Espacios. Vol. 37 (Nº 06) Año 2016. Pág. 19

Contribuições da Racionalidade Comunicativa para a Governança Pública Brasileira

Contributions of Communicative Rationality for the Brazilian Public Governance

Odemir Vieira BAETA 1; José Roberto PEREIRA 2; Carla Beatriz Marques Rocha e MUCCI 3

Recibido: 16/10/15 • Aprobado: 02/12/2015


Contenido

1. Introdução

2 Administração pública

3 A complexidade da gestão pública

4 Contextualização da administração pública contemporânea brasileira

5 Governança pública

6 Racionalidade comunicativa

7 Discussões

8. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Discutimos a administração pública e sua complexidade em relação à realidade brasileira. Apresentamos a governança pública como possibilidade de participação da sociedade civil nas questões públicas com base na Teoria da Racionalidade Comunicativa de Habermas. Verificamos uma convergência na posição dos estudos e a a teoria habermasiana que em governos locais a probabilidade para o desenvolvimento de controle social e o modelo de governança pública é maior. Pode-se inferir que as esferas estaduais e municipais oferecem melhores espaços e oportunidades de participação da sociedade civil. O poder decisório gerencial deve passar por um processo de mudança por meio de um poder da ação comunicativa, possibilitando a criação de espaço de decisão melhor dimensionado nas relações entre o Estado, sociedade e mercado, garantindo a discussão de questões com a participação de todos envolvidos.
Palavras-chave: Racionalidade Comunicativa; Governança Pública; Sociedade Civil.

ABSTRACT:

We discussed public administration and their complexity in relation to the Brazilian reality. Here is the public governance as a possibility for civil society participation in public affairs based on the Theory of Communicative Rationality of Habermas. We see a convergence in the position of studies eaa Habermas's theory that in local governments the chance to develop social control and public governance model is higher. It can be inferred that the state and local levels provide better spaces and opportunities for participation of civil society. The managerial decision-making power must go through a process of change through a power of communicative action, enabling the creation of better decision space dimensioned in relations between the state, society and market, ensuring discussion of issues with the participation of all involved.
Keywords: Communicative Rationality; Public governance; Civil society.

1. Introdução

O presente ensaio teórico tem como objetivo apresentar e discutir a administração pública, a sua complexidade e fazer uma breve contextualização da realidade brasileira, seus percursos e modelos. Posteriormente, apresenta a governança pública como possibilidade de participação da sociedade civil nas questões públicas. A esta discussão apresenta-se, também, a argumentação central do trabalho, qual seja, a Teoria da Racionalidade Comunicativa do sociólogo e filósofo alemão Jürgen Habermas (1981) e sua interface com a governança pública. Considerando que as relações entre Estado, sociedade e mercado nem sempre são satisfatórias, expõe-se que esse problema pode ser minimizado para que todos possam explorar e alcançar melhores resultados na condução e na avalição das ações governamentais. O artigo tem como premissa apresentar a viabilidade da aplicação da Teoria da Ação Comunicativa, considerando a capacidade de reflexão da coletividade, bem como confirmar as possíveis contribuições para melhor compreender e institucionalizar o agir comunicativo no âmbito da governança pública brasileira. A busca pelo argumento e pelo consenso em muito contribuiria para potencializar as relações entre os diversos setores da sociedade civil e dos governos e, consequentemente, poder-se-á vislumbrar e desenvolver uma melhor efetividade nas ações do governo.

O Brasil está em um momento ímpar em sua história. Dados recentes apontam o seu desenvolvimento econômico, que o figura como a sétima maior economia do mundo. Entretanto, já se sabe que o desenvolvimento social e político do país não tiveram o mesmo avanço e não apresentam o mesmo desempenho. Segundo o cientista político Samuel Huntington (1968), o desenvolvimento econômico deveria ser consequência da maturidade política e social de uma determinada sociedade para que esta atingisse o seu mais alto grau de desenvolvimento político, social e econômico, nesta ordem. Para atingir o objetivo proposto, o trabalho pretende apresentar e discutir os conceitos de governança pública e a racionalidade comunicativa e suas respectivas interfaces e, a partir daí, apresentar as possíveis contribuições dessa relação. O trabalho se encontra organizado em seis sessões. Além da introdução, ora apresentada, traz uma breve discussão sobre a administração pública, a complexidade na sua gestão, a sua contextualização contemporânea no país, a governança pública, a Teoria da Racionalidade Comunicativa de Habermas e finaliza com as discussões e considerações finais.   

2. Administração pública

Para Motta (2013), o contexto da gênese da administração pública ocorre no período pós-revolução industrial, ainda no século XVIII, após o enfraquecimento dos poderes aristocratas e absolutistas e a incipiente burocracia pública na Prússia, a partir da criação dos primeiros cursos de Administração Pública. Apesar de surgir na Europa, foi nos Estados Unidos que a administração pública ganhou espaço e importância com Woodrow Wilson, em 1887, ao introduzir o estilo privado na gestão pública e separá-la da política. Porém, em boa parte do século XX a dicotomia administração pública e política e sua profissionalização ganharam resistência. Somente na década de 1970 a nova administração pública tenta aproximação com a política e implanta, de vez, a visão gerencialista, na qual a administração pública passa a direcionar os serviços ao invés de executá-los diretamente, oferecendo espaço para a competição, evitando monopólios e promovendo maior flexibilidade na gestão (OSBORNE; GAEBLER, 1994).

