Espacios. Vol. 36 (Nº 19) Año 2015. Pág. E-1

Prática reflexiva, envolvimento crítico e inteligências múltiplas: Um estudo comparativo das competências de professores universitários

Reflexive Practice, Critical Involvement and Multiple Intelligences: A Comparative Study of University Professors' Competences

Ana Paula GRACIOLA 1; Suélen BEBBER 1; Pelayo Munhoz OLEA 1; Janaína MACKE 1

Recibido: 12/06/2015 • Aprobado: 27/08/2015


Contenido

1. Introdução

2. Contruindo competências: da reflexão na essência da ação à prática reflexiva

3. Prática reflexiva e envolvimento crítico

4. Inteligências múltiplas

5. Método de pesquisa

6. Resultados e discussão

7. Considerações finais

8. Referências


RESUMO:

As competências dos professores universitários estão em constante adaptação em decorrência da necessidade de agir com urgência e tomar decisões na incerteza. Neste contexto, é necessário compreender o significado de competência e quais competências são essenciais para a prática profissional. No entanto, não basta o saber fazer de uma profissão, é necessário refletir sobre a prática, ter o envolvimento crítico, e utilizar as inteligências múltiplas para atuar no cenário atual como professor. Com isso, o objetivo é identificar as competências profissionais necessárias para a prática reflexiva do professor universitário. Para este estudo foram realizadas entrevistas em profundidade, com um roteiro básico de entrevistas, e com a aplicação da técnica de pesquisa qualitativa, de caráter descritivo. As entrevistas foram direcionadas a professores universitários de graduação das áreas de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Química de uma universidade do estado do Rio Grande do Sul. Nos resultados, é possível identificar semelhanças das competências necessárias para a prática profissional e o entendimento dos professores da constante adaptação e atualização perante suas áreas de conhecimento que são demandadas por parte dos alunos, da universidade e da sociedade como um todo.
Palavras-chave: Competências; Prática Reflexiva; Envolvimento Crítico; Inteligências Múltiplas; Professor Universitário.

ABSTRACT:

University professors' competences are constantly adapting concerning the need to act urgently and take decisions in uncertainty. In this context, it is necessary to understand the meaning of competence and which competences are essential for professional practice. On the other hand, the know-how of a profession is not enough, it is necessary reflection on the practice, having critical involvement and using multiple intelligences to act in today's scenario as a professor. Thereat, the aim is to identify the professional competences demanded for university professors' reflexive practice. For this study, deep interviews were performed, with a basic interview guide, and the application of qualitative research technic with descriptive feature. The interviews were directed to university professors of Architecture and Urbanism Graduation and Chemistry Engineer Graduation of a university in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The results show that it is possible to identify similarities of the necessary competences for professional practice and the understanding by the professors of constant adaptation and updating in their knowledge areas that are a demand from their students, the university and the society as a whole.
Keywords: Competences; Reflective Practice; Critical Involvement; Multiple Intelligences; University Professors.

1. Introdução

A competência é um entendimento prático de situações que se apoia em conhecimentos adquiridos e os transforma na medida em que aumenta a diversidade das situações (ZARIFIAN, 2001). As competências do professor são desenvolvidas a partir da sua atuação profissional. Como podemos observar no CHA (conhecimentos, habilidades e atitudes). Os conhecimentos, habilidades e atitudes constituem características, e a competência reside em possuir tais características como padrão, o que permite desempenho efetivo e de sucesso (HACKETT, 2001). A noção de competência aparece assim associada a verbos como: saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, saber aprender, saber engajar-se, assumir responsabilidades, e ter visão estratégica (FLEURY; FLEURY, 2001).

Uma economia de variedade se desenvolve diante das exigências incessantes de renovação e de adaptação dos produtos e dos serviços, e da necessidade de inovar. Neste cenário, é indispensável renovar os conhecimentos e as competências inseridos em situações de aprendizagem permanente (LE BOTERF, 2003). O profissional não pode mais definir sua identidade unicamente referida ao "saber fazer" de um ofício. Ele deve mobilizar um conjunto de recursos de sua personalidade para encontrar uma solução para o problema do seu aluno, de uma turma ou qualquer que seja a situação com a qual se depare. O profissional se compromete a tudo fazer para resolver um problema ou reagir a uma situação (LE BOTERF, 2003).

Para uma maior mobilidade das competências, o professor deve estar aberto à aprendizagem constante, ter flexibilidade para acompanhar as mudanças, e ser também agente de mudança, na sociedade, na educação e na ciência, de modo a promover um ensino de qualidade para o saber agir, saber mobilizar, saber combinar, saber transpor, saber aprender, saber aprender a aprender e saber se envolver (LE BOTERF, 2003). O professor necessita desenvolver caráter, valores, princípios e coragem em seus alunos. Estar disposto a mobilizar os seus conhecimentos para extrair respostas e reflexões dos alunos. Gardner (2001) pondera que o professor necessita instigar seus alunos a se questionarem sobre o que é ensinado e por que estes estudantes necessitam assimilar determinado conteúdo, de modo a direcionar ao entendimento da matéria e a compreensão dela como importante para o seu tempo. O desenvolvimento das competências está no cerne da profissão de formador, a qual assume mais um papel de treinador que de um transmissor de saberes ou modelos. O treinador está centrado no aprendiz e em seu processo de desenvolvimento, tem por característica estimular em vez de controlar o educando, assim sendo, ele observa, chama a atenção, sugere e motiva (PERRENOUD, 2002).

