimento firme do produto interno bruto com estabilidade de preços até a melhoria na distribuição da renda.

Conforme dados do Fundo Monetário Internacional (IMF, 2014), a economia brasileira registrou um crescimento rápido na última década e, apesar da crise econômica recente, o Brasil teve um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 14% a.a entre 2003 e 2013. Em 2003, o PIB foi de US$ 0,55 trilhões e atingiu em 2013 o valor de US$ 2,19 trilhões.

No entanto, as potencialidades deste crescimento econômico se restringem por uma série de deficiências no sistema logístico. Tais deficiências - representadas pelas condições precárias das rodovias, pela baixa eficiência e falta de capacidade das ferrovias e pela desorganização e excesso de burocracia dos portos - tiveram como resultado o aumento das filas de caminhões nos principais portos de exportação, longas esperas de navios para a atracação e o não cumprimento dos prazos de entrega ao mercado internacional. Tudo isso resultou no aumento dos custos e na redução da competitividade dos produtos brasileiros no exterior (Fleury, 2000).

De acordo com os dados do Banco Mundial (The World Bank, 2014), mesmo o Brasil possuindo a maior extensão rodoviária da América Latina, quando se trata da porcentagem de rodovias pavimentadas, o Brasil ocupava apenas o 19º lugar, ficando atrás de países como Guatemala, Argentina e Chile. Enquanto a rede rodoviária registra uma pequena quantidade de pavimentação, as ferrovias se caracterizam pela falta de homogeneidade na tecnologia aplicada ao longo da rede, demonstrada pelos dois tipos de bitola existentes (1,00 e 1,60 metros), o que limita a conectividade do transporte ferroviário para destinos de longa distância.

Os 40 mil quilômetros de hidrovias apresentam-se como um recurso valioso, a fim de aumentar a eficiência do transporte nacional. Contudo, a navegação comercial ocorre em pouco mais de 13 mil quilômetros, com significativa concentração na Amazônia. Soma-se a isso a baixa capacidade de intermodalidade e comboio, além de oferecer pouca atratividade de investimentos devido às barreiras ambientais, o que gera um quadro limitante para o desempenho desse modal (Oliveira, 2014).

Cabe ainda destacar que, no caso brasileiro, os custos logísticos constituem um componente relevante dos preços finais dos produtos, em função da dispersão espacial da produção, da distribuição do mercado interno e das longas distâncias envolvidas no comércio intra e inter-regional. A melhoria na oferta de serviços logísticos certamente aumentaria a competitividade dos diversos segmentos econômicos, condição esta necessária para o bom desempenho de qualquer economia (Silveria e Julio, 2013). Neste contexto encontra-se o sistema de cabotagem no Brasil, que está entrando em uma nova fase. Depois de estagnado durante vários anos, a perspectiva de crescimento e diversificação da movimentação de cargas neste modal é grande. A importância desta opção de movimentação no Brasil evidencia-se em função da extensa costa marítima de 7.400 quilômetros e que conta com a participação de 34 portos.

Nos últimos dez anos o transporte por cabotagem vem crescendo no Brasil, a movimentação passou de 137 milhões de toneladas em 2002 e atingiu, em 2012, o volume de 201 milhões de toneladas, crescimento de 4% a.a. (ANTAQ, 2012).

Contudo, as potencialidades da cabotagem não têm sido aproveitadas pelas diferentes cadeias produtivas brasileiras. Em relação às demais modalidades de transporte, este meio de transporte detém vantagens como: alta capacidade de carregamento, baixo índice de impacto ambiental, menor índice de avarias de carga e a maior contribuição para o descongestionamento da malha rodoviária. Finalmente, a cabotagem, que tem sido usada no país em sua maior parte para o transporte de carga a granel, tem seu maior potencial de transporte para a carga conteinerizada.

Após esta breve contextualização, o objetivo do presente trabalho é avaliar os principais pontos positivos e os desafios na expansão atual do setor de cabotagem no Brasil, com o fim de discutir as potencialidades e limites da malha atual deste serviço de transporte. Num segundo momento, são apresentadas propostas de ações emergenciais para promover uma expansão competitiva da cabotagem comercial no Brasil.

Na seção 2 é apresentado um breve panorama da infraestrutura de transporte e a portuária, com destaque para o setor de cabotagem. A partir dessa análise, na seção 3 são detalhados as principais vantagens e os desafios para se introduzir novos serviços de cabotagem bem como as possíveis ações futuras para o desenvolvimento deste setor no Brasil. Finalmente, na seção 4 são apresentadas as conclusões deste estudo.