A conhecida obra Reiventando o Governo, de Osborner e Gabler (1994), mesmo não sendo um novo paradigma para muitos estudiosos da área, influenciou novas ações da administração pública, tendo como base as práticas empresariais na base da burocracia moderna, práticas estas iniciadas ainda no século XIX, quando Woodrow Wilson escreveu seu celebre artigo "O estudo da administração", apresentando os embasamentos para o debate entre a orientação para o serviço público e a orientação da administração pública. Entretanto, a discussão da dicotomia entre política e administração é antiga. A política está preocupada com a expressão da vontade do Estado nas políticas; a administração está preocupada com a execução desta vontade. Contudo, a teoria e a realidade são distintas. Um entendimento teórico e prático mais convincente da política e da administração é apresentado no texto clássico de Leonard White, Introduction to the study of public administration (1948). Embora reconheça que há certa separação implícita entre política e administração, White igualmente admite, em sua definição de administração pública, que há interações entre as duas esferas. White (1948) abre, de fato, a possibilidade de se fazer um paralelo entre administração democrática e política democrática, com a presunção de elas se sobreporem em muitas instâncias. A administração pública é pública e, portanto, dissociá-la da política é praticamente impossível e democraticamente indesejável. (BRESSER-PEREIRA, 2011). Ademais, o poder político é sempre superior ao administrativo, sendo impossível ou inocente tentar contorná-lo. Por isso, Motta (2013) arrazoa que a profissionalização da política deve ser anterior à profissionalização da administração pública.

No entanto, outra questão que se apresenta, no momento, é o Novo Serviço Público (NSP) como alternativa à velha administração pública e à nova gestão pública. O NSP se fundamenta na promoção da dignidade e a reafirmação dos valores da democracia, da cidadania e do interesse público enquanto valores proeminentes da administração pública. Esta alternativa está alicerçada em sete princípios-chave: servir cidadãos, não consumidores; perseguir o interesse público; dar mais valor à cidadania e ao espaço público do que ao empreendedorismo; pensar estrategicamente, agir democraticamente; reconhecer que a accountability não é simples; servir, em vez de dirigir e dar valor às pessoas.

A partir dos estudos de Denhardt (2011), é possível visualizar as três perspectivas possíveis na administração pública: a antiga, a Nova Gestão Pública e o emergente NSP. Nesse mesmo ponto de vista, Bresser-Pereira (2011) apresenta a administração pública gerencial orientada teoricamente e, em parte, na prática, para resultados e para o cidadão e de combate ao patrimonialismo, uma prática ainda muito presente na realidade da gestão pública brasileira. Porém, mesmo com os problemas comuns à administração pública, como o patrimonialismo e o excesso de burocracia, Motta (2013) apresenta que um dilema pós-nova administração pública está na expectativa da comunidade que, direta ou indiretamente, já exige espaço para participar da gestão. Nesse novo contexto, o autor se baseia no trabalho de Williams (2012), que indica a forma cooperada como base da eficiência e da democracia administrativa e a maximização da cooperação entre órgãos e entidades externas, considerando, com mais ênfase, as sugestões da coletividade. Ainda nessa mesma perspectiva, Santos e Pinheiro (2011) também exibem outra questão: com a aproximação dos diversos agentes públicos e da comunidade e com a inserção da forma cooperada em toda a cadeia produtiva, o papel e a proatividade do governo tendem a se reduzir. Essa visão só corrobora a nova realidade e recomenda um NSP baseado menos no direcionamento político e mais na prestação do serviço.

Abrucio (2007) já reforçava outro ponto, tão importante quanto: a sugestão de uma administração pública eficiente e efetiva deve emergir como fruto da cobrança e do controle pela sociedade. Esse posicionamento é referendado por Motta (2013), ao afirmar que é atribuição da administração pública um novo papel colaborativo, de incentivo, de regulação e de controle, para proteger não só a produção de bens e serviços, mas o próprio interesse público. Essas novas condições não só colocam em xeque a validade das conquistas e novidades mais recentes, como também aguçam a tradição de buscar formas de gestão mais aplicáveis e relevantes. Segundo o autor, são tantas as decepções e as necessidades manifestas da gestão pública que parece ainda um caminho pouco trilhado, apesar das recentes inovações.