A autonomia e responsabilidade dos profissionais dependem da capacidade de refletir sobre determinada situação ou ação. Esta capacidade está em pleno desenvolvimento, em decorrência da experiência das competências e dos saberes de cada profissional. A formação de pessoas competentes depende do saber o que tem que ser feito, sem limitações impostas por regras, diretrizes, modelos, programas, horários e padrões (PERRENOUD, 2002). Ser autônomo é saber tomar decisões de forma responsável e consciente de suas causas e consequências. De modo, é considerado os limites do processo de aprendizagem para o desenvolvimento dos alunos. É neste contexto de escolhas, em que se decide em cenários de incertezas, no qual os resultados são abertos para diferentes possibilidades de respostas, pois dependem de vários fatores, como habilidades, personalidades, preferências e aptidões dos professores e alunos (PERRENOUD, 2001; NIKOLIC; CABAJ, 2001).

Mais do que entender o significado de competência e quais são as competências ideais para a prática profissional do professor universitário, é crucial o entendimento do profissional acerca da necessidade constante de atualização, adaptação e das mudanças que ponderam tal prática. Além disso, adicional ao "saber fazer" de uma profissão (LE BOTERF, 2003), é necessário refletir sobre sua prática, em um questionamento constante sobre suas ações e dos valores e princípios que as regem. Com isso, a questão central que esta pesquisa buscou responder é: Quais são as competências profissionais necessárias para a prática reflexiva de professores universitários em duas áreas do conhecimento?

Em decorrência disso, o objetivo geral do estudo é identificar as competências profissionais necessárias para a prática reflexiva do professor universitário. Tal objetivo foi atendido com base em entrevistas a professores universitários de graduação das áreas de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Química de uma universidade do estado do Rio Grande do Sul. Em acréscimo, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos:  (i) identificar como acontece o envolvimento crítico do professor; (ii) analisar se a prática reflexiva e o envolvimento crítico andam juntos; (iii) identificar quais inteligências se destacam na atuação do professor; e (iv) comparar as competências, o envolvimento crítico, a prática reflexiva e as inteligências múltiplas nas duas áreas do conhecimento.

Na sequência, o estudo foi dividido em quatro partes. Na primeira parte, o referencial teórico realiza a contextualização do tema, aborda os conceitos de competência, prática reflexiva, envolvimento crítico e inteligências múltiplas. O método de pesquisa, apresentado na segunda parte, expõe as competências profissionais que cada curso pretende desenvolver, as etapas, técnicas e procedimentos metodológicos adotados. Na terceira parte, os resultados e discussões, embasados nas entrevistas realizadas e, por fim, as considerações finais.

2. Contruindo competências: da reflexão na essência da ação à prática reflexiva     

A aprendizagem acontece como resultado da reflexão crítica da própria experiência, e a educação deve visar à noção do pensamento reflexivo. O pensamento reflexivo é a espécie de pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria e consecutiva. Ele inicia com uma situação ambígua que de alguma forma representa um dilema para o individuo. A partir desse sentimento de dificuldade, o individuo localiza e define o problema e assim, parte para a análise de diferentes ângulos de tal problema para sua solução. Isso leva a observação e experimentação e, finalmente, a decisão de agir ou não, com tais soluções (DEWEY, 1959; 1971).

Schön (1983; 1987; 2000) segue a linha de pensamento de Dewey (1959; 1971), e desafia a visão convencional (técnica-racional) da prática profissional. Tal prática considerava que os profissionais atuavam na aplicação dos conhecimentos técnicos ou especializados formalmente aprendidos. De acordo com Schön (1983; 1987; 2000), essa não é a única forma de os profissionais solucionarem seus problemas. Eles também fazem uso de conhecimento tácito, conhecimento conectado a atividades específicas, que Schön (1983; 1987; 2000) chama de "conhecer-na-ação" (knowing-in-action).

Para Schön (1983, 1987, 2000), a competência crucial de qualquer profissional é a reflexão. É importante para o desenvolvimento inicial, para a prática diária e para o aperfeiçoamento contínuo. Além disso, permite ao profissional acessar seus conhecimentos tácitos (HACKETT, 2001). A reflexão inclui a "reflexão-na-ação", que envolve a reflexão durante a ação e a "reflexão sobre a ação", em que o profissional retorna à experiência, presta atenção aos seus sentimentos e dos demais envolvidos na experiência, e a reavalia. Adicional aos conceitos de Schön (1983; 1987; 2000), Perrenoud (2002) fala que existem dois processos mentais que remetem a prática reflexiva. Um deles diz que não há ação sem reflexão durante o processo (a reflexão acontece acerca da situação, dos objetivos, dos meios, do lugar entre outros), já o outro processo afere a respeito da reflexão sobre a ação (a própria ação é objeto de reflexão).

A nova epistemologia da prática profissional de Schön (1983; 1987; 2000) em particular, o conceito do profissional reflexivo, se tornou doutrina central no desenvolvimento de muitos programas profissionais. A reflexão é a competência chave para adquirir todas as outras competências e manter um processo de aperfeiçoamento contínuo (SCHÖN, 1983; 1987; 2000). A reflexão (sobre uma ação passada ou atual) pode levar a algum tipo de modificação comportamental e se espera que leve ao aperfeiçoamento da competência profissional (CHEETHAM; CHIVERS, 1998). De acordo com Schön (1983; 1987; 2000), a reflexão-na-ação tem uma função crítica, em que o indivíduo se questiona, pensa criticamente sobre o que o leva a determinada ação, dando assim, a oportunidade de repensar e reestruturar as estratégias de ação. Tomando como modelo o ofício do professor, tal profissional sabe tirar as lições da experiência e transforma suas ações em experiência. Para Kolb (1984), as pessoas percebem e transformam suas experiências de forma diferente. Da sua prática profissional, o professor gera uma oportunidade de criação de saber. Não se trata somente das experiências passadas, mas também da reflexão sobre a ação (LE BOTERF, 2003). A reflexão é um componente crítico do aprendizado informal (KOLB, 1984) e é mais um resultado do que um processo de aprendizagem contínuo (CONLON, 2004).