2. Sistema de Transporte no Brasil: um panorama geral

No Brasil, a matriz de transporte de cargas é altamente concentrada no modal rodoviário, com o uso intensivo de combustível fóssil. A participação dos modais rodoviário, ferroviário e hidroviário no transporte de cargas brasileiro é substancialmente diferente daquela encontrada em outros países de dimensões continentais similares (Figura 1).

Notas: 1) Extensão territorial total descontada das áreas cobertas por água
2) Não considera transporte dutoviário e aéreo

Figura 1. Extensão territorial e transporte de carga, países selecionados
Fonte: Oliveira (2014) e CNT (2014).

Conforme os dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT, 2014), a modalidade de transporte rodoviário tem absorvido mais da metade dos transportes de cargas no Brasil. Segundo Caixeta Filho (1996), essa predominância do modal rodoviário pode ser explicada pelas dificuldades que outras modalidades de transporte enfrentam para atender eficientemente os aumentos de demanda em áreas mais afastadas do País, as quais são desprovidas de ferrovias ou hidrovias.

Com os altos custos de transporte, devido à utilização de malha viária inadequada, somados aos serviços portuários caros e ineficientes, os produtos produzidos pelo Brasil ficam em desvantagem, sobretudo nas exportações, quando comparada a produção nos demais países.

A iniciativa do Governo Federal, ciente da necessidade de ampliação do uso dos modais de transporte e da importância da intermodalidade para viabilizar a interiorização do desenvolvimento econômico do país, lançou em 2007, o Plano de Aceleração do Crescimento e em 2011, o PAC2 (Silveira e Julio, 2013). Entre 2007-2010, o PAC disponibilizou R$657,4 bilhões, deste montante cerca de R$65,4 bilhões (10%) foram destinados aos projetos em Logística. Para o PAC2, estão previstos R$104,5 bilhões em projetos do Eixo Transporte para o período de 2011-2014. Até dez/2014 foram concluídos30 projetos em Portos e mais 18 obras em andamento em 12 portos (BRASIL, 2014).

No Brasil, a partir da segunda metade dos anos 1950, os investimentos em infraestrutura de transporte foram direcionados ao desenvolvimento e expansão do modal rodoviário. As justificativas foram as de que o investimento na construção de rodovias era menor comparado com o das ferrovias e maior flexibilidade do transporte rodoviário (serviço de porta a porta). Por outro lado, a pressão das montadoras automobilísticas que estavam se instalando no Brasil também foi grande (Oliveira, 2014).

Conforme dados da CNT (2014), dos 1,58 milhões de quilômetros de rodovias, apenas 14% eram pavimentadas. Além disso, as limitações do sistema rodoviário brasileiro não se resumem apenas à reduzida extensão de estradas pavimentadas. Quase 60% dos trechos avaliados foram considerados em mau estado, com problemas sobretudo na geometria da via e na sinalização, além da má conservação da pavimentação. Este cenário implica um maior desgaste dos caminhões que trafegam nas vias, o que leva a um aumento nos custos de transporte.

A malha ferroviária brasileira foi implantada, em sua maior parte, antes da década de 50, e sua manutenção não foi adequada (Castro, 2003). A malha foi reduzida ao longo dos anos, passando de 38,0 mil quilômetros para 28,7 mil quilômetros em 2012, o que revela a falta de priorização e de investimento no setor. A excepcionalidade desse sistema no Brasil ainda fica por conta das diferentes bitolas implantas, contanto com malha de bitola larga (1,60 metros) e bitola métrica (1,00 metros), o que resulta a dificuldade de integração regional. Além da escassez de malha ferroviária, aspectos como o uso de vagões inadequados, a pequena oferta de material rodante e a baixa qualidade do existente promovem ainda mais a ineficiência do setor.

O Brasil apresenta um imenso potencial para utilização da navegação fluvial e marítima. Segundo a ANTAQ (2012), o Brasil possui cerca de 13.000 km de rios e lagos já utilizados economicamente para o transporte de carga, mas para ampliar a cabotagem é preciso que a operação seja viabilizada nos diferentes portos brasileiros. Isso porque, ainda segundo a ANTAQ (2013), 82% da movimentação de cargas por cabotagem se concentra em apenas seis dos 34 portos existentes no país, e cerca de 60% desse total se dá em apenas três portos. O fato é que o sistema é altamente concentrado, 23% da cabotagem de carga é operado através do porto de Santos, 19% através do porto fluvial de Manaus e 18% através do porto de Suape, em Pernambuco.