3. A complexidade da gestão pública

 Head (2010) afirma que a gestão pública gerencia questões complexas e sugere um novo pensamento para efetivar avanços na área, por meio de recentes pesquisas conceituais e empíricas, contextualizando os desafios e dificuldades enfrentados pelos governos para alcançar o êxito em suas práticas governamentais em longo prazo. Assim como na iniciativa privada, no setor público os gestores enfrentam pressões por resultados, em um ambiente de diversidade e constante mudança. Diante desse quadro, muitos países adotaram instrumentos gerenciais baseados no mercado ou em interrelações com atores do mercado e da sociedade. Os líderes são constantemente obrigados a adotar novas práticas e reiventar as suas abordagens e suas relações com as partes interessadas dentro e fora do setor público (OSBORNER; GAEBLER, 1994). Contudo, a realidade da gestão pública é caracterizada pela complexidade, incerteza, sobrecarga de informações, e multiplicidade de objetivos em relação às partes interessadas, principalmente, as expectativas dos cidadãos. O grande desafio é identificar, cuidadosamente, a verdadeira natureza da complexidade dos problemas públicos e determinar arranjos de governança pública que sejam mais apropriados. Contudo, a abordagem de intervenção técnica e racional tem recebido críticas para a solução de questões complexas na área social e política. Tais críticas decorrem, sobretudo, dos programas de políticas complexas que estabelecem objetivos e metas que nem sempre são alcançados.

Head (2010) reforça a necessidade de considerar as experiências de vida e as perspectivas dos cidadãos e das partes interessadas nas intervenções dos problemas pelos quais estes são afetados. A sociedade moderna é muito pluralista e já não tolera mais soluções concebidas e impostas só por especialistas. Os grupos sociais têm diferenças importantes de atitudes e valores que influenciam nas possibilidades de soluções mais criativas e de fácil compreensão e execução. Os problemas sociais modernos não são sempre matemáticos e verificáveis. Ao contrário, são mal definidos, instáveis, têm causalidade múltipla e contínua evolução e dependem de um juízo e de uma decisão política, ao invés de certezas científicas absolutas. Os gestores modernos do setor público devem lidar com um mundo em rápida e constante mutação, no qual há poucas certezas e muitos desafios. O modelo clássico hierárquico de burocracia deve ser combinado com outras formas de administração ou arranjos mais dinâmicos, para facilitar a adaptação política eficaz, a fim de atender a esses novos e urgentes desafios.

Head (2010) defende a ideia de expandir a base de discussão das partes interessadas por meio do diálogo e da colaboração. A cooperação, as respostas coordenadas e colaborativas podem ser benéficas porque o compartilhamento de conhecimento e o desenvolvimento de metas comuns são, geralmente, ingredientes cruciais para encontrar soluções viáveis e para a produção de ações duradoras e efetivas. No entanto, isso requer muita mobilização da comunidade, princípios e ética. Essa abordagem é identificada com educação, persuasão e redução de conflitos por meio do diálogo. Soluções duradouras dependem de grandes mudanças nas atitudes e nos comportamentos. A participação dos cidadãos, organizações não governamentais e interessados em geral é fundamental para garantir uma ampla série de contribuições para o enquadramento do problema e para a sua respectiva resolução.

Nas formas mais intensas esse envolvimento pode se esforçar para a mitigação de conflitos e a formação de consensos. As agências, os líderes e os gestores públicos estão adotando, cada vez mais, abordagens participativas em que soluções administrativas e técnicas já não são mais suficientes. A colaboração não é a saída-padrão para a resolução de complexidade e incerteza. Entretanto, deve ser colocada para examinar as suposições subjacentes de como os problemas são identificados e priorizados.    

Já para Herzog (2012), as possibilidades de resoluções de problemas complexos na gestão pública perpassam pelas experiências intersubjetivas dos administradores públicos, classificando-os como invisíveis, pois entende que o conhecimento destas experiências detém a chave para a prática da boa administração pública. A teoria crítica, dessa forma, possibilita a melhoria das experiências intersubjetivas na administração pública, valoriza a igualdade e o respeito pela dignidade da pessoa, bem como o valor dos indivíduos. Estas experiências são governadas por diferentes dimensões de espaço e induzem ações que são, muitas vezes, invisíveis para os gestores públicos. A cuidadosa construção social de experiências intersubjetivas fornece aos administradores oportunidades para maximizar a boa governança. A realidade intersubjetiva surge das primeiras interações entre os individuos em um determinado espaço compartilhado e contempla vários níveis de consciência, incluindo o explícito, o tácito e o inconsciente (STIVERS, 2008).

As práticas da administração pública são dependentes de realidades compartilhadas para o desenvolvimento racional, reflexivo e de valor que orienta as ações. É importante para os administradores públicos usar a reflexividade sobre tais experiências. A reflexão é uma forma de desenvolvimento profissional que os administradores usam para prever ou avaliar as experiências intersubjetivas. Tal reflexividade pode ser de suma importância para a gestão pública, pois possibilita ações mais críticas, responsáveis e éticas (CUNLIFFE; JUN, 2005). 

Motta (2013) traz como questão relevante que a tentativa de implementação de um modelo importado nem sempre é positiva, já que, nos países de origem, a lógica da burocracia é outra e nem tão densa como no Brasil, além da prática do patrimonialismo, típica no país. O foco no gestor público demostrou-se simplista ao desconsiderar a dimensão política e as condições de trabalho na gestão pública brasileira, uma vez que a luta de poder deixa o seu cargo politicamente vulnerável a cada decisão tomada. Por outro lado, o autor afirma que a gestão pública está sempre em busca de relevantes e novos conhecimentos para a solução de problemas práticos. Todavia, é com esse anseio que o meio acadêmico e científico, por exemplo, incorre em oferecer novas soluções que rompam completamente com o passado ou em oferecer, também, práticas antigas com novas roupagens.

