Espacios. Vol. 37 (Nº 05) Año 2016. Pág. 11

Repercussões da concorrência do Alho (Allium sativum L.) importado no mercado local

Reflections about imported garlic (Allium Sativum L.) at local market.

Karla Brito dos SANTOS 1; Jaíra Maria Alcobaça GOMES 2; Regina Lucia Ferreira GOMES 3

Recibido: 06/10/15 • Aprobado: 11/11/2015


Contenido

1. Introdução

2. O mercado brasileiro de alho (Allium sativum L.)

3. Metodologia

4. Produção de alho, no brasil, na região nordeste e nos estados do Piauí e Bahia, no período de 1975-2011

5. Importações brasileiras de alho: 1989-2011

6. A comercialização do alho nos municípios de Santo Antônio de Lisboa, Bocaina e Francisco Santos

7. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Analisar a repercussão da concorrência do alho importado no mercado de alho do Piauí é o objetivo do artigo. Foram consultados o Sistema Alice (Aliceweb/SECEX/MDIC), e as estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) para as importações brasileiras, no período de 1989-2011; e a pesquisa de Produção Agrícola Municipal/IBGE de 1975-2011, aferindo-se a área colhida, produção e produtividade para o Brasil, Nordeste, Piauí e Bahia. A pesquisa de campo ocorreu com 46 entrevistas. Com a entrada no mercado local, do alho brasileiro e de outros países, com bulbilhos maiores, o alho local perdeu seu mercado.

Palavras chaves: Produção local. Competitividade. Comércio mundial. Política agrícola. Dumping.

ABSTRACT:

This work aims to analyze the reflection about garlic competition at Piaui's market. This work was based on Alice System (Aliceweb/SECEX/MDIC) and statistics from Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) to Brazilian Importations in the period from 1989 to 2011; and researches from Produção Agrícola Municipal/IBGE from 1975 to 2011, comparing its production and productivity in the Northeast region of Brazil, the States of Piauí and Bahia. Data were collected through 46 interviews and concluding that the entry of garlics from another States and Countries, that presented bigger garlic cloves, has decreased the selling of local garlic.
Keywords: Local Production. Competitiveness. World market. Agricultural Policy. Dumping.

1. Introdução

Com a globalização, o produtor que vier a participar do mercado local ou regional poderá ser impactado pela conjuntura internacional, uma vez que os preços internos são influenciados pela quantidade ofertada e pelos preços praticados no mercado mundial.

No caso específico do alho, o mercado brasileiro é abastecido pela produção nacional e importada, fato que não é recente. O que tem variado é a participação de cada uma, no total consumido.

De acordo com a Pesquisa de Produção Agrícola Municipal / Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), considerando-se o período de 1975 a 1995, e de 1995 a 2011, ocorreu aumento da produção brasileira; no primeiro, pela expansão da área e do rendimento; e de 1995 a 2011, sobretudo, pelo rendimento. No entanto, o aumento da produção não acompanhou a expansão da demanda brasileira.

Nas décadas de 1960 e 1970, o alho produzido no Piauí abasteceu o Estado e também foi comercializado nos Estados do Ceará, Maranhão, Goiás e Pará, o que ressalta o volume produzido e a aprovação do produto no mercado. Nos anos 1990, a produção sofreu uma redução, que se seguiu nos anos seguintes. Concomitante, foi exposto à concorrência do alho de outras unidades da federação e também de outros países, quando perdeu mercado.

Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar a repercussão da concorrência do alho, importado de outros países e de outras unidades da federação, no mercado de alho do Piauí.

2. O mercado brasileiro de alho (Allium sativum L.)

De acordo com a teoria econômica neoclássica, a comercialização envolve uma série de atividades ou funções, por meio das quais bens e serviços são transferidos dos produtores aos consumidores. Diversos agentes participam da comercialização, sejam organizações sejam instituições, como produtores, atacadistas e varejistas, que interferem na formação do preço de bens e serviços ao longo dos canais de distribuição, os quais variam de acordo com cada produto e região.

Segundo Barbosa (1976), as técnicas de plantio de alho eram rudimentares em todas as regiões do Brasil; no Piauí as etapas do cultivo do alho eram desenvolvidas manualmente (QUIROGA et al., 1975). Conforme Santos e Gomes (2012), a cultura do alho no Piauí permaneceu manual, com a utilização de enxadas, pás e carrinho de mão; e da força animal no preparo do solo, e de insumos, como o esterco bovino, de morcego e o de caprino.

Nas décadas de 1960 e 1970, a produção de alho no Brasil ocorreu principalmente em Minas Gerais e Goiás, quando foram cultivados alhos brancos, comuns, e de baixo valor comercial. O início da produção dos alhos nobres e roxos se deu em 1977, e seu incremento ocorreu na década de 1990 (LUCINI, 2008). Por seus atributos, bulbos grandes e um pequeno número de bulbilhos, alta capacidade de conservação pós-colheita, e alta cotação comercial, os alhos nobres foram substituindo os comuns, alcançando 80% da área cultivada no Brasil (MOTA, 2003).

A produção brasileira de alho é desenvolvida com base em diversos sistemas de produção, que alcançam níveis diferentes de produtividade, destarte o avanço da pesquisa agrícola (ARAÚJO, 2014). Embora o Brasil apresente condições favoráveis de solo e clima ao desenvolvimento da cultura (FERNANDES; DUSI; RESENDE, 2013), e tenha ocorrido aumento da produção e produtividade, pelo investimento em pesquisa agrícola, a produção nacional é insuficiente para o consumo interno; e para atender a demanda, o Brasil está entre os grandes importadores mundiais de alho, destacando-se entre os cinco maiores (FAOSTAT, 2014).

