Espacios. Vol. 36 (Nº 03) Año 2015. Pág. 10

A Busca da Sustentabilidade Urbana em uma Cidade de Riscos Socioambientais: O Arranjo Tecnicoecocômico de Criciúma-SC, Brasil

The Quest for Sustainable Urban in a City of Social and Environmental Risk: The Arrangement Technical-economic of Criciuma-SC, Brazil

Aline Hilsendeger Pereira de OLIVEIRA 1; Teresinha Maria GONÇALVES 2

Recibido: 15/10/14 • Aprobado: 10/11/14


Contenido

1. Introdução

2. Riscos Socioambientais da Cidade de Criciúma

3. Crescimento Econômico e o Arranjo Político-Institucional de Criciúma

4. Considerações Finais

5. Referências


RESUMO:
A globalização é um processo que envolve o mundo contemporâneo trazendo desafios técnicos e metodológicos às diversas áreas das ciências. É um processo transnacional que ultrapassa as fronteiras dos Estados Nacionais. É uma ordem que desterritorializa o sentido e que separa o centro da ação da sede da ação. Os efeitos da globalização da economia como grande ícone dessa nova ordem mundial é percebido tanto em pequenas cidades como em grandes metrópoles. A rápida expansão do crescimento econômico veio acompanhada do processo de urbanização excludente que, na cidade de Criciúma, agrava-se pela quantidade de riscos geotécnicos, naturais e sociais, O objetivo deste trabalho é discutir/apontar a relação entre o desenvolvimento econômico de uma cidade Criciúma-SC/Brasil e o índice desenvolvimento humano municipal (IDHM) no período de 2000 a 2010. A metodologia utilizada foi análise documental nas bases de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e IPEA (Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada). Os resultados apontam que o crescimento econômico não externalizou os benefícios à promoção do desenvolvimento da cidade.
Palavras-chave: globalização, crescimento econômico, cidade de risco.

ABSTRACT:
Globalization is a process that involves the contemporary world by bringing technical and methodological challenges to several fields of science. It is a transnational process that goes beyond the boundaries of nation states. Its order deterritorializes direction and separates the center of action of the action seat. The effects of economic globalization as a great icon of this new world order is perceived both in small towns and in big cities. The rapid expansion of economic growth was followed by the exclusionary urbanization process in the town of Criciúma is aggravated by the amount of geotechnical, natural and social risks. The objective of this work, is to discuss and point out the relationship between the economic development of a city (Criciuma SC / Brazil) and the municipal human development index (IDHM), in the period 2000-2010.The methodology used was analysis of documents from IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics) and IPEA (Institute of Applied Economic Research) databases. The results show that economic growth has not out sinto relief the benefits of promoting the development of the city.
Keywords: globalization, economic growth, city risk.

1. Introduçao

O modo de produção capitalista tem sido denunciado como a principal fonte da degradação ambiental e social na sociedade globalizada. São duas racionalidades conflitantes, a capitalista e a ecológica. Segundo Layrargues (1998) o ambientalismo ecológico não encontra a mesma vertente do econômico. Enquanto o primeiro busca o equilíbrio natural e social, o segundo busca usufruir ao máximo destes recursos para sua expansão. Esse processo tem justificado novas áreas de estudos, relacionando a industrialização ao crescimento econômico e o processo de urbanização relacionado à crescente vulnerabilidade socioambiental.

A crescente urbanização das cidades está associada à degradação do meio ambiente natural. Essa característica gera uma espécie de pressão urbana com a perda de qualidade de vida da população, como a deterioração de centros históricos, falta de parques e de áreas verdes, estrutura de serviços de saúde, educação, transporte, comunicação e elevação do custo de vida. Associada à degradação ambiental está a social, com a ocupação irregular de terras, aumento da favelização, da marginalização e violência.