4. Contextualização da administração pública contemporânea brasileira

Andion (2012) apresenta as contribuições de Keinert (1994), que classifica os paradigmas presentes na administração pública brasileira de 1930 a 1980 e depois de 1990. O primeiro é influenciado pela administração clássica e por uma visão mecanicista de ação do Estado; o segundo, por uma aproximação com a ciência política e o último apresenta um paradigma emergente, o sociocêntrico, ou seja, o do público como interesse público. Contudo, Andion (2012) reconhece tais contribuições e aprofunda a discussão no nível epistemológico do seu pressuposto central: a predominância funcionalista ainda muito presente na administração pública. Por isso, a autora defende o diálogo de diferentes abordagens e práticas para proporcionar o enriquecimento nesse campo. Mesmo a administração pública apresentando um campo multidisciplinar, ainda predomina uma orientação racional/instrumental para maximizar a eficiência e a eficácia. A corrente mais influente na administração pública brasileira é a estadocêntrica, que tem como base a ciência jurídica e administrativa desde o século XIX aos anos de 1970. Até 1930, o jurídico predominava; já entre 1930 e 1950, a administração pública ganha espaço, mas ainda com forte orientação racional. Só entre 1950 e 1970, a internacionalização da administração pública no país e a criação da Escola Brasileira de Administração Pública, em 1952, com a formação de docentes e com o aumento de publicações na área, se consolidam. Nesse período, há duas influências na formação: uma com visão mais pragmática e experimental, com foco na maximização da eficiência e outra mais humanista e crítica, que tem em Guerreiro Ramos (1981) seu principal nome. Em um segundo momento, após a Constituição Federal de 1988, há uma recomposição desse cenário e novas possibilidades ressurgem para a administração pública, em conjunto com a ampliação da mobilização e do controle social. Em 1990, o diálogo com as ciências sociais possibilita estudos e posições mais críticos. Essa corrente, denominada pluralista, evidencia a importância da sociedade civil como ator social.

Nesse contexto, o Brasil incorpora o movimento da nova administração pública, com uma compreensão muito mercadológica para o funcionamento da esfera pública, tendência que fora responsável pela reforma do Estado em vários países. Porém, o que se verificou, tanto no Brasil como nos demais países (PAES DE PAULA, 2005; ABRUCIO, 2007), foi uma reforma incompleta, além de não possibilitar a totalidade da participação social que poderia, de fato, se consolidar, segundo Paes de Paula (2005). A mesma autora apresenta as três dimensões do Estado e da administração pública: a primeira, pelo econômico-financeiro, que envolve a questão fiscal; a segunda, pelo institucional-administrativo, que envolve o aparelho estatal; e a última, pela sociopolítica, que envolve as relações entre Estado e sociedade e, consequente, seria a dimensão que possibilitaria condições ideais para a participação social na gestão pública. 

      Ainda nessa mesma perspectiva, Andion (2012) apresenta a proposta do NSP, que é contraponto às correntes estadocêntrica e da nova administração pública. O NSP constitui um novo modelo de gestão que tem por base as teorias democráticas e da cidadania, com ênfase na construção do interesse público para além da soma dos interesses individuais, nos modelos de comunidade e da sociedade civil que ressaltam a importância do poder local, além do humanismo organizacional e da teoria do discurso que dão importância ao diálogo e à mediação entre diferentes agentes que atuam na esfera pública. Segundo a autora, no Brasil a influência das ideias do NSP é ainda muito recente e se dá, sobretudo, após a consolidação democrática a partir da segunda metade dos anos 1990. Não obstante, todos esses fatores e possibilidades permitem afirmar que, nas duas últimas décadas, o Brasil vem consolidando, pouco a pouco, seu compromisso com o regime democrático, gerando um clima favorável a novos arranjos políticos e institucionais. Nessa nova dinâmica, a autora identifica que há uma ampliação dos estudos que visam compreender os avanços e limites destes novos arranjos institucionais na esfera pública (PAES DE PAULA, 2005). Mesmo assim, para alguns autores, as mudanças ainda não são tão significativas nas relações entre Estado e sociedade, conforme apontam Diniz (2001), Nogueira (2005) e Abrucio (2007), o que só confirma a observação de Nunes (1997) de que ainda permanece um alto grau de centralização de poder no executivo brasileiro e um isolamento (insulamento burocrático) dos gestores públicos.

5. Governança pública

A forma como se governa e se exerce o poder se relaciona diretamente com a governança. Esse conceito não é novo, já estava presente na formação dos Estados modernos, contudo a sua propagação ganhou espaço em meados do século XX como objeto de estudo dos pesquisadores. A governança pública é uma parcela da legitimidade que advém do processo de como ela se concretiza, ou seja, quando grupos específicos da população participam ativamente da coisa pública. Dessa forma, ela tem maior possibilidade de obter sucesso nos seus objetivos (BRESSER-PEREIRA, 2011).

