Espacios. Vol. 36 (Nº 02) Año 2015. Pág. 5

Implantação do Pensamento Enxuto: Um Estudo de Caso Aplicado em Uma Grande Empresa de Software

Lean Thinking Implementation: A Case Study Applied in a Large Software Company

Patricia da C. T. SILVEIRA, Juliane M. CARDOSO, Mehran MISAGHI, Ana L. B. HURTADO

Recibido: 19/09/14 • Aprobado: 23/10/14


Contenido

1. Introdução

2. Pensamento Enxuto

3. Modelos de Gestão de Mudança

4. Processo de Implantação

5. Estudo de caso

6. Resultados Obtidos

7. Conclusão

Referências Bibliográficas


RESUMO:
A partir da década de 60, as indústrias de software, devido aos seus problemas de qualidade e eficiência, investiram na criação de métodos e processos para melhor controle das suas entregas. Este investimento trouxe grandes retornos, como redução dos custos e aumento da qualidade. Porém, os modelos criados também trouxeram formas de trabalho mais burocráticas e estruturas focadas em processo, que, por sua vez, geraram alguns efeitos colaterais como: estruturas complexas, distanciamento dos desenvolvedores dos seus clientes finais e, foco excessivo no processo, projeto, e às ferramentas, desviando a atenção do produto final. Para uma nova fase de evolução nesta área, sem perder as conquistas já realizadas ao longo dos anos, o próximo passo é realizar ajustes no processo e na cultura com o objetivo de gerar maior aproximação e colaboração entre as áreas na empresa e, principalmente com o cliente. Para auxiliar na obtenção deste novo patamar de eficiência e qualidade, nesta pesquisa foi selecionado como base de mudança, o pensamento enxuto (Lean). O objetivo deste artigo é apresentar como implantar o Lean baseado no modelo de gestão de mudança Change Acceleration Process (CAP), através de um estudo de caso.
Palavras-chave: Lean; Software; Gestão de Mudança.

ABSTRACT:
Since the late 1960s, softwarehouses have been invested in methods and processes to minimize quality and efficiency problems. These investments had brought great results, like cost reductions and quality improvements. But they had left bureaucratic procedures, a process organizational structure and some collateral effects like: complex structures, customer distance from the software developers and great focus in process, projects and tools, and less attention to the final product. To continue the improvements and to obtain customers and professionals satisfaction, it is necessary to make some adjustments at the process and culture to gain collaboration between development teams and mainly, get closer to the customers. To obtain a new stage of quality and efficiency, this research had chosen Lean as a change base. The objective of this article is to present how to implement Lean using the Change Acceleration Process (CAP) model, through a study case.
Keywords: Lean, Software, Change Management.

1. Introdução

Os modelos de software tradicionais, como o "modelo em cascata", foram criados na década de 60 para resolver problemas críticos como altos custos, prazos e baixa qualidade. Nesta época, os requisitos eram considerados previsíveis, as tecnologias eram vistas como estáveis e os planos eram leis. Os modelos eram essencialmente voltados à previsibilidade e planos para conquistarem principalmente a redução das incertezas durante o desenvolvimento.

Com o surgimento da Internet na década de 90, o cenário se modificou, as mudanças se intensificaram em quantidade e velocidade. E, com o intuito de se adaptar às contínuas mudanças, novas metodologias surgiram como as ágeis e o pensamento enxuto (Chuang et. al. 2014).

Para Bosh, et. al. (2013), os métodos ágeis trabalham com o pressuposto que a mudança é certa e imprevisível e, pelos princípios: flexibilidade, código como foco, colaboração com os clientes e "apenas o necessário" para evitar desperdícios. Estes métodos, como Scrum e XP (Extreme Programming), são caracterizados por entregas incrementais, ciclos curtos de desenvolvimento, decisões colaborativas, feedbacks rápidos e integração contínua das mudanças dos códigos para o produto.

Os modelos ágeis trouxeram velocidade e produtividade, mas sua implantação teve foco na produção do código, na eliminação dos desperdícios e na eficiência. Pouca atenção foi aplicada no ótimo global, eficácia e em esforços voltados para a pesquisa de novos mercados. Devido a este tipo de implantação dos modelos ágeis, as empresas não obtiveram um grande crescimento financeiro como resultado e tanto os clientes como os profissionais se sentiram menos engajados no seu uso.