O setor habitacional brasileiro foi negligenciado nas últimas décadas de 1980 e 1990, somado aos problemas estruturais de desemprego, concentração de renda, fomentaram o crescimento da pobreza urbana e rural, observadas pela ocupação irregular e favelização das áreas periféricas. Nesse contexto, o processo de conurbação urbana foi evidenciado pela expansão da cidade e integração das áreas rurais e urbanas diluindo as fronteiras físicas e político-administrativas (Lopes, Mendonça, 2010). Na economia clássica, os benefícios do crescimento econômico seriam distribuídos num processo de ordem-equilíbrio. Nessa perspectiva, a 'mão invisível' do mercado equilibraria essas relações claramente mensuradas. No contexto atual, a incerteza urbana paira sobre as cidades.

As indústrias mudam sua localização em busca de vantagens competitivas e neste mesmo sentido, a força de trabalho igualmente busca melhores condições de emprego e renda, como se percebe os fluxos pendulares e a presença de imigrantes no Brasil. Essa mobilidade representa uma via de mão dupla e na qual a racionalidade nem sempre é objetiva e individual e nem todas as decisões consideram apenas o capital como principal fator de decisão. A racionalidade subjetiva, como as antecipações e a qualidade de vida influenciam nas decisões de localização das famílias.

Na teoria de Abramo (2007) as decisões são individuais, influenciam e alteram as coletivas. Há várias correntes que delegam as contingências da configuração espacial. O ponto em comum nas teorias da economia espacial é a presença das escolhas individuais num ambiente de incerteza no futuro. Em outras palavras, admite-se a influência macroeconômica na microeconomia das regiões, mas sofrem os processos de externalização locacional. Há, portanto, escolhas individuais que buscam a maximização de benefícios numa lógica de trade-off .

Embora Abramo (2007) defina a escolha da localização por motivos individuais que não os de produção, que este estudo defende, o ponto em comum entre este artigo e o trabalho de Abramo são que as relações socioespaciais se desenvolvem em torno de externalidades. Nesse mesmo sentido, Beck (2011) argumenta que numa sociedade de risco há uma limitação da ação do Estado em promover a justiça social num ambiente de incerteza. Segundo o mesmo autor, a sociedade industrial designa o desenvolvimento urbano e seus riscos socioambientais como incontroláveis ao invés de calculáveis e que desconhecem fronteiras.

2. Riscos Socioambientais Da Cidade De Criciúma

O município de Criciúma caracteriza-se como de porte médio segundo o IBGE (2014) com população estimada para 2014 de 204.667 habitantes, numa densidade demográfica de 815,87 habitantes por Km2. De acordo com os estudos de Gonçalves e Santos (2010) a infraestrutura urbana foi construída sem planejamento e políticas públicas inadequadas ao seu desenvolvimento. Uma cidade, portanto, de risco ambiental e vulnerabilidade social, com bairros inteiros assentados sobre rejeitos de carvão e em solos ocos sustentados por pilares das velhas minas.

A urbanização das cidades é inerente aos riscos por ela enfrentados, pois o perigo e a vulnerabilidade se materializam num espaço geográfico constituído. O mapeamento dos riscos avança em um território comum mais agravado entre as comunidades mais vulneráveis. A realidade que está expressa nas cidades de porte médio, como Criciúma, é um processo de urbanização sem a preocupação com os aspectos da qualidade ambiental e social. Essa dinâmica de crescimento segue os critérios econômicos da industrialização, ou seja, da racionalidade econômica. A formação de zonas periféricas e a fragmentação do tecido urbano marcam os conflitos sociais e ambientais. As cidades, como palco da urbanidade e das relações sociais construídas historicamente, neste cenário, toma a dimensão simbólica distorcida. No município de Criciúma a imagem do trem carregado de carvão cortando a cidade nos seus trilhos é vista como símbolo de desenvolvimento, não se considera os impactos ambientais decorrentes desta atividade. Os gestores das cidades as planejam em função de uma minoria dominante e economicamente mais ricas (Gonçalves, Santos, 2010; Mendonça, Kässmayer, 2010).

A industrialização é geradora de riscos, na concepção de Mendonça e Kässmayer (2010) é resultante da cumulatividade quantitativa da produção e da não distribuição de riqueza é, portanto, geradora de riscos. Neste cenário emerge a questão ambiental como problemática da crise civilizacional moderna centrada no desenvolvimento técnico-econômico e coisificação das relações humanas. Para Veyret (2007) os riscos são objetos sociais atrelados à percepção de indivíduos ou grupos, associados à noção de ameaça e perigo potenciais que constituem indicadores de vulnerabilidade. No ambiente urbano os riscos são produtos sociais, econômicos, naturais, tecnológicos e políticos.