Cabe ressaltar, inicialmente, a principal diferença entre governabilidade e governança: a primeira é a capacidade política de governar, resultado da relação de legitimidade do Estado e do seu governo com a sociedade; já a segunda é a capacidade de o governo entrar em ação, em sentido amplo, de realizar suas políticas. No sentido político, é a promoção da accountability e a participação direta da sociedade civil na execução e no controle social. O termo accountability é o conjunto de mecanismos e procedimentos que levam os gestores governamentais a prestarem conta dos resultados de suas ações, garantindo, assim, maior transparência. As principais diferenças entre governabilidade e governança é que a primeira tem como objetivo principal maximizar a eficiência e efetividade governamental e a segunda se preocupa com a questão do potencial democrático e emancipatório.

É neste contexto que a administração pública se vê diante de um desafio, o tamanho do Estado está diminuindo, mas o trabalho de administrá-lo está aumentando. Para contar com os serviços públicos de que precisam a sociedade já não pode mais depender apenas de um governo entendido e definido em termos estritos e tradicionais. Outros atores, sobretudo empresas e organizações não governamentais em geral, devem tomar a iniciativa e assumir funções de governança para resolver os problemas de natureza comum, ainda que sob a coordenação imprescindível de um governo, uma concepção de coprodução do bem público (HEIDMANN, 2009, p.33).

A necessidade de um novo Estado resultará de reformas profundas que responderão não só às necessidades dos seus cidadãos, mas possibilitarão um Estado democrático e transparente (BRESSER-PEREIRA, 2011). As possibilidades de se estabelecer uma boa governança pública passarão, consequentemente, pela reforma administrativa e política, para que os agentes públicos possam ser sempre responsabilizados pelos seus atos e cobrados pela sociedade civil de maneira mais clara e transparente.

Cabe destacar as principais diferenças teóricas sobre governança. Kisseler e Heidmann (2006) afirmam que o entendimento sobre o conceito de governança pública não é muito claro, recorrendo a Max Weber que a categorizava com um conceito sociologicamente "amorfo". A verdade é que há várias definições para essa nova possibilidade de relação entre o Estado, o mercado e a sociedade. Os autores chegam até mesmo a questionar a possibilidade objetiva dessa interação de maneira satisfatória. Contudo, acreditam que os atores locais e regionais têm a capacidade de desenvolver ações conjuntas, movidas pelas expectativas de visualizar e avaliar melhor os problemas do seu entorno e de sua região do que os atores da esfera federal.

Já para a ciência política, a governança pública está associada a uma mudança na gestão política: uma tendência de autogestão nos campos social, econômico e político e a uma nova configuração de gestão daí decorrentes. Ao invés da hierarquia e do mercado e de seus modelos de gestão à base de poder e capital, o novo modelo considera a negociação, a comunicação e a confiança. Dada essa possibilidade, a governança é uma alternativa que significa que os governos podem fortalecer, cada vez mais, a cooperação com os cidadãos, com as organizações e com as entidades sem fins lucrativos na condução de suas ações (KISSELER; HEIDMANN, 2006).

Já Frey (2007) destaca que a governança tem relação com a ideologia das políticas neoliberais que focam na redução do Estado, bem como a incapacidade das instituições públicas em lidarem adequadamente com os complexos e crescentes problemas urbanos e sociais. Nesse contexto, o autor salienta que a governança é uma nova tendência de administração pública, principalmente, na necessidade de mobilizar todo o conhecimento disponível na sociedade em benefício da melhoria do desempenho administrativo e da democratização dos processos decisórios.

A governança pública possibilita que cidadãos possam empreender, com ideias, busca de parcerias ou de práticas inovadoras para as soluções de problemas da sociedade de um modo geral. Dessa forma, os governos não esperam somente as contribuições por meio dos impostos para resolver os problemas sociais, mas buscam, em outros setores, possibilidades reais para gerir a coisa pública, sejam com empresas privadas, organizações sociais e outras entidades sociais. A sociedade civil tem um papel importante. Assim, com participação ativa e envolvimento direto em questões que dizem respeito a problemas comuns, cada qual poderá oferecer sua parcela de contribuição, por meio de parcerias ou iniciativas que promovam o desenvolvimento e o bem estar social.

Segundo Kettl (2002), a governança constrói novas "pontes" e novas possibilidades de gestão. A gestão pública precisa desenvolver a habilidade para flexibilizar, transformar e adaptar as novas realidades. A governança apresenta cinco grandes questões: desafios, capacidade institucional, legitimidade, soberania e interesse público. O autor sugere como efetivar tal construção com base em dez princípios: a hierarquia e a autoridade não podem e nem deverão ser substituídas, mas devem estar mais bem condicionadas para transformar a governança; a necessidade de adaptações para as complexas redes interorganizacionais; os gestores públicos precisam ser mais confiantes nos processos interpessoais e interorganizacionais como complementos e, às vezes, substitutos até da autoridade; o desempenho da gestão pode ser uma ferramenta valiosa para resolver questões complexas e nebulosas; a informação é o componente mais básico para transformação da governança; a transparência é à base da verdade e confiança nas relações do governo; o governo precisa investir em capital humano, para que os servidores alcancem o melhor desempenho; requer novas estratégias para estabelecer a participação popular na gestão pública; a responsabilidade civil deve estar presente tanto no governo como nas organizações não governamentais, além da necessidade de desenvolver novas estratégias constitucionais para gerenciar conflitos.  

