Espacios. Vol. 36 (Nº 12) Año 2015. Pág. E-2

A Proletarização da Profissão Docente e a Formação do Professor Pesquisador no Brasil

The Proletarization of the Teaching Profession and the Education of the Researcher Teacher in Brasil

Caio Flavio STETTINER 1; João Dimas Saraiva dos SANTOS 2; Potiguara Acácio PEREIRA 3

Recibido: 02/03/2015 • Aprobado: 23/04/2015


RESUMO:

Dentre os muitos entraves que têm interferido no processo de formação do professor pesquisador, no Brasil, está o da proletarização da profissão docente. A carência de políticas públicas que visem à formação, a preparação para a prática e o fomento do trabalho deste profissional, aliada à insuficiência de parcerias entre instituições de pesquisa, empresas, estado e sociedade, têm sido grande empecilho.
Palavras-chave: Educação Superior, Formação do professor-pesquisador, Políticas Públicas de Formação, Autonomia docente, Profissionalização, Profissionalismo e Profissionalidade.

ABSTRACT:

Among the many obstacles that interfere in the process of education for becoming a researching teacher in Brazil, there is the proletarization of the teaching occupation. The lack of public policies aiming at training, preparing for the practice and fostering this professional and the insufficiency of partnerships between institutions, companies, the state and society have been major obstacles.
Keywords: Higher education, education of the researcher teacher, public policies for the researcher formation, teaching autonomy, professionalism and professionality.


As grandes transformações que ocorrem no mundo do trabalho acabam por influenciar, também, o processo educativo. E diante do atual estágio da Globalização, que apresenta cenários cada vez mais complexos e cercados por contradições, a exigência por docentes qualificados é muito grande.  

Em que pese sua longa história, a profissão docente ainda vive processo de construção de identidade. Construção essa que abarca não somente a formação inicial, mas também a continuada.   

Quem propagou, pela primeira vez, de modo incisivo, a idéia de formação de professores, foi Comênius, no século XVII. Tinha como intenção a melhoria do ensino nas séries iniciais.

No século XVIII, mais precisamente, em 1774, criou-se o primeiro curso voltado para a formação de professores, na França, e a instituição que o acolheu recebeu o nome de Escola Normal, pois serviria de modelo, ou norma, a ser seguido por outras instituições escolares, cuja função era a de formar alfabetizadores.

Essas instituições proliferaram pela Europa do século XIX, com o objetivo de formar professores que iriam preencher os quadros das escolas criadas pelos nascentes sistemas públicos de ensino constituídos por escolas regidas pelo Estado sob uma política pública comum.

Criava-se a escola tradicional, para atender às demandas da sociedade industrial-capitalista, "... um antídoto à ignorância, logo, um instrumento para equacionar o problema da marginalidade" (SAVIANI, 2006, p.6). Porém, com o objetivo claro de perpetuar no poder a classe burguesa.

A escola era organizada em torno do professor, considerado o detentor do saber sistematizado, que o transmitia aos alunos, de acordo com uma gradação lógica para que os alunos pudessem adquirir seus conhecimentos.

Para se livrar do estigma de "autoritário", no decorrer do século XX, o professor passou a desempenhar diversos papéis, além da transmissão de conhecimentos. Desnorteados em meio a muitos "modelos pedagógicos", ainda hoje, os professores esperam por um novo "paradigma" que possa orientar a ação docente.

No Brasil, datam da quarta década do século XIX as primeiras políticas públicas que normatizavam a regulamentação da formação docente, com a criação das primeiras Escolas Normais, pelos governos provinciais. Tais escolas permaneceram por quase cem anos como as únicas instituições responsáveis pela formação de professores.

Reformas, na educação brasileira, datam de 1920, com a atuação dos primeiros profissionais da educação. No Estado de São Paulo, os decretos n˚ 1.750/20 e 3.356/21, deram origem à primeira faculdade de educação que, embora nunca tenha sido realmente instalada, deu origem, na década seguinte, à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP.

Outras reformas ocorreram na mesma época e tiveram à frente, também, profissionais da educação, tais como Lourenço Filho, no Ceará, em 1923, Anísio Teixeira, na Bahia, em 1926, Francisco Campos e Mário Casassanta, em Minas Gerais, em 1927 e Fernando Azevedo, no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro), em 1928. Esperavam, todos, criar universidades, para estudos acadêmicos em Filosofia, Ciências e Letras. Um "sonho" frustrado, uma vez que se manteve tradição, oriunda do Império, que determinava, apenas, cursos de nível médio para a formação docente.