Saber agir com pertinência é saber tirar as lições da ação. É isso que Argyris e Schön (1974) chamam de "saber acionável". É o saber que pode ser aplicado, que é não somente prático, mas que permite obter os efeitos esperados porque é fundamentado em uma validação das teorias que o subentendem. O saber acionável permite verificar a validação das teorias de ação que o orientam. Dessa forma, se distinguem dois tipos de aprendizagem: a aprendizagem de circuito simples (single-loop learning) e a aprendizagem de circuito duplo (doble-loop learning). Na aprendizagem de circuito simples, o professor mudará sua estratégia de ação para atingir um resultado diferente sem questionar os pressupostos subjacentes sobre o assunto. Já no circuito duplo, a falha de uma ação em atingir um resultado desejado irá levar não somente a reavaliação da estratégia de ação, mas também aos valores, princípios e suposições que a pessoa possui que afetam as estratégias de ação. É dessa forma, através da aprendizagem e também da experiência que os professores aprendem a refletir sobre suas ações e assim mobilizarem diferentes competências.

Schön (1983; 1987; 2000) fala do ateliê de projetos arquitetônicos como um modelo educacional para a reflexão-na-ação, o qual tem o "fazer" como processo central de aprendizado. O ateliê oferece um acesso privilegiado às reflexões sobre o processo de projeto, sendo um exemplo vivo de ensino prático reflexivo. Para Schön (1983; 1987; 2000), na evolução de um projeto arquitetônico durante a disciplina de ateliê, o aluno encontra um problema e o professor reflete criticamente sobre tal problema, refaz a concepção acerca dele e continua a trabalhar as consequências da nova geometria, segue assim, uma reflexão-na-ação sobre o problema reestruturado. Aprender a projetar é um processo em que algumas coisas só podem ser compreendidas na experiência real do processo de projeto. Gardner (2001) também compartilha dessa ideia dizendo que o aluno entende o porquê de um conteúdo quando vivencia a compreensão do mesmo. Um ensino prático reflexivo é uma experiência de alta intensidade interpessoal (SCHÖN, 1983; 1987; 2000).

3. Prática reflexiva e envolvimento crítico

De acordo com Perrenoud (1999; 2002) a prática reflexiva e a participação crítica do professor não podem ser vistas separadamente. São, ao contrário, fios condutores do conjunto da formação, das atitudes que deveriam ser adotadas, visadas e desenvolvidas pelos formadores e das unidades de formação, segundo diversas modalidades. Basta dizer que as competências profissionais só podem, na verdade, ser construídas graças a uma prática reflexiva e na qual haja participação que se assegure desde o início dos estudos (PERRENOUD, 1999; 2002; SCHÖN, 1983; 1987; 2000). É a partir de uma postura reflexiva e participação crítica dos professores que os estudantes tirarão o melhor proveito de sua formação (PERRENOUD, 1999; 2002).

Quanto ao envolvimento crítico, Perrenoud (1999; 2002) pondera que envolvimento é, em primeiro lugar, ter interesse, se informar, participar do debate, explicar e demonstrar. Um profissional reflexivo aceita fazer parte do problema ao passo que reflete sobre sua própria relação com o saber, com as pessoas, o poder, as instituições, as tecnologias, o tempo que passa, a cooperação, tanto quanto sobre o modo de superar as limitações ou de tornar seus gestos técnicos mais eficazes (PERRENOUD, 1999; 2002). Que um professor reflexivo mantenha uma relação de envolvimento com a sua própria prática é o mínimo que se exige, na perspectiva da profissionalização. Aqui se trata de outra forma de envolvimento, de um compromisso crítico no debate social sobre as finalidades da escola e universidade e seu papel na sociedade.

Para Hackett (2001), o envolvimento crítico começa a acontecer quando as pessoas questionam informações, ideias ou comportamentos. Este processo, leva ao reconhecimento da variedade de sutilezas que influencia uma situação educacional, as características físicas, psicológicas, sociais, relacionais e pessoais dos envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem. Dessa forma, o envolvimento crítico estimula a criação de condições nas quais cada pessoa é respeitada, valorizada e ouvida.

Perrenoud (1999; 2002) fala que a participação ativa e crítica dos professores se expressa em quatro níveis: (i) aprender a cooperar e a atuar em rede; (ii) aprender a viver a escola (e a universidade) como uma comunidade educativa; (iii) aprender a sentir-se membro de uma verdadeira profissão e responsável por ela; e (iv) aprender a dialogar com a sociedade.

4. Inteligências múltiplas

A Teoria das Inteligências Múltiplas proposta por Gardner (1994) revolucionou o ensino e a aprendizagem em escolas em diferentes culturas e sociedades (MOKHTAR; MAJID; FOO, 2007). Tal teoria repercutiu uma nova visão de aprendizado entre educadores e praticantes, mostrou uma nova forma de comunicar a informação aos aprendizes. Gardner (1994) propôs que cada indivíduo possui, em níveis diferentes, sete formas primárias de inteligências chamadas: linguística, lógico-matemática, corporal-cinestésica, visual-espacial, musical, intrapessoal e interpessoal. Posteriormente, Gardner adicionou uma oitava e nona inteligência, que denominou "naturalista" e "existencial".

Essa teoria possibilita trabalhar com estímulos específicos e com isso desenvolver determinada habilidade de cada indivíduo. Gardner (1994) acredita que essas competências intelectuais são relativamente independentes, com origem e limites genéticos próprios e substratos neuroanatômicos específicos e dispõem de processos cognitivos próprios. A principal ideia por traz da teoria é de que a inteligência não é uma entidade única, mas sim tem uma forma plural em que cada indivíduo dispõe de graus variados de cada uma das inteligências e maneiras diferentes com que elas se combinam, organizam e se utilizam dessas capacidades intelectuais para resolver problemas e criar produtos. Gardner ressalta que, embora estas inteligências sejam, até certo ponto, independentes uma das outras, elas raramente funcionam isoladamente. É necessária uma combinação de mais de uma inteligência para desempenhar um bom trabalho, como um cirurgião, por exemplo, que precisa ter inteligência corporal-cinestésica, mas também espacial.