A sociedade de hoje está marcada por uma complexidade na natureza dos problemas públicos e por uma nova dinâmica societária, por isso, cada vez mais faz sentido falar de governança e não só de governo. Mesmo que o país tenha desenvolvido práticas ainda vigentes para as tomadas de decisões ao longo da história no Brasil, Pereira (2011) afirma que há outras possibilidades e espaços de interlocuções transdisciplinares em meio à sociedade, seja entre os cidadãos, as organizações e os governos subnacionais. Cabe ressaltar que a governança pública pode ser uma destas possibilidades ao promover uma interface com um espaço de interlocução por meio da racionalidade comunicativa.

6. Racionalidade comunicativa

Habermas (2002) evidencia que o poder é formado pela opinião e pela vontade que, ao serem exteriorizados em uso público, possibilitam uma maneira de pensar com mais amplitude. A questão do exercício da cidadania na contemporaneidade está alicerçada na potencialidade individual e na possibilidade de efetivar sua liberdade. Desse modo, tal possibilidade viabiliza o exercício da soberania e do poder, sustentados pela ideia de conjunto social, em que a esfera política e os indivíduos se inserem na decisão política.

Resgatando as contribuições de Rousseau (2002), a construção do Estado moderno deve ter seu início pelo contrato social no qual o indivíduo aliena seus direitos ao bem de toda a comunidade, mas a ninguém em específico. Esse mesmo contrato social e a vontade geral estão interligados, o que significa a vontade de cada um devendo coincidir com a vontade de todos enquanto sujeitos da sociedade. Rousseau (2002) entende que a soberania popular é a constituição de um corpo político formado pelos cidadãos e ausente de submissão, por isso todos têm o direito de participar e de definir. Enquanto Rousseau (2002) apresenta o poder soberano constituído da congregação de todos os cidadãos, Habermas (2002) expande essa possibilidade de soberania e a apresenta como possibilidade, de fato, somente com o uso público da razão por todos os sujeitos cidadãos. É necessário que todas as decisões e ações, de modo geral, impactem a todos, sejam publicizadas e abranjam todos os sujeitos. Por isso, cabe ressaltar o pensamento rousseaniano de que as relações sociais e de poder são altamente significativas para a efetividade e para o exercício da cidadania. Atualmente, essa ideia é complexa e contraditória para Santos (1999), que afirma ainda existir uma regulação e uma emancipação social cristalizadas na polarização contínua entre a vontade individual e a geral. 

Habermas (1981) apresenta o conceito de racionalidade comunicativa, que está ancorada na Teoria da Ação Comunicativa e na de Cidadania Deliberativa. Para Tenório (2007, p.12), "a cidadania deliberativa é, em linhas gerais, que a legitimidade das decisões políticas deve ter origem em processos de discussão, orientados pelos princípios de inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum". Habermas (1981) substitui a razão prática pela razão comunicativa, sendo o agir comunicativo um importante coordenador da ação humana. Para esse pensador alemão, a ação comunicativa passa, então, a delinear as condutas humanas. Este agir comunicativo deve ser voltado para o entendimento, ou seja, toda comunicação deve ter como finalidade o entendimento entre os interlocutores do diálogo, apresentando a comunicação como a espinha dorsal do pensamento democrático. É por meio da comunicação que as relações humanas serão fundamentadas. É esta comunicação, voltada ao entendimento, que descreverá o procedimento de construção de uma possível democracia deliberativa, para que, assim, não se estabeleça um modelo de gestão pública apenas participativa e os mecanismos de participação popular não permaneçam no nível do discurso e da idealização, conforme ressalta Paes de Paula (2005).

A administração pública brasileira ainda é caracterizada pelo excesso de burocracia que, muitas vezes, impede a efetividade nas resoluções de problemas e dos conflitos das relações sociais. É justamente na proposta de reconstrução destas relações que se tem em Habermas (1981) e na sua Teoria da Racionalidade Comunicativa uma possibilidade real e objetiva. A preocupação habermasiana é alcançar e recuperar o ponto de junção entre teoria e prática, uma preocupação marxista da Escola de Frankfurt. A contribuição do filósofo alemão na questão da razão prática – a razão comunicativa - apresenta uma alternativa ao paradigma filosófico - que formalizou a estrutura da modernidade - de uma racionalidade individualista que centra no sujeito a convergência de toda a moralidade e conhecimento, uma absorção individual das ações racionais e instrumentais.