Com o objetivo de melhorar a eficácia e aperfeiçoar os processos atuais, opensamento enxuto (Lean) surge como uma solução importante a ser implantada. Para o Lean, o desenvolvimento do software deve ser visto menos como um processo de entrega de produto e mais como um processo criativo, com o intuito principal de produzir softwares que solucionem problemas existentes no mercado atual e futuro. (Poppendieck; Poppendieck, 2014)

O pensamento enxuto para software, segundo Cawley et. al. (2013), é composto por:

  1. Boas práticas de desenvolvimento de software, exemplos: gestão do código fonte, códigos estruturados e devidamente documentados;
  2. Métodos ágeis;
  3. Princípios da produção enxuta (Lean Manufacturing);
  4. Lean para desenvolvimento de produtos.

Para ganhos recorrentes com o Lean, sua implantação deve ser completa. Um dos pontos considerados como mais importante é a criação da cultura da melhoria contínua. A forma como são gerenciadas as pessoas, os projetos e a escolha adequada dos indicadores também devem ser consideradas no modelo de implantação (Dombrowski; Mielke, 2013).

2. Pensamento Enxuto

2.1 Origem

O Lean pode ser definido como uma abordagem sistêmica, com a finalidade de identificar e acabar com os desperdícios, por meio da implantação da melhoria contínua focando a produção em produtos atrativos ao cliente e em busca da perfeição (Plenert, 2012). O pensamento enxuto possui como origem o Sistema Toyota de Produção (Toyota Program Systems, TPS) que teve início na década de 1950, surgindo com a prática de produção enxuta na empresa Toyota, no Japão. Os executivos dessa empresa inseriram conceitos e técnicas de eliminação de desperdícios, produção em pequenos lotes, redução de tempo de manutenção de máquinas e redução da quantidade de estoques com foco na qualidade dos produtos (Santos, 2010).

As ferramentas e técnicas disseminadas pelo TPS foram originalmente concebidas para o ambiente fabril, porém, as abordagens têm sido disseminadas para todas as áreas da empresa (Ahlstrom, 2004), como administrativa, financeira, desenvolvimento de software, contábil e ramos de atividades diversos como empresas prestadoras de serviços.

O Lean aborda uma ferramenta de gerenciamento de mudanças, desenvolvido para padronizar metodologias de melhoramento contínuo. Desde o seu desenvolvimento pela Toyota ele vem sofrendo inúmeras interações, sendo considerada uma filosofia e metodologia de mudança, com foco na eliminação de desperdícios (Plenert, 2012).

2.2 Mentalidade Enxuta

Cerca de somente 10% das empresas obtém sucesso com a implantação de sistemas de produção enxuta. Um dos motivos que justifica o insucesso na implantação do Lean em uma empresa é que ele não é somente composto por técnicas e ferramentas padronizadas, é exigida a mudança da filosofia empresarial. Essa mudança de mentalidade demanda gerenciamento, trabalho em equipe, desenvolvimento organizacional e cultura de melhoria (Sellitto et. al. 2010).

Para que a implantação do Lean resulte em ganhos contínuos, é necessária a implantação de uma mentalidade enxuta. A mentalidade enxuta é um modelo mental de como o mundo trabalha, focando a atenção para o processo de criação de produtos e serviços destinados a atender as necessidades dos clientes de forma eficiente. Com o desenvolvimento focado no cliente, agregando valor ao produto final, associando conhecimento, inovação, design e logística para que atendimento seja realizado da melhor forma possível.

Para iniciar a geração de um novo modelo mental é preciso realizar duas perguntas: Qual o propósito do negócio? Que tipos de sistema de trabalho são necessários para conquistar este propósito? (Poppendieck; Poppendieck, 2014).

Segundo Misaghi e Bosnic (2014), para o entendimento de como a mentalidade enxuta funciona e como deve ser implantada são propostos 5 passos conforme mostra a     figura 1.

Figura 1 – Mentalidade Enxuta

Fonte: Misaghi e Bosnic (2014).