Os riscos naturais ou ambientais estão ligados aos fenômenos naturais produzidos ou não pela ação antrópica, como desmoronamentos, poluição, o aquecimento global que acarreta problemas ambientais em cadeia. Os riscos tecnológicos são aqueles provocados pela própria evolução tecnológica, como os riscos industriais da poluição ou contaminação que podem conduzir à mortalidade, morbidade ou degradação ambiental. Ao se considerar que a industrialização se localiza próxima aos recursos que necessita ou aos benefícios que pode auferir, essa se associa aos riscos econômicos pois  sua escassez pode ocorrer.

De acordo com Veyret (2007), os riscos econômicos estão atrelados à escolha dos produtos da agricultura, que por sua vez é dependente das condições climáticas em países subdesenvolvidos e aos próprios riscos financeiros enfrentados pelas empresas na globalização. Dada à incerteza no futuro pela sociedade pós-moderna, a insegurança e o aumento da violência se constituem em riscos sociais. Segundo a autora supracitada, todos estes riscos têm efeito sobre a saúde física e psicológica dos indivíduos.

Gonçalves e Preis (2013) analisam estas questões de tipos de riscos como uma teia imbricada de relações pronunciando a complexidade desta análise, o que contribui com a produção da vulnerabilidade social associada aos riscos naturais. Dada à complexidade das relações econômicas e sociais, vincular a noção de risco às classes mais pobres tende a ser um equívoco, assim como toda generalização o é, visto que é a sua exposição aos impactos o fator de risco. Isto significa dizer que o perigo está na exposição ao risco e não sua vinculação com a classe social, ou seja, tanto ricos quantos pobres sofrem o mesmo risco de exposição. Partindo da análise de Beck (2011) que os riscos são produtos sociais, na medida em que a análise do acontecimento em si ou na sua possibilidade de ocorrer inclui o juízo de valor dado pela sociedade. Isso significa dizer que a percepção dos riscos não é a mesma para toda sociedade.

A racionalidade envolvida nesse processo de decisão da ocupação do território, remete à teoria de Abramo (2007) sobre as decisões subjetivas. A identidade cultural e o imaginário social determina a apropriação do espaço e do território sem a posse legal (Gonçalves, Preis, 2013). No caso do munícipio de Criciúma a forte tradição do carvão faz com que as pessoas procurem por esta ocupação mesmo conhecendo os riscos à saúde e aqueles da ocupação em áreas próximas. De acordo com Mendonça e Kässmayer (2010) os riscos só serão considerados se houver impacto nas relações societais, no cotidiano das pessoas, independentemente de sua origem. A intensificação dos riscos decorre das respostas às mudanças socioambientais e tecnológicas da sociedade contemporânea e da complexa relação entre homem e natureza.

A cidade de Criciúma é polo da região carbonífera de Santa Catarina e tem influência econômica no extremo sul catarinense num efeito de transbordamento para os demais municípios. Os setores industriais mais prósperos e as atividades complementares como o comércio possuem em comum a mesma cadeia produtiva, especialmente a cadeia têxtil. Um grande contingente de pessoas se desloca para Criciúma por motivo de trabalho, compras e serviços bancários. Sua conhecida atividade de extração de carvão que alavancou economicamente as regiões próximas deixou um passivo ambiental muito grave, externalizando seus efeitos para as outras cidades. Os impactos ambientais desconhecem fronteiras e limites geográficos alterando o clima, os meios bióticos e abióticos e a qualidade de vida populacional (Gonçalves, Mendonça, 2007).