O Estado de Goiás vem se destacando na produção de alho, no Brasil, com as maiores produções e produtividades, as quais estão relacionadas às práticas da vernalização, utilização de alho semente que provém da cultura de tecidos, irrigação, adubação, controle de doenças, e às condições edafoclimáticas (solo e clima) favoráveis à cultura (MOTA; YURI; RESENDE, 2014).

Na região Nordeste, ocorreu a recuperação da cultura do alho, no Estado da Bahia, que, segundo Carvalho e Cruz (2002), se deu pela expansão da área plantada na Chapada Diamantina, e utilização de técnicas de cultivo. Destaque-se a pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e parceiros, que desenvolveu um sistema de produção de alho semente livre de vírus (ALV), o qual foi validado junto a agricultores familiares da Bahia (MELO; RESENDE; GUIDUCI FILHO; DUSI, 2011). No entanto, na Chapada Diamantina, os agricultores familiares estão diminuindo a área de plantio e a produção, pela concorrência com o alho importado (MORAIS, 2012).

Para assegurar a produção e o abastecimento nacional, reduzindo progressivamente a participação do produto importado no consumo brasileiro, já na década de 1980, foi instituído, pelo Ministério da Agricultura, o Plano Nacional de Produção e Abastecimento de Alho (PLANALHO) (BRASIL, 1985), cuja implantação foi considerada uma ação positiva, visto que, proporcionou o cultivo em novas regiões de produção, no Brasil, aumentando a área plantada, além do que os produtores investiram em tecnologia, como em infraestrutura, com barracões, máquinas e implementos (CAMARGO FILHO; ALVES, 2005).

O consumo aparente [4] de alho no Brasil vem aumentando desde a década de 1960, quando representava 0,49kg/pessoa/ano. De 2004 para 2010, evoluiu de 0,92 para 1,15 kg/pessoa/ano (CONAB, 2011), podendo justificar o fato de que o alho é muito utilizado como condimento, e que o aumento do poder aquisitivo da população, somado à procura por alimentos saudáveis possam ter contribuído para a expansão da demanda. Registra-se, também, a apresentação do alho em pasta, que, por sua praticidade na utilização, pode contribuir para maior consumo do produto.

Por sua vez, na década de 1990, a abertura comercial realizada sem a análise de impacto sobre a produção local, acompanhada da política agrícola e cambial contribuíram para desestimular os produtores de alho do Sul do Brasil. A importação de alho, destacando-se o chinês, pela quantidade importada e preço praticado, representou o fechamento de postos de trabalhos e a redução da venda de insumos e máquinas, no país, além do subfaturamento da guia de importação (ANAPA, 2009). Logo, o grande volume de importação de alho desestimula o produtor brasileiro a produzir e a investir em uma cultura de elevado risco econômico (MOTA; YURI; RESENDE, 2014).

Em 1996, foi estabelecida a taxa antidumping sobre o preço do alho chinês, a qual foi renovada em 2001, 2007 e 2013, e aprovado o aumento de 50% pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) por cinco anos, quando o valor passou de US$0,52/kg para US$ 0,78/kg. No entanto, o importador ajuíza liminar judicial para não lhe pagar, obtendo êxito, em algumas situações (VOLPE FILHO; MOISÉS; OLIVEIRA, 2013; VOLPE FILHO, 2014). Cabe explicar que, se o importador não paga a taxa antidumping, o alho chinês ingressa no Brasil, com um preço mais barato ainda, contribuindo para uma queda de preço no mercado nacional.

O dumping é uma prática do comércio internacional que consiste em vender uma mercadoria em praça estrangeira por preço sistematicamente inferior ao do mercado interno, ou inferior ao preço de venda dos outros concorrentes estrangeiros. E a taxa antidumping constitui o pagamento de uma medida compensativacom vistas a anular o efeito da concorrência desleal.

Para ser internalizado no Brasil, o alho chinês, além da taxa antidumping, incorre na tarifa de importação de 35%; por outro lado, isso não se aplica ao alho importado, da Argentina, por ser de um país do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). A diferença de preços Free on Board (FOB) praticados entre o alho chinês e o argentino, no Brasil, situou-se em torno de US$8,00 por caixa, considerando-se os preços, de janeiro a junho de 2014, o que demonstra que a prática de dumping do alho chinês continuou (LUCINI, 2014).

O custo de produção do alho chinês permite que sua comercialização seja realizada com preços inferiores àqueles, do produto argentino e brasileiro, praticados no Brasil. Para Lucini (2008), além da questão cambial, muitos outros fatores, como solo e clima, preço de insumos e máquinas, impostos, e também as pesquisas agrícolas, favoreceram a produção e o preço do alho argentino, comparando-se com o brasileiro (LUCINI, 2008).

A Associação Nacional dos Produtores de Alho (ANAPA) tem manifestado preocupação, e desenvolve ações no sentido de mostrar que uma grande quantidade alho de qualidade inferior tem entrado no Brasil, desrespeitando os requisitos estabelecidos, exigindo, portanto que as autoridades competentes se posicionem, buscando melhor funcionamento do mercado.

