Espacios. Vol. 37 (Nº 03) Año 2016. Pág. E-1

O ensino de matemática no contexto da deficiência visual: uma questão de direito

The teaching of mathematics in the context of visual impairment: a question of law

Carmem Lucia Artioli ROLIM 1

Recibido: 21/09/2015 • Aprobado: 31/10/2015


Contenido

1. Introdução

2. Procedimento teórico-metodológico: o delinear da caminhada

3. Referencial teórico: desenvolvimento da pessoa com deficiência visual

4. O ensino da matemática e o contexto da deficiência visual

5. Considerações finais

Referências


RESUMO:

O presente estudo é resultado de uma pesquisa teórica que teve como objetivo pensar o processo de ensino-aprendizagem de matemática para pessoas com deficiência visual. O avançar da pesquisa propiciou identificar fragilidades e potencialidades do processo, bem como, abordar a relevância dos recursos metodológicos no cenário das especificidades visuais. Os resultados questionam a escola, os professores e a sociedade, cobrando metodologias e atitudes que sobrepujem os processos educacionais limitados aos sentidos visuais. Pois, insistir em um ensino restrito aos aspectos visuais é negar a oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento, desvalorizando as potencialidades da pessoa com deficiência visual.
Palavras-chave: educação matemática, sentidos visuais, ensino-aprendizagem.

ABSTRACT:

This study is the result of a theoretical research that aimed think about mathematics teaching and learning process for people with visual impairment. The development of research has led to identify weaknesses and process potentialities, but also think about the relevance of methodological resources in the scenario of visual impairment. The results question the school, teachers and society, charging methods and attitudes that outweigh the educational processes based mainly on the visual senses. Therefore insist on a teaching restricted to the visual aspect is to deny the opportunity for learning and development, devaluing the person's potential with visual impairments.
Keywords: math education, visual senses, teaching and learning.

1. Introdução

Pensar o processo de ensino da matemática no cenário brasileiro é adentrar em um contexto histórico e social de desafios. Segundo dados do relatório da Conferência Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação realizada em 2010 (Brasil, 2010), a educação matemática é um bem universal, porém a realidade educacional brasileira aponta em outra direção. Traz um cenário fragilizado no qual a aprendizagem de conteúdos matemáticos está situada entre os mais baixos índices de desenvolvimento, sugere um processo dominado por poucos, retratando discrepâncias entre os objetivos buscados para a aprendizagem matemática e os alcançados efetivamente.

Nos resultados indicados pelo PISA 2012 – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – (OECD, 2013), o Brasil alcançou a posição de número 58 em matemática, ficando entre as últimas colocações. Entendendo que os resultados são indicativos de uma situação, eles merecem maior reflexão, pois apontam para a possibilidade de vulnerabilidade no processo de formação matemática dos jovens brasileiros.

Para Ferreira e Ferreira (2004) esse cenário demonstra que a escola está enfrentando o seu mais sério problema, o fracasso. O sistema educacional não consegue diminuir a contento a distância entre o que se deve saber e o apreendido de fato. Nesse contexto, os alunos avançam no processo de ensino carregando problemas básicos em sua formação. Quando o assunto envolve as pessoas que apresentam algum tipo de necessidade especial à situação é, ainda, mais desafiadora.

Entre as necessidades educacionais especiais delimitamos o estudo a deficiência visual, pois o encontro da matemática com os sujeitos que apresentam especificidades visuais potencializa desafios de uma realidade que já demonstra problemas. Esse encontro questiona a escola, a sociedade e os professores, cobrando métodos que sobrepujem as ideologias de uma disciplina historicamente desenvolvida por meio de processos metodológicos baseados nos sentidos da visão.

O sentido visual foi no decorrer de anos o meio mais utilizado para o ensino, no caso da matemática a situação não se mostrou diferente. Ensinar conteúdos matemáticos está relacionado, principalmente, as explicações orais, as enunciações expositivas e visuais descritas na lousa.

Nesse contexto, o aluno com deficiência visual se vê diante de um sistema educacional que já apresenta fragilidades e de um ensino baseado, principalmente, em recursos visuais, movimento no qual a escola não se mostra acolhedora, pelo contrário, os sujeitos são colocados como estranhos no espaço escolar e sem o apoio adequado ao seu desenvolvimento são estigmatizados por suas limitações e desvalorizados em suas potencialidades. 

Dessa forma, restringir as metodologias de ensino da matemática, exclusivamente, às expressões visuais é negar a oportunidade de aprendizagem aos que necessitam de outros recursos para o seu desenvolvimento, nas palavras de Amaral (1998) é reduzir uma pessoa a sua própria condição de deficiência, um processo segregatório e excludente, situação que necessita de discussão e mudanças.