Estes passos permitem passar pelos diversos ângulos de um negócio: a finalidade de negócio, o profissional motivado, o cliente satisfeito, a eficiência genuína e o avanço inovador. Para o sucesso da implantação do pensamento enxuto é necessário cooperação entre os diversos setores de uma empresa. A organização deve ser vista como uma única unidade (Misaghi; Bosnic, 2014).

2.3 Produção de um Software

Segundo Rodríguez, et. al. (2013), o pensamento enxuto é aplicável a qualquer tipo de negócio, basta adaptar os princípios a cada sistema produtivo. Entretanto a aplicabilidade do Lean ainda encontra-se em estudo em áreas que não sejam de manufatura de produtos, especialmente em tarefas envolvendo conhecimento como a produção de um software.

O pensamento enxuto para manufatura (Lean Manufacturing) envolve um ambiente de produção onde são entregues produtos concretos como carros e computadores. O foco do Leanneste tipo de empresa é a produção de itens acabados para os clientes finais. Qualquer outra atividade não relacionada à produção, transformação da matéria prima em produto acabado, é considerada um desperdício.

Para indústrias de software, o ambiente de produção é diferente, está focado no design do produto e nos serviços relacionados ao seu uso. As atividades não vinculadas diretamente ao design e serviços são consideradas então os desperdícios que devem ser combatidos (Poppendieck; Poppendieck, 2014).

No pensamento enxuto aplicado ao desenvolvimento do software, foram mapeados os seguintes princípios (Misaghi; Bosnic, 2014):

  1. Eliminar os desperdícios: as atividades que não agregam valor ao software devem ser removidas do processo, como por exemplo: defeitos, superprodução, transporte, estoque, movimentação, processamento adicional e espera;
  2. Integrar qualidade: o processo deve ser desenhado para a eliminação total dos defeitos e das filas de controle de qualidade. A qualidade na origem deve ser garantida com o apoio de ferramentas e procedimentos como automação de testes, testes unitários, integração contínua, entre outros;
  3. Criar conhecimento: o desenvolvimento do software é um processo de criação de conhecimento e o mesmo deve ser armazenado adequadamente;
  4. Adiar comprometimentos: uma decisão ou execução somente deve ser realizada quando houver a maior quantidade de informações possível;
  5. Entregar rápido: criação de um fluxo de trabalho contínuo para realizar entregas rápidas e frequentes;
  6. Respeitar as pessoas: as essoas engajadas são a maior e mais sustentável vantagem competitiva de uma empresa e as mesmas devem ser respeitadas, sendo que a confiança deve ser a base do relacionamento;
  7. Otimizar o todo: todo processo e procedimentos devem ser avaliados no todo, visto que otimizar um processo local pode encarecer outras etapas.

Dentre todos os princípios a serem observados, o principal foco para o Lean em software é a satisfação do cliente atual e futuro. Desenvolver somente o que o cliente necessita é a chave para eliminar o maior dos desperdícios que é produzir um produto não necessário (Poppendieck; Poppendieck, 2014).

Para produzir o software de acordo com a necessidade do cliente, é necessário um modelo de gestão da seleção das ideias, segundo Bosh, et. al. (2013). Com este intuito, foi criado um modelo que divide o processo de desenvolvimento de software em três etapas (ESSSDM - The Early Stage Software Startup Development Model):

  1. Geração da ideia;
  2. Priorização do backlog de ideias;
  3. Criação de um funil por onde as ideias são validadas.

Conforme uma análise realizada por Pernstal, et. al. (2013), dos artigos relacionando trabalhos voltados ao Lean para empresas de software de larga escala (total de 16), o maior objeto de estudo (63%) ainda tem sido a gestão e engenharias dos processos, focando essencialmente em reduzir os prazos de desenvolvimento e aumentar a qualidade do produto. Isto indica que as áreas de interesses ainda estão imaturas, visto que os estudos não mostram um guia prático de como se adaptar a diferentes situações e problemas envolvendo a implantação do pensamento enxuto.

Assim, para uma implantação completa do Lean na área de desenvolvimento do software, estão sendo apresentados nesta pesquisa também aspectos sobre a gestão de mudança, pessoas, projetos e indicadores.