É esperado que o indivíduo seja mais receptivo à aprendizagem se sua inteligência dominante for explorada e usada como um catalisador para encorajar a aprendizagem que é mais efetiva (MOKHTAR; MAJID; FOO, 2007). Dessa forma, o indivíduo pode se auto-motivar a aprender e também auto-aprender a partir de direcionamentos apropriados, portanto aprender é um processo de auto-atualização, descobertas, experiências e reflexão (CHENG, 2003). No presente artigo, o foco não está no aluno, mas sim nas inteligências que predominam na atuação de cada professor e, se há ou não, predomínio ou divergências nas inteligências desenvolvidas pelos professores nas duas áreas do conhecimento analisadas.

5. Método de pesquisa

 

5.1. Ambiência de Pesquisa

 

Os profissionais entrevistados são professores do curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo e do curso de Graduação em Engenharia Química de uma universidade do estado do Rio Grande do Sul e que atuaram no primeiro semestre de 2014. Para uma melhor compreensão e também como comparativo das duas áreas do conhecimento foram analisados os projetos pedagógicos de ambos os cursos, descritos pela universidade analisada. A seguir, para a caracterização dos cursos analisados a Figura 1 é ilustrativa e contempla os objetivos de cada curso, o papel do professor e o perfil do egresso.

Figura 1- Caracterização dos cursos analisados

 

Graduação em Arquitetura e Urbanismo

Graduação em Engenharia Química

Objetivo do Curso

Contribuir com a sociedade por meio da formação de um profissional com a máxima competência na concepção e gerenciamento da intervenção arquitetônica e urbanística, que atue de forma inovadora, crítica e ambientalmente sustentável, e que promova uma relação harmoniosa entre o objeto construído e seu contexto de inserção.

Preparar o engenheiro químico com capacidade crítica, comprometido com as necessidades da sociedade e com o cuidado ao meio ambiente, com competência técnico-científica, política e social para transformar conhecimentos científicos em inovações tecnológicas, a fim de utilizá-los na atividade produtiva.

Papel do Professor

O professor deixa de ser o tradicional "transmissor" de conteúdos para ser um problematizador, um facilitador da aprendizagem segundo uma postura crítica construtiva. Professor e alunos passam a se relacionar de forma a construírem juntos os significados de cada etapa das aprendizagens realizadas.

O papel do professor nesse processo é o de ser "provocador" de perturbações nas construções mentais que o aluno já possui instigando-o a construir e internalizar novos conhecimentos, bem como ser um orientador e compartícipe da construção do novo e oportunizar a contextualização do conhecimento.

Perfil do Egresso

Domínio das habilidades e competências desenvolvidas ao longo da formação acadêmica, se espera um profissional apto a fazer frente aos desafios que a sociedade propõe, atuando pautado por princípios éticos, políticos, científicos e técnicos voltados à complexidade das relações e das demandas humanas e sociais.

O perfil desejado para o egresso refere-se a um engenheiro químico com formação generalista, humanista, ética, crítica e reflexiva, e uma sólida formação técnico-científica e profissional, capacitado a absorver e desenvolver novas tecnologias e com uma atuação crítica e criativa na identificação e resolução de problemas.

Fonte: Proveniente dos projetos pedagógicos dos cursos analisados.

5.2. Técnicas e Procedimentos da Pesquisa

Para responder aos objetivos propostos no estudo, foi utilizada a aplicação da técnica de pesquisa designada qualitativa e de caráter descritiva, que apresenta como características principais a análise dos fenômenos através da descrição das relações qualitativas entre as variáveis e os fatos, que também é marcada pela necessidade de informações detalhadas que dependem do conteúdo e da profundidade das entrevistas (KIRK; MILLER, 1986; MILLER, 1991; MALHOTRA, 2001). Para Selltiz, Whightsman e Cook (1959) a pesquisa qualitativa descritiva se difere da pesquisa exploratória por já existirem pressupostos previamente conhecidos do problema a ser pesquisado.

Sendo assim, os dados da presente pesquisa foram obtidos por intermédio de entrevista individual em profundidade, com tratamento semiestruturado e com a utilização de um roteiro básico de questões (RIBEIRO; MILAN, 2004; KING; HORROCKS, 2010). A entrevista individual em profundidade confere ao entrevistador a possibilidade de abordar itens com maior profundidade, permite elevado grau de controle do tempo e maleabilidade para adaptações em determinadas situações (COOPER; SCHINDLER, 2003; RIBEIRO; MILAN, 2004; KING; HORROCKS, 2010).

Segundo King e Horrocks (2010), o tratamento semiestruturado das entrevistas permite aos entrevistados a liberdade para responder cada pergunta com a orientação que julgar conveniente e, assim, compartilhar de forma ampla as informações, com base no foco estipulado pelo entrevistador. A condução das entrevistas foi realizada pelas autoras, embasadas no roteiro básico de questões. É oportuno evidenciar que as entrevistas foram gravadas em meio eletrônico e posteriormente transcritas, de acordo com Wolcott (1994) e Ribeiro e Milan (2004), de modo a auxiliar nas atividades de análise e interpretação dos resultados.  

6. Resultados e discussão

6.1. Perfil dos Respondentes

Foram entrevistados dez professores, cinco da Graduação em Arquitetura e Urbanismo e cinco da Graduação em Engenharia Química. Como critério para a escolha dos professores, tais profissionais têm formação nas respectivas áreas do conhecimento, atuaram no primeiro semestre de 2014 e lecionam a disciplina de ateliê (professores de Arquitetura e Urbanismo) ou disciplinas que envolvam experimentos (professores de Engenharia Química) (vide Figuras 2 e 3).