Os custos dos fatores interferem diretamente no custo de produção, porém, a formação do preço de venda, em uma economia globalizada, não é explicada apenas pelos custos de produção. Além da característica da produção brasileira de alho, que é desenvolvida com base em diversos sistemas de produção, devem-se levar em consideração os fatores institucionais, a legislação tributária internacional, a política macroeconômica e no caso do alho, que é comercializado como uma commodity destaca-se a política agrícola e cambial. Além desses fatores, acrescentam-se outros referentes ao ambiente organizacional da cadeia produtiva, como o nível de organização do produtor em associações e cooperativas, e a atuação de órgãos de assessoramento ao produtor, sejam públicos ou privados.

Outro ponto importante é que no Brasil não existe um limite quantitativo para as importações, e o importador pode adquirir o volume que julgar que será absorvido pelo mercado, o que contribui para a queda dos preços. Alguns países, como os Estados Unidos e México, estabelecem restrições quantitativas para as importações, com o intuito de proteger o produtor nacional.

No Brasil, os produtores mais capitalizados e tecnificados estão buscando tornar-se mais competitivos, pela qualidade, diferenciando-se do produto importado de baixa qualidade, pelo uso de técnicas de produção, como a vernalização, juntamente com o emprego de cultivares selecionadas e do alho semente livre de vírus. Isto é, todo um manejo do cultivo que propicie o alho com a qualidade exigida pelo mercado, e o nível de produtividade que permita retorno financeiro (MOTA, 2003; DEL POZO; GONZALEZ, 2005; MELO et al., 2011; SANTOS, 2012; MARODIN, 2014).

Na busca por maior competitividade do alho brasileiro frente ao alho importado, outro fator apontado são os atributos organolépticos do alho roxo brasileiro, comparando-se com o alho branco chinês, conforme pesquisa da Escola Superior Luiz de Queiróz (ESALQ), solicitada pela Anapa, que demonstrou o maior poder de condimentação do alho roxo brasileiro (HORTIBRASIL, 2012).

A competição interna, entre regiões, e externa, entre países, à qual a cultura do alho foi submetida, no Brasil, foi a grande razão para o seu desenvolvimento, exigindo alto nível de especialização de técnicos e produtores (KREUZ et al., 2005).

A repercussão da comercialização do alho chinês no Mundo é muito grande, inclusive contribuindo para a redução de áreas cultivadas com o alho local (crioulo). Na Costa Rica, a maior parte do alho consumido é originada da China, isto ocorre sobretudo pelo tamanho e preço (BARBOSA; HERNÁNDEZ; ZÚÑIGA, 2012; BARBOSA; HERNÁNDEZ; ZÚÑIGA, 2013). Na Tailândia, a entrada do alho chinês mais barato também contribuiu para a redução da produção, precarizando o trabalho feminino na agricultura, uma vez que os homens migraram para outras culturas, em melhores condições no mercado (YUKI, 2012).

No Brasil, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, muitas propriedades, que tinham o alho como uma de suas principais atividades, interromperam a produção, em decorrência da abertura do mercado brasileiro. A importação brasileira do alho chinês ocorreu em meados dos anos 1970, porém, em pequenas quantidades; posteriormente foram suspensas; e em 1993, foram retomadas, levando muitos produtores brasileiros do Sul à falência, contribuindo para o desaparecimento dos alhos comuns nas regiões Sudeste e Centro Oeste (LUCINI, 2008).

Na região Nordeste, além do Piauí, Ceará, Paraíba, e Pernambuco também reduziram a produção (IBGE, 2011). O município de Governador Dix-Sept Rosado, maior produtor do Rio Grande do Norte, de 1979-1981, exportou para os Estados de Pernambuco, Ceará, Maranhão e Pará, e após 1988, a produção entrou em declínio até a extinção (SOUZA, 1994).

Segundo Honorato et al. (2013) e Soares (2013), a produção de alho no município de Governador Dix-Sept Rosado ocorria, especialmente, no leito do rio Mossoró, com produtores que utilizavam técnicas rudimentares. A competição, com relação ao preço e aparência, do produto local, com o alho vindo de outras unidades da federação e de outros países, foi crucial para que os produtores abandonassem a atividade de grande importância econômica e social para a região. Além disso, a degenerescência da Cultivar Branco Mossoró pode ter se associado ao primeiro fator, contribuindo para o abandono do cultivo do alho.

A abertura comercial expõe o produto nacional à concorrência com o estrangeiro e assim, obriga os produtores a se adequarem aos novos padrões de qualidade e preço, fazendo com que muitos busquem mercados alternativos, ou situações extremas, quando são forçados a deixar o setor  e a se dedicar a outras produções ou atividades.

3. Metodologia

Para consecução dos objetivos da pesquisa, foram desenvolvidos os seguintes procedimentos metodológicos.

Para as importações brasileiras de alho, foram consultadas as estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO); e para as importações brasileiras de alho, oriundas da China e Argentina, consultou-se o Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior (AliceWeb), da Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - Aliceweb/SECEX/MDIC, no período de 1989-2011. Nesse sistema, as importações brasileiras estão disponíveis a partir de 1989. O item pesquisado foi "outros alhos frescos ou refrigerados", de 1989-1996 com o código 0703200000 na Nomenclatura Brasileira de Mercadoria (NBM), e de 1997-2011 com o código 07032090 na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).

Também foi levantada a pesquisa de Produção Agrícola Municipal – Culturas Temporárias e Permanentes/IBGE para dois períodos, sendo o primeiro de 1975-1995 e o segundo de 1995-2011, verificando-se a área colhida, produção e rendimento médio para o Brasil, região Nordeste, e para os Estados do Piauí e da Bahia, por ser este o maior Estado produtor dessa região. O horizonte temporal foi dividido em dois períodos para facilitar a análise, e devido às significativas alterações ocorridas nos anos 1990 decorrente da abertura do mercado brasileiro.