2.1. Sistema Portuário no Brasil

O transporte marítimo no Brasil hoje atende, principalmente, os fluxos de comércio exterior. Nos últimos anos, cerca de 90 % dos volumes transacionados com o mercado internacional se deram através do modal marítimo (ANTAQ, 2013). Isto demonstra a capacidade de lidar com grande fluxo de mercadorias, a despeito da pequena participação dessa via de transporte para o abastecimento do mercado interno através da extensa costa marítima.

Conforme dados da ANTAQ (2013), o crescimento da movimentação portuária nos últimos dez anos aumentou 58% [1] impulsionados, principalmente pela exportação commodities e carga geral. Essa aceleração deveu-se ao crescimento da corrente de comércio brasileiro, inclusive a importação de bens.

Atualmente, a infraestrutura portuária no Brasil é administrada de três maneiras diferentes, dependendo da sua situação legal. A administração portuária pode se dar em três níveis diferentes: portos federais, portos estaduais e terminais privados.

Com a implementação da nova Lei dos Portos (lei 12.815/13), a tendência é que a estrutura de funcionamento do setor passe a ser mais produtiva e, majoritariamente, exercida pelo setor privado. Uma importante contribuição da nova lei é a de permitir que terminais privativos possam operar cargas de terceiros, uma vez que a legislação anterior não permitia. Com a otimização dos terminais portuários, espera-se aumentar a competitividade, além de facilitar a exportação e a importação de diversos produtos.

Os portos federais totalizam 18 e, também, são as principais unidades de movimentação de mercadorias. Estas são administradas diretamente pela Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP), através das Companhias Docas locais, que são entidades gestoras que agrupam mais de um porto, a fim de organizar e desenvolver uma determinada zona marítima de acordo com as suas características regionais. Outros 16 portos são estaduais, administrados publicamente por representantes dos Estados com o objetivo de desenvolvimento do porto, de acordo com as características das economias locais e de acordo com a perspectiva mais ampla da estratégia dos portos federais brasileiros. As comissões de gestão de cada um desses portos são diferentes "Autoridades Portuárias", que têm diferentes graus de centralização no processo de decisão a qual pode afetar a flexibilidade da gestão portuária em atingir os seus próprios objetivos de desenvolvimento e atração de novos projetos de investimento.

mapa-2010-final

Figura 2. Localização dos portos públicos brasileiros
Fonte: ANTAQ, 2013.

Como ilustrado na Figura 2, a maioria dos portos públicos situa-se nas regiões Sudeste e Sul, principalmente entre os estados de Espírito Santo e Santa Catarina, enquanto os poucos portos fluviais estão localizados ao longo do rio Amazonas.

Adicionam-se a estes dois grupos de portos públicos um grande número de terminais privados, chamados de Terminais de Uso Privado (TUPs), que foram originalmente criados a fim de expandir o transporte de matérias-primas ou produtos agrícolas ligados diretamente às exportações de granéis. Recentemente, a nova lei dos Portos mudou isto, permitindo a manipulação de carga por terceiros e, além disso, que suas atividades não estejam relacionadas a apenas um setor específico. Em 2013, cerca de 140 TUPs se espalhavam ao longo da costa, e, de acordo com o ILOS (2011), em 2010 entre os dez primeiros portos brasileiros para o tráfego doméstico (medido em toneladas), sete eram TUPs, dois eram portos federais (Santos e Vila do Conde) e apenas um era um porto estadual. Assim, uma boa parte da carga é manuseada por operadores privados. Grandes empresas verticalmente integradas, como a Petrobras, são os principais intervenientes neste mercado que possuem os maiores terminais do país.

Considerando o tráfego doméstico, é interessante notar que a maior parte do volume de é composta por carga de baixo valor agregado unitário, enquanto em outros mercados como a Europa, por exemplo, os serviços de cabotagem são utilizados principalmente por bens de maior valor agregado. No Brasil ocorre o oposto, em que o tráfego de granel representa a maioria do volume transportado (petróleo, grãos e minerais), que faz com que os terminais privados lidem com a maior parte do tráfego doméstico. No período 2010-2013, apenas 12,5% do tráfego interno foi de carga geral, enquanto 70% era movimentação de granéis líquidos e cerca de 17,5% foi de granéis sólidos (ANTAQ, 2013). Essa questão afeta a política de investimento do porto e a possibilidade de se considerar utilizar o modal marítimo para viagens curtas, como alternativa ao transporte rodoviário. De fato, a maioria dos investimentos portuários do PAC estão relacionados principalmente com as atividades de transporte de granel.