Figura 2- Caracterização do perfil dos professores de arquitetura e urbanismo

Sujeito

Formação

Área de atuação na docência

Tempo de atuação

Professor A

Mestrado em planejamento urbano e regional; Especialização em paisagismo e meio ambiente; Graduação em arquitetura e urbanismo.

Planejamento urbano.

18 anos

Professor B

Doutorado em engenharia civil; Mestrado em engenharia civil; Graduação em arquitetura e urbanismo.

Conforto ambiental.

16 anos

Professor C

Mestrado em planejamento urbano e regional; Especialização em planejamento energético-ambiental municípios RS; Graduação em licenciatura em letras clássicas e vernáculas; Graduação em arquitetura.

Projeto de arquitetura e urbanismo; Desenho.

15 anos

Professor D

Mestrado em administração; Especialização em engenharia civil; Graduação em arquitetura e urbanismo.

Tecnologia da construção; Projeto de arquitetura; Gestão da construção.

18 anos

Professor E

Mestrado em arquitetura; Graduação em arquitetura e urbanismo;

Evolução urbana; Restauro; Projeto de urbanismo.

17 anos

Fonte: Proveniente das entrevistas.

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Figura 3- Caracterização do perfil dos professores de engenharia química

Sujeito

Formação

Área de atuação na docência

Tempo de atuação

Professor 1

Doutorado (em andamento) em engenharia química; Mestrado em biotecnologia; Graduação em engenharia química.

Engenharia ambiental; Engenharia química; Gestão da qualidade.

3 anos

Professor 2

Doutorado em engenharia química; Mestrado em engenharia química; Graduação em engenharia de alimentos.

Fenômenos de transporte; Operações unitárias.

3 anos

Professor 3

Pós-doutorado em engenharia química; Doutorado em engenharia química; Mestrado em tecnologia de processos químicos e bioquímicos; Graduação em engenharia química.

Tecnologia de bioprocessos; Engenharia bioquímica.

32 anos

Professor 4

Doutorado em engenharia química; Mestrado em engenharia química; Graduação em engenharia química.

Biotecnologia; Tecnologia de bioprocessos.

3 anos

Professor 5

Mestrado em engenharia de minas, metalúrgica e de materiais; Graduação em engenharia química.

Mecânica de Fluídos; Transferência de Calor;

28 anos

Fonte: Proveniente das entrevistas.

6.2. Competências, Prática Reflexiva, Envolvimento Crítico e Inteligências Múltiplas

Primeiramente, os professores foram questionados a respeito da necessidade de desenvolverem algum tipo de competência ao logo da sua trajetória profissional. Com base no conceito de competências, como o CHA (conhecimentos, habilidades e atitudes) foram percebidas algumas falas dos entrevistados que contextualizam o tema. Com relação ao conhecimento, quem ensina não detem o conhecimento, mas estimula o aluno a construir seu próprio conhecimento, o professor apenas é um mediador, é um facilitador do acesso ao conhecimento pelo aluno (PROFESSORES A; PROFESSOR E; PROFESSOR 4). Tal fato pode ser associado ao referido por Perrenoud (2002) em que o formador assume mais um papel de treinador que de um transmissor de saberes, centrado assim no aprendiz e em seu processo de desenvolvimento.

O professor é o mediador, e precisa incentivar o aluno a largar o celular e o computador para prestar atenção na aula. Em outras épocas, "o professor até podia falar alguma coisa porque a gente não tinha a certeza se era aquilo ou não (...) Hoje, eles estão com o smartphone na mão, eles estão consultando, estão verificando se o que você falou é de fato verdade ou não" (PROFESSOR 1). Atualmente, quem ensina não é mais o dono do conhecimento como antigamente, o aluno espera na atualidade que o professor diga como resolver um problema dele (PROFESSOR E). O professor é o formador de opinião, se o aluno tem dúvidas, é quem irá nortear suas ideias para encontrar as soluções (PROFESSOR 2), consoante ao que fala Le Boterf (2003), que o professor deve mobilizar um conjunto de recursos de sua personalidade para encontrar uma solução para o problema do seu aluno e assim se compromete a tudo fazer para resolver um problema ou reagir a uma situação.

Com relação às habilidades, é necessario saber agir frente ao imprevisto (PROFESSOR 5) logo, em qualquer aula é sempre um desafio, mesmo com uma aula toda planejada, a interação com pessoas, num grupo heterogêneo, as condições climáticas e o conjunto de outras condições do ambiente, podem mudar completamente o planejamento, de modo a solicitar ao professor a habilidade de improvisar e se adaptar frente a uma nova situação (PROFESSOR C). É necessário saber gerir diferentes conflitos e criar um ambiente favorável para que o aluno inove, num ambiente atualizado (PROFESSOR D), com habilidade de unir o conhecimento e a forma de lidar com as pessoas, saber interagir com os alunos que chegam à universidade "cada dia mais imaturos, mimados, sem saber exatamente o que querem e também não sabem ouvir um não" (PROFESSOR A), com habilidades para abordar certas atitudes de alguns alunos que representa a falta de maturidade dos mesmos (PROFESSOR 2).

É necessário ter a habilidade de transmitir o conhecimento que é solicitado, desenvolver a partir da ementa, de forma lúdica para que esta geração de alunos não se distraia tanto (PROFESSOR 1). A falta de atenção dos alunos se deve ao excesso de conexão à internet, no whatsapp, no Facebook, e existem pessoas que não conseguem terminar uma prova, pois precisam sair da sala para se comunicar (PROFESSOR 1; PROFESSOR 2). A baixa concentração dos alunos, na maioria dos casos é porque conversam ou estão no celular (PROFESSOR 4), e o que irrita o professor é quando o aluno não está interessado em nada da aula (PROFESSOR B). Portanto, o desafio está em manter o interesse do aluno no conteúdo, mesmo que a teoria da química seja a mesma há 40 anos, o conhecimento exato das engenharias não mudou, no entanto, as pessoas que alteraram seus comportamentos, logo é necessário adaptar o ensino às pessoas (PROFESSOR 1; PROFESSOR 3).