Utilizaram também informações da pesquisa de campo que ocorreu nos municípios de Bocaina, Santo Antônio de Lisboa e Francisco Santos, na região Sudeste do Piauí. Nos dois primeiros municípios, a produção de alho ocorre no leito do Riachão; e Francisco Santos foi incluído porque funcionou como um entreposto comercial de alho no Piauí.

Os instrumentos de coleta envolveram diário de campo do acompanhamento da atividade de cultivo de alho, em 2011, 2012, 2013 e 2014; e entrevistas semiestruturadas, realizadas nos meses de janeiro a agosto de 2013 e de maio a setembro 2014, as quais foram regularizadas com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética de número 0194.0.045.000-11, do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Estas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas.

Foram considerados produtores, os entrevistados que produziram pelo menos em um ano, no período de 2009 a 2014, levando-se em consideração que o número de produtores que permaneceram na atividade é muito reduzido, e que alguns, por motivos diversos, não produziram em anos consecutivos. Por outro lado, aqueles que tinham plantado alho em anos anteriores ao período de 2009 a 2014 foram conceituados como ex-produtores.

Foram realizadas quarenta e seis entrevistas, sendo vinte e sete com ex-produtores e dezenove com produtores, resultantes do censo realizado, no município de Bocaina, nas comunidades de Curralinhos, Vila Crioula, Lagoa Grande, Cachoeira e Barra do Guaribas (doze ex-produtores), e em Balseiro (oito produtores); em Santo Antônio de Lisboa, na comunidade de Lagoa do Canto (cinco ex-produtores e oito produtores), e Dos Carvalho (um ex-produtor e três produtores); em Francisco Santos (nove ex-produtores). Nesse município, não se trabalhou por comunidade, a atividade foi extinta em 1988, e os ex-produtores residem na sede do município. No universo dos ex-produtores, estão incluídos três, que foram também comerciantes de alho, sendo dois de Francisco Santos e um de Bocaina.

A análise qualitativa das entrevistas foi realizada por análise de conteúdo (BARDIN, 1979), com um recorte dos temas, mercado e comercialização do alho, que constituíram as unidades de análise ou de registro.

4. Produção de alho, no brasil, na região nordeste e nos estados do Piauí e Bahia, no período de 1975-2011

Esta seção tem como objetivo apresentar o comportamento da produção de alho, no Brasil, na região Nordeste e nos Estados do Piauí e Bahia, no período de 1975-2011.

De acordo com a Pesquisa de Produção Agrícola Municipal/IBGE, considerando-se o período de 1975-1995, a área colhida de alho, no Brasil, aumentou 132,64% e a produção 316,38%, resultante também do incremento do rendimento, de 78,99%; de 1995-2011, a expansão foi de 1,33%, de 142,80%, e de 139,63%, para a área, produção e produtividade, respectivamente. As variações percentuais, para o período de 1995-2011, indicam que a expansão da produção se deu sobretudo pelo aumento da produtividade (IBGE, 2013).

Entende-se que, para os produtores brasileiros, mais capitalizados, a busca pelo aumento de produtividade foi uma forma de se contrapor à concorrência com o alho importado, contribuindo para uma mudança no padrão tecnológico do alho brasileiro (KREUZ et al., 2005), marginalizando aqueles produtores com menor capacidade técnica e financeira. Para viabilizar o aumento da produtividade e qualidade do alho, os produtores brasileiros, fizeram uso de novas tecnologias, como a vernalização e o alho semente livre de vírus (MOTA, 2003; DEL POZO; GONZALEZ, 2005; MELO et al., 2011; SANTOS, 2012; MARODIN, 2014). No Estado de Goiás, o aumento da produtividade decorreu da utilização dessas tecnologias, e pelas condições de solo e clima favoráveis à cultura (MOTA; YURI; RESENDE, 2014).

A política de liberalização comercial do governo brasileiro, bem como a falta de controle sobre o pagamento da taxa antidumping, e a incipiente fiscalização quanto à qualidade do alho importado foram apontados como fatores, que contribuíram para o aumento das importações, a preços muito mais baixos que o alho brasileiro, forçando o produtor nacional a vender sua produção abaixo do preço de custo (LUCINI, 2008; ANAPA, 2009; VOLPE FILHO, 2014).

Tendo-se em vista que a Bahia é o maior Estado produtor da região Nordeste, comparou-se a área colhida, produção e rendimento médio do Piauí, com a Bahia, e região Nordeste, conforme os dados da Pesquisa Agrícola Municipal - Culturas Temporárias e Permanente/IBGE, para o período de 1975-2011, dividido em dois subperíodos: de 1975-1995 e de 1995-2011 (IBGE, 2013).

De acordo com a Pesquisa de Produção Agrícola Municipal/IBGE, de 1975-1995, ocorreu uma redução da área colhida de alho, no Nordeste, de 7,60% e aumento da produção, de 23,84%, com expansão da produtividade, de 34,04%, e na Bahia, ocorreu aumento de 2,26% na área, expansão da produção e produtividade, de 24,00% e 21,23%, respectivamente, demonstrando que a região Nordeste e o Estado da Bahia apresentaram um incremento para a produção e produtividade, o que era esperado, pela participação da produção do Estado em relação à região, no período.