Enquanto os terminais privados são normalmente localizados próximos ao ponto de origem do recurso a ser transportado, os portos públicos são normalmente ligados aos mercados de consumo e de produção (ou seja, grandes cidades e fábricas) ou estão localizados ao final das redes de transportes internacionais (como o Rio Amazonas ou as fronteiras do sul do Brasil) e quase todos eles funcionam como portas de entrada.

O incentivo natural ao uso da cabotagem no Brasil se dá pela localização geográfica dos portos e pela longa extensão da costa. Por outro lado estas vantagens podem ser reprimidas, pois como apontam Medina et al. (2013), o baixo grau de eficiência e a atual legislação e organização portuária, acabam afetando sobremaneira o desenvolvimento deste modal Brasil.

2.2. Setor de Cabotagem no Brasil

Existem diferentes definições de cabotagem que variam de acordo com as características geográficas e políticas das áreas em que os serviços marítimos são desenvolvidos. Para a Comissão Europeia, cabotagem é "o movimento de cargas e passageiros por via marítima entre portos situados na Europa ou entre esses portos e portos situados em países não europeus com um litoral comum sobre os mares fechados que fazem fronteira com a Europa" (European Commission, 1999). É claro que esta definição não pode ser plenamente aplicada ao caso sul-americano, devido à ausência de mares fechados e a presença de oceanos em todo o continente.

De acordo com Medina et al. (2013), a Lei n º 9.432/97 define cabotagem como "navegação realizada entre portos ou pontos do território brasileiro, utilizando-se do mar ou por vias navegáveis interiores". Adicionalmente, o acordo de comércio Mercosul considera a navegação entre o Brasil, Argentina e Uruguai como cabotagem. Diferenças na definição pode, obviamente, afetar também a análise do mercado de cabotagem e do conjunto de empresas que operam neste negócio. Na análise atual, vamos utilizar a definição feita pela lei brasileira.

A despeito das limitações já mencionadas das demais modalidades de transporte, o crescimento da cabotagem no Brasil tem sido significativo. Em 2013, o sistema movimentou 204,7 milhões de toneladas, crescimento de 2% em relação ao ano anterior (ANTAQ, 2013).

Há vários aspectos favoráveis a este tipo de modal no Brasil, como a larga extensão da costa marítima e fluvial que pode ser utilizada potencialmente para a cabotagem. Além disso, há uma concentração das atividades econômicas, de grandes centros produtores e consumidores, que são localizadas próximas ao litoral e podem potencialmente serem servidos pelo setor de cabotagem. De acordo com Lacerda (2004), os principais polos econômicos brasileiros se encontram em um raio de 100 km de algum porto. Além disso, é importante mencionar a recente (e ainda em curso) modernização da frota mercante nacional e a (também em curso) tentativa de desburocratização portuária.

Apesar do cenário favorável, este segmento enfrenta vários desafios com destaque para: o preço do bunker (combustível de navegação) que é cerca de 30% mais caro que o rodoviário; a idade ainda antiga da frota mercante (17 anos, em média); a dificuldade de contratação de novos navios para atender à renovação e ampliação da frota em operação na cabotagem, em parte culpa das exigências dos agentes financeiros que implica na demora na aprovação de financiamentos; o alto custo da praticagem e falta relativa de mão de obra para tripulação (e de novas escolas que treinem esta mão de obra); e a dificuldade de se conseguir navios de para a cabotagem produzidos no país, uma vez que os atuais estaleiros estão mais focados na produção de embarcações para o setor de petróleo do pré-sal brasileiro. Além disso, o setor de cabotagem não tem sido atrativo aos investidores privados, que focam em outras áreas aparentemente mais economicamente viáveis (Ferrari et al., 2014; Medina et al., 2013).

Entre 2010 e 2013 foram transportadas 785 milhões de toneladas na navegação de cabotagem brasileira (Figura 3). Em 2013, os granéis representaram aproximadamente 85% de toda tonelagem movimentada, sendo 69,5% de granel líquido e 16% de granel sólido. Já a carga geral - solta e conteneirizada - respondeu por 13,5% do transporte.