O carvão não é mais a atividade econômica principal da região de Criciúma. Mas ficou no imaginário da população que foi essa atividade que trouxe o "progresso". Por muitas décadas o carvão de fato foi uma atividade forte na economia da região. Mas isso trouxe consequências negativas pois, a concentração de uma única atividade produtiva, a do carvão em questão, acaba por superespecializar uma região, fazendo com que tudo gire em torno dessa atividade prejudicando outras que queiram se desenvolver. Segundo Marshall (1985) uma região especializada em determinada atividade produtiva torna uma região dependente e provoca uma escassez de mão de obra e um contingente de pessoas excluídas desta atividade. É necessário para o desenvolvimento de uma região a diversidade de setores produtivos que possam empregar tanto homens como mulheres e em diversos níveis de formação acadêmica e de aprendizado.

Essa exclusividade, portanto, pode ser portadora de uma inércia inovativa e geradora de impacto social, econômico e ambiental a uma região. A atividade extrativista do carvão característica de ser predominantemente masculina, prejudica o acesso ao emprego das mulheres pela deficiência de outros setores. Essa questão remete inferir sobre a influência econômica, considerando o desemprego e o subemprego, além da concentração de renda por uma menor camada da população. 

Segundo Gonçalves e Mendonça (2007) a história econômica de Criciúma se confunde com a própria história da mineração no Brasil. O exclusivismo desta atividade enfrentou a oscilação econômica e política. Dependente de subsídios governamentais, a atividade da extração do carvão enfrentou vários ciclos ao longo do século XX, desde uma forte recessão até seu aquecimento com a inauguração da usina termelétrica Jorge Lacerda no município de Capivari de Baixo. Em Criciúma, embora tenha se desenvolvido outras indústrias, o carvão permanece com uma forte identidade cultural.

O ordenamento do espaço no município estudado se fez sem planejamento e a ocupação das vilas operárias ocorreu em torno das minas de carvão, num espaço, portanto, de risco socioambiental. A região central da cidade é onde se concentram os terrenos mais valorizados economicamente, já que usufruem de uma externalidade econômica positiva. Estes fatores dizem respeito ao acesso à infraestrutura urbana como o comércio, serviços bancários e de saúde, transporte público, parques e equipamentos de lazer. Quando estes fatores analisados isoladamente não auferem o mesmo benefício do seu conjunto.

A apropriação privada do espaço e sua reprodução no modelo vigente, de modo geral, agravam os problemas socioambientais dos centros urbanos. Este modelo é o que fragmenta e diferencia o território entre e intra cidades, refletindo as desigualdades econômicas e sociais no ordenamento do solo (Mendonça, Kässmayer, 2010).

Nesse sentido, a especulação imobiliária empurra a população mais pobre para as áreas de menor investimento em terreno ou fora da legalidade. Os impactos ambientais da extração do carvão e da industrialização, tais como a poluição atmosférica, hidrológica e do solo e problemas epidemiológicos prejudicam a qualidade de vida dos citadinos. As bacias dos Rios Tubarão, Urussanga e Araranguá que banham 36 cidades foram degradadas pelo beneficiamento do carvão (Dantas et al, 2007; Ronconi et al, 2012). Estes, portanto, são problemas locais de escala regional.

A degradação ambiental decorrente das atividades da extração do carvão ainda é observada no município de Criciúma. Desde o seu transporte que libera no ar partículas e gases, transportados pela locomotiva que atravessa a cidade. Os habitantes próximos da ferrovia são os que estão mais expostos a esses efeitos. Considerando que qualquer pessoa que tenha contato com o município, seu efeito propagador torna de difícil mensuração. Alguns bairros de Criciúma encontram-se sobre os rejeitos do carvão, tais como Rio Maina, Renascer, Santa Augusta, Boa Vista, São Roque e Santa Libera, além de serem os mais degradados são considerados os mais violentos. Na perspectiva de Mendonça e Kässmayer (2010) a vulnerabilidade diferencia os territórios segundo os tipos de riscos que estão expostos. Nas áreas centrais há  problemas de acúmulo de pessoas, veículos e verticalização das construções. Nas zonas periféricas os morados estão expostos à falta de saneamento, infraestrutura urbana deficiente, e em alguns casos a proximidade com zonas industriais e aos riscos tecnológicos.