A área colhida, quantidade produzida e produtividade do Estado do Piauí, no período de 1975-1995, apresentaram um declínio de 23,53%, 33,68% e de 13,26% respectivamente. Em 1990, a área colhida e a produção obtida no Piauí atingem seu ponto máximo, e, a partir de 1991, deu-se uma queda que continuou nos anos seguintes. A produção obtida no Piauí, em 1995, corresponde a apenas 42% da produção de 1975.

Comparando-se os rendimentos médios do Piauí, Bahia, e da região Nordeste, observou-se que, para vários anos da década de 1970, 1980, 1990, o Piauí obteve resultado superior. Deste modo, como a produção de alho, no Piauí, ocorreu predominantemente no leito dos rios, atribui-se esse rendimento médio do Piauí às condições de fertilidade natural do solo, uma vez que a cultura foi desenvolvida principalmente com recursos locais, com a utilização de implementos, como enxadas, pás e carrinhos de mão, e com a força animal, no preparo do solo (QUIROGA, 1975; BARBOSA, 1976; SANTOS; GOMES, 2012).

Atribui-se a queda do rendimento médio de alho, no Piauí, às alterações da fertilidade no leito dos rios, pela construção de barragens e instabilidade das chuvas, seja pela ausência seja pelo excesso. Associados a isso, problemas fitossanitários decorrentes da utilização do alho semente contaminado por vírus e ácaros, e ausência de controle de doenças e pragas, e possivelmente também pela utilização de uma única cultivar.

A importação brasileira de alho, na década de 1990, inicialmente da Argentina, e depois da China, contribuiu para o desaparecimento dos alhos comuns, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (LUCINI, 2008), e impactou também a produção de alhos comuns no Nordeste (SOUZA, 1994; HONORATO et al., 2013; MORAIS, 2012; SOARES, 2013).

Registra-se também impacto em outros países, como na Costa Rica (BARBOSA; HERNÁNDEZ; ZÚÑIGA, 2012; YUKI, 2012; BARBOSA; HERNÁNDEZ; ZÚÑIGA 2013;).

No segundo período, 1995-2011, caracteriza-se também um aumento da área colhida, quantidade produzida e produtividade para a região Nordeste e a Bahia. Em relação à área, a variação no Nordeste foi de 15,08%, enquanto para a produção (379,14%) e a produtividade (316,42%), as variações relativas foram muito maiores. Para a Bahia, as variações foram de 68,30%,  527,86%  e  273,07% para área, produção e produtividade respectivamente.

A recuperação da cultura do alho na Bahia decorreu da expansão da área plantada na Chapada Diamantina, pela utilização de técnicas de cultivo, da vernalização e da pesquisa agrícola (CARVALHO; CRUZ, 2002; MELO; RESENDE; GUIDUCI FILHO; DUSI, 2011).

Comparando-se os dois períodos, observou-se não apenas o aumento da produção e produtividade na região Nordeste, e no Estado da Bahia, mas também que, no segundo período, 1995-2011, ocorreram em percentuais muito elevados.

Para o Estado do Piauí, de 1995-2011, a área colhida foi reduzida em 79,49% e a produção em 72,22%, isto confirma a tendência de queda do período anterior. Em 2011, considerando-se o sistema de cultivo, no leito do rio, a produção no Piauí foi de 35t, em uma área de 8ha. Porém, a produtividade apresentou aumento de 35,41 % para o período.

No entanto, quando se comparou a produtividade do Estado do Piauí com aquele da região Nordeste e do Estado da Bahia, observou-se, ao longo do período, que, no Piauí, o rendimento variou de 3,7t a 4,5t, e no Nordeste e na Bahia, a variação se deu, de menos de 3t  para mais de 10t.

Nessa conjuntura, o alho produzido no Piauí, que sempre apresentou bulbos e bulbilhos pequenos, foi exposto à concorrência com o alho importado, o qual apresenta bulbos e bulbilhos maiores que facilitam o manuseio. Desta forma, o alho local foi perdendo mercado.

Dessa forma, a produção de alho no Piauí se deu em sentido oposto à produção brasileira, nordestina e baiana. Enquanto no Piauí a produção foi se deteriorando, pelo exposto supramencionado, em nível de Brasil, Nordeste, e Bahia, esta foi se modernizando, com a utilização da pesquisa científica, de técnicas de cultivos e equipamentos.

5. Importações brasileiras de alho: 1989-2011

Nesta seção, apresenta-se o comportamento das importações brasileiras de alho, originadas da China e Argentina, grandes parceiros brasileiros, no comércio internacional de alho, de 1989-2011. Diante disto, analisou-se a participação dos dois países nas importações brasileiras de alho, em dois períodos. O primeiro, de 1989-1999; e o segundo, de 1999-2011, conforme as Tabelas 1, 2, 3, 4, a seguir.

As importações brasileiras de alho apresentaram acréscimo no volume, no período correspondeste a 1993-1999, com o percentual de 99,66%. Para as importações de alho oriundas da China, o aumento no volume foi de 42,50%, acompanhado de um aumento nominal de 20,00% no preço unitário (US$/kg) (Tabela 1). A retomada em grandes proporções das importações brasileiras do alho chinês em 1993, comparando-se com as importações dos anos de 1970, contribuiu para a falência de muitos produtores brasileiros do Sul, e para o desaparecimento do alho comum nas regiões Sudeste e Centro Oeste (LUCINI, 2008). No período de 1993-1999, observou-se, uma tendência de queda na participação das importações oriundas da China, nas importações brasileiras de alho.