2. Procedimento teórico-metodológico: o delinear da caminhada

Visando contribuir com a discussão desenvolvemos a presente pesquisa que resultou de um estudo teórico integrado ao projeto Sensos e sentidos: contribuições para o ensino de matemática. A pesquisa foi desenvolvida entre os anos de 2013 e 2015 por meio da pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de pensar o processo de ensino-aprendizagem de matemática para alunos com deficiência visual. Tencionamos, ainda, contextualizar a educação matemática como processo histórico-cultural e situar fragilidades e potencialidades existentes no processo, abordando a relevância dos recursos metodológicos.

Para o desenvolvimento do estudo optamos pela abordagem qualitativa trazendo, principalmente, Vygostky (1997) e Leontiev (1978), autores com os quais pensamos a educação enquanto processo de desenvolvimento do sujeito, Skovsmose (2007, 2008) e Apple (1979) auxiliam nas reflexões referentes à educação matemática como construção sociocultural da humanidade, para pensar a relevância dos recursos metodológicos no processo de ensino-aprendizagem da matemática trazemos Bampi (2007) e Cerqueira & Ferreira (2010).

Quanto ao objetivo, à pesquisa se mostra exploratória e explicativa, possibilitando o aprofundamento de discussões que dizem do ensino e da aprendizagem, envolvendo o contexto da deficiência visual e os conteúdos matemáticos, considerando as metodologias e os materiais didáticos (Severino, 2007).

Como técnica de análise, encontramos em Ginzburg (1989) ferramentas para as aproximações necessárias ao objetivo proposto. O autor indica caminhos que possibilitam a análise de processos e de conceitos nas minúcias, considerando a relação particularizada, sem perder de vista a noção de totalidade concreta, processo em que técnica, metodologia, epistemologia e teoria se constroem em constante movimento perpassando o ensino da matemática no contexto das especificidades visuais.

3. Referencial teórico: desenvolvimento da pessoa com deficiência visual

Recorrendo ao pensamento de Vygotsky (1997, 2004) e Leontiev (1978, 1988) discorremos sobre o desenvolvimento como um processo mediado pela atividade educacional.  Para os autores a atividade escolar é uma prática social advinda de determinada necessidade coletiva, Skovsmose (2014) complementa como um processo construído nas contradições dos movimentos históricos.

Pressuposto que possibilita reconhecer a atividade escolar como movimento produzido em ambiente de disputa, território onde os avanços educacionais se efetivam; porém, na contramão do processo é, também, o espaço no qual a cultura hegemônica se instala perpetuando hábitos, classificando e rotulando educandos. 

A submissão da educação à cultura hegemônica estimula a produção de um tipo "idealizado" de sujeito, movimento que acaba por menosprezar os que exigem outros caminhos para aprendizagem.Vejamos o exemplo de uma criança com problemas orgânicos, explicitado por Vygotsky (1997):

Suponha que estamos ante a um menino que sofre de insuficiência auditiva por causa desconhecida. Se pode imaginar facilmente que esta criança sofrerá uma série de dificuldades para adaptar-se ao ambiente circundante. As outras crianças o irão marginalizar durante os exercícios, dos passeios, essa criança será isolada em uma festa infantil e em uma conversa. Em síntese, a criança que possuí a deficiência auditiva cuja raiz está em uma simples insuficiência orgânica, será colocada em uma posição social inferior das demais crianças (p. 154). 

Assim, observamos que a segregação dos sujeitos está relacionada, principalmente, as reações da sociedade perante as fragilidades orgânicas, contexto no qual o ser humano é julgado sendo "submetido não às leis biológicas, mas a leis sócio-históricas" (Leontiev, 1978, p. 262).

Dessa forma, o estado biológico ocasionado pela deficiência em sua forma orgânica é diferente da deficiência vivenciada pelo sujeito em seu meio social, pois esse está impregnado por juízos valorativos impostos por normatizações sociais. Essa proposição não nega a relevância das variações biológicas existentes entre os sujeitos, porém considera a influência do contexto social, indicando que a;

Desigualdade entre os homens não provém das suas diferenças biológicas naturais. Ela é o produto da desigualdade econômica, da desigualdade de classes e da diversidade consecutiva das suas relações com as aquisições que encarnam todas as aptidões e faculdades da natureza humana, formadas no decurso de um processo sócio-histórico (Leontiev, 1978, p. 274).