Sob a liderança de Anísio Teixeira, em 1932, os profissionais da educação publicaram documento, conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, com o objetivo de influenciar a política educacional promulgada pela Nova Constituição da República.

O manifesto surtiu efeito e, em 1934, criou-se a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e o Instituto de Educação, da USP, em São Paulo.

 No ano seguinte, criou-se a Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro e, em 1938, criou-se o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), que passou a funcionar como centro de estudos para todas as questões educacionais relativas aos trabalhos do Ministério da Educação e Saúde.

Com o advento do regime militar, em 1964, firmou-se acordo entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o governo norte-americano, que possibilitou a ajuda técnica prestada pela United States Agency for International Development (USAID), para a reforma do ensino brasileiro em moldes tecnicistas.   

Com o convênio esperava-se implantar o modelo norte-americano na universidade brasileira.  Mais conhecido como acordo MEC/USAID, buscava unir o sistema educacional brasileiro ao modelo econômico. Por isto, passou a exercer papel estratégico, já que a ele caberia delinear o quadro técnico, que deveria atender ao novo projeto econômico brasileiro, alinhado à política norte-americana. Concomitantemente, intensificava-se a formação técnica dos professores, com a contratação de assessores americanos para auxiliar nas reformas da educação pública, em todos os níveis de ensino.

Com a reforma do Ensino Superior (Lei n˚ 5.540/58, de 1968), passou-se a utilizar a estratégia do "autoritarismo desmobilizador" e da "democracia excludente" (SAVIANI, 1991, p.41).

Pela lei, o vestibular seria unificado e as faculdades aglutinadas em universidades. E com vistas a suprir a falta de professores, para atuar na Educação Básica, foram criadas as licenciaturas curtas. Desenvolveu-se, também, um programa de pós-graduação, rigidamente controlado pelo Estado.

Com a reforma do 1˚. e do 2˚. Grau, a antiga Escola Normal foi extinta e, em seu lugar, criou-se a Habilitação Magistério, o que, na visão de Aranha (ARANHA, 2006, P.232) causou grande prejuízo à formação de professores para o Ensino Fundamental. A autora aponta, ainda, dentre outros, os seguintes inconvenientes da nova habilitação:

  1. Apresenta-se esvaziada de conteúdo, pois não responde nem a uma formação geral adequada, nem a uma formação pedagógica consistente;
  2. De "segunda categoria", por receber os alunos com menor possibilidade de fazerem cursos de maior status;
  3. Não há articulação didática nem de conteúdo entre as disciplinas do núcleo comum e da parte profissionalizante, e nem entre estas;
  4. Conforme definida na lei, não permite que se forme nem o professor e menos ainda o especialista. A formação é toda fragmentada.

Em 1988, com a redemocratização do país, promulgou-se uma nova Constituição da República, que continha, em seu texto, alguns pontos positivos relacionados à carreira docente. Dentre eles, a valorização dos profissionais de ensino, com planos de carreira para o magistério público e a autonomia universitária.

Por suas linhas mestras, desenhou-se a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996.

A LDB (lei 9.394/96), embora muito criticada, por ter sido elaborada por Darcy Ribeiro, e não pelo senador Cid Sabóia, ocasionou amplo debate, que envolveu diferentes setores da sociedade civil e trouxe importantes avanços à regulamentação da profissão docente.

A LDB traçou princípios educativos, especificou níveis e modalidades de ensino, regulou e regulamentou a estrutura e o funcionamento do sistema de ensino nacional, dentre outros.

Claro que envolvia muitos interesses e interferia tanto nas instituições públicas quanto privadas, o que abrangia todos os aspectos da organização da Educação Nacional.

Para Carneiro (2011, p.19)

As mudanças nas organizações regidas por normas explícitas, como é o caso das que ocorrem nos sistemas de ensino, supõem uma transição entre um e outro regime. Elas não podem operar-se abruptamente. Embora o novo texto legal passe a viger imediatamente, o ritmo de mudanças vai-se incorporando por aproximações: aos alunos que já estão na escola assegura-se o direito adquirido de permanecer como estão; dos novos alunos, exige-se obediência às novas conformidades legais. A concomitância das duas situações faz esmaecer os pontos de resistência, ao mesmo tempo em que se vão ampliando os espaços de adesão aos novos esquemas normativos e valorativos. Como já se disse, em toda mudança há um período de descontaminação.