Tabela 1 - Importações brasileiras (t) de alho, e importações brasileiras de alho oriundas da
China: peso líquido - (t) e preço unitário (kg/US$) - 1993-1999

Ano

Importações brasileiras (t)

Importações brasileiras oriundas da China (2)

Peso Líquido (t)

Peso Líquido (Var. anual)

US$/kg

Imp. China/Imp. Brasil

-1

1993

46.804

12.814,48

-

0,60

27,38

1994

53.781

27.082,43

111,34

0,63

50,36

1995

85.382

37.998,25

40,31

0,67

44,5

1996

100.359

40.667,50

7,02

0,83

40,52

1997

97.862

32.158,94

-20,92

0,85

32,86

1998

103.960

13.878,00

-56,85

1,00

13,35

1999

93.451

18.260,14

31,58

0,72

19,54

Fonte: (1) FAOSTAT, 2013; (2)ALICEWEB, 2013

Por outro lado, para o período de 1999-2011 a Tabela 2 aponta que as importações brasileiras cresceram 74,70% e as importações oriundas da China aumentaram 450,81% em volume; o incremento no preço unitário foi de 41,29% em termos nominais.

Tabela 2 - Importações brasileiras (t) de alho, e importações brasileiras de alho oriundas
da China: peso líquido (t), e preço unitário (kg/US$) - 1999-2011

Ano

Importações

Importações brasileiras oriundas da China (2)

brasileiras (t)

Peso Líquido

Peso Líquido (Var. anual)

US$/kg

Imp. China/Imp. Brasil

(1)

(t)

1999

93.451

18.260,14

-

0,72

19,54

2000

88.897

13.324,70

-27,03

0,64

14,99

2001

77.827

13.049,00

-2,07

0,61

16,77

2002

79.334

31.273,74

139,66

0,53

39,42

2003

91.565

33.410,02

6,83

0,34

36,49

2004

101.164

31.010,93

-7,18

0,36

30,65

2005

132.851

71.768,28

131,43

0,43

54,02

2006

120.565

62.907,27

-12,35

0,51

52,18

2007

133.095

57.786,33

-8,14

0,51

43,42

2008

145.917

86.899,11

50,38

0,37

59,55

2009

151.720

91.915,96

5,77

0,67

60,58

2010

153.141

97.189,79

5,74

1,45

63,46

2011

163.263

100.578,75

3,49

1,01

61,61

Fonte: (1) FAOSTAT, 2013 ; (2)ALICEWEB, 2013

A participação das importações oriundas da China, nas importações brasileiras, é considerada de grande relevância, uma vez que, no início do período supramencionado, atingiu percentual em torno de 20%, e, em 2011, alcançou quase dois terços. O volume importado ultrapassou cem mil toneladas em 2011, mesmo com a cobrança da taxa antidumping estabelecida em 1996, e renovada em 2001 e 2007. No entanto, por meio de liminar judicial, o importador pleiteou o não recolhimento da taxa, obtendo êxito em algumas situações (VOLPE FILHO; MOISÉS; OLIVEIRA, 2013; VOLPE FILHO, 2014).

Considerando-se o período de 1989-1999 a Tabela 3 revela que as importações oriundas da Argentina apresentaram um acréscimo de 452,08% no volume, e uma queda de 20,77% no preço unitário, em termos nominais. A participação das importações oriundas da Argentina, nas importações brasileiras, apresentou tendência de queda, com uma redução de aproximadamente 20 pontos percentuais, de 1989 para 1999, mesmo assim, ainda representou um pouco mais de 50% das importações brasileiras de alho em 1999.

Tabela 3 - Importações brasileiras (t) de alho, e importações brasileiras de alho
oriundas da Argentina: peso líquido (t), e preço unitário (kg/US$) - 1989 - 1999

 

Importações

Importações brasileiras oriundas da Argentina (2)

Ano

brasileiras (t)

Peso Líquido

Peso Líquido

US$/kg

imp. Argentina / imp.

 

(1)

(t)

(Var. anual)

Brasil (t)

1989

12.645

9.547,46

-

1,06

75,5

1990

30.712

9.691,84

1,51

2,17

31,56

1991

23.099

17.807,16

83,73

1,21

77,09

1992

26.947

24.283,67

36,37

0,63

90,12

1993

46.804

26.856,82

10,6

0,77

57,38

1994

53.781

26.444,32

-1,54

1,04

49,17

1995

853.820

45.124,68

70,64

0,93

52,85

1996

100.359

52.218,83

15,72

0,83

52,03

1997

97.862

47.288,30

-9,44

1,05

48,32

1998

103.960

70.886,51

49,9

1,06

68,19

1999

93.451

52.710,03

-25,64

0,84

56,4

Fonte: (1) FAOSTAT,2013; (2) ALICEWEB, 2013

Considerando-se o período de 1999-2011, a Tabela 4 apresenta as variações de 14,86% para o volume, e de 180,87% para o preço unitário (US$) em termos nominais.

As importações oriundas da Argentina, de 1999-2011, cresceram menos que as importações brasileiras, e apresentaram uma participação decrescente, ao longo do período, porém, com uma valorização positiva e bastante significativa, em termos nominais, no preço unitário.

Além da questão cambial, muitos outros fatores, como solo e clima, preço dos insumos, máquinas e implementos, impostos, e pesquisas voltadas para a cultura, favoreceram a produção e o preço do alho argentino, comparando-se com o brasileiro (LUCINI, 2008).