O aquecimento global e as mudanças climáticas são as maiores preocupações ambientais desta década. As áreas urbanas são as maiores responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa que provoca o aquecimento. O processo de urbanização altera significativamente a qualidade ambiental das cidades, somados ao crescimento populacional e sua migração da área rural, com o aumento do número de veículos em circulação. 

Alguns aspectos climáticos como a alteração da temperatura do ambiente são mais acentuados nos centros urbanos ocorrendo o fenômeno conhecido como ilhas de calor. Esta alteração é decorrente da verticalização da cidade e das vias urbanas, impedindo a dispersão do calor. Este fenômeno tem influência econômica pela dificuldade do controle térmico e por provocar doenças. A umidade, a precipitação, o vento e a luminosidade são aspectos naturais que sofrem alterações nos centros urbanos. A presença dos prédios formam corredores de vento dificultando a dissipação do calor e o controle da umidade, ocasionando maior consumo de energia elétrica para atenuar a temperatura e a luminosidade. Adicionalmente a esses fatores, a falta de cobertura vegetal eleva esses problemas descritos acima.

Visivelmente nas cidades há uma diminuição das áreas verdes, outro aspecto relacionado à urbanização, que tem a função de controle do clima. No município de Criciúma a racionalidade econômica é imposta sobre os recursos hídricos, desde os rios poluídos até a canalização do Rio Criciúma no centro da cidade. Estes recursos naturais são igualmente importantes para o conforto térmico das cidades (Back, Oliveira, 2010). O modo de produção capitalista utiliza indiscriminadamente os recursos naturais para sua expansão, estes riscos têm origens sociais, econômicos, naturais e políticos. Somado a ausência de normas que regulamentem a ocupação do solo e que provenha a sociedade de usufruir de seus direitos, pode levar à situação de riscos decorrentes da fragmentação socioeconômica e espacial (Mendonça, Kässmayer, 2010; Gonçalves, Preis, 2013).

Todos esses aspectos levantados sobre a urbanização e o clima nas cidades evidenciam sua indiscutível relação entre o crescimento urbano e as condições de vida da população, ou entre homem e natureza. Ao que parece, as cidades são condicionalmente orientadas pelo processo de industrialização, fazendo com que sua ocupação seja privilégio de classes economicamente mais favorecidas (Lefebvre, 1991).

Nesse contexto, a cidade de Criciúma-SC é uma cidade de risco, cujas características são peculiares devido seu histórico de desenvolvimento econômico e social. Por este motivo, a investigação do objeto deste estudo será analisado no contexto social do desenvolvimento e da sustentabilidade urbana. A cidade está inserida em um ambiente de risco e de vulnerabilidade socioambiental, na qual a racionalidade econômica impera sobre os limites da justiça social e da capacidade de regeneração do ambiente. Estes fatores demandam por propor mudanças político-institucionais condizentes com o desenvolvimento urbano que se faz emergente devido a alta complexidade dos problemas socioambientais.

3. Crescimento Econômico e o Arranjo Político-Institucional de Criciúma

O processo de globalização marca o deslocamento das cadeias de produção e das aglomerações econômicas ordenando novos territórios, transitórios ou permanentes, nas formas físicas e virtuais. Essa dinâmica interfere na realidade da cidade na qual "o espaço geográfico é tomado e alargado por territórios de sócio-produtividade" (Gonçalves, Preis, 2013, p. 200).

O espaço é, inclusive, coordenado pelos atributos técnicos e por relações socioespaciais ou de representações sociais. Embora se assuma a forte coordenação da localização pelo mercado, ela não é exclusiva. Se assim o fosse, o desenvolvimento econômico criaria externalidades positivas e duradouras a toda à população.

O processo de desenvolvimento econômico no Brasil foi orientado pela lógica da industrialização. Nos anos de 1960 o desenvolvimentismo acelerado foi marcado pelo governo de Jucelino Kubtschek (JK) em seu Plano de Metas. Este plano abrangia as áreas de energia, transporte, indústria de base, educação e alimentação. Em um cronograma rigoroso e sistematizado, a maioria das ações foram implementadas com sucesso.  Neste período o processo de industrialização cresceu aproximadamente 7% durante os cinco anos do governo de JK e o setor agropecuário regrediu em 6%. A esperança de melhores condições de vida nas cidades e o acirramento das relações do moderno sistema de produção de mercadorias provocou um êxodo rural.