Figura 3. Carga transportada via cabotagem no Brasil por natureza da carga, 2010-2013
Fonte: ANTAQ (2013)

Ao avaliar os serviços de cabotagem em vigor, a ANTAQ (2013) registrou cerca de 40 companhias de navegação que operam neste mercado, com uma frota total de cerca de 176 embarcações. Os petroleiros representam 18% dos navios em atividade, enquanto navios de contêineres representam cerca de 10%. Ressalta-se que em 2013 não foram registrados navios do tipo Ro-Ro, em outras regiões do mundo (como a Europa, por exemplo), os navios Ro-Ro e os porta-containers representam a maioria dos navios em atividade. Esta questão é crítica para o desenvolvimento de um mercado competitivo de cabotagem.

Figura 4. Composição da frota brasileira de cabotagem, 2013
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados da ANTAQ, 2013.

Uma vez que o segmento é considerado estratégico e existe uma reserva de mercado, a cabotagem só pode ser praticada por navios de Empresas Brasileiras de Navegação (EBNs) autorizadas ou por navios estrangeiros afretados pelas EBNs com tripulação brasileira. Atualmente, existem 14 empresas associadas ao Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma) habilitadas para realização da navegação de cabotagem (CNT, 2013).

Quanto à disponibilidade de navios, a frota de cabotagem é composta por 176 embarcações (ANTAQ, 2013). Este número é insuficiente para atender à demanda existente, o que favorece o uso de outros modos de transporte.

Quanto à Tonelagem de Porte Bruto – TPB, entendida como a diferença entre o deslocamento bruto e o líquido da embarcação, ou seja, o que efetivamente pode ser transportado em carga, combustível e equipagem (tripulação) na embarcação, estima-se que a oferta total é de 2,88 milhões de TPB, com média de 18,6 mil TPB por navio (CNT, 2013). Por sua vez, a idade média verificada é elevada, cerca de 17 anos, existindo embarcações com idades médias superiores a 30 anos, a exemplo dos navios-cisterna, bote e flutuante, o que indica a necessidade da adoção de mecanismos que possibilitem a renovação da frota nacional de cabotagem (ANTAQ, 2013).

Em 2012, dentre as rotas utilizadas, merecem destaque aquelas originárias de plataformas marítimas com destinos a São Paulo e ao Rio de Janeiro, com um volume transportado correspondente a 22,9% e 16,0% do total transportado pela cabotagem, respectivamente, e as rotas entre Maranhão-Pará e Espírito Santo-São Paulo (6,8% e 6,1%, respectivamente). A Tabela 1 apresenta as principais rotas utilizadas pela navegação de cabotagem, segundo o volume transportado em 2012.

Com base nestes dados, observa-se que a maior concentração de originação de produtos são as plataformas marítimas, representando mais de 50% da carga transportada pela cabotagem.

Tabela 1. Rotas da navegação de cabotagem, volume transportado em 2012

Rotas

Volume (milhões t)

Participação%

Plataforma Marítima - São Paulo*

31,8

22,9

Plataforma Marítima - Rio de Janeiro*

22,2

16,0

Maranhão ↔ Pará

9,4

6,8

Espírito Santo ↔ São Paulo

8,5

6,1

Plataforma Marítima - Santa Catarina*

7,6

5,5

Pará ↔ Pará

5,4

3,9

Plataforma Marítima – Bahia*

5,1

3,7

Plataforma Marítima - Rio Grande do Sul*

4,3

3,1

Bahia ↔ Espírito Santo

4,1

3,0

Bahia ↔ Rio Grande do Norte

2,6

1,9

Bahia ↔ Sergipe

2,2

1,6

Bahia ↔ Rio de Janeiro

1,9

1,4

Espírito Santo ↔ Santa Catarina

1,7

1,2

Bahia ↔ Pernambuco

1,6

1,2

Bahia ↔ São Paulo

1,6

1,2

Rio de Janeiro ↔ São Paulo

1,5

1,1

Amazonas ↔ São Paulo

1,4

1,0

Outros**

25,7

18,5

Total

138,6

100,0

*Rotas com sentido único, originárias de plataforma marítima; as demais rotas consideram ambos os sentidos.
**Grupo composto por 104 rotas que, individualmente, apresentam participação inferior a 1% do total transportado pela cabotagem.
Fonte: CNT (2013).