É preciso algum tipo de intervenção pelas instituições em geral, frente à utilização das tecnologias, pois o comportamento dos alunos interfere no modo como eles se comunicam, a partir do celular e redes sociais, que refletem na dificuldade de escrever corretamente devido as abreviações (PROFESSOR 2). Em decorrência da tecnologia a visão de professor, do aluno e do mundo se altera. O conhecimento está disponível para o mundo inteiro, então o papel do professor neste contexto não é mais trazer informação, mas gerar uma análise crítica sobre esta informação disponível (PROFESSOR C). No entanto, existe a crítica da geração que só quer internet, mas todos nós só queremos internet, por isso é necessário se desapropriar do preconceito e se atualizar para acompanhar os alunos (PROFESSOR B), com enfase nas necessidades da aprendizagem constante e flexibilidade para acompanhar mudanças (PERRENOUD, 2002; LE BOTERF, 2003).

É necessário ao professor desenvolver habilidades e tomar atitudes para que o aluno chegue a excelência, querendo ou não, de modo a "incentivar o aluno a fazer coisas que ele não faria normalmente" (PROFESSOR E). O professor 2 retrata um problema enfrentado com uma turma que tentou desafia-lo por achar que não teria experiência suficiente para estar em sala de aula. Como atitude, este professor chamou os alunos para conversarem em particular e pediu para que mudassem suas atitudes porque se ele estava naquele lugar, ele tinha competências para estar lá, e assim conseguiu contornar a situação.

Na contextualização da reflexão do professor que resulta em prática reflexiva foi salientada a importância de estimular o aluno a exergar a relação da teoria com a prática. Em algumas situações em suas aulas, os alunos localizam acontecimentos similares aos conteúdos abordados e dizem: "isso está acontecendo lá na empresa onde eu trabalho" (PROFESSOR 5). A busca por exemplos práticos aproxima os alunos ao conteúdo em decorrência da exemplificação e melhora a visualização da teoria com relação à prática, o que Schön (1983; 1987; 2000) e Gardner (2001) apontam que o aluno entende o porquê de um conteúdo quando vivencia a compreensão do mesmo.  O que também é percebido que os alunos compreendem a teoria através da aplicação prática dos conteúdos em projetos (PROFESSOR A). O professor D coloca que:

(...) eu me vejo obrigado a criar cenários em que o aluno consiga questionar, melhorar, evoluir. Quem aprende é o aluno, a gente tem a obrigação de criar um cenário em que a gente consiga ver que o aluno aprendeu, que ele melhorou, que ele evoluiu, que aumentou o repertorio dele.

Portanto, o papel do aluno é agregar valor às aulas com novas situações, novos problemas (PROFESSOR D). O professor B relatou uma aula em que foi contrariado por um aluno após apresentar uma teoria, pois o aluno dizia que os resultados que estavam sendo apresentados não tinham relação com a teoria. O professor então se dispôs a testar em aula o que havia apresentado e seu resultado anterior realmente estava errado, o que ilustra a reflexão-na-ação do professor (SCHÖN, 1983; 1987; 2000; PERRENOUD, 2002).

Assim, "o bom professor é aquele que em princípio de tudo, faça questão que o aluno de fato aproveite e entenda porque que ele tem que aprender cada coisa" (PROFESSOR 3). Tal transcrição vem ao encontro do que Garder (2001) aborda em que o aluno precisa entender o que é ensinado e por que está sendo ensinado tal conteúdo, de modo a direcionar ao entendimento da matéria e a compreensão dela como importante para o seu tempo.

"Hoje os alunos querem o diploma para depois trabalhar, sem ver aplicação da engenharia enquanto estudantes no mercado de trabalho. Então sem esta aplicação, eles perdem um pouco do interesse na área" (PROFESSOR 1). Assim, a vivência acadêmica em conjunto com a vida profissional é importante, pois o curso está inserido nas ciências aplicadas (PROFESSOR D), logo:

(...) você precisa das duas dimensões, você precisa da área tecnológica, da academia, da informação e também da vivência, em escritório, em canteiro, em relacionamento com o cliente, em relacionamento com o fornecedor e parceiros (PROFESSOR D).

Um problema percebido no curso de arquitetura e urbanismo é que cada vez mais recebe professores que são somente pesquisadores e que não trabalham na área. Logo, o desenvolvimento da arquitetura é no mundo, pois "se você se afasta completamente da produção, você deixa de viver os problemas que são os problemas que a arquitetura está enfrentando" (PROFESSOR D).  Desta forma, a relação da academia com a prática de mercado resulta na manutenção do aprendizado. Pois "muita sala de aula te emburrece, como muito escritório também te emburrece", portanto é necessário existir um equilíbrio entre as duas partes (PROFESSOR D). O aluno deve estar inserido no mercado de trabalho, pois somente na universidade ele não será capaz de amadurecer seu lado profissional (PROFESSOR 2).

Um acontecimento que gerou reflexão e crescimento a partir da prática reflexiva, segundo o Professor A, nas disciplinas de ateliê de projetos de arquitetura e urbanismo, ministradas por oito professores, foi constatado que metade de uma turma de 30 alunos reprovaria. Assim, começaram a se questionar: "Quem está errado nessa história, será que nós estamos exigindo demais e os meus alunos não estão em condições de dar essa resposta ou será que são eles?" Dessa forma, os professores constataram que o programa de atividades exigido pela disciplina era grande demais para que um aluno pudesse desenvolver sozinho. Portanto, através do diálogo e da reflexão os professores chegaram a um consenso comum de reduzir o tamanho dos projetos até chegar num ponto de equilíbrio. Ainda, o professor coloca que "você não tem a certeza desse teu fazer, desse teu exigir estar sendo na medida correta" (PROFESSOR A), o que é possível identificar a reflexão sobre a ação (SCHÖN, 1983; 1987; 2000). Em acréscimo, existe a preocupação do resultado dos alunos nas provas por alguns professores, pois durante as aulas questiona se existem dúvidas e os alunos demostram compreensão do conteúdo, mas nas provas o resultado é contrário, assim durante a correção das provas surge a questão: "Onde foi que eu errei?" (PROFESSOR 1).