2.4 Gestão de Projetos

A indústria de software é uma empresa projetizada, onde cada demanda de novas funcionalidades e produtos é gerenciada através de projetos. No gerenciamento do projeto de um software devem ser acompanhadas e controladas as entradas e saídas, os riscos envolvidos, os recursos disponíveis, além de se fazer a gestão de mudança e das métricas ao longo do desenvolvimento até a entrega dos artefatos finais para encerramento do projeto (Pressman, 2011).

A equipe que gerencia os projetos ficou conhecida como Escritório de Gerenciamento de Projetos (EGP, ou em inglês: Project Management Office – PMO). Esta equipe é um setor da empresa que possui como principal objetivo aplicar nos projetos as melhores práticas de gerenciamento e criar padrões para os processos com o intuito de melhor atender os requisitos definidos (Pmbok, 2013).

Os métodos ágeis e o pensamento enxuto geram uma grande mudança na cultura da empresa que vão além das ferramentas e processos. A gestão de projetos e, por consequência, o PMO são impactados diretamente pela implantação do Lean, uma vez que grandes projetos deixam de existir e dão lugar a entregas menores e flexíveis.

É necessário mais flexibilidade na gestão do produto e uma maior habilidade para tratar um volume grande de envolvidos e interessados (stakeholders). A integração e a colaboração é a chave para conquistar entregas menores. Alguns processos ocorrem em paralelismo com outros, como a fase de testes que é realizada em paralelo com o desenvolvimento trazendo rápidos feedbacks para o processo (Rodríguez, et. al. 2013).

O foco do PMO também pode mudar, por exemplo, na implantação do pensamento enxuto na empresa CareerBuilder (fornecedora de software), os projetos que eram gerenciados de forma centralizada passaram a ser gerenciados pelos próprios integrantes dos times dedicados aos projetos. Com isto, as equipes centralizadas que cuidavam dos projetos passaram a gerenciar as filas dos projetos e a realizar a gestão estratégica do portfólio do produto (Poppendieck, Poppendieck, 2014).

Um portfólio de projetos é uma coleção de projetos, programas, subportfólios que necessitam ser gerenciados em conjunto para o alcance de objetivos mais macros e estratégicos (Pmbok, 2013). De acordo com Unger, et. al. (2012), percebe-se já no mercado o aumento da importância do Escritório de Projetos. Em algumas empresas já são apresentadas iniciativas de aumento do escopo desta equipe com a criação de PPMOs (Project Portfolio Management Offices). Os PPMOs possuem a missão de alcançar os melhores resultados para o portfólio de projetos da empresa e esta alteração no escopo do PMO traz ganhos de satisfação que o tornam mais estratégico para a empresa.

2.5 Gestão de Pessoas

No pensamento enxuto, a gestão de pessoas deve possuir como foco central o respeito às pessoas através da confiança de que elas fazem o seu melhor para conquistar os resultados planejados. Existe uma busca constante para chegar ao equilíbrio entre as metas da empresa e a das equipes. Os indicadores, por exemplo, são medidos por equipe e não individualmente, valorizando o trabalho em grupo.

Com esta visão, o time passa a ser o dono de suas entregas e projetos e o papel da liderança muda. Um líder agora passar a possuir um papel mais de mentor, auxiliando o profissional, mostrando os caminhos para melhor desempenhar suas tarefas. O líder agora deve ser também, por sua experiência, um solucionador de problemas complexos através da rápida iteração com todos (Poppendieck; Poppendieck, 2014).

Para Dombrowski e Mielke (2014), a liderança é o elo entre as ferramentas disponibilizadas pelo pensamento enxutoe a melhoria contínua da organização. Os elementos básicos para isto são:

  1. Geração de uma cultura de melhoria contínua: ser inconformista, entender que as falhas são oportunidades de melhorias;
  2. Desenvolvimento pessoal: líderes são exemplos, novos skills de liderança são necessários;
  3. Qualificação: entender que para desenvolver um talento é necessário tempo e dedicação e, a criação de uma cultura de aprendizado contínuo;
  4. Gemba: a gestão deve ser realizada próxima da operação e as decisões devem ser tomadas baseadas nos conhecimentos locais;
  5. Hoshin Kanri: termo que designa que o líder deve ser focado no cliente e estar alinhado com os objetivos de todos os níveis da empresa (do operacional, ao tático e estratégico).