A taxa antidumping sobre o alho chinês foi instituída no Brasil em 1996, como forma de proteger o produtor e o mercado nacional. No entanto, o alho chinês, comercializado no Brasil, continuou mais barato que o brasileiro e o argentino (LUCINI, 2014), com uma participação nas importações brasileiras, que variou de 40,52% nesse ano, para 61,61% em 2011 (Tabela 4). Sendo assim, questiona-se a eficiência da medida, e a necessidade de que outros instrumentos sejam utilizados, caso se julgue procedente a proteção ao produtor nacional.

Tabela 4 - Importações brasileiras (t) de alho, e importações brasileiras de alho oriundas
da Argentina: peso líquido (t), e preço unitário (kg/US$) - 1999-2011

Ano

Importações brasileiras (t) (1)

Importações brasileiras oriundas da Argentina (2)

Peso Líquido (t)

Peso Líquido (Var. anual)

US$/kg

Imp. Argentina (t) / Imp. Brasil (t)

1999

93.451

52.710,03

-

0,840

56,4

2000

88.897

56.565,00

7,31

0,640

63,63

2001

77.827,00

59.809,18

5,74

0,670

76,85

2002

79.334

41.658,23

-30,35

0,620

52,51

2003

91.565

56.024,13

34,49

0,560

61,19

2004

101.164

65.222,26

16,42

0,530

64,47

2005

132.851

55.585,93

-14,77

0,700

41,84

2006

120.565

56.690,26

1,99

0,850

47,02

2007

133.095

74.698,37

31,77

0,990

56,12

2008

145.917

58.214,13

-22,07

0,960

39,9

2009

151.720

54.898,22

-5,70

0,950

36,18

2010

153.141,00

54.083,21

-1,48

2,000

35,32

2011

163.263

60.544,27

11,95

2,350

37,08

Fonte: (1) FAOSTAT, 2013; (2) ALICEWEB, 2013

O aumento da produção e produtividade brasileiras de alho (IBGE, 2013) não foi suficiente para atender a demanda, e, em consequência, ocorreu aumento das importações brasileiras de alho, como foi demonstrado, nas Tabelas 1, 2, 3, e 4, favorecidas pela abertura do mercado.

6. A comercialização do alho nos municípios de Santo Antônio de Lisboa, Bocaina e Francisco Santos

No Piauí, a produção de alho no leito do rio ocorre nos municípios de Santo Antônio de Lisboa, nas comunidades de Lagoa do Canto e Novo Carvalho, e em Bocaina, na comunidade de Balseiro. No município de Francisco Santos a produção de alho foi extinta em 1988.

A análise das entrevistas mostrou os seguintes resultados.

Para os entrevistados, no século XIX, seus antepassados já plantavam alho. A atividade envolvia todos os membros da família, homens, mulheres e crianças, e embora desenvolvessem outras culturas, como cebola branca (Pancratium Guianensis Ker), feijão-caupi (Vigna unguiculata (L) Walp.), melancia (Citrullus vulgaris), abóbora (Curcubita pepo L.) e batata doce (Ipomea batatas L.), o produto mais importante era o alho. Porém, em algumas famílias entrevistadas, os filhos já não participaram do cultivo do alho, visto como uma atividade em decadência.

Da década de 1950 até o início dos anos 1970, Francisco Santos funcionou como entreposto comercial de alho, no Piauí. Os produtores/intermediários compravam o produto, em Santo Antônio de Lisboa e Bocaina, e comercializavam, nos Estados, do Ceará, Maranhão, Goiás, e Pará, juntamente com a produção do próprio município. Inicialmente, o transporte da mercadoria se dava em animais, cavalos, jumentos e burros, e as viagens eram longas, podendo estender-se por mais de trinta dias. Posteriormente, a partir da década de 1970, passaram a usar caminhões.

Na metade da década de 1970, iniciou-se a compra de alho em outros Estados da federação, e os intermediários passaram a vender em outros Estados, o alho do Piauí e aquele de outras unidades da federação. Com a compra de alho da Bahia, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Goiás, a produção local passou a ser desvantajosa. A produção em Francisco Santos foi diminuindo, e se extinguiu em 1988.

Para os entrevistados de Francisco Santos, as condições tecnológicas na produção dos outros Estados, como a irrigação, e adubação química, proporcionavam uma maior produtividade e um custo de produção menor, comparado com aquele praticado no Piauí, onde o processo produtivo ocorria manualmente e com tração animal, sem utilização de técnicas agrícolas, como a irrigação. Dessa forma, a produção local, que era desenvolvida no leito dos rios, tornava-se mais cara frente à produção de outros Estados da federação.

A importação do alho da Bahia, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Goiás repercutiu em toda a microrregião de Picos, expondo a produção local à concorrência com o alho vindo desses Estados, e consequentemente dificultando sua comercialização.

Após a extinção da produção no município, Francisco Santos continuou como entreposto comercial. A atividade comercial, com a compra do alho em outras unidades da federação – quer seja produzido no Brasil quer seja em outros países, e distribuição no Piauí – gerou ocupação e renda para a população de Francisco Santos. Na cidade, era feita a limpeza, que consistia na retirada da raiz, a separação dos bulbos por tamanho, e, por último, as réstias (tranças). Após essas etapas o alho era distribuído.