Nesta perspectiva histórica, a política de urbanização dos anos de 1964 a 1967 foi apoiada sob a linha econômica monetarista, ou seja, a utilização de instrumentos monetários para a estabilidade econômica. Essas ideias foram associadas ao liberalismo econômico, com a adoção do livre mercado e presença mínima do Estado. Para atender a demanda por habitação na cidade, foi implantado nesta época, o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), além do Banco Nacional de Habitação (BNH) compunham o SFH as Caixas Econômicas, as Sociedades de Crédito Imobiliário e as Associações de Poupança e Empréstimo. No curso da época inflacionária, as dívidas habitacionais eram quase que impagáveis. Além desses órgãos, uma importante fonte de financiado dos programas de habitação foi o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), criado nesta época e que vigora até os dias atuais (Leite, 2009).

Essa reestruturação político-econômica ocorreu em detrimento dos investimentos em habitação, saúde, transporte, educação, saneamento e outros serviços básicos ao atendimento da população mais pobre. A precariedade do sistema de infraestrutura urbano veio associada ao desemprego e à violência, evidenciando a desigualdade intra e entre cidades, posicionando as populações num estado de vulnerabilidade.  De acordo com Lopes e Mendonça (2010) um quadro de mudanças profundas ocorridos nos anos de 1970 a 1990, a urbanização estruturou-se precariamente e, de certo modo, independentemente da tutela do Estado num processo de periferização e metropolização associada a uma forte recessão econômica.  Este relato histórico se justifica para compreender como ocorreram as relações de reprodução espacial das cidades com a economia e a política. A taxa de urbanização de Criciúma ao longo dos anos foi extraordinária, chegando a praticamente suprimir a população rural, no ano 2000 eram 17.371 pessoas habitando o meio rural, em 2010 esse contingente diminuiu para 2.678 explicitando a tendência do deslocamento das áreas rurais para a urbana conforme a figura 1.

Figura 1 – População total: Urbana e Rural de Criciúma-SC

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir do IPEADATA

Este fato pode ser observado no processo de industrialização de Criciúma-SC, o qual teve início na década de 1920 com a exploração do carvão. A diversificação econômica de Criciúma teve início após as décadas de 1960 e 1970, com as indústrias de cerâmica e do vestuário, esta última transbordou para outras regiões próximas (Gonçalves, Mendonça, 2007). Os principais setores da economia criciumense além do carbonífero, são o setor cerâmico, setor têxtil/vestuarista, setor químico/plástico e setor metal-mecânico na atualidade (Ladislau, 2007).

A tabela 1 demonstra a evolução do número de empresas no município em estudo, não foi considerado nestes dados a participação econômica dos setores, mas sua densidade e aglomeração. A elevação da taxa de urbanização ao longo dos anos pode ser observada na diversificação dos setores econômicos com a diminuição da atividade extrativista mineral (subsetor 01) e discreto aumento nas atividades de agricultura (subsetor nº 25). A evolução do número de empresas entre os anos 2000 e 2010 foi cerca de 50% de aumento do número de empresas.

O número de indústrias aumentou expressivamente entre os anos de 1985 e 2010, marcando as atividades mais intensivas em tecnologia, facilitado pelo mercado globalizado. A exceção foi a indústria calçadista, devido sua história de atividade protegida pelo mercado interno até o ano de 1990 e sua quase exclusividade do mercado de exportação. Este contingente de desempregados foi absorvido pela indústria da confecção, devido a similaridade com a especialização da mão de obra (Oliveira, 2012).

Tabela 1 – Evolução do número de estabelecimentos de Criciúma-SC

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir da RAIS- MTE

O destaque de atividade econômica foram aquelas vinculadas ao setor têxtil e do vestuário, principalmente na sua fonte de distribuição no varejo e no comércio. Este último teve um aumento de quase 450%. A análise da evolução do número de empresas demonstra a absorção da população da área rural nos setores produtivos na área urbana ou na indústria. É importante ressaltar que os subsetores da administração pública e de serviços de utilidade pública (subsetores nº 14 e 24) diminuíram o número de estabelecimentos.