Segundo Intra e Zahn (2014), a principal preocupação que a liderança deve possuir na gestão de pessoas é a promoção da gestão das mudanças. Os negócios estão mudando constantemente, tanto em busca da melhoria contínua da qualidade, como na diminuição de custos e do ciclo de vida do produto. Por isto, é necessária a utilização de um processo de melhoria contínua na empresa durante as operações diárias (Continuous Improvement Process - CIP).

2.6 Gestão de Indicadores

Para a medição do desempenho e evolução das ferramentas e metodologias aplicadas com a implantação do Lean, é necessário que a empresa tenha como política avaliar os indicadores para ter o conhecimento da evolução dos processos medidos no decorrer do tempo de implantação.

Conforme Feyh e Petersen (2013), são elencados sete desperdícios ocorridos no desenvolvimento de softwares que devem ser mapeados para a avaliação através de indicadores:

  1. Superprodução: produção superior ao requisitado, ou produção antecipada sem necessidade gerando filas;
  2. Filas: espera por materiais/recursos, informações, decisões ou atrasos;
  3. Transportes: transferências desnecessárias entre atividades como troca de informações por falta de documentação adequada. Cada vez que o conhecimento muda de mãos, uma parte dele é perdida;
  4. Processamento indevido: volume de dados trafegados indevidamente e/ou duplicados. Criação de documentos que não serão utilizados e tarefas manuais que poderiam ser automatizadas;
  5. Estoques: produtos acabados não expedidos, informações importantes não repassadas e tarefas semi-acabadas/parcialmente concluídas;
  6. Defeitos (retrabalhos): devem ser evitados e encontrados o mais cedo possível;
  7. Movimentações: reuniões não necessárias, distância entre equipes com objetivos comuns, interrupções não necessárias e trabalho alternado (multi-tarefas).

Cawley, Wang e Richardson (2013) acrescentam à lista de desperdícios a não utilização da criatividade dos participantes (desperdício intelectual).

Outros indicadores que servem para medir e avaliar o desempenho de uma empresa que adota procedimentos enxutos para o desenvolvimento de software são (Feyh; Petersen, 2013):

  1. Planejado x realizado;
  2. Custos de atividades que não agregam valor;
  3. Custos de atividades que agregam valor;
  4. Cenários dos códigos x cobertura de testes;
  5. Tamanho do código;
  6. Qualidade interna do código;
  7. Postergação de prazo na tomada de decisão;
  8. Números de testes reprovados;
  9. Número de requisitos;
  10. Número de defeitos relatados e não corrigidos.

Os autores Poppendieck e Poppendieck (2014) apontam como principal indicador o Build-Measure-Learn que possui como objetivo medir o feedback dos clientes após utilizar os novos softwares desenvolvidos. Destacam também indicadores de valores como lucro, receita, custos e despesas.

3. Modelos de Gestão de Mudança

A implantação do pensamento enxuto é uma gestão de mudança, pois exige adaptação, alcance de objetivos e, manutenção das conquistas. Em uma mudança, o que menos importa é a velocidade, mas sim a direção. Para o correto direcionamento e para a mudança ser realizada com sucesso, é necessária a utilização de métodos e é preciso gerenciar (Plenert, 2012).

Segundo Voet (2012), a gestão de mudança refere-se à coordenação, organização e direcionamento do processo de como uma mudança deve ser implantada. As literaturas disponibilizam distintas formas e estratégias de gestão de mudança, porém existe um ponto central que todas convergem: uma organização deve passar por um conjunto de fases e etapas para que uma mudança seja incorporada com sucesso.

No quadro 1, alguns modelos de gestão de mudança são apresentados para apoio na implantação do pensamento enxuto (Plenert, 2012).

Quadro 1: Modelos de Gestão de Mudança

Modelos

Descrição

Quality Function Deployment (QFD)

Implantação da melhoria contínua focada no cliente – ter certeza que está sendo desenvolvido o produto correto, antes de se preocupar que o produto esteja sendo desenvolvido da forma correta.

Total Quality Management (TQM)

Voltada à satisfação do cliente em longo prazo e envolve a participação de todos os membros de uma organização para a melhoria contínua. Independente da origem das mudanças, as mesmas devem ser realizadas de forma gradual, em pequenos passos.