Conforme Habermas (1981), as pretensões da razão prática e do racionalismo impossibilitaram que as demandas sociais complexas atuais e sob a tutela político-jurisdicional fossem atendidas. Esta mesma razão também impossibilita a cooperação e a comunicação entre os sujeitos sociais. O pensador alemão faz uma contraposição ao introduzir a Teoria da Racionalidade Comunicativa como uma proposição para conceber uma sociedade a partir da linguagem, o que possibilitaria o melhor entendimento pela lógica do melhor argumento como possibilidade primeira para, de fato, promover a integração social. Tal possibilidade do agir comunicativo gera não só uma compreensão efetiva como também a expectativa de um consenso compartilhado à solução a ser alcançada pela a adesão das partes no diálogo, assim, resolvendo o problema e efetivando o objetivo almejado com menos formalidade e burocracia e mais interação comunicativa entre os cidadãos e a própria gestão pública.

O sociólogo e filósofo alemão Habermas (1981) substitui a razão prática kantiana por uma razão comunicativa, que se expressa na força da fala orientada ao entendimento. Dessa maneira, há uma possibilidade de uma gestão pública mais participativa, consequentemente, mais deliberativa, que ofereça serviços mais efetivos e eficazes, desenvolvida por meio do princípio da cooperação entre as partes. Para Habermas (2002), o importante é que o agir comunicativo possa estabelecer uma relação reflexiva com o mundo e a validade possível em cada enunciado tenha o seu reconhecimento intersubjetivo. Para que isso possa se efetivar, o interlocutor precisa, necessariamente, da cooperação dos demais, de modo a prosseguir com seus objetivos no agir comunicativo.

Tenório (2008) aceita a racionalidade comunicativa, temporariamente, como a solucionadora do impasse entre as duas racionalidades, a instrumental e a substantiva. Ele diz que é temporária porque não aceita a possibilidade de um paradigma definitivo, absoluto, já que o conhecimento está sempre em evolução. A diferença entre as duas ações desencadeadas pela racionalidade instrumental e comunicativa está na mediação. A primeira se caracteriza pela mediação entre teoria e prática, a segunda acontece pela mediação do diálogo entre os agentes sociais do processo. Tal processo alcançará legitimidade se os atores envolvidos forem subordinados e se superiores hierárquicos - servidores e gestores – negociarem dialogicamente a maneira como os resultados serão alcançados.

Dessa forma, o poder de decisão seria compartilhado e, assim, democratizado, à medida que os participantes defendessem suas razões com base no melhor argumento. Esse processo é dialógico, intersubjetivo e possibilita que os interlocutores alcancem, por meio da argumentação fundamentada, o consenso possível. Tenório (2008) ainda ressalta que o paradigma habermasiano ainda não alcançou maturidade suficiente para ser invulnerável, mesmo porque o autor afirma que não é este o propósito, já que o paradigma se submete ininterruptamente à autocrítica, pois o processo é sempre dialógico.   

7. Discussões

 O que se verifica no Brasil é ainda uma forte fragilidade da vontade geral, também permeada por deficiências nas implementações governamentais e potencializada por conflitos de cidadania, confirmando, em boa parte, as ações e os interesses da elite. De início, a receptividade pela nova administração pública foi grande, mesmo por parte das agências internacionais de desenvolvimento e da própria população, já que qualquer mudança para promover a eficiência em serviços públicos com a imagem desgastada era sempre bem vinda. Contudo, o que se verificou, de fato, foram poucas mudanças nos resultados da qualidade do serviço público e na condução da coisa pública.

Foi possível verificar uma convergência na posição de Head (2010) com os pressupostos da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas (1981), já que a defesa do autor é direcionada para a resolução de problemas sociais com a intervenção coletiva, após mobilização e discussão de ações viáveis de maneira consesual. Foi possível verificar, também, na obra dos autores que tratam as reformas administrativas que ocorreram desde o início dos anos 70, que estas não tiveram seu início no governo federal e sim nas administrações municipais e estaduais. Dessa forma, pode-se inferir que as esferas estaduais e municipais oferecem melhores espaços e oportunidades de participação da sociedade civil.

Ao longo das décadas, no Brasil, foram formuladas várias propostas e modelos de administração pública, várias foram as tentativas de reformas que aconteceram pontualmente, em alguns casos. A democracia, ora representativa, por vez é apenas simbólica, quando se verifica a representatividade e sua eficácia. Pensar em democracia é visualizar uma ampla relação efetiva entre governo e sociedade, com indivíduos inseridos num determinado espaço público que possibilite a efetiva participação de todos. O exercício da democracia é exercício da reflexão e de instrumentos de discussão no contexto social. Para Habermas (1981), o que importa no Estado democrático de direito é não apenas a liberdade e a possibilidade de reunir cidadãos, mas, de fato, a construção de espaços para que estes possam exercer o direito e a ênfase na comunicação. No entanto, é mais provável que os diferentes atores cooperem em função das expectativas de ganho, bem como da pressão por cooperação que advém da complexidade dos problemas. Em vista disso, cresce o entendimento de que cada um dos atores, isoladamente, sentir-se-ia impotente diante do problema, e somente o trabalho coletivo possibilita, com êxito, a chance de resolução.