A atual legislação para a cabotagem permite somente navios de bandeira brasileira para operar as embarcações em tráfego doméstico, excluindo as empresas estrangeiras de entrar neste mercado. Apesar dessa regra, várias empresas multinacionais compraram participações em operadoras brasileiras de cabotagem, a fim de ter a possibilidade de entrar no mercado doméstico. As três grandes empresas que carregam contêineres e navios Ro-Ro (Aliança, Mercosul Line e Login) representam cerca de 18 % do mercado, considerando tanto o número de navios quanto a tonelagem bruta. Normalmente operam com embarcações de pequeno porte (cerca de 3.000 TEUs, em média) e maior parte de suas rotas são bastante semelhantes, sublinhando a pouca alternativa de rotas na oferta de cabotagem.

Entre essas grandes empresas, somente a Log-In é um operador brasileiro, enquanto a Aliança é de propriedade da alemã Hamburg Sud e a Mercosul Line é de propriedade da dinamarquesa Maersk Line. Isso acaba por afetar a possibilidade de introdução de serviços completos de cabotagem. Este problema é confirmado pelas semelhanças nas rotas oferecidas, focadas principalmente na região entre os portos de Vitória e de Rio Grande, com poucas rotas na parte norte do país (por exemplo, as principais rotas da Mercosul Line concentram-se em 7 portos, sendo quatro deles localizados nas regiões Sudeste e Sul).

Uma questão interessante é a presença de uma rede estruturada complexa de serviços de cabotagem mas com poucos serviços estruturados como ponto-a-ponto (ou seja, sem escalas intermediárias), e apenas algumas poucas linhas de transporte utilizando navios Ro-Ro (a ANTAQ registrou apenas dois navios em operação no Brasil em 2012). Esta questão é um dos principais pontos críticos no desenvolvimento das "Autoestradas do Mar" e na atração de novas cargas conteinerizadas por conta da dificuldade em mover facilmente e rapidamente caminhões para os navios, como no caso dos navios Ro-Ro (Albanese et al., 2013). A ausência de uma distribuição equilibrada dos portos pode afetar a atratividade do serviço, enquanto a presença de redes complexas ao invés de serviços diretos de porta-a-porta, juntamente com as restrições na possibilidade de usar navios de bandeira estrangeira, podem ser uma grande barreira para o aumento da oferta atual. Além disso, estes serviços demandam um tempo de trânsito maior: o valor mais curto para ida e volta é calculada em 10 dias, enquanto o tempo maior é de 30 dias.

Além disso, os três principais operadores competem com companhias internacionais, como a MSC e CMA-CGM, que fazem escala em vários portos brasileiros oferecendo seus serviços intercontinentais e regionais (por exemplo, a MSC faz escala em 10 portos brasileiros), que aos poucos estão tentando competir também no mercado nacional utilizando suas rotas internacionais.

É interessante notar que a grande maioria dos portos utilizados pelas transportadoras internacionais são, ao mesmo tempo, utilizados pelas empresas nacionais, aumentando assim a concentração de serviços marítimos em alguns dos portos brasileiros, sobretudo das regiões no Sudeste e Sul do país.

3. Potencialidade para o serviço de cabotagem no Brasil

Nesta seção discutimos os aspectos positivos e negativos para a adoção do modal de cabotagem no Brasil hoje. Apesar da atratividade potencial da cabotagem no Brasil (tanto dos pontos de vista econômico, financeiro e social) e das características geográficas favoráveis, há alguns aspectos críticos que justificam a baixa adesão a este segmento de mercado, que podem depender de:

- Características dos portos: os principais portos se concentram no transporte de granel e os terminais privados estão ligados principalmente ao setor primário, concentrando seus investimentos neste setor, não considerando outros tipos de cabotagem (de container, por exemplo);

- Questões legais: a falta de incentivos adequados para os serviços marítimos usando navios Ro-Ro e os baixos investimentos privados. A recente Lei dos Portos, que ainda não está tendo efeitos sobre o setor e os procedimentos burocráticos ainda presentes, está afetando negativamente a atratividade do setor e sua competitividade com relação ao transporte rodoviário;