Process Reengineering (PR)

Modelo radical de mudança, no qual são redesenhados os processos de negócio de forma mais rápida com o intuito de se ter ganhos mais expressivos em curto prazo. É necessário: "repensar", redesenhar" e trocar as ferramentas.

ISO 9000

O foco é a estabilização de uma mudança já realizada e a definição do que é qualidade. Os fundamentos são:

1) Comprometimento e gestão da qualidade através de políticas formais;

2) Conjunto de procedimentos descrevendo como as atividades da empresa devem ser realizadas.

Change Acceleration Process (CAP)

Este modelo indica duas fases para o processo da gestão da mudança:

1) Venda da mudança na organização (selling phase);

2) Sustentação da mudança (sustaining phase).

Kotter

Possui oito passos, desde o estabelecimento de um senso de urgência, até a conquista de novos enfoques na cultura.

USAF 8-Setp

Tem como origem as técnicas:

- PDCA (Plan, Do, Check, Act);

- DMAIC (Define, Measure, Analyze, Improve, Control);

- OODA (Observe, Orient, Decide, Act). 

Possui oito etapas desde o entendimento do problema, até a padronização dos processos que obtiveram sucesso.

Fonte: Plenert (2012).

Para o estudo de caso desta pesquisa, foi selecionado o modelo de gestão de mudança CAPe o artigo foi delimitado apenas à primeira etapa – Venda. Somente a primeira etapa deste modelo está sendo aplicada, devido a esta empresa se encontrar na fase inicial da implantação do Lean no período de desenvolvimento deste artigo. Futuramente, a fase Sustentação da Mudança será também aplicada.

O quadro 2 descreve com mais detalhes o modelo CAP, segundo Plenert (2012).

Quadro 2: Etapas do Modelo CAP

Etapas do CAP

Sub Tarefas

Venda

Identificação da necessidade da mudança, descoberta dos motivadores. As seguintes perguntas devem ser realizadas para isto:

- Quais são os problemas existentes?

- Quais são as oportunidades identificadas?

Mapeamento de uma ligação entre a proposta de mudança e os objetivos e estratégias da empresa.

Criação de um time para promover a mudança.

Sustentação

Montagem de um plano para a gestão da mudança: atividades, entregas, responsáveis e datas.

Seleção dos indicadores necessários de serem acompanhados para análise da evolução do plano.

Execução e acompanhamento do plano em toda a organização (base e liderança – alteração da cultura).

Dentro do plano é necessário criar atividades e controles no processo para geração da estrutura e sistema de trabalho adequado que garantam a continuidade da mudança após a finalização do plano de implantação.

Fonte: Plenert (2012).

4. Processo de Implantação

Segundo Willians, et. al. (2013), o Lean é considerado um livro de culinária e o que devemos fazer é simplesmente seguir a receita. O pensamento enxuto é um modelo de como devemos enxergar as coisas ao nosso redor e, uma vez a orientação sendo adotada por escolha e através de um trabalho árduo, será possível identificar as oportunidades de melhoria onde anteriormente somente eram visualizados obstáculos. A figura 2 mostra o modelo de melhoria Lean para a identificação das oportunidades de melhoria, partindo do como é necessário ser direcionado o pensamento até como executar as ações identificadas.

Figura 2 – Modelo Lean de Melhoria Fonte: Willians (2013).

Das ferramentas apresentadas pelo modelo Lean de Melhoria destacam-se (Plenert, 2012):

  1. A3: é um relatório que visa documentar "Por que afinal estamos desenvolvendo este projeto?". A análise deve ser exposta de forma simples e resumida e deve caber em uma folha A3 que geralmente é organizada em subdivisões para facilitar o entendimento;
  2. VSM (Value Stream Mapping): visa fornecer um entendimento visual do processo para identificação das atividades que não agregam valor;
  3. Go and See ou Gemba Walk: corresponde a análise do processo na prática através da observação das atividades em execução. Pode ser utilizado como entrada de um A3 e/ou VSM.

Para a implantação completa do pensamento enxuto na produção de software é necessário que sejam considerados os diversos ângulos do negócio detalhados anteriormente neste artigo e, resumidos neste item conforme mostra a figura 3.

Figura 3 – Implantação Lean para Software

 

Para o estudo de caso aplicado nesta pesquisa, este conjunto de visões que formam o negócio de desenvolvimento de software foi utilizado como base da implantação do Lean.