Viver a diferença não está restrito ao possuir especificidades provenientes do próprio sistema biológico, é conviver com limitações que ultrapassam as imposições orgânicas, envolve submeter-se a uma sociedade que avalia e condena aos que considera dissonantes de suas expectativas (Sawaia, 2001).

Um processo histórico e cultural que para Vygotsky (1997) percorreu diferentes épocas. Delimitando a pessoa com baixa visão ou cega o autor indica a existência de três momentos históricos denominados como: místico, biológico ou ingênuo e sociopsicológico. 

O primeiro momento, o místico, apesar de desenvolvido na Idade Média e em parte da Moderna, ainda hoje, marca presença na opinião popular, fase na qual a pessoa cega era considerada incapaz e desvalida, mas, ao mesmo tempo, possuía forças divinas por meio de uma visão espiritual privilegiada. O segundo momento desenvolve-se no século XVIII quando a visão biológica ganha espaço com a ideia de substituição de funções por órgãos diferentes. Nesse pensamento a falta da visão poderia ser substituída pelo tato ou olfato, desenvolvendo um sentido inacessível aos demais. O terceiro momento, o sociopsicológico, vê na relação entre deficiência e estímulo social o ponto capaz de impulsionar o progresso do sujeito, "elevando o desenvolvimento a um nível superior, transformando a deficiência em talento, o defeito em capacidade; a debilidade em força; a insuficiência em supervalia" (Vygotsky, 1997, p. 103).

Dessa forma, a relevância da educação para o desenvolvimento dos educandos com especificidades ganha destaque, sendo a escola o ambiente adequado; o espaço de direito de todo aprendiz.  Adentrando ao sistema educacional brasileiro e delimitando o olhar para as pessoas com especificidade visual, ou seja, as pessoas cegas ou com baixa visão, observamos o perpassar de diferentes fases.

Fase de exclusão ― Nesta fase, nenhuma atenção educacional foi provida às pessoas com deficiência. Estas eram consideradas indignas de educação escolar.

Fase de segregação institucional ― Por absoluta impossibilidade de acesso às escolas comuns por parte das crianças e jovens deficientes, suas famílias se uniram para criar escolas especiais. Hospitais e residências eram também utilizados como locais de educação especial.

Fase de integração ― Crianças e jovens mais aptos eram encaminhados às escolas comuns, classes especiais e salas de recursos.

Fase de inclusão ― Todas as pessoas sãs incluídas nas salas comuns. Os ambientes físicos e os procedimentos educativos são adaptados para acomodar a diversidade do alunado. As escolas levam em consideração as necessidades de todos os alunos (Sassaki, 2002, p. 3).

Porém, chegar até a fase de inclusão, não garante que a exclusão foi extinta do nosso sistema educacional, mas, que novas possibilidades se apresentam por meio dos diferentes conteúdos escolares, cada qual com suas particularidades. Ao delimitar o assunto a área de matemática, encontramos desafios em uma área que já vivencia fragilidades e merece atenção.

4. O ensino da matemática e o contexto da deficiência visual

Reconhecendo que a escola tem por função; "garantir que os alunos com deficiência, assim como outros alunos, apropriem-se dos avanços do conhecimento, da tecnologia e da diversidade das manifestações culturais" (Góes & Laplane, 2004, p. 40), e, direcionando a atenção para a educação matemática, observamos as fragilidades desse conhecimento no contexto brasileiro.

Situação indicada pelo PISA 2012 (OECD, 2013), ao pontuar que apenas uma minoria, dos jovens brasileiros, conseguiu atingir proficiência mínima em matemática. Essa situação traz indícios de desigualdades existentes no sistema educacional do Brasil e revela discrepâncias na aprendizagem dos conteúdos matemáticos. Ao direcionar a atenção para educandos com deficiência visual as assimetrias se tornam mais evidentes.

Não dominar conceitos matemáticos produz em nossa cultura movimentos segregatórios que influenciam, não apenas as relações que acontecem no interior da sala de aula, mas causam fragmentações que se perpetuam no contexto social. Segundo Apple (1979) a instituição escolar está desempenhando, nesse quadro, a seleção de pessoas de acordo com o que a sociedade espera.

As escolas preparam tanto conhecimento como pessoas. Fundamentalmente, o conhecimento formal e informal é usado como um intrincado filtro para preparar as pessoas, frequentemente por classe; e ao mesmo tempo, transmitem-se diferentes tendências e valores a diferentes populações escolares, novamente e em geral por classe. Com efeito, para essa tradição mais crítica, as escolas reproduzem de modo latente as disparidades culturais e econômicas (Apple, 1979, p.54).