- Composição da frota: a frota de navios Ro-Ro praticamente inexistente no Brasil, enquanto os navios de contêineres são de pequeno porte e insuficientes para atender toda a costa. A propriedade das principais empresas de cabotagem se dá por operadores estrangeiros, o que também afeta o planejamento de rotas de cabotagem e na prospecção de novas rotas;

- Organização das rotas: redes de cabotagem mais complexas podem aumentar os fluxos e a eficiência do serviço (Albanese et al., 2013), mas também consomem recursos e não permite a capilarização dos serviços, reduzindo assim a competitividade dos serviços em comparação com o transporte rodoviário;

- Competição Modal: o transporte rodoviário é mais flexível e mais rápido no Brasil (Medina et al., 2013) e em algumas situações até mais barato (Ferrari et al., 2014) do que a alternativa marítima, tornando difícil de ser introduzir a competição ente os modais.

Isto posto, para a cabotagem ser competitiva no Brasil são necessárias várias reformas. Em primeiro lugar, flexibilizar as regras relativas à bandeira de navios estrangeiros e diminuir a burocracia ligada às atividades portuárias. O transporte rodoviário tem uma vantagem competitiva em comparação com os serviços marítimos e a ausência de serviços distribuídos ao longo do litoral reduziu a demanda potencial para a cabotagem, enquanto a ausência de uma regulamentação rigorosa sobre as horas de condução do motorista rodoviário faz o trajeto marítimo competitivo apenas para as viagens mais longas.

Além disso, é necessário resolver a questão do alto custo do bunker, o combustível utilizado na navegação. Ferrari et al., 2014 mostraram que há uma diferença de cerca de 37% entre a tributação entre o bunker e o combustível do caminhão, que aumenta a competitividade do transporte rodoviário. Há ainda o agravante do elevado percentual dos tributos que incidem no abastecimento dos navios na costa brasileira. Enquanto no bunker para cabotagem incide os impostos PIS (1,65%); COFINS (7,6%), ICMS (17%%), e CIDE (Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico, 5,5%), no bunker para embarcações de longo curso é isento de tributação. É necessário assim equiparar os custos do combustível usado na cabotagem aos da navegação de longo curso.

4. Conclusões

O presente estudo avaliou a dinâmica do setor de cabotagem no Brasil. Além disso, apresentou as principais vantagens e desafios atuais a serem enfrentados pelos planejadores do setor no país. Identificou-se que a cabotagem apresenta algumas vantagens vis-à-vis os outros modais de transporte, tais como: alta capacidade de carregamento, com menor custo por tonelada quilômetro e ganhos de escala; baixo índice de impacto ambiental, com maior eficiência energética e menor emissão de poluentes; menor índice de avarias de carga contando com um reduzido risco de roubo de carga; maior contribuição para o descongestionamento da malha rodoviária, reduzindo o desgaste das vias e contribuindo para a redução do custo total do frete; menores investimentos em infraestrutura rodoviária ao se implementar as "Autoestradas do Mar", baseado na experiência de serviços de cabotagem semelhantes à experiência europeia.

Também há uma recente (e ainda em curso) modernização da frota mercante nacional, bem como um esforço (também em andamento) para a desburocratização portuária. De outra parte, há alguns desafios críticos para o mercado de cabotagem no país, tais como o preço relativamente alto do bunker (combustível de navegação); a idade ainda antiga da frota mercante de navios de cabotagem; a dificuldade de contratação de novos navios para atender à renovação e ampliação da frota em operação na cabotagem; e o alto custo da praticagem e falta relativa de mão de obra para tripulação (e de novas escolas que treinem esta mão de obra).

Alguns aspectos ainda contribuem para a ainda baixa adesão à cabotagem, tais como: algumas características dos portos brasileiros, algumas questões legais, a composição da frota, a organização das rotas e a competição com outros modais. Para resolver tais questões, é necessário flexibilizar as regras relativas à bandeira de navios estrangeiros e diminuir a burocracia ligada às atividades portuárias, visando aumentar a atratividade da cabotagem em comparação ao transporte rodoviário.

Referências

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1. Faculdade de Engenharia Agrícola (FEAGRI), Universidade de Campinas (UNICAMP), Brasil.Email: andrea.oliveira@feagri.unicamp.br
2. Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Brasil. Email: saporto27@gmail.com

3. O crescimento da movimentação portuária entre 2003 e 2013 foi de 4,7% a.a., enquanto no período de 1993 a 2003 foi de 3,9% a.a.



Vol. 37 (Nº 08) Año 2016

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