8. Considerações finais

Foi possível verificar, pelas discussões apresentadas pelos autores, que em governos locais a probabilidade para o desenvolvimento de controle social e o modelo de governança pública é maior. O atual modelo e sua prática em alguns governos municipais no país é uma realidade - a existência dos conselhos gestores municipais, por exemplo -, apesar de a sua constituição ainda ser permeada, muitas vezes, por critérios políticos. A governança local solidária, desenvolvida após a institucionalização da Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local, em 2005, pela Prefeitura de Porto Alegre é um exemplo bem sucedido de uma derivação da governança pública conduzida com êxito no âmbito da esfera pública municipal. A administração pública brasileira pode considerar que seu poder decisório gerencial pode passar por um processo de mudança por meio de um poder da ação comunicativa, o que possibilitaria uma maneira de o poder comunicativo se transformar em poder administrativo. Essa perspectiva para a administração pública brasileira permitiria a criação de espaço de decisão melhor dimensionado para as relações entre o Estado, a sociedade e o mercado, numa garantia de discussão de questões que envolvam todos.

Tal efetivação política de transformação poderá se efetivar pela conscientização e pelo comprometimento social alicerçados na ética política, conforme o autoentendimento hermenêutico de coletividades de Habermas. Tal possibilidade será fruto de um consenso propiciado pelo autoconhecimento dos sujeitos sociais e suas implicações com as decisões e ações governamentais que anseiam ver concluídas. Esse espaço é necessário para viabilizar condições de reflexão social, quando todos poderão ter o seu lugar no discurso, respeitando as diferenças e alcançando o consenso pelo melhor poder de argumentação. É possível alinhar uma definição de comunicação política que viabilize a autonomia do cidadão e uma gestão pública de universos e demandas que visem a uma maior participação dos cidadãos aos interesses sociais. Por meio de possibilidades como esta, o cidadão pode participar ativa, formal e concretamente da sociedade e do governo, no sentido aristotélico de construir e ampliar a noção de cidadania.

As discussões apresentadas no artigo tiveram como objetivo apresentar a complexidade da gestão pública, a governança pública e as contribuições da Teoria da Racionalidade Comunicativa de Habermas e sua aplicabilidade na gestão pública brasileira. É pelo exercício da cidadania que se pode ver ampliado e ir além da emancipação e do reconhecimento dos direitos básicos e fundamentais do cidadão brasileiro. A atual sociedade civil apresenta as condições necessárias para se incursionar nas problemáticas sociais brasileiras, que são complexas, por meio de suas percepções e ampliar o espaço para as resoluções em tutela com o governo. Essa ampliação no exercício da cidadania é possível pelo agir comunicativo, que estabelece interações reflexivas com as partes que podem alcançar a validade, confiabilidade e reconhecimentos dos seus enunciados pela argumentação e pela busca de consenso. Esta é a proposta habermasiana e, para que isso realmente seja efetivado, o cidadão precisa verbalizar e estabelecer uma dependência cooperativa com os demais. É esse agir comunicativo que possibilitará à sociedade civil brasileira condições de avançar em seus objetivos com menor grau de formalidade e possibilitar à gestão pública um maior grau de participação e comunicação para a efetividade da administração pública. É nessa perspectiva que a participação das partes interessadas no exercício da busca de bons resultados na gestão pública deve ser ampliada, configurando aos cidadãos e sujeitos sociais uma nova postura e efetivando o princípio da cooperação, que vai ao encontro de um novo comportamento que garanta a efetividade e execução dos serviços públicos com mais qualidade.  

É imprescindível um locus jurídico, político e social que promova, em conjunto, as ações políticas e sociais. O que se verifica no Brasil, ainda, é a prática democrática formal, que apenas teoricamente envolve liberdade e igualdade de participação nas decisões políticas, o que nem sempre proporciona postura e comportamentos efetivos. A autodeterminação popular que busca a efetividade e a concretização das necessidades de uma sociedade tão diversificada e complexa e que apresenta demandas sociais nem sempre é atendida pelo modelo tradicional da administração pública brasileira. É possível agir coletivamente por meio de parcerias público-privadas, em ações locais por meio de associações, em organizações não governamentais, além de igrejas e demais organismos sociais ou privados. Todos têm sua parcela de responsabilidade para com a comunidade local e o desenvolvimento do próprio país. Somente o engajamento individual possibilitará a formação de grupos interessados em promover o bem comum para todos, coletivamente. Considerando que a governança pública tem muito a contribuir para o controle social e a efetiva participação popular nas questões públicas, cabe aos gestores públicos buscarem meios para viabilizar instrumentos, de modo a estimular a participação social no âmbito das questões públicas. Cabe também à população estabelecer meios para verificar a equidade, a transparência e a prestação de contas dos mesmos gestores públicos. Como sugestão para novas indagações, e considerando a administração pública como um campo multidisciplinar, sugere-se a investigação sobre as possíveis contribuições da abordagem metodológica da pesquisa-ação como possibilidade de proporcionar enriquecimento das práticas na gestão pública e minimizar a distância clássica da teoria e práxis.

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1. Doutorando em Administração. UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS – UFLA. (Corresponding Author). Email: odemirbaeta@posgrad.ufla.br

2. Doutor em Sociologia. UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS – UFLA. Email: jrereira@dae.ufla.br

3. Mestranda em Extensão Rural UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA – UFV.


 

Vol. 37 (Nº 06) Año 2016

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