5. Estudo de caso

O estudo de caso foi realizado em duas filiais de uma grande empresa brasileira de software. A necessidade da implantação do pensamento enxuto nas filiais teve como origem a cultura de melhoria contínua do gestor e da coordenação da equipe de testes de software. A escolha pelo Lean foi realizada para fortalecer o foco no cliente e a colaboração entre as equipes para ganho em eficácia e qualidade. Para a implantação na empresa, foi definido por realizar a mudança em etapas, até a sua conclusão.

Como primeira etapa de implantação, o coordenador de testes realizou pesquisas sobre o pensamento enxuto com o intuito de analisar se o Lean estava de acordo com as estratégias da empresa. As pesquisas realizadas foram as mencionadas anteriormente neste artigo:

  1. Origem;
  2. Mentalidade enxuta;
  3. Lean aplicado ao software, gestão de projetos, gestão de pessoas e indicadores.

A conclusão da primeira etapa constatou que o Lean estava de acordo com as estratégias da empresa e, assim, deu-se início à segunda etapa que possuiu como objetivo definir o escopo e o modelo de implantação. 

Inicialmente, o objetivo definido havia sido a criação de um modelo de testes baseado no pensamento enxuto, com a diretriz de que este modelo deveria ser desenvolvido pela base (analistas de testes mais experientes e voluntários) com o apoio dos líderes, coordenador e gestor.  Porém, durante esta etapa do estudo de caso, outras duas equipes, PMO e Desenvolvimento de Produto, passaram a compor esta pesquisa para analisar se o Leanpoderia lhes auxiliar em busca de melhorias também em suas áreas.

Com esta alteração, o escopo final da implantação ficou definido conforme segue:

Nesta segunda etapa foi definido também o modelo de implantação do pensamento enxuto e, foi selecionado o modelo de gestão de mudança CAP. Para melhor estruturação do trabalho, a etapa de Venda foi organizada em quadros conforme apresenta-se a seguir:

Quadro 3: Identificação dos aspectos ligado à  necessidade da mudança

Atividades

Grupo

Resultados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Identificação dos problemas

01 e 02

Tendência, devido ao sucesso da empresa, de evitar riscos. Consequências: alterações nos processos existentes são evitadas e, geração de requisitos não necessários ao produto.

Foco na gestão por projeto e pouco foco no portfólio.

Foco em pequenas melhorias no produto atual e, pouca pesquisa em novos mercados.

Estrutura departamental dificultando a comunicação e a colaboração, formando filas e diminuindo a velocidade das entregas.

Desenvolvimentos caracterizados por grandes entregas.

Distância entre o desenvolvedor e o cliente final.

Pouca participação do cliente final e dos clientes internos na definição e identificação de novos desenvolvimentos.

Dependência excessiva da base da empresa de seus líderes e gerentes de projetos, gerando insatisfação.

Foco na execução e, pouca ênfase no planejamento.

Falta de indicadores para análise do retorno do investimento para os desenvolvimentos liberados.

 

Identificação das oportunidades

01 e 02

Aumento do foco no cliente (interno e externo).

Aumento do foco em novos mercados.

Melhoria na satisfação dos profissionais.

Melhoria na qualidade e eficácia do produto.

----

Quadro 4: Mapeamento da ligação entre a proposta de mudança e os objetivos e estratégias da empresa

Atividades

Grupo

Aspectos

 

 

Mapeamento dos objetivos e estratégias

01 e 02

Simplicidade

Agilidade

Satisfação do cliente externo

Colaboração

Satisfação dos clientes internos

Inovação

----

Quadro 5: Criação de um time para promover a mudança

Atividades

Grupo

Resultados

Criação do time para promoção da mudança

01

Participação de 100% da liderança da equipe de testes: gestor, coordenador e líderes.

100% da participação dos analistas de testes mais experientes.

Voluntários da equipe de testes (sem restrição de quantidade).

02

100% da participação dos analistas de testes mais experientes do processo de desenvolvimento de novos requisitos e produtos.

Participação do coordenador de testes.

Um (1) representante da liderança e coordenação da equipe de Desenvolvimento de produto.