Convém, aqui, observar o que segue:

TÍTULO VI

Dos profissionais da Educação

Art. 52. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, e oferecida em nível médio, na modalidade Normal [...]

Art. 56. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.

Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico.

Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos da carreira do magistério público.

I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;

II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim.

III – Piso salarial profissional.

IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;

V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;

VI – condições adequadas de trabalho (BRASIL, 1996, p. 18).

A LDB está longe do necessário para orientar uma reforma educacional plena. Tal processo é lento e requer muita discussão e reflexão. Algumas variáveis importantes não foram levadas em consideração.

O mundo do trabalho, por exemplo, tem influenciado fortemente as reformas educacionais e as políticas públicas na área da educação. Na sociedade globalizada, e apoiada pelo paradigma informacionista, a educação e as demais formas de produção do conhecimento, se tornaram de fundamental interesse para as empresas, especialmente, para as transnacionais.

Um cenário que aponta para uma redefinição do papel da educação, das instituições educacionais e dos educadores. Para alguns autores, como Kincheloe (1997, p.30), tal situação parece levar a um fortalecimento intelectual do professor, que deverá transcender o papel de coadjuvante para se tornar o maior protagonista da dinâmica educacional.

Cabe, aqui, mencionar a questão da profissionalidade docente. O termo profissionalidade substitui o termo profissionalismo, muito utilizado na linguagem comum, e que designa uma maneira de conceber a relação dos profissionais com a sua profissão e das profissões com a sociedade. "O termo profissionalidade abandona uma perspectiva absoluta, em favor de uma perspectiva relativa; o único em favor do diverso, o exterior em favor do interior, o heteroestruturante em favor do interestruturante" (LOPES, 2005, p. 2).

Imbernón (2006, p.27) considera que para aceitar a docência como profissão, o professor e a professora, mediante o exercício de suas atividades, terão de colocar o conhecimento específico a serviço da mudança e da dignificação da pessoa. "Ser um profissional da educação significará participar da emancipação das pessoas. O objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social. E a profissão de ensinar tem essa obrigação intrínseca".

Sendo assim, o autor não considera os professores verdadeiros profissionais, por não apresentarem traços necessários que caracterizam um profissional, e a eles atribui a denominação de semi-profissionais. Alega que a eles falta, normalmente, habilidade para manipular problemas e situações novas, já que, devido à sua formação técnica, não desenvolveram o hábito da pesquisa; não lhes é facultada liberdade para adotar práticas educacionais mais adequadas, uma vez que o desenvolvimento de suas atividades está intrinsicamente ligada ao plano de ensino; não lhes é possibilitada a organização exclusiva que regulamente o acesso e o exercício da profissão; não lhes é delegada a devida autonomia em relação à instituição escolar e nem ao Estado, os quais definem previamente como se dará o processo de ensino-aprendizagem por meio dos currículos; por tudo isso, consequentemente, os docentes são privados de poder e prestígio, fatores que poderiam gerar uma boa remuneração e um plano de carreira justo, o que seriam indicadores da importância do seu trabalho.

A profissionalidade docente faz referência às qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo.

"Falar de profissionalidade significa, nessa perspectiva, não só descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas também expressar valores e pretensões que se deseja alcançar e desenvolver nesta profissão". Prossegue, daí, as três dimensões mais importantes da profissionalidade docente: a) a obrigação moral; b) o compromisso com a comunidade e c) a competência profissional. Dessa forma, é notório que o perfil do professor defendido deve transcender a dimensão da docência técnica. Para o autor, a formação do professor, crítico e reflexivo, ganha contornos no dia-a-dia da sala de aula, na reflexão sobre a prática e na atuação ativa dentro da comunidade, assim como a busca da profissionalidade docente também passa por um caminho penoso, que exige muito esforço, estudo, comprometimento ético e envolvimento político-social. Sem essas características fundamentais, a docência não pode ascender ao status de uma verdadeira profissão (CONTRERAS, 2002, p. 74).

O que, com certeza, será superado, quando o professor for formado, também, para pesquisar. Não é possível que a maioria daqueles que chegam a um curso de pós- graduação, stricto sensu, tenha contato com a pesquisa científica e seja exigida por algo que absolutamente desconhece. Não se pode esquecer, no entanto, que é o professor de hoje quem formará os profissionais de amanhã. Por isto, precisa estar preparado para as rápidas mudanças que inexoravelmente enfrentará.