Os produtores de Santo Antônio de Lisboa e Bocaina venderam alho para os intermediários de Francisco Santos, provavelmente até meados da década de 1970. Os intermediários de Francisco Santos vinham até o local de produção e compravam a maior parte da safra, que era vendida antes de ser colhida, e o pagamento era feito de modo parcelado. A menor parte era vendida na feira de Picos. Nesse período, com a comercialização do alho, o produtor assegurava suas despesas com roupas, calçados, medicamentos, e outros produtos de consumo para o ano todo.

Segundo os entrevistados de Bocaina e Santo Antônio de Lisboa, a produção é vendida na residência do produtor e na feira de Picos, porém, com grande dificuldade por não encontrar comprador. A ida até Picos, para comercializar a produção, na maioria das vezes não é vantajosa, pois, não vende o produto, e ainda tem a despesa com o deslocamento de sua casa até a feira.

Os entrevistados destacaram que o alho produzido, no Piauí, não apresenta condições de competir com o alho de outros Estados da federação, pois apresenta bulbilhos pequenos; no entanto, afirmam que este possibilita o preparo de alimentos com mais sabor. Expuseram, ainda, que, no período em que produziam grandes quantidades, não era comercializada, no Piauí, a produção oriunda de outras unidades da federação.

Quanto às causas para o declínio e extinção do cultivo do alho no leito do rio, nos municípios e no Piauí, embora tenham citado vários fatores – como, por exemplo, condições climáticas adversas, tais como secas e enchentes, as condições do rio, construção de barragens, o surgimento da cajucultura na região – para os entrevistados de Francisco Santos, a concorrência com o alho de outros Estados da federação constituiu-se fator decisivo para a extinção do cultivo do alho, no município e no Piauí. Contudo, para os entrevistados, de Santo Antônio de Lisboa e Bocaina o que concorreu para tal situação foi a construção das barragens de Bocaina e de Piaus, e a concorrência com o alho de outros Estados e de outros países.

Observou-se um estreitamento do mercado, para o alho produzido no Piauí. Na década de 1960 e 1970, foi comercializado na região Norte, Nordeste e Centro-Oeste, quando Francisco Santos funcionava como entreposto comercial; posteriormente, restringiu-se à Microrregião de Picos, até chegar à situação atual em que nem mesmo esse mercado tem interesse pelo produto, por não atender os requisitos exigidos.

7. Considerações finais

A grande quantidade importada de alho, nos anos 1990, da Argentina, e em 2000, da China, impactou a produção de alho no Sul e também no Nordeste, pelos baixos preços e aparência do produto. Os problemas fitossanitários, que comprometeram a produção, a produtividade, e a aparência do alho, potencializaram as dificuldades de mercado para o alho no Nordeste. O alho importado apresentava bulbilhos grandes, diferentes do alho local, embora seu poder de condimentação seja menor. Sendo assim, a entrada do alho importado impõe novo padrão de consumo no Nordeste.

A ausência de políticas públicas de amparo à atividade, principalmente a indisponibilidade de assistência técnica, e descontinuidade no processo de aprendizagem, com base no conhecimento passado de pai para filho, somaram-se aos fatores relacionados às condições naturais, a construção de barragens ao longo dos rios e chuvas instáveis, e aos problemas fitossanitários, contribuindo para a redução da produção e produtividade do alho no Piauí.

O bulbo do alho piauiense é composto de bulbilhos pequenos, e com a entrada no mercado local, inicialmente do alho brasileiro, dos Estados da Bahia, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, e posteriormente do alho advindo de outros países, como Argentina e China, com bulbilhos maiores, facilitando o manuseio e uso, o alho local perdeu seu mercado. Uma produção que alcançou mercados regionais foi se restringindo, até o momento presente, quando nem mesmo o mercado local aceita o produto, em vista da exposição a qual foi imposta e do comprometimento de seus atributos.

Acredita-se que, para os produtores brasileiros, mais capitalizados, a busca pelo aumento de produtividade foi uma forma de se contrapor à concorrência com o alho importado, contribuindo para uma mudança no padrão tecnológico do alho brasileiro, marginalizando aqueles produtores com menor capacidade técnica e financeira de se adequar às inovações, e consequentemente permanecer no mercado. Visando maior competitividade do alho roxo brasileiro, frente ao alho branco chinês, destaca-se seu poder de condimentação, atributo também apontado pelo produtor do alho do Piauí.

A pesquisa agrícola, realizada pelas instituições de pesquisa, e as empresas estaduais de assistência técnica, junto com a participação das associações de produtores e de seus membros foram de fundamental importância para os ganhos de produtividade do alho no Brasil, o que não ocorreu no Piauí, onde o cultivo do alho foi desenvolvido com base no conhecimento tradicional, que sofreu uma quebra na transferência do conhecimento de pais para filhos, pela ida destes para São Paulo, e a falta de apoio da pesquisa científica, como também de assistência técnica.

O impacto das exportações de alho da China foi sentido também em outros países, demonstrando a abrangência do problema, e a necessidade de discussão acerca da proteção dos materiais genéticos locais, bem como dos produtores que os utilizam nos fóruns globais.

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1. Doutoranda do Programa em Desenvolvimento e Meio Ambiente do PRODEMA/UFPI. Professora do departamento de Planejamento e Política Agrícola da UFPI. E-mail: santkar@ufpi.edu.br.
2. Professora do Departamento de Economia e do PRODEMA da UFPI. E-mail: jaira@ufpi.edu.br.

3. Professora do Departamento de Fitotecnia e do Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento da UFPI. E-mail: rlfgomes@ufpi.edu.br

4. Consumo aparente: (Produção interna + Importações) - Exportações



Vol. 37 (Nº 05) Año 2016

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