100% dos gestores das equipes envolvidas (PMO, Testes e Desenvolvimento do Produto).

100% da coordenação do PMO.

Gerentes de projetos voluntários com experiência em projetos ágeis e tradicionais.

Seguem mais detalhes sobre os grupos promotores:

Tabela 1: Amostra participante dos testes de software

Função

Total de participantes

Total da População

Amostragem

Gestor

01

01

100 %

Coordenador

01

01

100 %

Líder

04

04

100 %

Analista de Testes

09

81

11 %

Tabela 2: Amostra participante da equipe de Desenvolvimento de Produto

Função

Total de participantes

Total da População

Amostragem

Gestor

02

02

100%

Coordenador

03

06

50%

Líder

02

16

13%

Gerente de Projeto

02

09

22%

Analista de Testes

03

34

9%

A fase de Venda do modelo CAP finalizou em agosto de 2014 através da apresentação do material pesquisado sobre o pensamento enxuto para todos os grupos. A aceitação da implantação do Lean pelos integrantes dos grupos foi imediata e optou-se por dar continuidade ao processo de implantação.

Como terceira etapa da implantação, os grupos definiram por consolidar o conhecimento de todos os promotores, através das seguintes ações:

Uma vez consolidado o conhecimento de todos os promotores envolvidos, foi acordado o início da fase Sustentação do modelo CAP nas áreas de testes e de design.

6. Resultados Obtidos

O aumento original do escopo da implantação do pensamento enxuto nas filiais do estudo de caso, saindo da equipe de testes para outras áreas da empresa, demonstrou que a mudança foi considerada necessária. Um ponto que contribuiu para a aceitação da implantação é que o pensamento enxuto está totalmente alinhado à estratégia e objetivos da empresa.

Os grupos da fase de Venda do CAP decidiram pesquisar com mais detalhes os materiais propostos pelo promotor da mudança. A identificação da necessidade da obtenção de novos conhecimentos mostra a motivação que o Lean traz aos profissionais da empresa e, gera o início da transformação da mentalidade existente.

A formação de times multidisciplinares envolvendo pessoas com cargos diferentes e mais de uma área da empresa no processo de implantação:

A escolha pelo Lean como filosofia a ser implantada nas filiais da empresa objeto do estudo de caso foi realizada para fortalecer o foco no cliente e a colaboração entre as equipes para ganho em eficácia e qualidade. A primeira fase de implantação do pensamento enxuto trouxe alguns ganhos como: engajamento, satisfação dos profissionais, cultura de melhoria contínua e, colaboração. Com este cenário, projeta-se que a implantação da cultura do Lean na empresa alcançará os resultados esperados.

7. Conclusão

A utilização de um modelo de gestão de mudança, dividindo a implantação do pensamento enxuto em etapas, foi um dos fatores determinantes para o sucesso desta pesquisa.  O grande ganho pontuado neste item foi a organização das etapas para a realização da mudança, com fases bem distintas e visíveis que permitem que os novos modelos de trabalho sejam implantados de forma natural. Este formato de gestão de mudança evitou restrições à nova mentalidade porque a implantação não iniciou de forma impositiva.

Outro fator de sucesso a ser destacado é a implantação completa do Lean envolvendo equipes multidisciplinares e com representação de mais de um nível da hierarquia da empresa, gerando sinergia. A análise de todos os ângulos da implantação permite visualizar o ganho sistêmico e, faz com que cada responsável pelo desenvolvimento do software entenda a sua importância para a empresa, eliminando as restrições e receios da mudança uma vez que cada um consegue enxergar seu novo papel.

A proposta de implantação do pensamento enxuto envolvendo diversos ângulos do negócio e através de um modelo de gestão de mudança é a maior contribuição deste artigo. Este formato de implantação do Lean pode ser aproveitado em outras empresas de serviço ou em indústrias projetizadas.

Como sugestão de trabalhos futuros, além da continuação desta implantação aplicando a segunda fase do processo de mudança de Sustentação do Lean na empresa de estudo de caso, este modelo de implantação pode ser aplicado em outros tipos de empresas e negócios. Outra sugestão seria a implantação do pensamento enxuto nas áreas de serviço do software: vendas, customização, implantação e, atendimento.

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Vol. 36 (Nº 02) Año 2015
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