A perda da autonomia do professor intensificou-se a partir do processo de proletarização do magistério, que se seguiu às políticas de racionalização do sistema de ensino, implantadas desde a década de 50, em diversos países do mundo, dentre eles o Brasil. Com a racionalização do ensino, as escolas se transformaram em organizações de ensino padronizadas, cujas metodologias de ensino-aprendizagem apoiavam-se na psicologia behaviorista e no controle estatal. Neste contexto, o trabalho docente passou a ser rigidamente planejado, com base em currículo fixo e organizado por técnicas governamentais.

A análise da proletarização do ensino, baseada nos estudos sobre a proletarização em geral, indica a perda a autonomia no trabalho como perda humana em si, que supõe realizar uma tarefa reduzida ao seguimento de prescrições externas, perdendo o significado do que se faz e as capacidades que permitam um trabalho integrado, com uma visão de conjunto e decisão sobre seu sentido. A desqualificação, a rotina, o controle burocrático, a dependência de um conhecimento alheio legitimado e a intensificação conduzem à perda de autonomia, perda que em si mesma resulta num processo de desumanização no trabalho (CONTRERAS, 2002, p. 194).      

Tem-se, pois, que as políticas públicas se voltaram para a reprodução da tecnoburocracia dominante e ao desenvolvimento de uma Universidade com foco na formação profissional, por meio de profissionais que, por décadas, sofreram processo de proletarização, o que inegavelmente relegou a um plano menor o desenvolvimento da pesquisa e na conseqüente produção de conhecimentos, funções primevas da Universidade.

Alguns esforços têm sido envidados para reverter o estado atual. São iniciativas tímidas, frente às necessidades e à urgência de adequação do sistema universitário á realidade mundial globalizada.

Com raras exceções, como o da EMBRAPA – EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA –, que desenvolve tecnologias agrícolas, que tornam o país capaz de se firmar como um dos maiores produtores do mundo, o da EMBRAER, com o desenvolvimento de design e fabricação de aeronaves, reconhecidos internacionalmente, e, mais recentemente, como o da PETROBRÁS, com sua, tecnologia de exploração do Petróleo, no Pré-Sal, há programas bem sucedidos, voltados para resolver problemas e fazer avançar o conhecimento em determinados setores da economia considerados pela sociedade brasileira como estratégicos.

Para Akerlind (2007), os professores possuem diferentes percepções a respeito da pesquisa científica. A maioria não concorda com as concepções existentes sobre o que é ser professor universitário, sobre como conduzir pesquisas ou como ter sucesso em seu trabalho. Para o autor, ainda, o pesquisador passa por quatro diferentes fases qualitativas de seu desenvolvimento profissional, como pesquisador: torna-se confiante como pesquisador; torna-se reconhecido como pesquisador; torna-se mais produtivo como pesquisador e se torna mais sofisticado como pesquisador.

São fases que se desenvolvem de forma gradual. Geralmente, se inicia no curso de pós-graduação, onde o profissional desenvolve competências, como pesquisador, posteriormente, com a produtividade, para, finalmente, se preocupar com a qualidade e a sofisticação de seu trabalho.

Com o intuito de entender mais profundamente o tema, há de se verificar como se desenvolveu a pesquisa nas Universidades da América do Norte e como as pesquisas brasileiras se situam em relação ao restante do mundo.

No desenvolvimento histórico da pesquisa em Universidades Americanas, verifica-se que inicialmente enfatizaram a educação e treinamento de jovens para o trabalho, no século XIX, passaram a desenvolver a pesquisa e a consultoria para empresas e indústrias específicas de sua região (MAZZOLENI e NELSON, 2005).

Este contínuo e profícuo relacionamento entre empresa e universidade proporcionou, na América do Norte, uma poderosa força motriz na formação de pesquisadores que, além de poderem ministrar aulas nas Universidades, passaram a realizar pesquisas de orientação teórica e prática em laboratórios. Desenvolveram, também, trabalhos em ambiente empresarial competitivo. Por meio da inovação contínua em seus departamentos de pesquisa e desenvolvimento, adquiriram um quadro de profissionais aptos ao desenvolvimento de novos conhecimentos tanto para fins militares como para fins civis.  

Esta parceria entre indústria e educação não se verificou no Brasil. O desenvolvimento da Universidade, no século XX, se deu sem a participação de empresários e das industriais; os empresários brasileiros com uma concepção sócio cultural de "capitães de indústria"  (CARDOSO, 1964)   utilizaram pouco do potencial de pesquisa no desenvolvimento de seus negócios, com uma política de comércio exterior voltada á substituição das importações; tecnologias de produção foram para Ca trazidas em detrimento do seu desenvolvimento nacional.