O atendimento adequado com serviços de saúde, transporte e educação uma população crescente e diminuição da capacidade operacional destes serviços pela administração pública, é uma equação de difícil solução e gravemente evidente. Portanto, a população mais pobre é a mais prejudicada e excluída dos benefícios do crescimento econômico.

A íntima relação entre a economia e o território é tratada por Oliveira (1984) que, ao estudar o processo de industrialização no país revelou que a região Sudeste do Brasil foi responsável por um efeito de transbordamento para a região Sul do País. Dessa forma, alavancou economicamente regiões menos favorecidas, transformando a configuração espacial do território de uma "economia nacional formada por várias economias regionais para uma economia nacional regionalmente localizada" (Oliveira, 1984, p. 148). Assim, a economia foi moldando as cidades em uma rede urbana mais densa e em regiões de desenvolvimento mais industrializadas e exportadoras (Rolnik, Klink, 2011).

Na escala microrregional a tendência de transbordamento das atividades produtivas para outros municípios foi observada em Criciúma-SC, principalmente na área têxtil, marcando uma continuidade do modelo de desenvolvimento econômico (Rodrigues et al, 2009). O que se observa é a materialização e a expansão de um conflito na relação do desenvolvimento econômico e urbano fomentando o agravamento das condições socioambientais de Criciúma, de maneira geral a qualidade de vida da população.

O desenvolvimento humano na perspectiva de Sen (2000) compreende a evolução centrada nas pessoas e não no crescimento econômico, assim é considerado neste trabalho que qualidade vida tem relação direta com o desenvolvimento humano. Nos aspectos de longevidade, educação e renda o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) foi calculado para dar conta do contexto brasileiro podendo ser comparado a outros municípios. A tabela 2 demonstra os índices de IDHM para os anos 2000 e 2010 e é possível observar que houve uma melhoria ao longo dos anos, de baixo (0,584) em 1991 para alto em 2010.

Tabela 2 – IDHM de Criciúma

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados do IPEADATA

De acordo com os dados, o IDHM-Educação foi o que teve a maior evolução, de um índice baixo em 2000 (0,586) para alto em 2010 (0,737), já o IDHM-Longevidade não apresentou uma evolução na mesma proporção, continuou alto em 2000 (0,800) e 2010 (0,846). O IDHM de renda parece não ter relação direta com os outros índices, permanecendo alto tanto para 2000 quanto para 2010. De acordo com a literatura apresentada, permite inferir preliminarmente, que embora houve investimento em saúde e educação, este não se consolidou pelo sistema privado, já que o nível de renda não acompanhou o mesmo crescimento da educação e longevidade. Então, embora tenha havido uma melhoria nos índices de educação e longevidade, a disparidade entre as classes sociais altas e baixas continua, o crescimento econômico ainda ocorre de maneira fragmentada e concentrada. Somente um Estado forte com políticas públicas efetivas voltadas a população mais pobre pode auferir os benefícios do crescimento econômico e melhor distribuído.

Para Santos (1982) há uma íntima relação entre as más condições de habitação e ocupação do solo, com a formação dos bolsões de extrema pobreza. A periferização compreendida como o processo de expansão dos limites da capital em direção às suas áreas distantes e de aumento demográfico superior à ela, foi ampliando as consequências socioambientais.

Partindo-se do pressuposto que de todos os cidadãos têm direito à moradia com qualidade e segurança, as políticas de desenvolvimento urbano devem prover o mínimo de urbanização adequada (tabela 3). De acordo com os dados do IBGE (2009), domicílios adequados são aqueles que não apresentam nenhuma inadequação.