Desconsiderar as especificidades do aprendiz é desenvolver um ensino de valores desiguais para as diferentes populações escolares. Nas palavras de Skovsmose (2008), trata-se de uma educação matemática que responde (mesmo que inconscientemente) ao processo socioeconômico do país.  Cenário que perpetua exclusões diferenciando e rotulando sujeitos.

Há grupos que devem ter uma boa formação em matemática; há os que precisam apenas saber usar certas técnicas matemáticas, há os que devem ser capazes de ler diagramas; e os que devem conhecer a matemática embutida em procedimentos, para a maioria, por fim, basta conhecer a matemática que lhe possibilita fazer compras e lidar com pagamentos e transações bancárias (Skovsmose, 2008, p. 57).

Dessa forma, os movimentos de exclusão-inclusão coexistem no ambiente escolar, sendo que, nesse processo, a educação matemática pode passar de possibilidade para instrumento de classificação e seleção.

Aparentemente a educação matemática pode servir como um integrador social. Por outro lado, podemos observar fortes tendências de exclusão relacionadas à educação matemática. Podemos pensar sobre o grande esforço para colocar juntos os procedimentos de testar e apontar tendências, marcando claramente quais são os estudantes "adequados" à maior enculturação no mundo da matemática, e os que não o são. Inclusão e exclusão operam concomitantemente no âmbito da educação matemática. [...] O elitismo pode ser uma parte funcional da educação matemática (Skovsmose, 2007, p. 215).

Nesse contexto, buscar o ensino de matemática inclusivo envolve desvelar paredes elitistas, questionar os mecanismos socioeconômicos de poder que impregnam o contexto educacional e buscar práticas pedagógicas críticas que objetivem tornar a educação matemática mais acessível, independentemente do grupo social do educando.

A matemática como direito não está restrita a determinado grupo, exige pensar o contexto educativo como espaço de possibilidades se distanciando de processos classificatórios, trata-se de uma construção desenvolvida por múltiplas vozes, uma atividade humana e social que extrapola os limites dos conteúdos, movimento de caráter ideológico e experiencial cuja acessibilidade é necessidade.

Nesse cenário, os recursos metodológicos ganham espaço oferecendo oportunidades para a aprendizagem, diferentemente de única opção metodológica é diversificar para garantir as possibilidades educacionais. Segundo o relatório do PISA 2012 (OECD, 2013, p. 59) "O Brasil registra baixo índice de recursos educacionais nas escolas, e observa-se uma correlação desse índice com o [baixo] desempenho dos estudantes em matemática".

Trabalhar com uma única metodologia para o ensino de matemática é caminhar em sentido oposto ao do desenvolvimento, é desprezar o diverso e, dessa forma, torná-la ferramenta de exclusão, com inculcação do fracasso e de incapacidade social, submetendo a matemática ao julgo socioeconômico do país.

O ensino da matemática que se distancia do desenvolvimento de possibilidades no educando, impondo-se como elemento de seleção, coloca o domínio sob a responsabilidade do sujeito que conhece, perpetuando a divisão social, "[...] indivíduos são qualificados em fracassados e bem sucedidos a partir do seu desempenho em matemática, por meio dessa classificação, opera-se uma diferenciação que não é das aptidões matemáticas, mas dos próprios indivíduos." (Bampi, 2007, p. 35).  

A matemática emancipatória está distante de processos punitivos e seletivos, ela é um bem cultural; parte constitutiva do desenvolvimento da humanidade e como tal precisa de recursos que possibilitem sua acessibilidade, de metodologias que considerem a diversidade dos sujeitos e as suas especificidades.  

Talvez em nenhuma outra forma de educação os recursos didáticos assumam tanta importância como na educação especial de pessoas com deficiências visuais, levando-se em conta que: um dos problemas básicos do deficiente visual, em especial o cego, é a dificuldade de contato com o ambiente físico; a carência de material adequado pode conduzir a aprendizagem da criança deficiente visual a um mero verbalismo, desvinculado da realidade; a formação de conceitos depende do íntimo contato da criança com as coisas do mundo; tal como a criança de visão normal, a deficiente visual necessita de motivação para a aprendizagem; alguns recursos podem suprir lacunas na aquisição de informações pela criança deficiente visual; o manuseio de diferentes materiais possibilita o treinamento da percepção tátil, facilitando a discriminação de detalhes e suscitando a realização de movimentos delicados com os dedos (Cerqueira & Ferreira, p. 1, 2010).