Neste sentido, constata-se a pequena participação brasileira no rol dos artigos científicos no cenário mundial como pode ser percebido no gráfico abaixo:

Gráfico - 1
Países com maior número de artigos publicados em periódicos
científicos indexados pela Thomson/ISI, 2009

Fonte(s): Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Elaboração: Coordenação-Geral de Indicadores - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência e Tecnologia.
Atualizada em: 12/11/2010

Observa-se, também, na esfera governamental um paradoxo: de um lado, o Ministério da Educação e Cultura, responsável todos os níveis de ensino; de outro; Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável pelos poucos programas de fomento à pesquisa.

Por conta disto, há uma grave diferença salarial entre professores pesquisadores e funcionários graduados no ambiente empresarial. Professores pesquisadores recebem salário muito inferior ao de seus colegas do ambiente empresarial. Por outro lado, mesmo que se promovam parcerias, e se utilize o conceito de "Hélice Tripla", como querem Dagnino (2003 apud FUJINO e STAL 2007) "[...] no qual governo, universidade e empresa se unem em prol do desenvolvimento tecnológico nacional, tem sido amplamente utilizado para convencer a universidade a cooperar com o setor privado.". Esta parceria tem sido muito pouco efetivada.

Mais recentemente o Governo Federal promulgou a Lei do Bem, Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005, conhecida como Lei do Bem, em seu Capítulo III, artigos 17 a 26, e regulamentada pelo Decreto nº 5.798, de 7 de junho de 2006 consolidando os incentivos fiscais que aas empresas  podem utilizar  desde que realizem pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica.

Esta Lei foi editada por determinação da Lei n.º 10.973/2004 – Lei da Inovação, vindo a fortalecer o marco legal para apoio ao desenvolvimento tecnológico e inovação nas empresas brasileiras.

Os benefícios do Capítulo III da Lei do Bem são baseados em incentivos fiscais, tais como deduções de Imposto de Renda e da Contribuição sobre o Lucro Líquido - CSLL de dispêndios efetuados em atividades de pesquisa e desenvolvimento; a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na compra de máquinas e equipamentos para pesquisa e desenvolvimento; depreciação acelerada desses bens; amortização acelerada de bens intangíveis; redução do Imposto de Renda retido na fonte incidente sobre remessa ao exterior resultante de contratos de transferência de tecnologia; isenção do Imposto de Renda retido na fonte nas remessas efetuadas para o exterior destinadas ao registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares.

Apesar do excelente marco legal favorável a inovação e pesquisa, presentes no país, ainda, a falta de relacionamento entre empresas e escolas faz com este projeto de inovação se faça vagaroso e pouco progresso é percebido pela sociedade brasileira.

Pode se notar pelo número de patentes depositados, por país, a autoridade dos Estados Unidos, no assunto:

Gráfico – 2
Pedidos de patentes de invenção depositados no escritório de marcas
e patentes dos Estados Unidos da América - alguns países, 2009.

Fonte(s): United State Patent and Trademark Office (USPTO) - http://www.uspto.gov/about/stratplan/ar/index.jsp, extraído em 11/03/2011
Elaboração: Coordenação-Geral de Indicadores - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência e Tecnologia

Devemos levar em conta o pequeno número de Doutores por habitante na população brasileira (FOLHA DE SÃO PAULO, 2011) o que dificulta a contratação de profissionais por Universidades, Centros de Pesquisa e Empresas, também, pois a formação de um Doutor é demorada e apesar da remuneração do Doutor ser mais vantajosa em relação á titulações menores, mesmo assim ela é menor que se o profissional desenvolvesse uma carreira em uma grande empresa da iniciativa privada, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo que analisa a proporção de pessoal em pesquisa e desenvolvimento em equivalência de tempo integral em relação às pessoas ocupadas, de certos países, em anos recentes.

Gráfico - 3
Pessoal em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em equivalência de tempo integral,
em relação às pessoas ocupadas, de países selecionados, em anos mais recentes disponíveis.

 Fonte(s): Organisation for Economic Co-operation and Development, Main Science and Technology Indicators, 2010/2 e Brasil: para empresas: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); para estudantes de doutorado: Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); e, para o restante: Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP), Censo 2000, da Assessoria de Estatística e Informação (AEI), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Elaboração: Coordenação-Geral de Indicadores - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência e Tecnologia.