Tabela 3 - Critérios de adequação adotados em cada variável

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados do IBGE

Continuando a análise dos índices de desenvolvimento, o discreto aumento da renda e do aumento da periferização da cidade pode ser observada pela adequação dos domicílios na área a urbana (Tabela 4). Significa dizer que o deslocamento da população da área rural para a urbana foi de forma irregular e segregada, já que o crescimento econômico não proporcionou investimento em infraestrutura urbana adequada para atender a população. Além disso, os dados demonstram que a desigualdade permanece ao analisar que melhorou as condições dos domicílios em alguns itens que particularmente dependem da renda das famílias e que não são essenciais, como carro e computador. Os critérios que dependem dos investimentos do Estado houve uma melhoria sensível como água encanada, rede de esgoto, energia elétrica e coleta de lixo. No período analisado de 10 anos, alguns índices diminuíram como a qualidade do material de construção dos domicílios e a presença de geladeira, estas variáveis são essenciais para a qualidade de vida da população relacionados à segurança e alimentação.

Tabela 4 – Critérios de adequação dos domicílios - urbano

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados do IBGE

Segundo Rolnik e Klink (2011) para mitigar esse problema, o planejamento habitacional urbano brasileiro foi calcado no financiamento da casa própria, entretanto, beneficiário para apenas uma parcela da população, excluindo aquelas que possuíam renda familiar mensal inferior a três salários-mínimos e meio, onde se concentrava 90% do déficit de habitação. 

Hoje, um novo ciclo do processo de urbanização se amplia com a nova política econômica de habitação do Programa Minha Casa Minha Vida, criado em 2009, com o financiamento para as populações de baixa renda. As políticas socioeconômicas e de transferência de renda implementadas, alavancaram os investimentos públicos em urbanização das cidades e em setores econômicos por meio, inclusive, do Programa de Aceleração do Crescimento. Houve uma retomada do crescimento econômico, portanto, incrementados pelos investimentos públicos e privados. O setor imobiliário tem alavancado a economia catarinense e observa-se esse fenômeno na verticalização da cidade de Criciúma.

4. Considerações Finais

As mudanças atuais na economia globalizada demandam de novos paradigmas analíticos, visto que, essas mudanças são também, de ordem socioambiental. O modo de produção capitalista que impulsionou o crescimento econômico e a industrialização descolou a população do meio rural provocando uma crescente urbanização da cidade de Criciúma-SC/Brasil. Embora esse crescimento tenha alavancado economicamente cidades e regiões externalizou diversos tipos de riscos. A degradação do meio ambiente urbano está associada à degradação social, a favelização, a ocupação irregular do solo e a falta de identidade cultural pela não preservação do patrimônio cultural e de equipamentos públicos de lazer, agravado pela globalização e pelas tecnologias informacionais. Este conjunto de externalidades negativas somados ao encolhimento das atividades e à ineficiência do Estado em promover políticas públicas adequadas conjugaram a dinâmica espacial de Criciúma.

Nesse contexto, o município de Criciúma-SC constitui-se como um arranjo técnico-econômico com influência na região Sul de Santa Catarina, caracterizado pela continuidade dos modelos de desenvolvimento econômico e ordenamento territorial. As relações econômico-sociais são estabelecidas de acordo com externalidades e transbordam para as regiões de influências, promovendo a coordenação espacial intra e entre cidades quase unindo-se umas as outras, possuindo unidade administrativa independente, porém, de atividades econômicas em blocos e sem coincidência entre os limites geográficos e território. O município estudado, portanto, está inserido num ambiente de risco físico, natural e social no qual emerge mudanças nas políticas públicas para a sustentabilidade do ambiente urbano.

5. Referências

Abramo, P. (2007); A cidade caleidoscópica: coordenação espacial e convenção coletiva: uma perspectiva heterodoxa para a economia urbana; Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.

Back, Á.; Oliveira, T. (2010); A urbanização e as modificações do clima. Em: Cidade e meio ambiente: estudos interdisciplinares; Gonçalves, T.; Santos, R. (Org.); Criciúma, BR; UNESC.

Beck, U. (2011); Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade; São Paulo, BR; Ed. 34.

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1 Universidade do Extremo Sul Catarinense – E-mail: alinep@ifsc.edu.br

2 Universidade do Extremo Sul Catarinense – E-mail: tmg@unesc.net

Vol. 36 (Nº 03) Año 2015
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