A necessidade de criar metodologias de ensino que suplantassem os sentidos da visão ganhou destaque por volta de 1925 com Louis Braille quando ele desenvolveu o sistema de códigos iniciado por Charles Barbier (Compacci, 2012). A diversidade de possibilidades metodológicas surge, então, da necessidade de extrapolar métodos direcionados somente para pessoas videntes. Os diferentes recursos são indispensáveis para o avanço do ensino da matemática das pessoas com especificidades, nas palavras de Vygotsky (1997, p. 361) "O estudo do sistema de signos matemáticos para pessoas cegas deve ser efetivado, [...] mas temos que renunciar, agora mesmo, ao monopólio de um sistema único".  

Dessa forma, o ensino de conteúdos matemáticos, para pessoas com deficiência visual, exige diversidade de possibilidades de modo a oportunizar o avanço da aprendizagem independentemente da visão, isto é, materiais que explorem outros sentidos. Esse movimento necessita que as especificidades do aprendiz e o compromisso social sejam reconhecidos, estimulando políticas educacionais inclusivas para a diminuição efetiva da desigualdade social.

Agir no sentido oposto, não oportunizando o ensino para a pessoa com deficiência pode ter um efeito duplamente negativo para a constituição do sujeito pleno.  Seja por não oportunizar o direito de desenvolvimento educacional como pontuado por Vygotsky (1997) ou por comprometer a evolução social do indivíduo como indicado por Skovsmose (2007).

Logo, ao desconsiderar as potencialidades escolares do educando, estamos subestimando e limitando o aprendiz, situação que leva ao "conformismo que conduz a baixas exigências e a uma pedagogia que possibilita menos e exclui mais" (Rolim & Góes, 2009, p. 514), fazendo surgir no sujeito sentimentos de incapacidade, incutindo o peso da desvalorização social. 

5. Considerações finais

Concordando com Apple (1979), consideramos que a escola é espaço de conflitos. Nesse território os educandos podem ser reconhecidos em suas possibilidades e estimulados em suas potencialidades como, também, podem ter suas dificuldades acentuadas, sendo impelidos ao isolamento e a segregação pelo seu grupo social.  Movimento que indica as imposições da sociedade no interior das escolas como, também, demonstra a influência das escolas nos aspectos do controle socioeconômico do país.

Trazendo Skovsmose (2007, 2008) vemos um território educacional contraditório, no qual as disciplinas ganham destaque, em nosso caso a matemática, pois à medida que ela corrobora para o desenvolvimento do sujeito em suas características cognitivas e sociais, pode ser usada, também, para seleção de pessoas, reprodução de sistemas e como ferramenta de exclusão.

Dessa forma, o processo de exclusão-inclusão que envolve o ensino de matemática para as pessoas com especificidades visuais se mostra potencialmente complexo. Situação que envolve inúmeros fatores, porém traz indícios de que a escola de oportunidades se distancia de uma educação padronizada; e, se aproxima da escola diversa, de ensino múltiplo, que busca o direito de aprendizagem para todos os seus alunos. 

Como Vygotsky (1997) e Leontiev (1978) consideramos que ignorar as diferenças e homogeneizar a metodologia educacional acaba por desrespeitar o ensino, salientando o que a pessoa não sabe, depositando no próprio aluno a culpa pela não aprendizagem. Ao subestimar as potencialidades do educando, a escola encobre-se na desculpa de uma deficiência biológica alimentando, assim, uma situação social periférica, fazendo com que inúmeras pessoas permaneçam aquém do seu grupo, "condenadas" a uma vida escolar sem perspectiva de futuro.

Esse fato é acentuado em educandos que vivenciam contextos especiais de aprendizagem, muitas vezes, remetidos à posição subserviente, aprendem a ouvir e calar devendo somente obedecer. As pessoas com deficiências visuais, por vezes, vivenciam situações insuficientes de experiências educacionais na sala de aula, especificamente as metodologias de ensino da matemática cobram atenção especial, pela particularidade de seu conteúdo, que envolve tanto a abstração quanto a construção e o domínio do espaço no qual vivemos, como por sua valorização sociocultural.

Dessa forma, reafirmamos a relevância da educação matemática para o desenvolvimento do educando. Os achados possibilitam afirmar que o processo de ensino-aprendizagem de matemática não tem respondido plenamente às necessidades dos alunos com deficiência visual e a exclusão permeia o ambiente escolar. No decorrer do estudo, ganham destaque os recursos e as metodologias de ensino como fatores essenciais para a pessoa com deficiência visual, porém a situação avança em complexidades, indicando a necessidade de continuidade da discussão e a urgência de ações integradas entre a escola e a sociedade para o efetivo desenvolvimento da educação matemática no contexto da especificidade visual.

Referências

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1.Doutora em Educação, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Tocantins/PPGE - UFT.   Email: carmem.rolim@uft.edu.br


 

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