Também deve ser observado, que apesar de possuirmos um Instituto responsável pelo registro de patentes (INPI – Instituto Nacional de Patentes Industriais), sua localização centralizada no Rio de Janeiro – RJ, e seu pequeno quadro profissional tornam o processo de patenteamento lento, ao redor de oito anos (Folha de São Paulo, 2011) em contrapartida este mesmo processo de patenteamento na América demora ao redor de dois anos, este processo na America possibilita uma monetização muito mais rápida das pesquisas o que incentiva o seu desenvolvimento, nas décadas de 80 e 90 o volume de patentes americanas multiplicou-se por seis (LACH, SCHANKERMAN, 2007) o que não se verifica no Brasil.

A possibilidade que tem o pesquisador de receber "royalties" sobre suas pesquisas é prevista na USP-SP, com taxa de 50% do resultado obtido pela Universidade (FUJINO e STAL, 2007).

Considerada uma renumeração elevada percentualmente, para Ackerling (2007), provavelmente, mobilizaria o pesquisador em seu trabalho, como incentivo, mas, o resultado concreto provavelmente seria pouco efetivo em termos de pesquisas, pois apesar de sermos a décima economia do mundo, a considerada uma das mais importantes universidades brasileiras não está dentre as cem primeiras Universidades do mundo, como mostram os "rankings" especializados.

Portanto, o desenvolvimento da pesquisa e inovação no país, passa pela discussão do papel da Universidade na sociedade e sua real vocação para o ensino, a pesquisa e a extensão.

Também há de ser reiterado que, concomitantemente, a percepção, o trabalho e a função do professor, terão de recuperar seu papel de professor-pesquisador, rompendo assim um processo histórico de proletarização da sua profissão.

Deste modo, a sociedade como um todo precisa se apropriar do conceito de que Inovação, não é somente valer-se de produtos tecnológicos importados, mas produzir conhecimento, e assim possibilitar oportunidades ímpares para o desenvolvimento e a modernização do país, por meio do crescimento contínuo da relação Universidades – Empresas – Governo.

Referências:

AKERLIG, Gerlese S. Growing and developing as a university researcher. Estados Unidos: Springer, 2007.

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofia da Educação. 3ed. São Paulo: Moderna, 2006.

CARDOSO, Fernando Henrique. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.

Carneiro, Moaci Alves. LDB fácil: leitura crítico-compreensivo. 3.o Edição, Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.

FUJINO, Asa; STAL, Eva. Gestão da Propriedade Intelectual na Universidade Pública Brasileira: Diretrizes para Licenciamento e Comercialização. Blumenau: Revista de Negócios, v.12, p. 104 – 120 janeiro/março 2007.

IMBERNON, Francisco. Formação docente e profissional. São Paulo: Cortez, 2006.

Jornal Folha de São Paulo, Caderno Negócios, 31/08/2011, p. 2-3.

KINCHELOE, Joe L. A formação do professor como compromisso político. Porto Alegre: ARTMED, 1997.

Latch, Saul; Schankerman, Mark. Incentives and Invention in Universities. London: The London School of Economics and Political Science, June 2006. Em http://www.coloradolifescience.com/econ_dev_reports/LSE_University_Royalties2006.pdf acessado em 20/06/2011

LOPES, Amélia. Fazer da formação um projeto – formação inicial e identidades profissionais docentes. Porto: Lipstick, 2005.

Mazzoleni, Roberto; Nelson, Richard R.  The Roles of Research at Universities and Public Labs in Economic Catch-up, August 2005. Em http://www.lem.sssup.it/WPLem/files/2006-01.pdf acessado em 18/06/2011

Pereira, Potiguara Acácio. Superação da Defasagem Cultural da Escola: Notandum, 17 jul-dez 2008   ESDC / CEMOrOC-Feusp / IJI-Universidade do Porto

SAVIANI, Demerval. Escola e democracia: teoria da curvatura da vara, 25 ed., São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1991.

Sítio Ministério da Ciência e Tecnologia – www.mct.gov.br, acessos entre os dias 02/07/2011 e 02/08/2011.


1. Escola de Negócios Fatec Sebrae, caio.stettiner@fatec.sp.gov.br
2. Universidade Cidade São Paulo j.dimas.santos@bol.com.br
3. Centro Universitário Octávio Bastos papereira@superig.com.br


Vol. 36 (Nº 12) Año 2015
[Índice]
[En caso de encontrar algún error en este website favor enviar email a webmaster]