Na sequência, a partir da prática reflexiva, foi constatado o envolvimento crítico que desafiam o professor no ponto de vista pessoal, no relacionamento com o aluno, com os demais professores e a universidade. Em uma das situações, ambos foram professores de uma aluna com deficiência visual (PROFESSOR 2; PROFESSOR 5). No entanto, os professores não foram devidamente preparados para atender esta aluna, mas logo buscaram maneiras de ajuda-la a trabalhar com o conteúdo e também fazer com que se sentisse acolhida. Foi feito um trabalho de aceitação à condição de deficiente visual e também para que buscasse ajuda. Atualmente, a aluna corre em competições e também nada. É necessário existir empatia do professor aos alunos, é "poder se colocar na posição do outro", ser mais flexível (PROFESSOR 5), pois:

(...) os alunos são adultos e eles têm problemas de gente adulta. Os alunos perdem emprego, eles se divorciam, eles têm filhos, eles têm pais que adoecem, e essas coisas não podem ser desconectadas. Isso não significa que um aluno não será aprovado sem a devida competência porque teve um problema. Não é isso, mas o aluno tem que ser entendido que ele não é simplesmente um estudante. Muitas vezes eles são muito demandados nas empresas, então também tem essas épocas (PROFESSOR 5).

Uma crítica aos alunos de projetos de ateliê se refere à falta de preparo do aluno ao encarar os projetos, pois eles vêm com uma educação embasada nos conhecimentos que são separados em partes, o modo cartesiano, para participar de aulas que abordam a multidisciplinaridade, que buscam integrar os conhecimentos necessários para atuação com destaque no mercado de trabalho (PROFESSOR D). É possível constatar a preocupação do professor para com os alunos que ingressam no mercado de trabalho, o diálogo com a sociedade, pois as empresas buscam cada dia mais profissionais que vistam a camisa da empresa e assumam riscos junto com a empresa, no entanto, muitas vezes os alunos, os profissionais formados não possuem noção disso. Assim destaca o desafio do professor junto ao aluno em trabalhar essa multidisciplinaridade que a globalização solicita cada vez mais, formar um profissional múltiplo (PROFESSOR 1) e salienta que:

Ele tem que ser um engenheiro químico que entenda um pouco de administração, um pouco de vendas, um pouco de como se comporta o mercado e ele vai ter uma equipe e vai ter que gerir essa equipe. Como ele vai fazer isso se ele passou a vida inteira dentro de uma redoma?

Para o professor 3 é necessário:

 (...) conciliar a profundidade com que se tratam os temas dentro da academia com aquilo que a sociedade precisa, (...) e não é só a questão de aplicar, mas também de provocar (...) eu acho que nós temos que criar coisas novas e trazer essas coisas novas, tornar perceptíveis, compreensíveis pela sociedade para que ela se aproprie disso e nos peça mais. Mas eu acho que o grande desafio é cada vez mais dar o retorno para a sociedade daquilo que nós fazemos.

Com relação às inteligências múltiplas, dentre as inteligências foi percebida a interpessoal, com o ato de ter paciência e ser generoso, ou seja, "dar tudo aquilo que você consegue em relação ao conteúdo, em relação ao tempo que você tem, se dispor" (PROFESSOR 2). Também foi constatada a inteligência linguística de comunicar e interpretar situações; a intrapessoal do autoconhecimento; a interpessoal que aborda os relacionamentos e compreensão das situações para se colocar no lugar do outro, no trecho seguinte:

(...) ela não enxergava no quadro. Ela tem 10% da visão apenas em um olho, no outro olho ela não tem. Então ela consegue enxergar, mas tem que fazer todo um aumento de letra, com espessura maior e isso a própria universidade faz. Mas o que a gente trabalha em sala de aula no quadro, na resolução de exercícios ela não consegue enxergar. Então, eu preparava antecipadamente todo o material em folhas com caneta hidrocor, que tem que ser espesso e grande pra ter o contraste suficiente. Então a minha aula tinha que ser extremamente planejada (PROFESSOR 5). 

A inteligência interpessoal é percebida na necessidade de compreender seus futuros alunos para ensinar, e também a forma de cativar, de tratar com os alunos é importante para que ele goste do que o professor esteja falando e consiga se interessar pelo assunto (PROFESSOR A). Esta inteligência está relacionada em perceber que o aluno também é uma pessoa que em algum momento da vida vem com problemas para a aula e por isso a avaliação não pode ser injusta (PROFESSOR B). Inicialmente, o Professor 1, quando tinha menos experiência, enfrentava o aluno mais de frente, mas após reflexões sobre qual o tipo de professor que pretendia ser, com base na inteligência intrapessoal, percebeu que o ato de lidar com as pessoas evolui ao longo dos relacionamentos com os alunos. É necessário "entender o que é liderança de um professor dentro de uma sala de aula, entender qual é o papel dele e como consequência disso, vai decorrer o relacionamento com os alunos" (PROFESSOR A).

É necessário ao professor se envolver com o aluno, é a paixão, a sinceridade do propósito de ensino, é fazer a diferença, ser exemplo de dedicação, de respeito, na forma de encarar a vida. "Sou professor de engenharia, nada mais técnico, mas de todo o modo a gente tem antes de tudo que tocar, tocar as pessoas" (PROFESSOR 3). 

Aos professores de engenharia química em geral, é suposto que tenham desenvolvido a inteligência lógico-matemática, evidenciada também nas entrevistas ao relatarem que são solucionados diversos exercícios ao longo do semestre em praticamente todas as disciplinas. Os professores de arquitetura, pela profissão que exercem também se supõe que tenham desenvolvido inteligência lógico-matemática assim como a inteligência espacial, percebida na fala do professor C que aborda que em um assessoramento de projeto é possível vislumbrar soluções projetivas em decorrência do repertório de projetos já desenvolvidos.

A partir da análise e discussão dos resultados apresentados, a Figura 4 ilustra de forma resumida as competências profissionais identificadas, a prática reflexiva, o comportamento crítico e as inteligências múltiplas dos professores de arquitetura e urbanismo e de engenharia química, assim como os pontos em comum identificados.

Figura 4- Resumo dos cursos e pontos em comum

 

Curso de Arquitetura e Urbanismo

Curso de Engenharia Química

Pontos Comuns entre os Cursos

Competências Profissionais

Lidar frente à imaturidade dos alunos;

Gerir conflitos;

Enfrentar desafios;

Adaptar-se às mudanças;

Lidar com pessoas diferentes;

Tornar a prática profissional pessoal.

Manter o interesse do aluno; Adaptar o conhecimento às pessoas;

Lidar com o déficit de atenção;

Ter empatia;

Ter domínio técnico.

 

Facilitar o acesso ao conhecimento;

Saber improvisar;

Manter um bom relacionamento com os alunos;

Atualizar-se constantemente;

Trabalhar em equipe.

Reflexão e Prática Reflexiva

Vivência acadêmica em paralelo com a vida profissional.

Estímulo ao aluno a enxergar a relação entre a teoria e a prática.

Reflexão sobre a ação;

Fazer com que o aluno entenda na prática profissional o que está aprendendo na teoria.

Prática Reflexiva e Envolvimento Crítico

Comunidade educativa; Distanciamento de respeito; Profissionalização da prática.

Acolher o aluno;

Ser flexível;

Se colocar na posição do outro.

Multidisciplinariedade; Diálogo com a sociedade.

Inteligências Múltiplas

Espacial.  

 

Lógico-matemática; Linguística;

Intrapessoal; Interpessoal.

Fonte: Proveniente das entrevistas.

7. Considerações finais

Frente às transformações sociais constantes, as pessoas também mudam, os alunos mudam seus desejos e as necessidades se transformam. Cada pessoa, cada aluno, tem interesses distintos ao cursar um curso em uma universidade. Dessa forma, cada aluno espera ter suas necessidades atendidas pela sua universidade, seu curso e seus professores. Com isso, cabe ao professor lidar com essa heterogeneidade que é uma sala de aula e mobilizar diferentes saberes e competências para responder as mudanças constantes e lidar com o ambiente de incerteza.

O professor universitário é um profissional que está em constante contato com diferentes pessoas, de diferentes idades, características e realidades sociais e que, para atender um público heterogêneo, necessita se adaptar frente a diferentes contextos e também a mudanças que são exigidas da sua prática profissional. E, é a partir da sua atuação profissional que o professor desenvolve diferentes competências que permitem a ele agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, aprender, engajar-se, e assumir responsabilidades.

Frente às mudanças sociais, a tecnologia e os meios de comunicação, os smartphones, e redes sociais, desafiam e competem com a atenção dos professores. Portanto, saber agir e atuar em cenários atuais é essencial de modo a adaptar o ensino para as pessoas e não o contrário, ou seja, se é através dos meios de comunicação que os alunos buscam novas informações, é neste cenário que os professores necessitam estimular o diálogo crítico com relação às informações coletadas, de modo a flexibilizar o ensino e possibilitar novos conhecimentos.

A produção do conhecimento em profundidade acadêmica não pode ser desassociada da sociedade, é necessária a construção de uma relação entre as partes. Assim como professores pesquisadores na área das ciências aplicadas necessitam estar ativos no mercado de trabalho para que seu conhecimento se atualize. Do mesmo modo, os professores salientam que apenas o diploma não sustenta a profissão para os alunos, e esperar para se formar e depois ir compreender o mercado de trabalho. Este ato pode causar desinteresse em alguns profissionais, por não criarem a relação da aplicação da teoria na prática, com a compreensão da multidisciplinaridade que é atuar no mercado de trabalho com constantes mudanças.

Nesta pesquisa, foram identificadas as seguintes competências profissionais dos professores universitários: saber proporcionar aos alunos meios de acesso ao conhecimento; saber improvisar; saber manter um bom relacionamento com os alunos; ter a capacidade de atualizar-se constantemente e de trabalhar em equipe. Os resultados convergem com o identificado na literatura, em que a competência profissional é associada a verbos como: saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, saber aprender, saber engajar-se, assumir responsabilidades, e ter visão estratégica (FLEURY; FLEURY, 2001; LE BOTERF, 2003).

As relações com a prática reflexiva e envolvimento crítico não podem ser vistas separadamente, conforme apontado por Perrenoud (1999; 2002). Tal afirmação é conclusiva na forma como os professores são desafiados a se posicionarem de maneira crítica perante situações vivenciadas em sala de aula, em que os professores se colocam no lugar dos alunos para tomarem atitudes que melhor atendem as necessidades dos alunos. Convergente a isso,  as inteligências múltiplas, é possível concluir que, independente da área de atuação do professor, a inteligência interpessoal é de extrema importância para a atuação profissional de qualquer professor, ao passo que permite o bom relacionamento com o próximo e a capacidade de se colocar no lugar do outro.

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1. Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Administração. Email: bebber.suelen@gmail.com


 

Vol. 36 (Nº 19) Año 2015
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